Por uma TV Pública, também no Espírito Santo

O sistema de comunicação do país pode, pela primeira vez em sua história, contar com uma Rede Nacional de TV´s Públicas. No ano passado, o Governo Federal lançou ao debate a proposta que será finalizada nos próximos dias com o envio de uma medida provisória ao Congresso Nacional. No Espírito Santo, a sociedade aguarda ainda um posicionamento do Governo do Estado sobre o tema e as propostas para o futuro da autarquia Rádio e Televisão Espírito Santo (RTV/ES), que administra – desde a fundação em 1989 – a TVE e a Rádio Espírito Santo.

A comunicação cumpre papel fundamental no processo de formação cultural, educacional e política de nossa sociedade. A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 223 a necessidade da complementariedade entre os sistemas de comunicação comercial, estatal e público. O fato é que nunca houve neste país, apesar da mobilização da sociedade comprometida com a democratização da comunicação, interesse político dos governos para a criação de um sistema público de comunicação. Portanto há quase 20 anos existe um ataque frontal ao que já está estabelecido em lei.

O que há na TV aberta brasileira é a hegemonia de um único modelo: o sistema comercial de TV, que possui uma baixa qualidade da programação (apesar da auto-propaganda rotineira feita pelas próprias emissoras), que se digladiam sem limites na disputa pela audiência, que não garantem a diversidade regional, étnica, racial, social e política do país e que transformam a informação em mercadoria que serve apenas ao lucro. O sistema comercial aberto é formado pelas já tradicionais – e pouquíssimas – emissoras comerciais: Globo, SBT, Record, Band, RedeTV e MTV que possuem 95% da audiência e 100% das verbas publicitárias da TV aberta.

No sistema estatal encontram-se as emissoras legislativas, exclusivas para os canais de TV por assinatura – TV's Assembléias, TV Câmara e TV Senado; a TV Justiça do Poder Judiciário e ainda as emissoras administradas pelos poderes executivos, como é o caso das TV's Educativas do Espírito Santo e de outros Estados. O Governo Federal possui a TV Nacional e a Nbr – canais do Poder Executivo sob responsabilidade da Radiobrás e ainda a TVE do Rio de Janeiro e a TVE do Maranhão sob a responsabilidade da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto.

Conforme estabelece a Lei da TV a Cabo, de 1995, os canais universitários e os canais comunitários são também exclusivos para as pouco mais de 4 milhões de residências que possuem TV por assinatura no país. No Espírito Santo o canal universitário é utilizado pelas TV's da Ufes, Faesa e UVV. Já o canal comunitário jamais foi utilizado para os seus devidos fins – apesar de ter sido criada a associação jurídica de entidades populares que faria a sua gestão – e no momento transmite a programação da chamada TV Ambiental.

As emissoras estatais cumprem um importante papel de darem visibilidade (apenas para a minoria que têm acesso) e de relativa fiscalização sobre as ações dos poderes públicos. Funcionam com recursos públicos mas com gestão estatal sob comando direto dos governos. Os canais universitários funcionam com pouco apoio e também com uma gestão não pública, já que estão sob inteira responsabilidade das instituições de ensino superior.

Fórum Nacional de TV's Públicas

Desde setembro de 2006, oito grupos de trabalho produziram duas publicações como contribuições preparatórias ao I Fórum Nacional de TV's Públicas, realizado em maio deste ano em Brasília. Essa articulação foi promovida pela Presidência da República, Radiobrás, Ministério da Cultura e Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais, Associação Brasileira de Televisão Universitária, Associação Brasileira de Canais Comunitários e Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas.

O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação – apresentou como contribuição ao conjunto dos participantes do Fórum um documento intitulado Proposta para um Sistema Público de Radiodifusão. Defendemos uma Rede Nacional de TV's Públicas que afirme a Comunicação como um Direito Humano, central para consolidação de uma sociedade democrática; tenha uma programação que não viole os direitos humanos, que contribua com o acesso à cultura e com a formação crítica; tenha primazia do interesse público, em vez dos fins comerciais.

É seu papel ainda garantir a diversidade cultural (especialmente étnico-racial, de gênero e regional); estimular a diversidade de formatos, abordagens e gêneros; democratizar e garantir igualdade de acesso aos meios de produção e veiculação da comunicação de massa; estabelecer associação entre as emissoras públicas e os produtores independentes; promover a descentralização da produção, viabilizando a veiculação nacional de produções regionais.

É preciso que as emissoras públicas tenham independência em relação aos governos e ao mercado e, por isso, a gestão dessas emissoras deve se dar através de conselhos eleitos pela sociedade, podendo contar também, desde que em minoria, com representantes dos poderes públicos.

Os orçamentos dos sistemas públicos de radiodifusão do Reino Unido, Dinamarca, Áustria, Alemanha e Suécia ultrapassam 0,3% do PIB desses países. No Brasil, não chega a R$ 450 milhões, ou 0,025% do PIB, investidos nas atuais "emissoras públicas". Enquanto isso, a cada ano os poderes públicos (executivo, legislativo e judiciário) e estatais gastam mais de R$ 3 bilhões em publicidade – quase que exclusivamente em mídias comerciais.

O Governo Federal enviará nos próximos dias uma medida provisória ao Congresso e já anunciou que no dia 6 de agosto entra no ar a TV Brasil – provável nome da nova TV formada pela fusão entre a Radiobrás e as TVE's do Rio de Janeiro e do Maranhão. O investimento anunciado para o primeiro ano de funcionamento é de R$ 350 milhões. Porém, as exigências da Carta de Brasília (confira no link abaixo) não foram na maior parte – ao menos para a sociedade – respondidas. E mais: as últimas declarações distanciam o projeto de uma rede pública e o aproximam de uma rede estatal (confira no link abaixo).

Poucos governos estaduais iniciaram debates com a sociedade e legislativos sobre como pretendem inserir as suas emissoras – as atuais TVE's – nessa nova Rede Nacional. O Governo do Espírito Santo, que no ano de 2007 utilizará R$ 37 milhões para a área da "comunicação", ainda não abriu diálogo sobre o processo que incluiria (ou não) a transformação da TVE em uma emissora, de fato, pública. Cabe a sociedade capixaba exigir que o debate venha a público e apresentar propostas para que tenhamos a garantia de uma TV Pública, também no Espírito Santo.

* Flávio Gonçalves é jornalista e militante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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