Que saudade do meu sinal analógico

Quando recebi a informação de minha prestadora de TV por assinatura, a Net, de que ia trocar o decodificador para que tivesse acesso ao sinal digital, fiquei muito entusiasmada. Afinal, por tudo que havia lido, visto e até escrito sobre a digitalização de sinais, sabia que ia receber um sinal de muito melhor qualidade. A estréia foi uma frustração. A imagem congelava, um quadriculado encobria as cenas. No telejornal, as notícias ficavam truncadas. Na novela, no meio trama, o anticlímax. E mais: os canais públicos (TV Senado, TV Câmara, TV Justiça, etc.) tinham desaparecido do controle remoto.

Fiz a primeira reclamação, recebi o primeiro técnico, depois de o teste online de aumentar a potência do sinal não ter dado resultado. Por meio do técnico, fiquei sabendo que, para acessar os canais públicos, tinha que sair da recepção digital: não só um desconforto, como improducente. A TV Câmara, jogada para o canal 2, ficou só chuvisco. Lembrei-me do primeiro televisor de minha casa, na década de 60

Hoje, seis meses após eu ter entrado para o mundo digital na TV a cabo, e meia dúzia de reclamações registradas (trocaram o decodificador de canais, trocaram o cabo interno que estava oxidado), não consigo assistir aos canais abertos sem a imagem congelar e os quadriculados avançarem pela tela. É bem verdade que, agora, o problema é intermitente e atinge, especialmente, os canais abertos. Me pergunto se é só um processo de migração mal feito e um certo desprezo ao assinante, ou se há alguma outra estratégia por trás de tudo isso. Afinal, não pode ser só incompetência.

A dúvida começou a me incomodar, quando tomei conhecimento do projeto de lei do senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA), que trata da distribuição de conteúdo audiovisual. Além de defender que as atividades de produção de conteúdo e programação sejam exclusivas de empresas controladas por capitais nacionais e exercidas por brasileiros, o senador legisla sobre a TV a cabo. Quer o fim do limite à participação do capital estrangeiro (que hoje é de 49%), proposta defendida pelo grupo mexicano Telmex que é sócio da Net, e o fim da obrigatoriedade de as emissoras de TV a cabo terem de carregar os canais abertos de tevê, uma das grandes conquistas da Lei do Cabo. Será que a Net, ao transmitir imagens de baixa qualidade da TV aberta, está querendo acostumar seus assinantes a ficarem sem esses canais?

Também é de se perguntar por que o órgão regulador não está monitorando adequadamente esse processo de migração para se garantir uma qualidade mínima? A migração é voluntária, certamente vai me responder um técnico da Anatel. Na teoria, é verdade. Mas, na prática, não acontece bem assim. Uma amiga, que tem acompanhado minhas agruras de assinante da TV a cabo digital, optou por não fazer a migração, quando a troca das caixinhas começou a ser feita em seu bairro, Moema, também na capital paulista. Já recebeu uma série de telefonemas da Net, insistiu em que quer ficar no analógico, e teve que escutar que, quando o processo de migração avançar, ela terá que mudar também. Tem resistido heroicamente ao assédio da Net e, na discussão com representantes da empresa, já recorreu até à Anatel, pois a regulamentação garante que o sinal analógico não pode ser desligado sem a concordância do assinante.

A única boa notícia nessa história da migração do sinal analógico para o digital é o recente Termo de Ajuste de Conduta que a Net assinou, no dia 14 de junho, para a oferta dos canais obrigatórios (TVs do Legislativo, do Judiciário, TVs comunitárias e universitárias) no seu serviço digital. O termo estabelece um cronograma para a entrada dos canais obrigatórios em três regiões: Rio de Janeiro, em setembro; São Paulo, em dezembro, e Porto Alegre, onde o serviço já está disponível desde maio. O TAC também inclui medidas compensatórias, pelo prejuízo causado à sociedade e aos canais durante o período em que eles estiveram fora do ar. Entre elas, está a oferta gratuita do acesso banda larga, o seu serviço Vírtua, às escolas públicas que estiverem localizadas em áreas cabeadas, nessas três cidades.

Foi preciso a sociedade se manifestar insistentemente, por meio de entidades de democratização dos meios de comunicação, dos representantes dos canais obrigatórios e do próprio Ministério Público, para que a Net reconhecesse o erro que cometeu, iniciando o serviço digital sem carregar esses canais. Mas só isso não basta. É preciso, agora, uma forte manifestação dos usuários e dos órgãos de defesa do consumidor para que ela melhore o seu serviço digital, antes de convidar seus clientes a aderirem à migração.

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