Teles x Globo: o óbvio ululante

Dizem que o óbvio é sempre óbvio vinte segundos depois de ser dito. Pois então, este artigo pretende dizer apenas o óbvio ao apresentar uma proposta de encaminhamento para a disputa que separa as operadoras de telecomunicações da maior empresa de mídia do Brasil: a Globo.  

É óbvio que a implementação de uma solução racional não depende apenas da racionalidade dos atores envolvidos, mas, principalmente, de seus interesses. Muitas vezes, as soluções encontradas não têm nada de racional e expressam somente o poderio dos atores dominantes.  

Mesmo assim, parece ser interessante enunciar o óbvio, que muitas vezes termina escondido por entre os discursos públicos dos dois lados, que procuram camuflar seus interesses.  

E, para prosseguir, tomemos o caso da TV paga, atualmente o epicentro do conflito entre teles e Globo. 

Em primeiro lugar, é fundamental unificar e ampliar a atual legislação, que é dispersa em relação às mídias já tradicionais (cabo, satélite e MMDS) e ausente nas novas plataformas (como no caso da IPTV). 

Em segundo lugar, cabe assumir que o processo de convergência nos obriga a ter um olhar unificado para o mesmo processo, mesmo que ele ocorra em diferentes plataformas. Ao mesmo tempo, cabe reconhecer que ainda persistem diferentes processos no interior das comunicações. Por isso, sugerimos a adoção metodológica das “camadas”. 

Assim, todo o conteúdo audiovisual (independente da plataforma em que circula) é tratado como uma camada específica. Bem como a infra-estrutura (seja ela qual for) que permite a circulação deste conteúdo também é considerada uma outra camada. 

Isso significa que necessitamos de um marco regulatório unificado e uma agência reguladora (uma Ancine ampliada) para todo o conjunto da camada “conteúdo”, assim como outro marco regulatório unificado e uma outra agência reguladora (uma Anatel ampliada) para a camada “infra-estrutura”. 

Dito isto, voltemos ao caso da televisão paga. Esse tipo de serviço de mídia é dividido em três diferentes negócios: a produção de conteúdo audiovisual; a programação deste conteúdo na forma da grade de um específico canal; e a sua transmissão através de uma infra-estrutura qualquer.  

Os dois primeiros negócios devem ser tratados pelo marco regulatório do “conteúdo”, assim como o terceiro negócio pertence ao marco regulatório da “infra-estrutura”. Ainda que os princípios devam ser os mesmos para todas as camadas (universalização, garantia do direito humano à comunicação, etc), as regras devem ser específicas para cada camada. 

No caso da camada de infra-estrutura não vejo porque impedir a operação das teles. Pelo contrário, elas tendem a trazer concorrência em um negócio marcado, em geral, pelo monopólio regional. É óbvio que estas operações terão que ser reguladas através de regras rígidas, como a neutralidade da rede para acesso à Internet, a não discricionalidade de conteúdo nacional na TV paga e o compartilhamento de redes para evitar a irracionalidade do overbuilding, entre outras. Óbvio que tais regras não deveriam valer apenas para os entrantes, mas também para as atuais operadoras. 

No caso da camada de conteúdo, temos que construir outro tipo de regras. Por exemplo, é fundamental garantir que a produção de conteúdo nacional seja reservada exclusivamente ao capital nacional. Mas, também é importante sacramentar a divisão entre produção e programação, instituindo cotas de produção independente. Novamente, estas regras valem tanto para as entrantes quanto para os players que já estão no mercado. 

Na prática, isso significa que as teles estrangeiras (Telmex, Telefonica e TIM) estariam proibidas de ter relação direta ou indireta com empresas de produção e programação de conteúdo audiovisual. Para isso, faz-se necessário a construção de um sistema capaz de fiscalizar corretamente e de impedir o aparecimento de testas-de-ferro. 

Por outro lado, isso não impediria que teles que tenham o capital votante de origem majoritariamente nacional (casos de Telemar e Brasil Telecom) possam operar na produção e na programação.

O grande problema do debate atual (inclusive, dos três projetos de lei que tramitam na Câmara para tratar deste assunto) é que termina-se por misturar as duas camadas (conteúdo e infra-estrutura) impondo as mesmas regras para fenômenos diferentes. Os princípios são os mesmos, porque lidamos com o processo comunicacional em sua completude. Mas, as regras devem ser específicas para cada camada. 

Com isso, superamos as falsas dicotomias criadas pelos discursos públicos dos diferentes atores envolvidos, ao mesmo tempo em que conseguimos definir claramente o papel que cada um pode executar. Bem como, as restrições impostas para cada ator.

 

Resta saber a quem interessa implementar o óbvio.

 

* Gustavo Gindre é membro eleito do Comitê Gestor da Internet e coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social 

  Active Image publicação autorizada, desde que citada a fonte original.

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