Definição sobre padrão opõe emissoras e sociedade civil

BRASÍLIA – O ano de 2006 foi marcado por intensa disputa acerca do processo de implantação da televisão digital no Brasil. De um lado, radiodifusores colocaram seu poder a favor da adoção do padrão tecnológico japonês (ISDB) e na definição de uma transição sem maiores alterações no status quo dos canais existentes. De outro, entidades da sociedade civil e representantes da academia tencionaram para que as decisões levassem em conta também os aspectos políticos e sociais da mudança tecnológica, aproveitando seu potencial para aumentar o número de emissoras e dotar o conteúdo de interatividade. 

Agora as atenções se voltam para o rádio. Assim como na televisão, discute-se a digitalização da transmissão dos sinais deste que é o mais popular meio de comunicação do país. Embora a transição técnica guarde semelhanças, o processo vem sendo conduzido de maneira diversa. Diferente da TV digital, para o rádio não foi criado sistema, não há recursos para pesquisa de tecnologia nacional e não há um cronograma de debate público institucionalizado. O que há, de concreto, são testes em mais de 20 emissoras com padrões tecnológicos estrangeiros. 

A considerar as opiniões expressas em seminário realizado nesta terça-feira (29) na Câmara dos Deputados, a polarização vivenciada no caso da TV tende a se repetir agora. Nas cinco mesas de debates, radiodifusores perfilaram-se na defesa da necessidade urgente de digitalizar o rádio. “Acreditamos e achamos que é inerente, para o rádio sobreviver neste novo cenário, se digitalizar”, afirmou Fernando Ferreira, engenheiro das estações ligadas ao grupo RBS, que domina as comunicações na região Sul do país.  

Ronald Barbosa, assessor técnico da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), justificou a posição pela necessidade de competir em pé de igualdade com outras mídias sonoras de melhor qualidade, como o CD e mais recentemente os tocadores do formato MP3. Além disso, a disponibilidade da tecnologia seria um estímulo natural à sua adoção. O Secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Roberto Pinto Martins, endossou a preocupação dos representantes das emissoras concluindo que "se o rádio não se modernizar, o usuário vai se afastar dele”. A urgência na digitalização foi reforçada como alternativa para salvar as emissoras na banda AM, que vêm sofrendo com redução de ouvintes e receitas. 

A agilidade proposta pelos radiodifusores foi contestada por representantes de emissoras públicas e comunitárias, por organizações da sociedade civil e por acadêmicos. “Não tem que ter pressa na definição da opção por um modelo nacional de rádio digital”, declarou Jonicael Cedraz, da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço). Orlando Guilhon, diretor da Rádio MEC, criticou o que chamou de “tecnicismo” do debate e afirmou que as questões em jogo precisam ser colocadas para o conjunto da sociedade, para que ela possa opinar sobre a melhor opção a ser tomada. “Precisamos nivelar informações para que cada cidadão possa entender e tirar [o debate] do campo do tecnicismo, fazer o cidadão entender que o que está em jogo é política pública, acesso à informação”, disse Guilhon.  

Disputa tecnológica
O caráter técnico da discussão questionado por Guilhon se refletiu na maioria das falas por conta das posições acerca de qual padrão tecnológico deveria ser adotado. A opção defendida para a rápida adoção foi a definição pelo padrão HD Radio, que se utiliza da transmissão In Band On Channel (IBOC). Ele seria o único que possibilitaria transmitir, durante e após a transição, dentro das freqüências das atuais estações. Com isso, a digitalização não demandaria uma realocação de freqüências, mantendo o quadro atual da distribuição da propriedade das estações de rádio. Além disso, um dos principais argumentos dos radiodifusores é o fato do HD Radio ser o único pronto a funcionar nas bandas AM e FM. 

No entanto, a polarização referente ao tempo do processo se repetiu no debate acerca da tecnologia. Representantes das rádios públicas e comunitárias e acadêmicos questionaram a adoção do Iboc pelos altos custos e o possível impacto que estes teriam nas estações não-comerciais, especialmente comunitárias. Outra crítica feita foi o risco da adoção do padrão HD Radio gerar uma concentração nos canais existentes. Recentemente, a empresa responsável pela tecnologia, Ibiquity, pediu ao órgão regulador estadunidense (FCC) o aumento da banda de freqüências, pois os 200 KHz disponíveis para o FM não seriam suficientes para garantir a qualidade de som digital. Com isso, há o risco de se reduzir em 30% o número de emissoras no dial. 

Na avaliação, da professora da UnB, Nelia Del Bianco, a adoção do HD Radio não é consenso sequer entre as estações. Ela apresentou um estudo da Sociedade Brasileira de Estudos Multidisciplinares em Comunicação (Intercom) de acompanhamento dos testes em emissoras que revela desconfiança dos técnicos na experimentação da nova tecnologia. “Há dúvidas sobre se Iboc [HD Radio] atenderá às demandas do mercado”, afirmou. Entre os receios estariam os custos de novos transmissores, das estruturas de produção das estações e alguns problemas técnicos que o padrão ainda apresenta. 

André Barbosa, assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, alertou que outro problema do Iboc é o fato de ele não funcionar ainda para a faixa AM durante o período noturno. Mas afirmou que atualmente é a única tecnologia que se coloca comercialmente para o Brasil. Outro padrão cogitado por Barbosa, o DRM, não vem respondendo às tentativas de diálogo por parte do governo. Porém, o grande obstáculo do DRM destacado por todos os radiodifusores é o fato de ele funcionar apenas em AM e ainda não operar na banda FM. 

Takashi Tome, do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), lembrou que há uma promessa de que o DRM para o FM seja desenvolvido até o ano que vem. Na opinião do cientista, o critério para a adoção da tecnologia deve ir para além da simples transição das emissoras na mesma freqüência. Ele defendeu que o rádio deve aproveitar a convergência tecnológica para evoluir enquanto meio e oferecer novos serviços possíveis com a digitalização, como a transmissão de dados e vídeos de baixa resolução no dial.  

Tome e outros palestrantes defenderam o investimento em pesquisas nacionais e o aproveitamento das inovações criadas por várias universidades para a televisão digital. Ele citou sistemas desenvolvidos pela PUC do Rio Grande do Sul e pelo Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) como alternativas. O desenvolvimento de um padrão nacional seria uma alternativa adaptada às condições nacionais e que poderia gerar ganhos em exportação para outros países. A opção foi rejeitada pelos radiodifusores, para os quais isso atrasaria a adoção do padrão. 

Outros aspectos
Marcus Manhães, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, criticou o que chamou de “fla x flu” em torno do Iboc e defendeu a observação de outros aspectos na digitalização do rádio. O coordenador do Laboratório de Políticas Públicas de Comunicação da UnB, Murilo Ramos, ressaltou que um destes aspectos, para além da tecnologia, são as regras que vão reger o novo serviço. Ele lembrou que a legislação disciplinadora do rádio é da década de 60 e extremamente frouxa em relação às obrigações dos concessionários. Para Ramos, a digitalização do rádio só seria possível no âmbito da modernização do marco institucional das comunicações. 

A preocupação do acadêmico casa com debates em curso hoje no Congresso para uma nova Lei Geral das Comunicações. Mas, em paralelo, correm as pressões dos radiodifusores. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, apoiador do segmento, anunciou durante o Congresso Nacional da Radiodifusão, com duração prevista para até sexta-feira em Brasília, que está em negociação com a empresa Ibiquity para diminuir o valor dos royalties para as emissoras nacionais. Se vigorar a posição do ministro, a balança deve pender para a posição dos donos de emissoras de rádio.

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