Ministério da Justiça publica novas regras para TVs

A partir desta quinta-feira, passam a valer as novas regras para a classificação indicativa para programas de televisão. São, de fato, novas regras, já que a portaria publicada nesta quarta (11 de julho) pelo Ministério da Justiça modifica substancialmente o conteúdo da regulamentação editada em fevereiro deste ano e que foi alvo de seguidos questionamentos pelas emissoras de TV.

A principal mudança está no modo como se instaura o processo de classificação, como já antecipado por representantes do MJ. A Portaria 1.220, ao contrário da sua predecessora (a de número 264), extingue a análise prévia do conteúdo. A partir de agora, as emissoras farão uma auto-classificação dos programas, definindo elas próprias a faixa etária a que estes são adequados. Somente após a exibição do programa, o MJ poderá fazer a classificação e verificar se a avaliação das emissoras foi adequada.

A análise prévia foi insistentemente questionada pelas emissoras nos últimos meses. A medida, que vale para outras obras audiovisuais (como filmes para cinema) e artísticas (como teatro), foi de forma constante confundida propositadamente com censura. Outro ponto questionado da mesma forma pelos radiodifusores foi a vinculação entre a classificação e o horário de exibição.

Na nova portaria, a vinculação é mantida, inclusive indicando que devem ser considerados os diferentes fusos horários vigentes no país. Porém, a expressão “terminantemente vedada a exibição”, presente nas regulamentações anteriores, foi substituída por “inadequada para exibição”.

O iretor do Departamento de Justiça do MJ, José Eduardo Romão, explica que se compreendeu que a expressão era um excesso dentro da regulamentação. Segundo Romão, não é necessário que a portaria estabeleça este limite, já que ele é dado por legislação superior, no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “O que o MJ não pode deixar de fazer é regulamentar a vinculação entre horário e classificação, o que é feito pela portaria”, diz.

Porém, o procurador Sérgio Suiama, do Ministério Público Federal em São Paulo, acredita que o novo texto “não resolve a questão do cumprimento das indicações de horários”. “O programa vai ao ar em qualquer horário e o MJ leva dias para se pronunciar e, depois, a Justiça leva meses para se pronunciar”, justifica Suiama. “Mesmo o fuso horário fica sem sentido, porque o horário não é mais mandatório.”

Adequação

O mesmo problema vale para a própria classificação, aponta o procurador, lembrando que em muitos casos os programas são veiculados em períodos curtos, ou seja, não estão sujeitos a adequações. O pior, entretanto, para Suiama é o fato de o Estado deixar “para a emissora fazer a classificação, como se a emissora fosse a instituição mais adequada para decidir sobre isso”.

O questionamento se sustenta também no fato de que não há critérios detalhados e públicos aos quais as emissoras estão obrigadas a responder na sua auto-classificação. Hoje, a legislação estabelece como limites o “excesso de violência e sexo”. Porém, não há regulamentação sobre o que seria excessivo e o que não seria.

Já os avaliadores ligados ao Ministério da Justiça trabalham a partir de um manual, onde são estabelecidos indicadores para medir os excessos. Este manual, que já é usado para a classificação de filmes para cinema, games e teatro, seguirá sendo a base da classificação, mas esta só será feita após a exibição do programa. Havendo discrepância entre a classificação do MJ e a auto-avaliação da emissora, a questão será enviada ao Ministério Público, a quem caberá propor ou não um Termo de Ajuste de Conduta ou uma Ação Civil Pública contra a emissora.

Para o diretor do Dejus, “o medo das emissoras está neste envio ao Ministério Público”. Ao mesmo tempo, Romão declara que a portaria “limpa o campo” em termos jurídicos e evita “que as emissoras mobilizem ou dirijam a sua pressão para negociações dentro do MJ”.

Em relação aos critérios usados pelas emissoras para auto-avaliarem seus programas, tanto Romão como o coordenador de relações acadêmicas da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), Guilherme Canela, acreditam que eles serão estabelecidos e publicizados com o tempo. Ambos compartilham a avaliação de que a pressão da sanção pelo Judiciário e a pressão pública trabalharão a favor da explicitação dos critérios das emissoras.

De acordo com Romão, “antes, a análise prévia afastava a responsabilidade da avaliação pelas emissoras do seu próprio produto”.

Canela apontou como problemática a extinção da categoria “Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes”, prevista na portaria anterior. Este selo era visto como um incentivo à qualificação da programação voltada para este público.

Outra mudança estabelecida pela Portaria 1220 é a extensão do prazo para que as emissoras ajustem o horário da programação nos estados com o fuso horário diverso ao de Brasília para seis meses. A nova regulamentação ainda esclarece que os programas veiculados em TV a Cabo estão sujeitos à classificação indicativa, mas não há vinculação aos horários de exibição. Isso porque, nesta modalidade, os pais podem recorrer a dispositivos técnicos para evitar que as crianças assistam aos programas inadequados para sua faixa etária.

Saldo do debate

Ainda que a nova regulamentação tenha sido feita sob a influência de uma forte pressão das emissoras de TV e, por esta razão, reflita de forma mais explícita este lobby, para os envolvidos no longo debate sobre a classificação indicativa o saldo tende a ser positivo.

Para Guilherme Canela, da Andi, a participação de atores de diversos segmentos – dos direitos da infância, dos direitos humanos e da área da comunicação – é um indicador do avanço do tema comunicação na sociedade. “E também precisamos reconhecer que nunca antes houve um debate sobre a regulação da própria mídia que tenha sido tão longo e tenha aparecido na grande mídia – com campanhas institucionais, com entrevistadores dedicando-se à tarefa de falar do tema, com anúncios pagos em jornais”, avalia Canela.

O espaço a que Canela se refere, entretanto, foi usado majoritariamente para enfraquecer a proposta da classificação indicativa. Pela televisão, apenas um debate foi realizado contando com a participação de ambos os lados da contenda. Na sua programação regular, as emissoras (especialmente, as comerciais) abusaram do recurso da entrevista com opositores da medida. Na terça-feira, véspera da edição da nova portaria, anúncio de página inteira foi veiculado nos grandes jornais do país, assinado por um grupo de artistas e ONGs. Não há indicação de quem pagou este anúncio.

Mesmo considerando esta desigualdade, para Romão o debate foi “fartamente democrático”. Um indicador para isto seria o tempo de gestação da regulamentação e a revisão a que se propôs o Ministério da Justiça. Entretanto, o diretor do Dejus não afasta a possibilidade de que as emissoras venham a questionar a nova portaria na Justiça.

Ele também aponta o engajamento de vários setores da sociedade civil como um fato a ser festejado. “Mais do que isso, acredito que ficou claro que um debate acerca da regulamentação das comunicações só pode ser feito com um processo fartamente democrático e este é o link necessário que tem de ser feito com as demandas dos movimentos pela democratização da comunicação. Em especial, a necessidade de participação nos processos regulatórios aponta para a demanda dos movimentos pela realização da Conferência Nacional das Comunicações”, conclui.

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