Desdobramentos do segundo dia da terceira sessao do PCDA

Segunda-feira passada, dia 19 de fevereiro de 2007, teve inicio a terceira sessão do PCDA, Comitê Provisório para discussões sobre a Agenda do Desenvolvimento da OMPI, aqui em Genebra. Esta sessão tem 05 dias, de 19 a 23 de fevereiro, sendo que as duas primeiras ocorreram no ano passado. Em 2005 tivemos 03 séries de reuniões, também sobre a Agenda do Desenvolvimento, as então chamadas IIMs, ou reuniões inter-governamentais inter-sessões.

Como apontado no Programa Cultura Livre, bem como mencionado no Programa A2K (Acesso a Conhecimento), ambos do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV DIREITO RIO, em todas as 05 reuniões anteriores, havidas exclusivamente para se discutir a Agenda do Desenvolvimento (03 IIMs em 2005, mais 02 sessões do PCDA em 2006), além das Assembléias Gerais da OMPI, de 2005 e 2006, desde a propositura da Agenda do Desenvolvimento em setembro de 2004 e no decorrer dos dois anos e meio seguintes, muito se discutiu sobre forma, em detrimento de conteúdo. De modo resumido e simplista, as discussões giraram em torno de questões muito mais procedimentais do que de conteúdo, muito disso devido a pressão dos Estados Unidos, da União Européia e do Japão. Contudo, apesar de a evolução não ser muito ligeira, é evidente que já se pode sentir, ainda que indiretamente, os efeitos positivos das discussões sobre a Agenda, tanto no âmbito internacional, bem como na esfera nacional.

No âmbito internacional pode-se ver, por exemplo, a inclusão de limitações e exceções aos direitos exclusivos de radiodifusores nos debates sobre o polêmico Tratado de Radiodifusão (Broadcasting Treaty) da OMPI. Também muito se tem discutido sobre a repartição dos lucros provenientes da exploracão de recursos genéticos, já que diversas vezes países do hemisfério norte se utilizam de recursos genéticos provenientes de países do hemisfério sul, sem contudo repartir os beneficios advindos de, por exemplo, produtos patenteados e que tomaram como base recursos genéticos de países do hemisfério sul. Tal discussão tem ocorrido com maior frequência tanto no âmbito da OMC (TRIPs), bem como no Comitê sobre Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Folclore, da OMPI. Isso apenas para citar alguns poucos casos.

Nas esferas nacional e regional, também ocorrem discussões grandes. Na Europa, por exemplo, atualmente se tem debatido muito sobre os DRMs (direitos digitais de gerenciamento) e TPMs (medidas tecnológicas de proteção). Estes últimos são utilizados para controlar cópias digitais, bem como quantas vezes e em quais tocadores digitais uma música ou filme são escutados ou vistos. Há inclusive decisões judiciais (Noruega, com a mesma tendência na Alemanha, Franca, Finlândia etc.) considerando ilegal o software iTunes, da Apple, por impedir a interoperabilidade, ou seja, porque tal software, utilizado para baixar música baixada da loja virtual de músicas da Apple, bem como para tocar músicas digitais, não funciona com músicas baixadas de empresas concorrentes e que utilizam outro sistema de TPM. No mercado há algumas variedades de tecnologia DRM/TPM, sendo que as duas mais difundidas são a da Microsoft e a da Apple, sendo que uma não funciona (não é interoperável) com a outra, o que em última instância acaba por prejudicar os consumidores. No Brasil, ve-se um forte apoio do Ministério da Cultura a proposta de flexibilização da propriedade intelectual de forma a te-la como um meio para se chegar ao desenvolvimento sustentável, ao invés de a ter como um fim em si mesma.

Para quem quiser ter uma resumida retrospectiva sobre propriedade intelectual e desenvolvimento, e como e porque tal assunto muito provavelmente afeta ou afetará a vida de todos que habitam este Planeta, sugerimos a leitura de um artigo previamente escrito: clique aqui.

Retornando a terceira sessão do PCDA, na segunda-feira passada, dia 19 de fevereiro, a reunião formal teve inicio com 48 minutos de atraso, ou seja, por volta das 10:48h, horário de Genebra, devido a realização prévia de várias reuniões de grupos regionais. O Brasil, em nome do Grupo de países Latino-Americanos e do Caribe (GRULAC), nomeou o Embaixador Trevor Clarke, de Barbados, para presidente desta terceira sessão do PCDA. O Embaixador Clarke acabou de ter encerrado o cargo de presidente, por um ano, do Conselho de TRIPs da Organização Mundial do Comércio (OMC). TRIPs é o acordo integrante da OMC que trata de questões relacionadas a propriedade intelectual. Ou seja, o Embaixador Clarke teve atuação em questões de propriedade intelectual no âmbito da OMC, e agora passa a ter atuação no âmbito da ONU, já que a OMPI é uma agência especializada da ONU.

Na intervenção feita pela delegação do Brasil, foi dito que o Embaixador Clarke foi uma “excelente escolha” e que “nós confiamos inteiramente nele, que será uma pessoa boa para nos guiar para um resultado positivo”.

A Itália, em nome do Grupo B, um grupo de países industrializados, apoiou a indicação do Embaixador Clarke e propôs o Embaixador Muktar Djumaliev, do Quirguizistão, para vice-presidente. Ambas indicações foram aceitas pelo PCDA da OMPI. Mas é curioso notar a indicação do Embaixador do Quirguizistão, uma vez que foi justamente o Quirguizistão que, literalmente, no ultimo minuto da segunda sessão do PCDA, ocorrido em junho de 2006, colocou na mesa a proposta de análise das 40 propostas que devem ser discutidas nesta terceira sessão do PCDA. Na realidade, era o Secretariado da OMPI que havia feito a sugestão das tais 40 propostas, mas como a OMPI não tem poder de decisão, ou melhor, como apenas os países-membro da OMPI é que podem fazer propostas, o Quirguizistão estranhamente colocou a proposta na mesa como se sua fosse, o que no mínimo levanta dúvidas sobre a imparcialidade não apenas do documento que traz tais propostas, mas Também do próprio Quirguizistão.

O Embaixador Clarke abriu sua participação ressaltando que ele trabalhará de forma cautelosa, uma vez que este é um papel muito sério, e que até hoje ele sabe muito pouco sobre o PCDA, mas que tem conversado com a maior quantidade possível de países-membro de modo a entender melhor o que tem se passado. E ressaltou que qualquer contribuição que ele possa fazer somente será possível com o apoio de todos aqui presentes na OMPI, sendo que seu papel é facilitar o diálogo. E por fim o Embaixador Clarke ressaltou a importância do documento produzido pelo Presidente da última Assembléia Geral da OMPI, Embaixador Enrique Manalo, das Filipinas, documento este que contem as 40 propostas de relativo maior consenso – e que serão discutidas agora em fevereiro – e as demais propostas, com suposto maior grau de dificuldade, que serão discutidas na quarta sessão do PCDA, em junho deste ano.

E como o Embaixador Clarke tinha outro compromisso as 11:00h, ele suspendeu a reunião ate as 15:00h. Antes de se encerrar a parte da manhã, foram aceitos os pedidos de credenciamento ad hoc (para esta reunião em especifico) do Yale Information Society Project, projeto sobre a sociedade da informação da Universidade de Yale; e da Knowledge Ecology International (KEI), ONG recém constituída e do qual faz parte o Consumer Project on Technology (CPTech), de James Love.

Na parte da tarde, houve intervenções de grupos regionais e de alguns países em nome próprio. A Itália, em nome do Grupo B (de países desenvolvidos), ressaltou que este é o terceiro ano de discussões e, portanto, deve-se chegar a “resultados tangíveis” muito em breve, já que o mandato do PCDA é limitado no tempo.

A Alemanha, em nome da Comissão Européia, agora formada por 27 países, destacou o comprometimento da Comissão Européia para levar adiante um debate frutífero, destacando, ainda, que promete escutar com atenção as propostas dos outros grupos, de modo que se possa chegar num patamar comum onde haja consenso.

O Marrocos sugeriu que se deva dar ênfase ao início de uma minuta de textos relacionados aos pontos de consenso, o que, segundo eles, daria uma dinâmica as negociações.

A Argentina, em nome do Grupo dos Amigos do Desenvolvimento, ressaltou que apesar de o trabalho do Presidente da Assembléia Geral da OMPI de 2006 ser proveitoso, os trabalhos devem ir além disso, e não se deve apenas passar item por item do documento, mas sim encontrar-se um equilíbrio entre os itens resumidos. Alem disso, a Argentina argumentou que as atividades supostamente desenvolvidas pela OMPI, tal como mencionadas pelo Presidente da Assembléia Geral, e como constam do documento elaborado por aquele Presidente, são atividades desempenhadas de forma ad hoc, ou seja, para alguns casos específicos. Portanto, o Grupo dos Amigos do Desenvolvimento gostaria de ver tais atividades de fato institucionalizadas dentro da OMPI. A delegação da Argentina ainda ressaltou que há muitas propostas no Anexo A (lista de itens relativamente mais fáceis de se chegar a consenso) e no Anexo B (lista de itens relativamente mais difíceis de se chegar a consenso), do documento preparado pelo Presidente da Assembléia Geral, que se sobrepõem; concluindo por fim que o Grupo espera que todas as propostas possam ser discutidas até o final da próxima sessão em junho.

O Paquistão ressaltou a importância de cada país ter sua independência politica para poder chegar as suas necessidades de desenvolvimento. Nesse sentido, destacou três pontos cruciais: i) o impacto da propriedade intelectual nos preços de produtos essenciais: software para fins educacionais, medicamentos essenciais e livros educacionais; ii) acesso a tecnologia se tornou algo muito complicado devido a existência das patentes, ao aumento do tempo de proteção as mesmas, a insuficiência descritiva dos pedidos de patentes, e aos pools de patentes, ou seja, ao patenteamento de um grande segmento tecnológico o que por fim acaba por impedir ou ao menos dificultar o acesso a tecnologias semelhantes ou derivadas, e iii) a persistente apropriação indevida de conhecimentos tradicionais e de recursos genéticos.

Japão e Coréia do Sul, cada um em sua vez, curiosamente disseram que chegaram ao desenvolvimento e crescimento econômico com base no uso do sistema de propriedade intelectual. O que não foi dito, obviamente, é que ambos os países copiaram, por anos a fio, tecnologia estrangeira sem pagamento de royalties e somente após terem um considerável desenvolvimento tecnológico é que passaram a proteger com mais vigor os direitos de propriedade intelectual.

A Suíça ressaltou que não se deve chegar a Assembléia Geral deste ano, em setembro-outubro próximos, sem recomendações referentes a Agenda do Desenvolvimento. E agora em fevereiro deve-se discutir os itens do Anexo A, para em junho discutir-se os itens do Anexo B.

Os Estados Unidos disseram que não concordam em ter taxas vinculadas aos depósitos de patentes feitos via o tratado PCT (Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes) para o melhoramento da situação em países em desenvolvimento ou em menor grau relativo de desenvolvimento. Por fim, num ato no mínimo curioso, os EUA ressaltaram que a Agenda do Desenvolvimento não foi adotada, mas tão somente alguns pontos referentes a mesma é que estão sendo acordados.

Assim se encerrou o primeiro dos cinco dias de discussões da terceira sessão do PCDA sobre a Agenda do Desenvolvimento da OMPI.

Para mais novidades em tempo praticamente real, continue acessando os websites dos Programas Cultura Livre, e A2K do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV DIREITO RIO.

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