O Correio Braziliense de quinta-feira (15/2) deu manchete de capa de quase meia página para a nova composição das Comissões Temáticas Permanentes da Câmara dos Deputados. O título era "Doadores emplacam seus deputados nas comissões da Câmara" e o subtítulo anunciava que "Políticos que tiveram campanha financiada por empreiteiras, mineradoras e outras empresas garantiram vaga nas seções que definirão projetos de lei a serem votados. Nomeações atendem aos interesses de grupos econômicos".
As matérias internas nas páginas 2 e 3 detalhavam a relação dos nomes de alguns integrantes de comissões, o valor das contribuições de campanha e os respectivos doadores cujos interesses privados estão vinculados aos temas nelas tratados. São relacionados nominalmente deputados de seis comissões: Agricultura, Seguridade Social e Família, Finanças e Tributação, Minas e Energia, Viação e Transportes e Desenvolvimento Urbano.
Figurinhas carimbadas
As graves acusações do Correio Braziliense provocaram protestos veementes de alguns deputados e o novo presidente da Câmara declarou que a Procuradoria Parlamentar iria verificar se cabe alguma medida judicial contra os jornalistas que assinam a matéria. "Um jornalista não tem autoridade para fazer insinuações sem prova", disse ele.
Ao ter entre seus financiadores legais um determinado grupo empresarial, o deputado estaria necessariamente submetendo sua ação parlamentar aos interesses desse grupo? A questão do financiamento das campanhas eleitorais é um dos objetos de discussão da inadiável reforma política que certamente o Congresso Nacional retomará na atual legislatura.
Vale registrar, no entanto, que estranhamente não constou da reportagem do Correio Braziliense a relação dos deputados e seus respectivos doadores da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). No caso dessa Comissão podem, de fato, existir situações de conflito de interesse. Tem sido assim ao longo dos anos. E não só em relação aos doadores de campanha, mas sobretudo em relação aos membros titulares e suplentes da CCTCI que são, eles próprios, concessionários dos serviços públicos de radiodifusão.
Essa condição, inclusive, diferencia os membros concessionários da CCTCI de outros parlamentares que eventualmente tenham recebido doações de campanha de grupos empresariais com interesse direto em sua atuação parlamentar. Na CCTCI, o interesse é também do próprio deputado concessionário.
Uma rápida leitura da relação dos membros da nova CCTCI revelará que lá estão figurinhas carimbadas como, por exemplo, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), José Rocha (PFL-BA), Vic Pires Franco (PFL-PA) e Paulo Bornhausen (PFL-SC), com sabidas ligações com a radiodifusão.
Um leque impressionante
Não seria de interesse público que o levantamento do Correio Braziliense tivesse também incluído a CCTCI?
É ainda interessante registrar que passou praticamente despercebido da grande mídia a criação pelo plenário do Senado Federal, em 7/2, da nova Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCTICI), desmembrada da antiga Comissão de Educação, onde existia uma Subcomissão Permanente de Cinema, Teatro, Música e Comunicação Social.
Compete à nova Comissão opinar, dentre outros temas, sobre proposições pertinentes à política nacional de ciência, tecnologia, inovação, comunicação e informática; organização institucional do setor; propriedade intelectual; comunicação, imprensa, radiodifusão e televisão; outorga e renovação de concessão, permissão e autorização para serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; regulamentação, controle e questões éticas referentes à pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, inovação tecnológica, comunicação e informática, além de outros assuntos correlatos. Sem dúvida, um leque impressionante de temas do setor.
Vínculos com a radiodifusão
Houve protestos contra a criação da CCTICI. O senador Flávio Arns – que acabou sendo membro da comissão – chegou a afirmar que a iniciativa "fazia parte da negociação de cargos ocorrida no início desta legislatura". Entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Associação Nacional de Biossegurança e a Associação Brasileira de Propriedade Industrial também protestaram. Temem que o desmembramento provoque "o esvaziamento e a desarticulação dos temas que estão em andamento na atual Comissão de Educação".
O novo presidente dessa comissão é o senador Wellington Salgado (PMDB-MG), suplente do atual ministro das Comunicações, Hélio Costa. E o vice-presidente é o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), de conhecidas ligações com a Rede Record de televisão. Entre seus membros estão também senadores sabidamente vinculados à radiodifusão como Sérgio Zambiasi (PTB-RS), Maria do Carmo Alves (PFL-SE), José Agripino (PFL-RN), João Tenório (PSDB-AL), Flávio Arns (PT-SC), Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Romero Jucá (PMDB-RR), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) e Mão Santa (PMDB-PI).
O compromisso da mídia
É sempre interessante constatar como a grande mídia evita falar sobre si mesma ou tratar de questões a ela diretamente relacionadas. Neste caso, comportamento ainda mais curioso, de vez que o Congresso Nacional, desde a Constituição de 1988, é co-responsável com o Poder Executivo pelas concessões e renovações de concessões de radiodifusão, além de formular e decidir diretamente sobre as políticas públicas do setor de comunicações.
O primeiro compromisso da mídia e de seus jornalistas é com o interesse público. É isso mesmo, não é? Ou não é?
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