Impressões desde a Venezuela

Por motivos profissionais, cheguei à Venezuela no dia em que a emissora  Rádio Caracas Televisión (RCTV) saiu do ar, após 53 anos de transmissões. O governo de Hugo Chávez recusou renovar a concessão pública que lhe fora outorgada, e fez substituir a emissão comercial pela ainda incipiente TVes. A nova emissora ainda está em fase de estruturação, e atualmente exibe apenas curtas reportagens sobre as regiões e cultura nacional. 

A outra emissora estatal daqui é a VTV – Venezuelana de Televisão, o "canal de todos venezuelanos". Porém, a julgar pelos conteúdos exibidos pela VTV, a emissora é uma lição de como NÃO deve ser a rede pública que nós outros desejamos construir no Brasil. 

Chávez é onipresente na VTV. Aparece no intervalo, em propaganda da empresa petroquímica nacional, anunciando investimentos em transportes públicos e discursando em favor dos direitos das crianças. No programa "La Hojilla" ("A Lâmina"), sua imagem compunha o cenário, juntamente com um retrato ainda maior de Fidel Castro. Na edição do dia 29 de maio, o apresentador desse programa passou mais de três horas desancando as emissoras privadas e os manifestantes que protestavam contra o encerramento das atividades da RCTV. Mostrava um vídeo ou lia uma matéria jornalística e em seguida fazia comentários toscos, pouco informativos. Exibiu ainda o discurso de Chávez, pronunciado em rede nacional, no qual "o comandante" ameaçou sem meias palavras o outro canal opositor – Globovisión – também com o fim da concessão, em nome da "pátria". 

No dia anterior, o programa jornalístico da VTV exibiu o ex-presidente do México, Vicente Fox, criticando duramente a medida do governo chavista. Em seguida, o jornalista sardonicamente comentou que Fox não primava por proteger a liberdade de imprensa, citando, como reforço, que o buscador Google apresentava mais de mil respostas quando se digitava algo como "Vicente Fox persegue jornalistas". 

Também no dia anterior, o assunto era a campanha de filiação ao Partido Socialista Único da Venezuela – PSUV. Além de matérias de conteúdo "jornalístico" (entrevistas com pessoas na fila de inscrição), a TV fazia aberto chamado à adesão ao PSUV, alternando com manifestações positivas do comandante-em-chefe. 

Num programa matutino de debates, o tema era as manifestações estudantis contrárias à medida governamental. Mas – surpresa! – os cinco debatedores e o mediador eram todos favoráveis à decisão chavista e diziam que os manifestantes deveriam estar estudando, e não fazendo protestos. 

O culto à personalidade do governante de plantão (prática infelizmente tão enraizada na história política da América Latina), a confusão entre Estado e Partido, a inexistência de pluralismo interno no canal estatal e a inobservância dos princípios mais básicos do jornalismo (como ouvir a parte contrária), aqui verificados, nos alertam para a necessidade de instituições públicas de comunicação verdadeiramente democráticas, pluralistas e impessoais. Para tanto, é necessário assegurar que a rede pública brasileira de TV que estamos construindo esteja alicerçada em modelos de gestão e financiamento sólidos, e seja formada por um corpo de funcionários que gozem de autonomia em relação a este ou aquele governante. Caso contrário, estaremos apenas substituindo o monólogo do mercado e do consumismo, por outro tão aborrecido e acrítico quanto.

Isla de Margarita, 30 de maio de 2007.

 * Sergio Gardenghi Suiama é Procurador da República em SP

Active Image permitida a publicação, desde que citada a fonte original.

 

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *