Os poderes ocultos na “democracia” brasileira

Os poderes econômicos e midiático são irmãos gêmeos que, de braços dados, numa sociedade neoliberal, seqüestraram, em grande parte, os poderes executivo, legislativo e judiciário. A teoria da separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário nasce com o Estado constitucional moderno como fundamento de uma sociedade onde o poder do Estado seja limitado, impedindo que o absolutismo anule a liberdade e mantenha privilégios hereditários insustentáveis em uma sociedade que busca a igualdade. Os três poderes autônomos foram um avanço em relação ao absolutismo de Luiz XIV e seus descendentes.

Há mais de duzentos anos que todo Estado que pretende ser democrático deve partir da separação de poderes como meio de evitar abusos, insegurança e injustiça. É claro que este mecanismo não basta para a realização da justiça como busca de dignidade expressa nas condições de vida com oportunidade real para todas as pessoas desenvolverem seu potencial, condição primeira da liberdade.

Não há liberdade efetiva na miséria e exclusão. Direitos sociais e econômicos como saúde, educação, moradia, trabalho digno com salário justo que permita a repartição de riquezas, reforma agrária, são condições de exercício da liberdade e efetividade de uma democracia participativa que dê voz a todos a partir dos últimos, de forma que cada pessoa possa ajudar a construir um conceito coletivo de justo, legal, normal e ético.

Entretanto, passados muitos anos, percebemos que novos poderes, não constitucionais e não democráticos, desafiaram a estrutura jurídica constitucional criada. Fora da estrutura de poder prevista na Constituição se desenvolveram poderes não constitucionais, não legais, fruto da opção por um sistema essencialmente injusto, pois fundado no egoísmo, no individualismo e na competição: o capitalismo.

Com o tempo, no decorrer do século XX, o poder econômico tornou-se mais forte que o Estado. O dinheiro passou a financiar campanhas eleitorais e com isto passou a dominar o poder legislativo encarregado de fazer as leis. Logo as leis, em vez de representarem os interesses do povo passaram a representar os interesses dos detentores do capital, do dinheiro. O dinheiro também passou a financiar as campanhas dos chefes do poder executivo e com isto os prefeitos, governadores e presidentes passaram a representar os interesses daqueles que financiavam as suas campanhas e não o interesse de todos. Os grandes do poder judiciário passaram a ganhar tanto que se encastelaram na classe dominante economicamente. O poder econômico tornou-se o grande poder em um Estado que pretendia ser democrático. O que deveria ser de todos passou a ser de poucos numericamente, mas poderosos financeiramente.

Finalmente, o poder econômico, com seu farto dinheiro, dominou a mídia no momento em que não bastava produzir mercadorias para vender, mas precisava antes induzir novos consumidores. Os jornais, as rádios e as televisões passaram a pertencer a cada vez menos pessoas. Estas pessoas, proprietárias destes meios de comunicação começaram a nos mostrar apenas o que interessava a eles. O povão pode ver apenas as imagens que eles querem que sejam vistas; os pobres podem saber dos fatos apenas na interpretação deles. Os pobres quase não têm opções. Tem que assistir a novelas envenenadas pela propaganda intermitente. Tem que assistir aos filmes que eles determinam. Ouvir quem eles convidam para as entrevistas. Entretanto a mentira tem limite e um dia o povo dirá chega: não há liberdade e justiça em uma sociedade fundada na propriedade privada, no egoísmo, no dinheiro, no lucro, na exploração, no individualismo e na competição.

Dois poderes ilegítimos hoje dominam os três poderes constitucionais. Para construirmos a sociedade justa, solidária, igualitária, livre e sustentável ecologicamente que sonhamos isto não pode continuar. O povo organizado está lutando por democracia econômica e por “reforma agrária no ar”.

O poder econômico não apenas lucra (eufemismo de roubo) na especulação financeira, mas faz campanhas publicitárias ensurdecedoras para encarcerar grande parte da população em dívidas comerciais. Outro dia, uma revendedora de automóveis trombeteava aos quatro ventos: “saia de carro novo por apenas R$15,90 por dia.” Daqui a pouco, dirão: “leve um carro novo por apenas 0,80 centavos por hora.” Mas não dizem por quantos anos a pessoa ficará refém desta e de tantas outras compras que, muitas vezes, são necessidades artificiais criadas pelo império do consumo, denunciado por Eduardo Galeano.

Há setores econômicos que roubam muito em cima da miséria e da violência. Parece haver uma aliança macabra entre bandidos e grandes empresários do setor de segurança. Por exemplo, às 18 horas, queimam um ônibus coletivo em São Paulo; às 20 horas, quem incendiou o ônibus está sentado na poltrona diante do Jornal Nacional da TV Lobo, pois sabe que aquela cena será transmitida para todo o Brasil. O telespectador, ao ver uma cena de violência na TV (ou em Jornais e revistas), recebe em si, como que por injeção na veia, o medo. Dissemina-se o medo. Resultado: quem pode se tranca em condomínios fechados, cerca elétrica, segurança particular. As empresas do setor de segurança explodem champagne. Logo, uma mídia que oferece para a sociedade como cardápio diário violência, economicismo e baixaria está a serviço da classe enriquecida e agride covardemente a maioria da população.

Há, no Brasil 80 TVs Comunitárias a cabo. Por que não podem ser canais abertos? Por que há perseguição cruel às Rádios Comunitárias?

Não basta eleger representantes dos poderes executivo e legislativo. Urge partilhar os poderes econômico e midiático. Isso só se faz com respeito à Constituição. Não somos obrigados a cumprir leis inconstitucionais, pois as leis inconstitucionais são injustas. Esse tipo de resistência acorda consciências anestesiadas que são cúmplices de sistemas opressivos. Urge boicotar leis inconstitucionais como forma contemporânea legítima do exercício do direito constitucional à resistência contra a opressão, a injustiça e a exclusão. No passado ocorreu o boicote do sal e do tecido inglês na Índia, o dos ônibus segregacionistas no Sul dos Estados Unidos e tantos outros movimentos de resistência, na forma de desobediência civil, em todo o mundo, trazendo conquistas fundamentais para a humanidade.

Sigamos sob inspiração das parteiras do Egito que, ao fazerem greve e “desobediência civil”, além de lançar as bases para a nova Constituição do povo hebreu – o Decálogo – que tem a defesa da vida como coluna mestra, tornou possível o nascimento de Moisés e de tantos que lutaram pela libertação dos pobres das garras do império dos faraós.  Move-nos a energia revolucionária de Jesus Cristo, de Gandhi, de Luther King, dos Sem Terra que arrebentam as cercas dos latifúndios e do sistema educacional.

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