Quatro ministros de Lula afirmam ser contra bloqueio de cópias

A agência especializada Pay TV divulgou uma nota técnica assinada por quatro ministérios sobre a questão dos mecanismos anti-cópia na TV digital, conhecidos como DRM (Digital Rights Management). O documento aponta os prováveis motivos que levaram o governo federal a não aceitar o bloqueio de gravação proposto pelo Fórum do SBTVD e pelos radiodifusores. Nos últimos meses, o debate sobre os mecanismos anti-cópia na TV digital ganhou relevância e deve ser levada ao presidente Lula, que dará a palavra final sobre a questão.

O documento foi assinado pelos ministérios da Ciência e Tecnologia; Cultura; Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; e das Relações Exteriores. De acordo com a nota dos ministérios, a norma ISDTV nº. 05 (que trata da questão da proteção de conteúdos) concede aos radiodifusores poderes unilaterais para determinar a maneira pela qual o público poderá fazer uso do conteúdo, "restringindo direitos consagrados pela Constituição Federal".

Segundo o documento, "a Lei de Direito Autoral também se aplica aos organismos de radiodifusão", e que, para estarem em consonância com a legislação, "os dispositivos tecnológicos a serem incluídos nos aparelhos receptores, assim como o padrão de modulação do sinal transmitido, devem permitir, por exemplo, que a população possa copiar trechos das obras transmitidas, ou, no caso de obras caídas em domínio público, a cópia de obra inteira".

Na opinião dos ministérios que assinam a nota, "as normas específicas propostas para a Segurança e Gestão de Direitos Autorais do SBDTV enfocam apenas um lado dessa equação de necessário equilíbrio entre os titulares de direitos autorais e o interesse público", delegando ao radiodifusor "a decisão tanto de conceder ou não ao espectador os direitos previstos na Lei Autoral quanto de disponibilizar-lhe conteúdos em domínio público".

Ainda segundo a nota interministerial, a adoção de medidas de proteção tecnológica como as propostas nas especificações das normas para a TV digital no Brasil "significa que o Estado irá transferir ao setor privado a incumbência de definir o que é interesse público nas transmissões de televisão, o que contraria a política que vem sendo defendida pelo atual Governo no sentido da democratização da informação e do conhecimento e do acesso à cultura".

Defensor dos mecanismos anti-cópia, o Ministério das Comunicações não assina nota, que, segundo a Pay TV, foi distribuída na Casa Civil e na Presidência da República em junho.

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Leia abaixo a íntegra da nota, ou clique aqui para acessar o documento.

Nota Interministerial MinC, MCT, MDIC e MRE
O Direito Autoral e a Proposta de Especificações Técnicas para o Sistema Brasileiro de TV Digital – SBDTV

A proposta de Especificações Técnicas encaminhada aos Ministérios membros do Comitê de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital pelo Presidente do Conselho Deliberativo do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital submete para apreciação e aprovação de normas técnicas que incluem proposição relativa a proteção do direito autoral. Por meio, em particular, da norma ISDTV nº 05 estabelece-se um conjunto de parâmetros técnicos que poderá unilateralmente conceder aos radiodifusores o direito de determinar a maneira pela qual o público poderá fazer uso das emissões, inclusive das obras transmitidas, protegidas ou não pelo direito autoral, restringindo direitos consagrados pela Constituição Federal, bem como o disposto na legislação pertinente, em especial na Lei de Direito Autoral-Lei 9.610/1998.

Os recursos técnicos previstos poderão impedir que a população usufrua tanto de obras com conteúdo protegido pela Lei de Direitos Autorais, nos termos permitidos por seu capítulo de limitações e exceções e pelo Código Penal, quanto de obras com conteúdo reconhecidamente de domínio público, ou mesmo de obras que os autores tenham autorizado alguns usos, como as licenciadas sob o regime Creative Commons.

A Constituição, em seu artigo 215, estabelece que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

À luz da diretriz constitucional, a Lei de Direitos Autorais busca estabelecer um equilíbrio entre os criadores e os usuários de obras protegidas por Direito de Autor, permitindo o acesso, da maneira mais ampla possível, à cultura mas também fornecendo elementos que incentivem os criadores. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que concede direitos exclusivos aos autores, como os de reprodução ou comunicação ao público de suas obras, a Lei estabelece algumas exceções com vistas a permitir que esses direitos não se tornem impeditivos ao acesso à cultura ou ao livre fluxo de informação e conhecimento dentro da sociedade, e estabelece um prazo máximo de vigência desses direitos, findo o qual as obras caem em domínio público, sendo de livre acesso a reprodução, comunicação ao público e utilização em geral.

A Lei de Direito Autoral também se aplica aos organismos de radiodifusão, devido ao seu papel auxiliar na divulgação da criação, cabendo a eles os mesmos direitos e limitações previstos legalmente, para os autores de obras intelectuais. Nesse sentido, de modo a estarem em consonância com a legislação brasileira, os dispositivos tecnológicos a serem incluídos nos aparelhos receptores, assim como o padrão de modulação do sinal transmitido, devem permitir, por exemplo, que a população possa copiar trechos das obras transmitidas, ou, no caso de obras caídas em domínio público, a cópia de obra inteira. Adicionalmente, a lei estabelece que passagens de qualquer obra podem ser comunicadas ao público para fins de estudo, crítica ou polêmica.

No entanto, as normas específicas propostas para a Segurança e Gestão de Direitos Autorais do SBDTV (ISDTV N05) enfocam apenas um lado dessa equação de necessário equilíbrio entre os titulares de direitos autorais e o interesse público. A previsão de instalação, mandatória, em cada aparelho receptor, de hardwares de interface HDMI com a obrigatoriedade de aplicação do Protocolo HDCP, nos termos dispostos na norma, terá o efeito, na prática, de delegar ao radiodifusor a decisão tanto de conceder ou não ao espectador os direitos previstos na Lei Autoral quanto de disponibilizar-lhe conteúdos em domínio público.

A adoção de medidas de proteção tecnológica como propostas nas especificações das normas ISDTV para a TV Digital no Brasil, significa que o Estado irá transferir ao setor privado a incumbência de definir o que é interesse público nas transmissões de televisão, o que contraria a política que vem sendo defendida pelo atual Governo no sentido da democratização da informação e do conhecimento e do acesso à cultura.

Ademais, as especificações técnicas propostas pelo Conselho Deliberativo do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital, em especial pela ISDTV N05 são contrárias às posições adotadas pelo Brasil nos diversos foros internacionais que tratam da propriedade intelectual, nos quais o País tem defendido com vigor o equilíbrio entre os direitos dos titulares de direitos de autor e conexos e o interesse dos usuários de obras protegidas. Em particular, o Brasil tem-se oposto às normas que pretendem impor a proteção às medidas tecnológicas, à luz das preocupações de interesse público presentes em nossa legislação.

O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS), da Organização Mundial do Comércio (OMC), não obriga os países a adotarem as medidas de proteção tecnológica (Technological Circumvention Measures) A maneira como cada país deve cumprir o acordo é deixada para decisão interna (Acordo TRIPS, Artigo 1.1), não havendo nenhuma espécie de obrigação ou recomendação, entre os países membros de TRIPS, no sentido da adoção de medidas de proteção tecnológica como as defendidas pelo Fórum. A discussão das medidas tecnológicas não é objeto de discussão na atual agenda da OMC.

Cumpre assinalar que, em 1996, no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), o Brasil deixou de aderir aos Tratados sobre Direitos Autorais (WCT) e sobre Produtores de Fonogramas e Intérpretes (WPPT), entre outros motivos, em função dos dispositivos que prevêem a obrigatoriedade de medidas de proteção tecnológica. Ademais, nas atuais negociações, na OMPI, sobre possível tratado de proteção a organismos de radiodifusão, o Brasil tem-se oposto às propostas de dispositivos que obrigam a adoção dessas medidas.

Trata-se, na verdade, de matéria polêmica em âmbito internacional. A controvérsia a respeito da adoção de um ordenamento internacional que obrigue a implementação de medidas de proteção tecnológica tem gerado grande debate internacional, levando a que vários países concluam internamente que tais medidas são contrárias ao interesse público, e se recusem a adotar os Tratados acima mencionados. Mesmo em países que já adotaram esse regulamento em nível interno, como França e Noruega, já se tem notícia de decisões judiciais que visam restabelecer o acesso da população às limitações e exceções previstas em lei, restringindo o caráter auto-aplicativo dessas medidas. Esta controvérsia atinge igualmente países que têm se utilizado de Technological Anticircumvention Measures, como os Estados Unidos e o Japão.

Cabe ressaltar, que o combate à pirataria, incluindo a de obras audiovisuais, é uma das preocupações do Governo brasileiro, como pode ser percebido nas ações de políticas que vem sendo realizadas pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), pelo Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI) e pelos esforços cada vez mais articulados dos vários órgãos de Governo afetos à matéria. De fato, nossas credenciais nessa área são reconhecidas internacionalmente, sobretudo em função de se tratar de política pública que leva em conta a complexidade do problema da pirataria.

Sem desconsiderar a seriedade do desafio do combate à pirataria, as medidas de proteção tecnológica que são propostas pelo Fórum não representam instrumentos adequados para atingir tal objetivo porque conferem aos particulares, os radiodifusores, prerrogativas constitucionais do Estado de julgamento e aplicação da Lei. Neste contexto, tais medidas representam instrumentos desproporcionais para o combate à pirataria.

A padronização industrial imposta pelas medidas de proteção tecnológica propostas e a inevitável proibição de produção e importação de equipamentos que violem essas medidas irão estimular um mercado paralelo de equipamentos com tecnologias alternativas, a exemplo do que ocorre com a segmentação dos equipamentos DVDs produzidos para atender regiões específicas. Estas medidas terão impactos negativos na competitividade das empresas legalmente estabelecidas, podendo afetar as iniciativas de inovação tecnológica no segmento.

A decisão que o Governo deverá tomar a respeito das normas técnicas a serem adotadas para o SBTVD deverá levar em conta o disposto no próprio Decreto 4.901/2003, que cria o Comitê de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital, e estabelece que esse sistema deve obedecer a uma série de pré-requisitos, entre os quais o de “Promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação.”

Nesse sentido, é interessante recordar que tal normativa seria aplicada também às televisões públicas, o que contraria a discussão que vem sendo conduzida no âmbito do Governo de promover o interesse público, o acesso mais livre a programação de qualidade e a interatividade com a programação.

O estabelecimento desse novo padrão tecnológico, com as restrições impostas principalmente pela norma ISDTV N05, poderá, ao invés de democratizar o acesso à informação, tornar a população refém de uma tecnologia que a impeça de utilizar licitamente tanto obras protegidas quanto obras em domínio público, caracterizando, assim, um retrocesso ao invés de um avanço para o País nessa área.

Brasília, 28 de maio de 2007

Coordenação Governamental do Subgrupo de Propriedade Intelectual do Grupo de Trabalho Conjunto Brasil-Japão .

Ministério da Ciência e Tecnologia
Ministério da Cultura
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Ministério das Relações Exteriores 

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