Ministério Público pede a liberação de rádios comunitárias

O Ministério Público Federal, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e outras quatro organizações da sociedade civil ingressaram esta semana, em São Paulo, com Ação Civil Pública pleiteando que a União e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) permitam o funcionamento provisório das rádios comunitárias cujas associações aguardam há mais 18 meses a autorização de uso de uma faixa de freqüência. Apesar da ação se basear na situação paulista, o pedido reivindica que os efeitos se estendam a todo o país.

De acordo com os autores da ação, a iniciativa jurídica busca defender o direito à comunicação de milhares de associações comunitárias, negligenciado pela União. Durante dois anos, o MPF e as associações investigaram a situação do serviço de outorga de radiodifusão comunitária prestado pelo Ministério das Comunicações e concluíram que tanto a União quanto a Anatel postergam, para muito além do prazo razoável exigido pela Lei, a apreciação dos pedidos de autorização de funcionamento dessas rádios. 

Segundo o processo, há mais de duas centenas de requerimentos aguardando há quase uma década a manifestação da União. O prazo médio de conclusão do processo administrativo é de 3,5 anos. No Estado de São Paulo, 145 municípios jamais foram contemplados com o Aviso de Habilitação, ato necessário ao início do processo de outorga. Em todo o Brasil, são mais de 3.300 Municípios sem uma única rádio comunitária.

Apesar do número de servidores encarregados da análise dos processos ser irrisório (apenas 16 funcionários para avaliar cerca de 7.000 pedidos), o procurador da República Sérgio Suiama, avalia que o governo federal não pode alegar que não possui recursos humanos para fazer o trabalho de avaliação e expedição dos avisos de habilitação. “O papel do Estado não é justificar a não efetivação de um direito, mas garantí-lo. No momento em que se reconhece que a comunicação é um direito, afirma-se que é  dever do Estado provê-lo e não é razoável que se espere de quatro a cinco anos para obter uma outorga”. Para o procurador, a ação não pede uma multa ou punição à União, apenas propõe que, enquanto o Estado não toma uma decisão, as rádios funcionem de maneira provisória. “O judiciário deve apontar um remédio eficaz para o fato do Estado não estar provendo um direito fundamental”, afirma Suiama.

Eduardo Ariente, um dos advogados das organizações parcerias do MPF na ação, defende que os direitos precisam ter concretude, ser úteis à população, "caso contrário eles de nada servem", afirma. "O direito à comunicação não pode ser compreendido como uma mera liberdade formal, mediante a qual somente quem possui dinheiro e influência perante os poderes oficiais pode prevalecer. São necessárias medidas governamentais através das quais a comunicação popular seja garantida e incentivada para que o espectro eletromagnético, que é um espaço público, da coletividade, possa ser usado por uma maior quantidade possível de interessados", diz o advogado.

Velocidade X Morosidade

Outro aspecto levantado pela ação é que a ineficiência do serviço de autorização de funcionamento de rádios comunitárias contrasta com a eficiência com que é feita a repressão às rádios não autorizadas. Entre 2002 e 2006, 9.449 rádios de baixa potência (com freqüência inferior a 25 watts), foram fechadas por agentes da Anatel, em todo o Brasil.  Somente no primeiro semestre de 2006, foram fechadas, em média, 10 rádios comunitárias por dia, totalizando 1.800 lacres de janeiro a junho deste ano.  Emissoras cujo trabalho social é referência em todo o Brasil – como as rádios Laúza (BA), Novo Ar (RJ), Heliópolis (SP) e Alternativa (RN) – foram fechadas de forma arbitrária e truculenta, com suas lideranças sendo vítimas de perseguição política, materializada na forma de processos judiciais que criminalizam aqueles que se dispõem a exercer, na prática, o direito à comunicação. 

Ariente ressalta que os procedimentos administrativos precisam ser céleres e impessoais para responder satisfatória e eficazmente aos anseios da sociedade. "Isso, infelizmente não vem ocorrendo.  Na medida em que somente 16 funcionários do Ministério das Comunicações são responsáveis pela análise de cerca de 7.000 procedimentos e o Poder Público fecha rádios em velocidade 2,5 vezes superior àquela que realiza outorgas, alguma coisa está errada. É justamente isso que a Ação Civil Pública pretende realizar: a exigência de uma razoável duração dos procedimentos de outorga dos serviços de radiodifusão comunitária perante o Ministério das Comunicações e a efetiva aplicação da Lei 9612/98", afirma o advogado. 

A ação é baseada em reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça favoráveis ao funcionamento provisório das rádios, em razão da excessiva demora na apreciação dos pedidos de autorização por parte da União. Com a Ação Civil Pública, o Ministério Público Federal pretende estender os efeitos das decisões individuais do STJ a todas as associações comunitárias que formularam requerimento ao Ministério das Comunicações e que aguardam resposta há mais de 18 meses, garantindo o funcionamento das rádios até a conclusão definitiva dos respectivos processos administrativos.

A elaboração da Ação não se restringiu aos MPF e aos demais autores da ação. Outras instituições que colaboraram com o processo, como a Amarc (Associação Mundial de Rádios Comunitárias) e a Oboré, além de alguns parlamentares paulistas, não  assinaram o texto por especificidades legais exigidas nesse tipo de ação. Apesar disso, as organizações reconhecem na relação com o Ministério Público Federal a possibilidade de geração de  frutos relevantes para  a sociedade no que se refere à garantia e efetivação do direito à comunicação. “O diálogo possibilitou a construção de uma inédita ação em defesa das rádios comunitárias e do direito à comunicação. Permitiu, além disso, que todos os envolvidos ampliassem seus conhecimentos em relação aos vários temas envolvidos, seja do ponto de vista jurídico, político ou social”, afirma Antonio Biondi, jornalista e integrante do Intervozes. 

A ação é subscrita pelos procuradores da República Sergio Gardenghi Suiama (PR-SP) e Fernando de Almeida Martins (PR-MG), ambos integrantes do GT de Comunicação Social do Ministério Público Federal. Assinam também a ação os advogados Eduardo Altomare Ariente e Anna Cláudia Pardini Vazzoler que representam as entidades co-autoras: Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Sinerc – Sindicato das Entidades Mantenedoras do Sistema de Radiodifusão Comunitária do Estado de SP, ANCARC – Associação Nacional Católica de Rádios Comunitárias, Grupo Tortura Nunca Mais e FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação  

Para acessar o texto completo da Ação Civil Pública, clique aqui.

 * Com informações da Assessoria do Ministério Público Federal.

 

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