Governança na internet: a UIT na contramão

As declarações do novo secretário-geral da UIT, Hamadoun Touré, contra a criação de um novo fórum de governança da internet, publicadas pela imprensa, vão na contramão do que vem sendo defendido por vários países, entre eles o Brasil. Tanto que como conseqüência dessa posição, apresentada já na Cúpula da Sociedade da Informação que se realizou em novembro de 2005, em Tunis, foi criado o Fórum de Governança na Internet (IGF, da sigla em inglês) que teve sua primeira reunião entre 30 de outubro de 2 de novembro do ano passado, em Atenas. Debateu-se sobre políticas de governança e de gestão da internet mas a questão central, a concentração do poder da grande rede, ficou fora da pauta. Mas deve ser contemplada na agenda da próxima reunião, que deve ocorrer este ano no Rio de Janeiro, se os países defensores dessa causa – Brasil e Índia na liderança – conseguirem angariar o apoio necessário. 

A defesa de Touré do status quo para não gerar controvérsias, ou seja que o controle da rede continue com a Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers),  entidade sem fins lucrativos e de âmbito internacional mas historicamente ligada ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos, é um golpe no movimento dos países que querem um novo modelo de governança na internet que se caracterize pela democracia, transparência e pluralismo, e não esteja sob a hegemonia de um único governo. Se essa é a má notícia vinda de Touré – o que demonstra o erro de o governo não ter se empenhado na eleição do candidato brasileiro Roberto Blois, que disputou, e perdeu, a secretaria-executiva da UIT –, a boa notícia é ter afirmado que o organismo não tem qualquer intenção de passar a administrar a internet.

A vinculação do Fórum de Governança na Internet à UIT vem sendo defendida por vários porta-vozes, entre eles representantes da Anatel. Mas a posição ainda não é consensual nem dentro do governo brasileiro, nem entre os representantes da sociedade civil que participam do Comitê Gestor da Internet. Carlos A. Afonso, diretor de planejamento da Rede de Informações do Terceiro Setor (Rits), criador do primeiro provedor brasileiro e integrante do CGI, é um ferrenho opositor dessa posição. Substituir a Icann pela UIT, em sua avaliação, seria sair da hegemonia de um só governo para a hegemonia das empresas de comunicação, que têm forte peso na entidade normativa do setor. Marcelo Bechara, assessor jurídico do Ministério das Comunicações e especialista em direito de informática, também avalia que a ligação com a UIT não seria salutar para a governança na internet, porque o trabalho do organismo das Nações Unidas está mais diretamente vinculado ao mundo dos negócios enquanto a internet tem uma dimensão social e cultural muito forte. Tanto que na pauta do Fórum de Governança na Internet estão temas como spam, multilingualismo, censura, cybercrime, cybersegurança, questões de gênero, privacidade e proteção de dados, liberdade de expressão, direitos humanos e direitos autorais. Questões que envolvem o malfadado despacho do desembargador Ênio Santarelli, de São Paulo, que determinou o bloqueio, depois revertido, do site YouTube, para impedir a veiculação do vídeo com cenas tórridas, em uma praia da Espanha, da modelo Daniela Cicarelli com seu namorado.

Se o secretário-executivo da UIT não quer, para o organismo, a administração da internet, defende a sua participação no debate relativo à infra-estrutura e acesso à tecnologia, especialmente a segurança da rede. Tema que também preocupa aos Estados Unidos – aliás, o temor de uso da internet pelo terrorismo é o principal argumento norte-americano para não abrir mão de seu controle pela Icann. É ela que é responsável por estabelecer as regras de uso e distribuição dos protocolos IP. 

O conservadorimo de Touré em relação à criação de um fórum envolvendo as entidades que já cuidam do tema – “não há nem mesmo um acordo sobre o que quer dizer governança na internet”, disse ele em entrevista ao O Estado de S. Paulo – é mais uma barreira a ser removida pelos defensores de uma nova governança da internet que a administre como ela é: uma rede mundial de troca de informação, transações comerciais e colaboração entre cidadãos e empresas de todos os países. 

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