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Ministro do STF afirma que classificação indicativa não é censura

Por Bia Barbosa*

Nesta quinta-feira 5, na retomada do julgamento da ADI 2404, o ministro Edson Fachin divergiu de seus colegas do STF e defendeu a manutenção das sanções às emissoras que veicularam conteúdo em horário diferente do recomendado, desrespeitando a classificação indicativa. A ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo PTB em 2001 a pedido das emissoras de radiodifusão, busca revogar o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O texto do artigo prevê multa para as emissoras que desrespeitarem a Classificação Indicativa dos programas de televisão, veiculando conteúdo em horário não apropriado. As empresas de comunicação defendem a tese de que a vinculação horária da programação a faixas etárias para as quais seriam recomendadas representa uma violação à liberdade de expressão.

O julgamento estava parado desde novembro de 2011, após pedido de vistas do então ministro Joaquim Barbosa, e retomou nesta quinta com o voto de Fachin. Para o ministro, o Supremo deve se posicionar sobre o artigo 254 do ECA explicitando que sua interpretação não pode significar a proibição da veiculação de qualquer conteúdo pelo Estado – isso, sim, caracterizaria a prática de censura. Mas pode, sim, significar a indicação de uma faixa horária recomendada para proteger crianças e adolescentes de impactos no seu desenvolvimento psicossocial. E que isso não é censura.

Nas palavras do ministro, “liberdade de expressão e proteção das crianças não são incompatíveis”. Para ele, “esta restrição pontual à liberdade de expressão pode existir em função do que estabelece o artigo 227 da CF”, que garante prioridade absoluta para as crianças e afirma o papel do Estado e da sociedade para protegê-la de todas as formas de violência.

Edson Fachin defendeu sua posição com base no que afirmam diversos tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos) e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças e Adolescentes.

O ministro também citou decisões da Corte Européia e Interamericana de Direitos Humanos, e da Corte Suprema dos Estados Unidos, que em casos semelhantes reafirmaram a importância da existência de um horário protetivo para a veiculação de determinados conteúdos na TV.

Num voto muito denso e aprofundado, Fachin buscou ainda referências internacionais em documentos como o “Guidelines for Broadcasting Regulation” (Orientações para a Regulação da Radiodifusão), editado pela ONU, e no trabalho de órgãos reguladores como a Federal Communications Commision, dos Estados Unidos, e o Ofcom, do Reino Unidos. E elencou os inúmeros países que contam com mecanismo semelhante à Classificação Indicativa entre as regras que devem ser respeitadas pelos veículos: França, Irlanda, México, Alemanha, Espanha, Canadá, Filipinas, entre tantos outros.

Deixou muito claro, assim, que a política brasileira de Classificação Indicativa está em acordo com o direito internacional e com os padrões internacionais de liberdade de expressão. Ou alguém acha que todos esses países censuram os meios de comunicação?

Depois do voto do ministro Fachin, o ministro Teori Zavascki pediu vistas, e por enquanto não há data para a nova retomada do julgamento.

Em defesa das crianças

Em novembro de 2011, quando o julgamento da ADI teve início, o relator Dias Toffoli votou em acordo com o pedido das emissoras de TV. Na sessão desta quinta, chegou inclusive a dizer que “o Estado não pode imiscuir na atividade da imprensa”, ignorando que a Classificação Indicativa não inclui os programas jornalísticos. Na época, os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e o então ministro Ayres Britto acompanharam o relator. Agora, restam mais cinco votos para a conclusão do julgamento.

Para a Procuradoria Geral da República, que já se pronunciou sobre o caso, a ação é improcedente e a previsão de sanção para os canais de desrespeitarem a política pública, que só pode ser aplicada pelo Poder Judiciário, é legítima. O Ministério Público Federal entende que a liberdade de expressão dos canais deve estar em consonância com outros direitos, como a proteção de crianças e adolescentes diante de conteúdos que podem lhes causar danos.

Na avaliação de organizações da sociedade civil defensoras dos direitos humanos e que integram o processo no STF como amici curiae, a política pública que regula a Classificação Indicativa no Brasil é fundamental e deve ser mantida. Elas acreditam que, caso o Supremo derrube o art. 254 do ECA, as emissoras passarão a ignorar o horário indicado para veiculação dos conteúdos violentos e de teor erótico, causando sérios danos ao desenvolvimento psicossocial de meninos e meninas em todo o país.

Em nota, cerca de 80 organizações repudiaram a ação movida no STF e, considerando os avanços da política de Classificação Indicativa desde o início do julgamento, em 2011, solicitaram a realização de uma audiência pública pelo Tribunal antes da retomada da análise do caso. Infelizmente, o relator Dias Toffoli não atendeu ao pedido da sociedade. Na última semana, foi lançada uma campanha nas redes sociais com a#STFprotejaInfancia.

Em dezembro de 2014, pesquisa de opinião realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, no âmbito de uma cooperação técnica entre a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) e a Unesco, mostrou que 94% dos entrevistados consideram a política de Classificação Indicativa importante ou muito importante – o percentual cresce de acordo com o aumento da escolaridade dos entrevistados.

Já 71% acham muito importante que as emissoras de TV aberta respeitem a vinculação horária, 85% defendem a continuidade da política como ela funciona atualmente e 94% concordam com a aplicação de multas para os canais que desrespeitarem a classificação. Segundo o estudo, 98% dos pais concordam que deve haver algum tipo de controle sobre o que as crianças e adolescentes assistem na TV.

Ou seja, a sociedade brasileira reconhece e apoia a Classificação Indicativa, não havendo portanto qualquer motivo para o desmonte da política, dez anos após a sua bem sucedida implementação. O STF não pode permitir este retrocesso para atender ao pleito de empresas que querem acabar com este mecanismo de defesa dos direitos da infância em nome do vale tudo na TV e de sua busca desenfreada por audiência e lucro. A proteção de meninos e meninas é o mínimo que podemos exigir dos meios de comunicação.

 

*Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos e mestra em políticas públicas. Integra a coordenação executiva do Intervozes.

Para Conar, regular até mesmo a publicidade infantil é censura

Por Bia Barbosa*

O mundo todo celebrou esta semana, no dia 3 de maio, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A data, como todos os anos, foi marcada pelo lançamento de relatórios que revelam os desafios do jornalismo nas sociedades contemporâneas. Entre eles, a violência que segue acometendo profissionais e comunicadores populares nas mais diferentes regiões do planeta. Para quem quiser conferir como anda a situação no Brasil, fica a sugestão de leitura da publicação lançada pela Artigo19, que relata 15 homicídios, 11 tentativas de assassinatos e 28 ameaças de morte no País motivadas pelo exercício da liberdade de expressão.

Todos os anos, também a Imprensa Editorial, responsável pelo Portal Imprensa, organiza na mesma data o Fórum Liberdade de Imprensa & Democracia. O evento tem sido marcado pela reunião de “eminentes nomes do jornalismo brasileiro” que, invariavelmente, compreendem que qualquer regulação dos meios de comunicação é prática de censura. Este ano, o apresentador do Jornal Nacional, Heraldo Pereira, soltou a pérola: “Ainda bem que temos o PMDB, que já disse que é contrário à Lei da Censura que o PT quer aprovar. Não adianta falar que é regulação, por que não é”.

A novidade de 2015, cuja edição foi patrocinada pelo Grupo Globo, com o apoio de diversas entidades empresariais, foi incluir, no hall dos temas a serem debatidos, a questão da publicidade. Sim, o Portal Imprensa embarcou na onda de que as propagandas comerciais também são manifestações de liberdade de expressão – e que, por isso, devem ser protegidas pelo mesmo princípio constitucional que impede que manifestações de pensamento sofram quaisquer restrições. Num painel intitulado “Limites na criação publicitária: liberdade de consumo X controle e regulamentação”, três profissionais da propaganda se revezaram para defender “o direito da população ser informada pela publicidade”, e para atacar principalmente iniciativas de proteção das crianças em relação à publicidade infantil.

Um dos alvos foi a Resolução n. 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), aprovada em março de 2014, que considera abusivas a publicidade e a comunicação mercadológica dirigidas às crianças de até 12 anos. Por ser um ato normativo primário previsto no Art. 59 da Constituição Federal, as Resoluções do Conanda possuem poder vinculante e devem ser seguidas e consideradas por todos os agentes sociais e estatais. Ou seja, desde o ano passado, a publicidade dirigida à criança é considerada ilegal segundo o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Constituição. Mas continua sendo sistematicamente empregada tanto pelos anunciantes quanto pelas agências de publicidade, com a conivência dos veículos de comunicação, que lucram com tais anúncios.

Observando essas ilegalidades, o Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, enviou, em abril passado, cinco representações para os Ministérios Públicos de São Paulo e Paraná e para os Procons de São Paulo e do Espírito Santo. O objetivo não é acabar com a publicidade, mas garantir seu direcionamento para os adultos e não mais para as crianças.

Para Mônica Spada e Souza, diretora executiva da Maurício de Souza Produções, que esteve no evento do Portal Imprensa, restringir a publicidade infantil é “subjulgar a inteligência das crianças”, que, na sua avaliação, tem todas as condições para compreender a diferença entre realidade e fantasia e também tem “direito ao acesso à informação”. Mônica é defensora da tese de que são os pais que tem que definir o que seus filhos podem ver – mesmo que, em grande parte das vezes, as crianças estejam sozinhas diante da televisão.

Edney Narchi, vice-presidente executivo do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), outro convidado do Fórum, concorda plenamente que “o Conanda quer restringir o direito de acesso à informação pela publicidade”. Para ele “espécies de pessoas e de ONGs são contra porque são contra a propaganda mercadológica”, assim como a “Anvisa é contra porque é contra a publicidade de medicamentos e de determinados alimentos”.

Ou seja, para o Conar, não há qualquer motivo para que a sociedade se preocupe com o bombardeio publicitário sofrido pelas crianças ou para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se preocupe com os índices crescentes de automedicação da população brasileira.

Reportagem do próprio Jornal Nacional veiculada nesta terça-feira 5, sobre o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos, mostrou que mais de 39 mil pessoas foram intoxicadas por remédios no ano passado e destacou os riscos do consumo sem receita de medicamentos. Mas, para o mercado publicitário, restringir este tipo de anúncio, com buscou fazer a Anvisa, é “ser contra por ser contra”.

“A comunicação é algo tão sensível que não deve ser motivo de lei”, cravou Edney Narchi, ignorando que, no mundo todo – sobretudo em democracias mais antigas que a nossa –, a banda não toca desse jeito. Para o Conar, nossa Constituição Federal é autoritária e a autorregulamentação é o que deve existir em termos de regras para o funcionamento do setor. O resto é censura!

O terceiro convidado do painel, Carlos André Eyer, diretor de criação da NBS, reforçou o mesmo ponto de vista desta discussão bastante plural, como deveria se esperar de um evento organizado por uma empresa jornalística e que leva a palavra “democracia” no título. “Estamos terceirizando a educação das pessoas ao vilanizar a publicidade e os produtores de conteúdo. Temos é que dar estrutura para as famílias educarem seus filhos em vez de acharmos que é preciso privar as crianças de algumas coisas”, disse Eyer. E encerrou com mais uma pérola do encontro: “Todos os departamentos de marketing das cervejarias estão tentando fazer propaganda com menos mulher gostosa no vídeo, mas não dá certo. O bebedor médio de cerveja gosta é disso. Então a culpa não é da propaganda, é do consumidor”.

Precisa dizer algo mais?

Para quem quiser conhecer melhor o debate sobre publicidade infantil, visite o site do projeto Criança & Consumo, do Instituto Alana.

* Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos e integra a Coordenação Executiva do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Famílias e organizações civis defendem a classificação indicativa

Por Bia Barbosa*

Na semana em que o mundo celebra mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais de 80 organizações brasileiras lançaram um nota em defesa de uma das principais políticas públicas em funcionamento no país para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes: a classificação indicativa da programação das emissoras de TV.

Desde 2001, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação (ADI 2404) que, a pedido da associação dos radiodifusores, pede a declaração de inconstitucionalidade do artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê sanções aos canais que veicularam conteúdo em horário diferente ao previsto na classificação indicativa. Em busca de audiência e ávidas por poderem transmitir qualquer programação em qualquer horário, as emissoras alegam que o fato de poderem ser multadas caso veiculem conteúdo inapropriado a uma determinada faixa etária viola sua liberdade de expressão.

Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal já votaram atendendo o pedido das emissoras, o que coloca toda a classificação indicativa em risco. O STF deve voltar a julgar a ação no próximo período. Preocupadas, diversas entidades de defesa dos direitos das crianças pedem que, antes disso, o Supremo realize uma audiência pública para ouvir a população sobre o tema.

Pesquisa realizada a pedido do Ministério da Justiça pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, em cooperação com a UNESCO, divulgada nesta quinta-feira (11/12), comprova que a Classificação Indicativa é uma política em pleno funcionamento, aprovada pelas famílias. Segundo estudo, 97% dos pais ou responsáveis por crianças de 4 a 16 anos consideram muito importante ou importante que emissoras de TV aberta respeitem a limitação de horário vinculada à classificação indicativa. E 94% consideram que deve existir multa para emissoras que desrespeitarem as regras. Quase a totalidade dos pais ou responsáveis entrevistados (98%) acredita que deve haver algum tipo de controle sobre o que as crianças e adolescentes assistem na TV. Entre as preocupações dos pais estão cenas de tortura, estupro ou suicídio (79%) e cenas de consumo de drogas ilícitas (73%).

A realidade é que a televisão é o meio de comunicação ainda hoje com maior influência na difusão de culturas e na formação de valores. O impacto dos conteúdos que recebemos diariamente pela telinha já foi comprovado em centenas de pesquisas científicas em todo o mundo. No caso das crianças e adolescentes, os efeitos daquilo que assistem na TV é ainda maior, em função de serem pessoas ainda em desenvolvimento, não preparadas para absorver individualmente todo e qualquer tipo de imagem.

Por isso, no mais diferentes países, foram criados mecanismos de proteção das crianças a determinados conteúdos transmitidos pela televisão. Na maior parte deles, como França, Canadá, Inglaterra, Chile, Argentina e Estados Unidos, há uma faixa horária específica de proteção. Neste período, as emissoras devem se abster de veicular, por exemplo, conteúdos violentos ou com cenas que possam impactar fortemente meninos e meninas. Trata-se de uma regulação democrática dos meios que, sem cercear a liberdade de expressão, garante seu equilíbrio com a proteção de outros direitos fundamentais – no caso, os das crianças e adolescentes.

Em 2006, espelhado em democracias como estas, o Brasil também adotou uma política de classificação indicativa. A classificação desses programas é feita pelas próprias emissoras, a partir de critérios claros e transparentes, que foram construídos após amplo debate nacional, do qual os canais de rádio e TV também participaram. O modelo adotado no Brasil parte do princípio que cabe às famílias, mas também à sociedade e ao Estado, garantir a proteção absoluta dos direitos das crianças e adolescentes ao bem-estar social e à sua saúde física e mental, como afirma a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A própria ONU e Comissão Interamericana de Direitos Humanos entendem que mecanismos como este são fundamentais para a proteção da infância. Vale lembrar que somos um dos países em que a população passa mais tempo por dia em frente à TV – na maior parte do tempo, as crianças estão sozinhas.

Por que então mudar o que está dando certo, em nome dos interesses comerciais das emissoras, se o fim da classificação trará inúmeros prejuízos para nossas crianças e adolescentes?

Confira neste link a íntegra da nota pública lançada pelas entidades e que será enviada aos ministros/as do Supremo Tribunal Federal na próxima semana.

* Bia Barbosa é jornalista, especialista em Direitos Humanos (USP), mestre em Políticas Públicas (FGV-SP) e integrante da coordenação do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Direitos, valores e sociedade

A liberdade de expressão está garantida na Constituição, assim como o acesso à informação. Mas não se tratam apenas de direitos que devem ser garantidos pelo Estado. É dever de toda a sociedade lutar, defender e reivindicá-los. Esta é a bandeira da organização Artigo 19, que está presente em vários países. No Brasil, o escritório fica em São Paulo. A revistapontocom conversou com Camila Marques e Karina Quintanilha, advogadas do Centro de Referência Legal, da Artigo 19.

Na entrevista que segue, elas explicam os desafios que o Brasil enfrenta para alcançar a ‘liberdade de expressão’. Mostram que, em alguns casos, é necessário encontrar um equilíbrio entre a liberdade de expressão e outros direitos, como o que defende as crianças. Falam também de dois temas polêmicos que envolvem a infância e a liberdade de expressão: a classificação indicativa e a propaganda abusiva. Segundo elas, a publicidade abusiva é toda aquela que se aproveita da vulnerabilidade do consumidor ou que viole valores sociais e morais do mesmo.

“Mesmo que se admita a existência de uma “liberdade de expressão publicitária”, é necessário primeiro avaliar os interesses da sociedade e verificar o que é mais importante: veicular a publicidade, garantindo a liberdade de expressão, ou proteger outros direitos e valores que podem ser prejudicados por ela. O que se busca ao regular a publicidade não é impedir seu exercício legítimo, mas definir parâmetros que estejam de acordo com os valores da sociedade. Quem deve definir os limites da regulamentação é, portanto, a própria sociedade, de maneira participativa e democrática, e não os publicitários e anunciantes isoladamente”, destacam as advogadas.

Qual é o objetivo da organização Artigo 19?

Camila Marques e Karina Quintanilha – A Artigo 19 trabalha para que todos e todas, em qualquer lugar, possam se expressar de forma livre, acessar informação e desfrutar de liberdade de imprensa. Compreendemos que a liberdade de expressão está baseada em um tripé: direito de se pronunciar, liberdade de imprensa e direito de saber. Nesse sentido, o principal objetivo da organização é proteger e promover o direito à liberdade de expressão e acesso à informação, previstos pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este é o motivo para adoção do referido artigo como nome da organização. Para a Artigo 19, o acesso à informação é o oxigênio da democracia.

A criação da Artigo 19 é uma prova de que a liberdade de expressão ainda não é um direito?

C.M. e K.Q. – A existência de uma organização de direitos humanos como a Artigo 19 comprova que a garantia desses direitos pelo Estado não depende apenas de previsão legal, mas também de políticas públicas efetivas construídas de forma participativa com a sociedade. Assim, podemos afirmar que a liberdade de expressão, sem dúvida, é um direito fruto da luta histórica da sociedade por direitos, porém cabe a todos e todas exercer o controle social do Estado para cobrar que esse direito seja efetivado de forma igualitária na sociedade.

Quais são os desafios para se alcançar o pleno exercício da liberdade de expressão, nos três eixos citados: o direito de se pronunciar, liberdade de imprensa e o direito de saber?

C.M. e K.Q. – Para a Artigo 19, esses três eixos estão interligados, de forma que o pleno exercício da liberdade de expressão somente poderá ocorrer quando esse tripé – buscar, receber e difundir informações e ideias – esteja garantido. No Brasil, dentre os principais desafios para a realização plena da liberdade de expressão podemos citar: as barreiras impostas ao acesso à informação pública; violência contra jornalistas, comunicadores e defensores de direitos humanos; violência estatal e criminalização de protestantes; censura e vigilantismo na internet; a ausência de regulamentação e fiscalização para estimular o pluralismo e diversidade na mídia além de coibir o monopólio dos meios de comunicação e a apropriação desses meios por políticos; a criminalização dos meios comunitários de comunicação decorrente da ineficiência do Estado em garantir as outorgas; sanções criminais ou civis abusivas e desproporcionais por difamação contra aqueles que levantam a sua voz para denunciar violações a direitos humanos; acesso limitado à internet por grupos vulneráveis.

Dos três direitos, talvez o que trata da liberdade de imprensa seja o mais conhecido, pois volta e meia entra no discurso das grandes corporações de mídia. Os outros: o direito de saber e o de pronunciar parecem que estão ligados mais ao cidadão e são poucos conhecidos. Correto?

C.M. e K.Q. – Como mencionamos anteriormente, tratam-se de dimensões diferentes da liberdade de expressão, mas que estão intrinsecamente ligadas entre si. Pode-se dizer que houve uma evolução na concepção da liberdade de expressão. Assim, a interpretação contemporânea desse direito mostra que a liberdade de expressão vai além de um direito individual, pois implica no reconhecimento da dimensão coletiva desse direito, já que toda a sociedade tem o direito de difundir, receber e propagar informações e ideias num ambiente de pluralismo e diversidade. Dessa forma, superamos a interpretação tradicional desse direito que implicava no entendimento de que liberdade de expressão significava apenas o direito de cada um dizer o que “lhe vier a mente” sem nenhum tipo de restrição. A concepção contemporânea da liberdade de expressão mostra que existe uma dimensão individual e coletiva desse direito, já que o direito de receber informações de fontes diversas e variadas está embutido na liberdade de expressão enquanto cidadão e cidadã. Além disso, ainda existe o direito de todos nós de ter acesso aos meios necessários para difundir qualquer tipo de expressão que tenhamos interesse em difundir. Infelizmente, o desconhecimento sobre esses aspectos da liberdade de expressão é uma realidade. Acreditamos que isso ocorre, principalmente, pois existe uma omissão do Estado em desenvolver políticas públicas que incentivem a disseminação de informações e educação sobre os direitos humanos.

Se os cidadãos adultos muitas vezes não têm noção de tais direitos, o que dirá a infância ou a juventude. Pelo que vocês observam no dia a dia, crianças e adolescentes são considerados cidadãos com menos direitos?

C.M. e K.Q. – Realmente seria muito importante que o Estado se preocupasse desde os primórdios da educação infantil com a garantia desses direitos e a educação em direitos humano. Isso não quer dizer que crianças e adolescentes são considerados cidadãos com menos direitos, muito pelo contrário, as diversas legislações protetivas dos direitos das crianças e adolescentes mostram que existe um reconhecimento da sociedade da necessidade de garantir proteção especial para esse grupo.

Há algum trabalho específico de vocês para crianças e adolescentes?

C.M. e K.Q. – A Artigo 19 acompanha desde os primórdios a discussão sobre a classificação indicativa no Conselho Nacional de Comunicação. Sobre esse assunto, apresentou Amicus Curiae – espécie de parecer jurídico – no Supremo Tribunal Federal (STF) para defender a constitucionalidade da classificação indicativa. Estamos envolvidos com algumas iniciativas no que diz respeito às medidas de proteção da criança e do adolescente frente aos conteúdos abusivos e violentos veiculados nos meios de comunicação. Recentemente acompanhamos as discussões decorrentes da Resolução 163 do Conanda a fim de mostrar que existem limitações legítimas à liberdade de expressão, como é o caso da limitação da publicidade comercial para proteger o direito das crianças e adolescentes.

No Brasil, qualquer tipo de ação política e ou política pública que tente de alguma forma regular qualquer questão frente às crianças e aos adolescentes (por exemplo, a questão da classificação indicativa, como vocês mencionaram) é associada à censura e consequentemente à violação da liberdade de imprensa. Por que isto acontece?

C.M. e K.Q. – Não se trata apenas de um fenômeno nacional. A regulamentação da mídia é tema de grande debate e resistência por parte das grandes corporações em todo o mundo. No Brasil, a questão é ainda mais complicada devido ao histórico monopólio dos meios de comunicação que favorece economicamente e politicamente os setores comerciais. Esses setores fazem uso do argumento da censura para convencer a opinião de pública de que a regulamentação da mídia restringiria a liberdade de imprensa. Ocorre, no entanto, que o Brasil é um dos mais atrasados nessa questão e toda a população sofre com ausência de parâmetros claros para garantir que não haja monopólio na mídia e para que existam políticas públicas que garantam espaço para grupos minoritários e independentes nos meios de comunicação. A política de classificação indicativa, por exemplo, que está sendo implementada no Brasil, tem sido elogiada por outros países como um modelo de regulamentação de acordo com os padrões internacionais de proteção às crianças e liberdade de expressão. No entanto, essa política que tem como finalidade proteger as crianças de conteúdos ofensivos ou prejudiciais a sua integridade psíquica e formação intelectual está sendo contestada nesse momento no STF sob a alegação de que se trata de uma limitação ao direito à liberdade de expressão, apesar da Constituição Federal deixar claro a necessidade da proteção da criança e adolescentes a conteúdos veiculados na mídia. Quatro ministros do STF já se posicionaram contra a política de classificação indicativa em atendimento aos argumentos apresentados pelo setor comercial que tem interesse em veicular a sua programação sem nenhuma restrição de horário. Recentemente o processo entrou para a pauta de julgamento e caso não haja forte mobilização e pressão por parte da sociedade civil corremos sérios riscos de ver deslegitimada a política pública de classificação indicativa, o que representaria uma enorme perda para aqueles que lutam por uma regulamentação dos meios de comunicação em favor de maior pluralismo e diversidade na mídia de acordo com padrões internacionais que equilibrem o direito à liberdade de expressão frente a outros direitos como é o caso das crianças.

Essa mesma discussão dos interesses comerciais também está presente na questão da publicidade, não é mesmo? Recentemente, o Conanda aprovou a resolução 163 que recomenda o fim da publicidade abusiva direcionada às crianças e o setor vinculou, novamente, à censura.

C.M. e K.Q. – A publicidade é uma prática comercial, destinada a promover a venda. Para isso, ultrapassa o discurso informativo e entra no campo da persuasão. Ao estimular o consumo por meio do convencimento, o discurso publicitário tem o poder de interferir na saúde, na segurança, na definição de valores culturais e educacionais de uma sociedade e de cada indivíduo, incluindo a formação de crenças e valores das crianças. Se uma sociedade está preocupada com o tipo de influência que a publicidade pode exercer na formação de valores e no exercício de outros direitos, regulamentá-la é perfeitamente legítimo. Ao proteger a opinião e a livre expressão do pensamento, a Constituição Federal teve a intenção de garantir a manifestação de ideias e convicções individuais ou da coletividade, mesmo que estas possam causar incômodo. Publicidade não se trata disso: seu fim não é expressar uma convicção ou uma informação, mas vender. O titular da liberdade de expressão como direito fundamental é sempre o indivíduo ou a coletividade, não as empresas. Publicidade abusiva é toda aquela que se aproveite da vulnerabilidade do consumidor ou que viole valores sociais e morais do mesmo. Nesse sentido, para analisar se a regulamentação da publicidade é legítima, é preciso ver se há interesse público em proteger outros direitos que podem ser colocados em risco pelo discurso publicitário. Mesmo que se admita a existência de uma “liberdade de expressão publicitária”, é necessário primeiro avaliar os interesses da sociedade e verificar o que é mais importante: veicular a publicidade, garantindo a liberdade de expressão, ou proteger outros direitos e valores que podem ser prejudicados por ela. O que se busca ao regular a publicidade não é impedir seu exercício legítimo, mas definir parâmetros que estejam de acordo com os valores da sociedade. Quem deve definir os limites da regulamentação é, portanto, a própria sociedade, de maneira participativa e democrática, e não os publicitários e anunciantes isoladamente. O discurso da liberdade de imprensa pode ser superado através de argumentos que mostram que o possível “dano” causado por programação veiculada em faixa inadequada ou publicidade comercial direcionada a crianças é potencialmente reforçado por quatro problemas: ele é provável (possivelmente com frequência diária), de grande impacto (trata-se de meios de comunicação de penetração nacional), de difícil mensuração imediata de efeitos e de difícil reparação posterior. Ainda, o direito nacional e internacional protege a integridade física e psíquica de crianças e adolescentes o que inclui a garantia do bem-estar social desses indivíduos que estão em plena formação e devem ser tratados pelo Estado e sociedade com especial cuidado e atenção para a defesa de sua saúde, segurança, valores culturais e educacionais, e não como um mercado consumidor em potencial. Por fim, vale reforçar que os titulares do direito à liberdade de expressão são sempre os próprios indivíduos ou a coletividade e não as empresas.

No mundo de hoje, os ‘direitos de expressão’ são direitos de poucos?

C.M. e K.Q. – O direito à liberdade de expressão legalmente constituído é de todos e todas, porém o que vemos na prática é que poucas pessoas têm acesso aos meios que permitem a apropriação desse direito e, principalmente, grupos minoritários e vulneráveis acabam sofrendo censura e até mesmo violência quando buscam fazer uso da liberdade de expressão para manifestar as suas demandas ou reivindicar outros direitos.

Entrevista concedida a Marcus Tavares, publicada na revistapontocom e reproduzida do Observatório da Imprensa – www.observatoriodaimprensa.com.br

ndicação etária chega a jogos eletrônicos online

Os jogos e aplicativos eletrônicos vendidos ou baixados gratuitamente pela internet passaram a ter classificação indicativa em junho deste ano.

As empresas responsáveis pela venda ou distribuição desses programas ficam responsáveis por avaliar o conteúdo com base na exibição de cenas que contenham sexo, drogas e violência e especificar a classificação indicativa de acordo com o padrão nacional. Para jogos vendidos em lojas físicas, entretanto, continua valendo a determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): somente pessoas com a idade mínima indicada podem comprar o jogo sem a autorização de um responsável.

Em setembro deste ano, o Ministério da Justiça, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), abriu um edital para o desenvolvimento de aplicativo para tablets e smartphones que alertem os pais quanto à classificação indicativa de obras audiovisuais e dê acesso ao Guia Prático da Classificação Indicativa, que apresenta os critérios de avaliação dos produtos (filmes, jogos).

Outra mudança, publicada em lei em setembro de 2011, determinou que todo canal de TV por assinatura tenha um representante no país, o que facilitou a responsabilização e a penalização por descumprimento da classificação indicativa nesse setor. Essa classificação deve ser feita pela própria emissora, com exceção das obras já analisadas pelo ministério, e não está sujeita à vinculação horária, desde que seja garantido um sistema de bloqueio do canal e que o assinante possa consultar a indicação etária a qualquer momento.

Já a televisão aberta tem a programação vinculada ao horário de exibição – ou seja, programas indicados para maiores de 16 anos, por exemplo, só podem ser exibidos a partir das 22h. As TVs abertas seguem a regra da autoclassificação – com a sinopse do programa, as emissoras entram com um processo no Ministério da Justiça sugerindo a indicação etária da obra. Com a estreia, o programa passa a ser monitorado pelos analistas do ministério. A confirmação ou o indeferimento da classificação sai em até 60 dias.

Devem ser classificados todos os programas exibidos na televisão aberta e por assinatura, exceto os programas jornalísticos, noticiosos, esportivos, a publicidade em geral e programas eleitorais.