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A Lei Roaunet e a produção cultural

Em entrevista ao Cultura e Mercado, o diretor do grupo de teatro Folias, Marco Antonio Rodrigues, avança na discussão sobre a lei de incentivo à cultura e adverte: “Quem vai faturar em breve essa bolada toda de R$ 1 bi são as produções internacionais”.

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Fale um pouco de seu grupo, o Folias…

Marco António Rodrigues – O grupo fez 10 anos em 2007, é resultado do trabalho de algumas pessoas que trabalhavam eventualmente juntas, eu, o Dagoberto Feliz e Reinaldo Maia. Em 1997 ganhamos um prêmio de estímulo do governo do estado pra montar um espetáculo chamado “Folias Felinianas”. Eu sempre fui muito avesso a esse negócio de grupo, porque sempre implica em uma promiscuidade familiar, tem um lado muito perverso, mas naquele momento a gente topou. A partir daí, constituímos o grupo Folias. Nosso espaço atual, chamado Galpão do Folias, era uma igreja abandonada, fica próximo ao metrô Santa Cecília. Estamos lá desde 2000. O Folias é um grupo que desde o início se constituiu como um coletivo de artistas, que pensa a arte como um fator de cidadania e interferência na vida do país. Eu sou um dos diretores artísticos e um dos fundadores do grupo, trabalho ainda em vários lugares sou professor do Teatro-escola Célia Helena, e funcionário da Funarte, desde 1987, como profissional de artes cênicas. 

Qual sua opinião sobre a atuação do Celso Frateschi à frente da Funarte?
MAR – Sou amigo do Frateschi, é um cara que respeito muito, que tem uma trajetória digna, foi secretário de Cultura de Santo André, na mesma época que eu fui secretário de Cultura de Santos. Dialogávamos bastante naquela época. Aliás, sua gestão foi estruturante pra região. De modo geral, sua atuação começou a instalar e discutir um modelo de arte que o Brasil nunca teve em 500 anos, que vê a arte como uma identidade autônoma, e não como agregada a algo. Diferente de outros povos, o teatro aqui é resultante de uma intervenção canônica, uma intervenção basicamente jesuítica, ou seja, doutrinadora, moralista determinante de alguma coisa. Acho que pensar nessa autonomia é fundamental em toda essa discussão sobre a Lei Rouanet. Coisa que eu não vejo acontecer. Discute-se a questão do mercado, da grana, do negócio, mas, a questão da autonomia da arte, não vejo no debate.

Os espetáculos do grupo Folias utilizam Lei Roaunet?
MAR – Durante os dez anos do grupo sempre tivemos certificados da Lei Rouanet, e nunca conseguimos nenhum tostão.

Como você interpreta isso? Seria um jogo de cartas marcadas?
MAR – Não acho que seja o caso de cartas marcadas, apesar dos principais favorecidos serem sempre o Itaú Cultural e a Fundação Roberto Marinho. Creio que o problema está na estrutura pré-iluminista. A questão do mecenato no mundo nasce como? Primeiro, através da religião, depois quando a religião deixa de ser estado isso se transfere pro sangue azul que é a nobreza, que é quem financia de fato o artista, depois entra numa zona de autonomia quando começa a surgir o capitalismo. E quando o estado passa a ser Republicano ele assume por herança esse papel do mecenato.

É esse o papel iluminista?
MAR – Sim, é na verdade o que estamos discutindo. Está aí o atraso. Eu conheço vários mecanismos no mundo, por exemplo, a lei inglesa, a lei russa a legislação portuguesa, conheço várias legislações. Mas não conheço nenhuma, em nenhum país, que apóie 90% do fomento às artes públicas ou à cultura baseado numa lei de incentivo, isso é único no mundo, como é único no mundo o monopólio privado de mídia eletrônica.

O jornal O Estado de S. Paulo destacou recentemente alguns pontos da Lei Rouanet…
MAR – Sim, aliás, são dados que servem pra orientar qualquer discussão. Primeiro, questionam quem são os grandes incentivadores, ou seja, Petrobrás, Banco do Brasil e Vale do Rio Doce. Em segundo, quem são os grandes captadores, Fundação Itaú Cultural, Fundação Roberto Marinho e por aí vai. São dados importantes pra gente discutir, a questão não é de quem sou a favor ou de quem sou contra. A questão é o que queremos do país. Esses dados são concretos e se repetem durante os 17 anos da existência do incentivo, obra do Collor, essa é nossa herança, que atravessou o governo Fernando Henrique e está atravessando o governo Lula.

Seria um resultante moralista da Lei Sarney?
MAR – Claro, a Lei Sarney foi criada quando o Celso Furtado era ministro da cultura, no governo Sarney, e me parece que a idéia do Celso na verdade não era fazer com que a empresa privada de fato patrocinasse a cultura, até porque o Celso, economista, sabia que há por aqui uma alta dose de burguesia, que o capital sempre foi mais remunerado que o trabalho. Então, o que ele estava tentando na verdade era sensibilizar o próprio estado pra questão da cultura. Ele estava querendo um orçamento de fomento direto. Parece que essa seria a estratégia.

E o que houve com esse projeto desenhado por Celso Furtado?
MAR – Quando o Collor entra em 90, com todo aquele moralismo globalizante é que começa todo o processo de globalização que vai dar na discussão atual da Lei Rouanet. Quando ele inicia seu governo, está todo mundo se beneficiando de uma forma indevida. No início da Lei Sarney, a idéia era que você pudesse chegar na padaria, por exemplo, e com aquele pouco de imposto que o proprietário pagasse, pudesse transferir pra você de alguma forma. A intenção era chegar numa coisa mais capilar.

É bem diferente do cenário atual…
MAR – O que a gente tem hoje em dia é o exato contrário, a lei é absolutamente excludente desde o seu princípio. Quem é que pode abater imposto de renda? Quem pode se beneficiar do incentivo? Só quem paga imposto pelo lucro real. Está eliminado disso o lucro presumido, o lucro arbitrado e qualquer operação de capital. Portanto, se você vende um terreno, uma fábrica e quiser aplicar na lei sua parte do imposto de renda devida não pode, só pode o lucro real. Quem paga o lucro real? As grandes corporações. Quem tem acesso a elas?

Alguns grupos conseguem…
MAR – Eu montei uma peça chamada “O Assassinato do Anão do Caralho Grande”, do dramaturgo Plínio Marcos, por convite da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Qual empresário patrocinaria essa peça, ainda mais com 38 atores em cena? 

E qual a sua opinião sobre essa gritaria em torno da Lei Roaunet?
MAR – A grande gritaria hoje é porque, de repente, pro empresário nacional ficou difícil competir com o empresário internacional. Quem vai faturar essa bolada toda de R$ 1 bi daqui há muito pouco tempo são as grandes produções internacionais, porque São Paulo, Rio de Janeiro, enfim, o Brasil é um mercado interessante.

Pode falar um pouco mais sobre isso?
MAR – Trata-se de um mercado de 200 milhões de habitantes, se tiver 20% com uma boa capacidade de compra já são 40 milhões de pessoas, é quase a população da França. Interessa a qualquer grande evento, como o Cirque de Soleil. E são trazidos pelas empresas daqui, com o dinheiro da Lei Rouanet, como os grandes espetáculos da Broadway que são também produzidos aqui com dinheiro da lei de incentivo.

Essas grandes produtoras dizem que geram emprego…
MAR – É uma piada, ninguém vive de teatro. O que acontece é que o capital nacional hoje já começou a dançar na mão do capital internacional, e a tendência é continuar assim. Esta lei do jeito que está não significa dar tiro no próprio pé, é um suicídio. Ela não favorece ninguém. É uma grande bobagem. É como alguém que vai pescar apenas pra almoçar. Não está pensando como vai ser daqui um mês, um ano, quanto mais em dez anos, ele está pensando no almoço. Se por enquanto consegue pegar um dinheirinho pra montar uma peça, um show, está tudo certo, mas logo nem isso vai conseguir fazer.

Que saída você vê?
MAR – Por causa dessas excrescências, as pessoas começam a ir pro Senado defender, por exemplo, essa Secretaria Nacional de Teatro que é outro equívoco. De que vai adiantar uma secretaria como a Secretaria do Audiovisual? Aliás, outra brincadeira. Quantos longas são produzidos por ano no Brasil? Qual a circulação dessa produção? Qual a distribuição? Praticamente nenhuma. Somente são produzidos porque a primeira imagem que aparece na tela é a do selo da Lei do Audiovisual, patrocinado por Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil. Cadê as empresas nacionais? Esta situação se apóia numa fragilidade do governo Lula. Como pode um diretor de marketing mandar mais que o presidente da República na questão cultural? Mas manda.

Você acredita no aprimoramento da lei?
MAR – Devido a tanta posição antagônica, eu creio que precisamos encontrar um ponto comum, mas esse ponto tem que partir de um fundo público. O fundo não é só para grupos de teatro, como a imprensa e a mídia gosta de falar, que estamos defendendo um lado contra outro. Mas tem que ser algo que fomente um desenvolvimento de relevância cultural, que possua um julgamento de mérito, coisa que a Lei Roaunet não tem, por isso entra qualquer coisa. E precisa ampliar e facilitar o acesso. Todo mundo se arrepia quando se fala em contrapartida social, mas deixa passar ingressos a duzentos reais. É a mentalidade “casa-grande e senzala”. Minha sugestão é colocar um pedágio na Lei Roaunet.

O teatro precisa da Lei Rouanet?
MAR – O teatro enquanto arte precisa de um fundo público, eu pessoalmente defendo que a lei seja transformada nesse fundo público, com a participação da sociedade e com a possibilidade de atender a todas as produções. Agora o teatro comercial não precisa de incentivo.

Você acredita que uma Secretaria Nacional de Teatro não é mesmo necessária?
MAR – porque, no lugar de novas secretarias burocráticas não propomos programas específicos para cada segmento cultural? Que capacidade que a Secretaria do Audiovisual teve pra resolver os problemas do cinema? Nenhuma. Vamos fortalecer as estruturas que já temos. É uma bobagem atrasada do ponto de vista da arte, porque as fronteiras entre elas são cada vez mais tênues. O que precisamos é de um órgão que trabalhe pelas artes, e isso nós já temos, que é a Funarte.

*Colaborou Paula Nogueira

‘A BrOi e Daniel Dantas me demitiram’

Fórum – Quando o senhor identifica o início da degradação da imprensa brasileira?
Paulo Henrique Amorim – Chegamos a um ponto sem precedentes em termos de degradação e corrupção da imprensa brasileira. A imprensa que chamo de Partido da Imprensa Golpista, ou PIG, é, sobretudo, a Globo, a Folha e o Estadão. Não falo da Veja, porque é um caso especial que eu chamo de “a última Flor do Fascio”, nem da IstoÉ, porque não é uma organização jornalística. Quando você compra um jornal, teoricamente, pelos cânones da indústria, vai obter ali um noticiário razoavelmente isento e, nas páginas de opinião, fica aquilo que o dono quer divulgar. Aqui no Brasil, houve uma inversão completa. Hoje, tem opinião na parte informativa, até no horóscopo e na previsão do tempo, e o mais grave de tudo isso é que se disseminou o sistema de cooptação com dinheiro do jornalismo econômico e político. Tenho divulgado no meu site as relações entre o Daniel Dantas e algumas instituições, cuja função é distribuir notícias que influenciam formadores de opinião, a Justiça… É uma degradação sem precedentes. 

Meu ex-colega do IG, Luís Nassif, tem feito um trabalho exemplar ao apontar as ligações sórdidas entre a Veja e interesses econômicos constituídos. Não há nenhuma punição, nenhuma reclamação, nenhuma manifestação de indignação, os jornais do PIG não noticiam o que o Nassif está dizendo. É a maior revista semanal do país e ignoram o que fala um jornalista respeitável que trabalhou na Folha durante uma década, do Conselho Editorial da Folha. Ou seja, Nassif não é irresponsável segundo a Folha. E a Folha não dá uma linha!

O Mino Carta, que é o pioneiro nessa batalha para demonstrar a pusilanimidade, o golpismo e agora a corrupção na imprensa, acha que nós não chegamos no fundo do poço, que ainda iremos mais fundo e saberemos mais coisas e a impunidade continuará.

O senhor acredita que essa degradação se agravou durante o processo de privatização?
Amorim – O presidente do México, Carlos Salina de Gortari, vendeu a telefonia do México para uma pessoa, que é o Carlos Slim, hoje o homem mais rico do mundo. Salinas de Gortari teve que fugir do México para a Irlanda porque nem em Miami ele podia ficar. O Fujimori, que fez a privatização no Peru, está preso. O Carlos Menem, que fez a privatização na Argentina, tem vários ministros na cadeia e não pode ver um juiz ou policial que sai correndo, pode ser preso a qualquer momento. Aqui no Brasil o Fernando Henrique Cardoso cobra US$ 60 mil por palestra e sai no PIG toda hora. E as pessoas levam o Fernando Henrique a sério, é o herói de uma parcela da população brasileira.  Vou desenvolver essa tese com mais clareza, mas houve, na transição do regime militar para o democrático, a tragédia da dívida nos anos 80. O Brasil quebrou em 1982, o fenômeno da hiperinflação, e o Sarney tentou resolver, o Collor tentou resolver, e o Fernando Henrique tocou o Plano Real. O plano, entretanto, tinha, como base para solucionar ou para auxiliar a equacionar o problema, a privatização, um instrumento pelo qual o sistema político dominante à época – o PSDB e o PFL – encontrou para acomodar os interesses políticos internos, domésticos, da coalizão dominante e os interesses dos bancos. Ela foi o fiel da balança dessa reengenharia que levou ao sucesso o Plano Real. 

Agora, temo que a operação de criação da BrOi seja a consubstanciação, aquele quadro do Napoleão sendo coroado, que está na igreja de Notre Dame. O quadro começa a ser pintado a partir do momento em que o Luciano Coutinho, presidente do BNDES, assina o empréstimo para o Carlos Jereissati e o Sérgio Andrade comprarem a Brasil Telecom, sem botar um tostão. Nesse momento, será feita a grande conciliação nacional, os fundos e o Citibank renunciam a toda ação [judicial] que moveram na Justiça contra o Daniel Dantas. O governo Lula põe para dentro a corrupção do Dantas e do governo FHC, limpa a pedra e resolve esse problema botando o dinheiro do BNDES nas mãos desses dois subempresários, já que eles compraram a Telemar sem gastar também.

Aí será feita a grande pacificação nacional, que mobilizou essa subimprensa de contratos de prestação de serviços, mas que você nunca sabe que serviços são esses. Então, se houver o Aécio [Neves] candidato em uma chapa que reúna PSDB e PT, como está sendo montada em Belo Horizonte, resolve tudo. Põe todo o Brasil debaixo do tapete. O PSDB esconde ossos do Fernando Henrique no armário do Lula, o Lula esconde no armário seus próprios esqueletos, e o Brasil vai seguir em frente com a conciliação que o Tancredo [Neves] tentou fazer e não conseguiu porque morreu antes.

A privatização é o que define o processo da Nova República no regime pós-militar, é a metástase da corrupção no Brasil. O Daniel Dantas é o maior símbolo, herói e beneficiário desse processo que corrompeu o PSDB, o PFL e o PT. Ele corrompeu o PSDB, financiou a filha do Serra e ele é a grana que está no duto do Valerioduto. Que o procurador-geral da República não procurou e que o ministro Joaquim Barbosa não achou. A grana do Valerioduto veio de onde? Dá em árvore ou o Valério era maluco e colocava dinheiro dele no esquema? Ele era um lavador de dinheiro e ninguém quer dizer isso. Fizeram a CPI dos Correios e não pediram indiciamento do Daniel Dantas, porque a bancada dele tem um líder no senado, que é o Heráclito Fortes, e tem um líder na Câmara, que é o José Eduardo Cardozo.

Então a tentativa do PT de incluir o Daniel Dantas na CPI dos Correios foi uma farsa? Amorim – Foi uma tentativa de última hora, feita depois que o relatório estava escrito e que não resultou em nada. Durante a argüição do Daniel Dantas, o senhor José Eduardo Cardozo fez perguntas que o Dantas esperava que fossem feitas e o Jorge Bittar (PT-RJ) fez perguntas inúteis. Ninguém do PT perguntou se o Dantas colocava dinheiro no Valerioduto. E era a única pergunta que cabia ali. Por que o PT não foi pra cima do Dantas? Porque o cara da bancada do PT não sabe se quem está do lado dele pegou dinheiro do Dantas. O Dantas calou o PT, o Dantas imobilizou o PT, porque o Dantas comprou uma parte do PT. Pode escrever aí. 

No PT, havia uma disputa que envolvia o Luís Gushiken, os fundos e a participação do Dantas…
Amorim – O Gushiken pagou o preço de ter tirado o Dantas da Brasil Telecom. E outro que pagou o preço foi Paulo Lacerda, homem probo e policial eficiente. Foi tirado da Polícia Federal porque queria prender o Daniel Dantas.

O senhor já conversou sobre isso com o Paulo Lacerda?
Amorim – Não posso revelar.

Bom, a respeito da sua demissão do IG…
Amorim – Tenho minha coleção de demissões, mas vamos lá. Ali é um processo de “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. O Sr. K [o presidente da Brasil Telecom, Ricardo Knoepfelmacher], como mostro no meu blogue, a letra “K” aponta para direções opostas e esse é seu grande enigma: para que direção o Sr. K aponta? Ele entrou como presidente da Brasil Telecom como representante dos fundos e do Citi para desfazer as falcatruas do Dantas. Ele me contratou porque eu tinha uma história na internet de combater o Dantas. Isso ele me disse.  E por que de repente isso mudou? Essa é a pergunta-chave da história. O Sr. K recebia pressões de diversas áreas, do José Serra, que tem uma tradição de pedir a cabeça de repórteres; do Carlos Jereissati e do Sérgio Andrade; e do Citibank. Porque eu, com o Rubens Glasberg e o Mino Carta fomos os únicos jornalistas que perguntaram: vale a pena fazer a BrOi e passar uma borracha no passado do Dantas? É esse o custo de fazer a BrOi?. Quanto dinheiro do senhor Jereissati e Andrade vai entrar nisso? Entrei com um documento, quero a BrOi, e dou um real a mais do que os dois colocarem do próprio bolso.

No meio do ano passado, o Sr. K tentou montar um conselho editorial para cercear minha opinião. Eu não posso revelar quem eram as pessoas que compunham o conselho, mas digo que eram pessoas que tinham por mim o mesmo apreço que tenho por elas. Consegui impedir que isso acontecesse. E me pergunto para que, já que 95% do conteúdo de um portal é de terceiros? Depois veio uma tentativa de me tirar da capa do IG. Levei seis meses negociando com o Sr. K esse ponto: só vou para o IG se tiver espaço na capa. Sabia, porque no UOL já tinham me feito isso. E ele precisou de seis meses para impor a vontade dele e me colocar na capa. Depois, ele quis me tirar da capa. Foi uma batalha em que o Caio T – de Tartufo – Costa desempenhou um papel nobre e edificante. E eu ganhei.

Finalmente, estávamos na antevéspera da solução do problema da BrOi, na antevéspera da Semana Santa, e ele me tirou do ar. Agora, ele me tirou do ar com uma tecnologia que o Caio T – de Tartufo – Costa conhece muito bem, que é tirar do ar fisicamente. Ele me tirou do ar antes que pudesse ser notificado, estava no segundo bloco de um programa que gravo na Record e a minha equipe já tinha sido escorraçada do IG, os computadores lacrados, os crachás retirados. O Caio retirou meu trabalho de dois anos no ar. Ele apagou o meu passado. Ele fez uma limpeza ideológica.

Por que ele não me avisou e não redirecionou o internauta para o novo endereço? Como a Globo fez com o Franklin Martins, ela não o queria mais, mas redirecionou [o internauta para o endereço novo]. Por que [ele] quis me apagar?

Você disse que o Caio Túlio Costa já teria feito coisa semelhante.
Amorim – Estou precisando comprovar casos específicos, mas ele fez comigo no UOL. Uma série de informações que eu dava sobre as relações amistosas e dignificantes entre duas grandes personalidades brasileiras, José Serra e Nizan Guanaes. Não há registro físico, é uma especialidade dele suprimir isso. E olha que dá aula na Cásper Líbero sobre Jornalismo e Ética… Mas ele é um pau mandado, executa com entusiasmo o que o patrão mandou fazer. O Sr. K também serve a vários patrões. Fui demitido porque escrevia contra a BrOi e Daniel Dantas. 

Seu trabalho na televisão é bem diferente da internet. Por quê?
Na televisão, não trato desses assuntos. A internet tem uma vantagem, você pode fazer o que quiser. É o último reduto da liberdade de imprensa e, felizmente, aqui no Brasil, está nascendo algo similar ao que já existe nos Estados Unidos. A blogosfera está se transformando em um espaço de debate político relevante.

Não estou mais interessado em discutir política, economia, essas coisas mais sensíveis na televisão. A televisão brasileira não é o espaço mais apropriado para isso e quando se faz, se faz mal feito. É a Miriam Leitão, William Waack, Arnaldo Jabor, Alexandre Garcia, esses grandes jornalistas que fazem a televisão brasileira. Então, não quero mais tratar disso na televisão. Ali, faço parte do Domingo Espetacular e sou repórter, como fui no Fantástico por seis anos em Nova Iorque, de onde fazia matérias que não tinham nada a ver com política. Cobria incêndio, crime, enchente, guerra civil… Sou repórter, porque esse pessoal que está aí, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, que acham que são jornalistas, não sabem cobrir uma batida de trânsito na esquina. Se mandar cobrir, chegam na redação com informações inverídicas e incompletas. Por isso não trato com esses camaradas, eles não são da minha profissão. Eles vendem a opinião deles. E não troco minha opinião por nada.
Agora não quero saber de portais que só reescrevem o que sai na Agência Estado, Folha e Globo – uma reprodução mal feita.

É impossível discutir política e economia na TV? Quando o senhor fazia o Tudo a Ver dava, ao menos, alguns pitacos sobre esses temas.
Amorim – Era muito limitado e foi ficando cada vez mais. Trabalhei na Globo em um período que tinha hiperinflação e chegaram à conclusão de que era necessário ter jornalistas de economia na televisão. E o Delfim Netto diz, com muita propriedade, que no Brasil jornalista de economia não é uma coisa nem outra. 

Hoje, na Globo acontece o seguinte: o Roberto Marinho morreu e foi substituído por três filhos que não têm curso universitário. Nenhum deles é conhecido pelo nome próprio, são filhos do Roberto Marinho. Colecionam fracassos empresariais. O mais velho, Roberto Irineu, é responsável pelo “grande sucesso” da Tele Montecarlo. Os três, por omissão/incompetência, delegaram o comando das suas redações a alguns prepostos, entre os quais se destaca o Ali Kamel [diretor-executivo da Globo], que escreveu um livro para mostrar que o Brasil não é racista e revelou o Brasil racista. E eles escrevem o que imaginam que o patrão vá gostar de ver. Mas isso tudo carece de um mínimo de sutileza, de argúcia, que o velho tinha. O velho, dificilmente, na base de operações que é o Rio de Janeiro, brigaria com o presidente, com o governador e com o prefeito. Desconfio que o outro Roberto não faria isso, se ele e Antonio Carlos Magalhães estivessem vivos, estariam trabalhando com o Lula. Estariam trabalhando na base do governo, na sombra. Não é muito bom estar brigado com o governo federal por muito tempo.

Mas se o presidente Lula está fazendo essa conciliação, por que o PIG quer derrubá-lo?
Amorim – Porque ele é pobre e nordestino, é uma combinação de preconceito de raça com preconceito de classe. 

A possibilidade de aliança PT-PSDB em Belo Horizonte é resultado dessa conciliação?
Amorim – É o resultado físico da conciliação. Com esse mesmo espírito de concertação que uma candidatura Aécio com apoio do PT é um velho sonho da elite brasileira, da qual o Lula quer fazer parte, que é o Pacto de Moncloa eterno. Nós não somos a Argentina e lamento profundamente. Gostaria de ser argentino para ser militante peronista. O presidente Néstor Kirchner desfez o Supremo Tribunal e o presidente Lula nomeou para o STF um xiita católico que se posiciona contra as pesquisas com células-tronco. Esse Carlos Alberto Direito, que conheço desde que éramos estudantes da PUC, disse antes que era contra a pesquisa com células-tronco. Tem que tirar o Marco Aurélio de Mello de lá. Ele é um golpista, despreparado, não passa nem em prova de juiz de primeira instância.  Eu tenho a tese: o que o PT de São Paulo mais quer é ser tucano de São Paulo. E acho que uma das grandes coisas que pode acontecer com um grande acordo entre Aécio e o PT é tirar São Paulo do centro. Chega de São Paulo! O Brasil é muito maior que São Paulo.

O senhor aponta as contradições do governo Lula, mas também se posiciona como resistência antigolpista.
A
morim – Veja bem, acho Lula melhor do que o Fernando Henrique. Acho os tucanos um conjunto de tartufos, são administradores incompetentes, FHC quebrou o Brasil três vezes. Governam São Paulo há 13 anos, metrô cai, o viaduto cai, você demora uma hora e meia para chegar no trabalho. Dê um exemplo do que os tucanos fizeram aqui? São incompetentes, ineptos. Sou contra os tucanos.  Tenho uma identificação político-ideológica, sou carioca, minha simpatia fica com Leonel Brizola, que dizia que o PT era a UDN de tamancas, o Darcy Ribeiro dizia que o PT era a esquerda que a direita quer… Gosto do Jango [João Goulart], do [Getúlio] Vargas e acho que o PT cometeu um grande erro quando achou que a direita ia vê-lo sob outra perspectiva. A direita os vê da mesma forma que via o Brizola, o Jango e o Vargas, porque o PT é trabalhista como eles. O Lula achou que ia encantar o PIG, a família Marinho e, como dizia o doutor Tancredo, “você vende a mãe mas não vende seus interesses”.

O Lula não caiu porque o Fernando Henrique não deixou. Naquele momento em que o Duda Mendonça confessou que recebia dinheiro do exterior na CPI, se sobe um deputado na mesa da Câmara e na presidência da Casa está o Auro de Moura Andrade , o Lula caía. Por que o Lula não caiu? Porque o Fernando Henrique defendeu a tese do sangramento. E o Agripino Maia comprou e convenceu o PFL. Qual a teoria? Deixe o Lula sangrar até o fim, ele chega na eleição derrotado e o povo brasileiro iria buscá-lo [Fernando Henrique] em Higienópolis.


Se tivesse o ACM, o Herbet Levy ou o Padre Godinho, o Lula tinha caído. E o que está por trás disso tudo? O escândalo do Mensalão. Quem está no Mensalão? O Dantas. Disse a um amigo meu quando Lula foi eleito em 2002: “Ou o Lula destrói o Dantas em três meses ou o Lula destrói seu governo”. Quase destruiu. O presidente de um fundo de pensão disse que participou do acordo da BrOi, porque era o mesmo que negociar a paz com o chefe do tráfico de uma favela. Que país é esse?

Não se cria, em torno do Dantas, um poder maior do que ele tem de fato?
Amorim – Dantas enredou Fernando Henrique Cardoso. Agora enredou o Lula. O que ele fez com FHC? Trocou o conselho da Previ … Por quê? Porque o Dantas tem o PSDB na mão.

O Dantas tirou o senhor da TV Cultura e do UOL?
Amorim – Tirou, entrou com duas notificações e a TV Cultura e o UOL me pediram para parar de falar dele. Tenho uma luta com Dantas há muito tempo, há muito tempo eu percebo que ele é especial. Mas um dia a gente vai se encontrar no despenhadeiro. Ele grampeou a mim, a minha mulher e a minha filha. Soube disso pela Polícia Federal. Essa conta ele vai acertar comigo. Ele vai acertar comigo. Nós vamos ter um encontro no despenhadeiro e vamos acertar essa conta. No plano privado. O que você acha de grampearem sua filha noiva? O que você faria?

A voz dos consumidores

Advogada e fundadora da Pro Teste, entidade que defende os direitos dos consumidores, Flávia Lefévre Guimarães representa os usuários no Conselho Consultivo da Anatel desde 2006. Coordenadora jurídica do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor até 1998, Lefévre tem sido voz ativa nos debates sobre a mudança das metas de universalização das concessionárias de telefonia fixa, alteração que considera ilegal. Com exclusividade, a advogada falou ao Observatório do Direito à Comunicação sobre estes e outros temas ligados aos direitos dos consumidores nas telecomunicações.

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Na última reunião do Conselho Consultivo da Anatel, seu parecer sobre o Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) foi rejeitado, e em uma entrevista recente sua, você considera ilegal alguns itens do plano. Por que seu parecer foi contrário à mudança no PGMU?
Primeiro, é importante deixar claro que não caí na armadilha que me foi colocada, o discurso de que estaríamos votando a inclusão digital e a universalização da banda larga. O que estava sendo votado era o decreto do ministro Hélio Costa. Eu nunca seria contra a inclusão digital e a universalização da banda larga. Inclusive, um dos conselheiros, que é consultor das concessionárias e ocupa uma das vagas do Senado, o Conselheiro Amadeu de Paula Castro Neto, chegou a dizer que rejeitava meu parecer porque eu era contra um “bem” para a sociedade. Entretanto, quando propus como emenda ao decreto a desagregação da rede – medida fundamental para que se estabeleça competição no setor e redução de preço – ele foi veementemente contra. Então diz que eu sou contra um bem para a sociedade?

Enfim, sou contra o decreto porque ele trata de impor, de forma gritantemente ilegal, novas obrigações de universalização que vão impedir a redução do preço da telefonia fixa. Eu já questionava antes o fato de os Postos de Serviço de Telecomunicações constarem como metas de universalização. Apesar disso, acredito que ele tinha sim um cunho social e de interesse público, mas realmente seria difícil encontrar empresas que estivessem dispostas a fazer o investimento nos PSTs, porque o retorno pelo investimento seria reduzido. A LGT (Lei Geral de Telecomunicações) estabelece uma classificação dos serviços, de acordo com a qual apenas a modalidade do serviço de telefonia fixa comutada é pautado pelo regime público e os demais se submetem a o regime privado. A lei diz ainda que aos serviços prestados no regime público é que serão impostas metas de universalização; a lei diz também que para cada modalidade de serviço deve haver um contrato de concessão específico e, mais, que não pode haver subsídio entre modalidades distintas de serviço. Ou seja, o dinheiro do STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado) não pode subsidiar, por exemplo, o serviço de banda larga ou de qualquer outro tipo de serviço privado que a empresa venha a oferecer. Portanto, o decreto representa não só uma afronta à LGT, mas também à Constituição Federal, que impõe ao Poder Público a obrigação de licitar serviços, sempre que for contratar. De fato, o que ocorreu é que o Ministério das Comunicações, sem respeitar os princípios da isonomia e impessoalidade, introduziu nos contratos de concessão nova modalidade de serviço, no valor de R$ 1bilhão, sem licitação.

A rede que será instalada não se classifica como STFC? não é o mesmo serviço, nos termos das leis e regulamentos que orientam o setor das telecomunicações?
No campo da energia elétrica a legislação permite subsídio para garantir justiça social; temos a tarifa social baixa renda. Mas a LGT não oferece essa ferramenta. Tanto é assim que o Ministro Hélio Costa enfrentou grandes dificuldades em 2006 que o impediram de implementar sua idéia de telefone social. Se o STFC é o serviço público essencial e, portanto, tem que observar os princípios da modicidade tarifária, não é possível pretender que se utilize da receita originada deste serviço para subsidiar a implementação da rede de infra-estrutura para banda larga, que não é serviço prestado em regime público. A LGT estabelece expressamente que a receita para o cumprimento das metas de universalização é a proveniente da exploração eficiente do serviço: qual serviço? Aquele que é objeto do contrato de concessão: o STFC. E diz também que, quando essa receita não for suficiente para propiciar o cumprimento das metas, os recursos do Fundo de Universalização do Serviço de Telecomunicações – FUST poderão ser utilizados. Ou seja, o decreto permite a absurda situação do dinheiro do FUST subsidiar um investimento que acirrará a posição de dominância no mercado de banda larga das concessionárias, a manutenção de um dos preços mais caros do mundo; um alto negócio para as concessionárias. Se o governo pretende usar o dinheiro do FUST para a banda larga, deve antes alterar a LGT e atribuir a este serviço o regime público. Depois disso, deve instaurar licitação para que todas as empresas interessadas possam participar, o que incentivaria as concessionárias a reduzir seus preços. Aí sim poderemos andar dentro da lei.

Tudo isso é muito injusto: nos cinco primeiros anos do contrato de concessão, quando se impôs as primeiras metas de universalização – instalação de milhares de orelhões e milhões de acessos individuais – a expectativa divulgada publicamente pelo Renato Guerreiro – então presidente da ANATEL – é de que até 2008 haveria 58 milhões de acessos em uso. Como em 1998 tínhamos 20 milhões de acessos instalados, seriam necessários grandes investimentos para ampliar a rede de infra-estrutura para o STFC, o que de fato ocorreu. E quem pagou por isso? De onde veio a receita? A lógica do setor orientou no sentido de abaixar-se o preço da habilitação, para garantir ganho de escala para as concessionárias, e aumentar o preço da assinatura, para garantir receita suficiente para a implementação da universalização. Então a sociedade se sacrificou pagando a assinatura básica, que ao longo desses primeiros cinco anos sofreu aumento real superior a 100%. O resultado disso foi que as classes C,D e E, que foram seduzidas inicialmente pelo baixo preço da habilitação, perderam suas linhas, tornaram-se inadimplentes, tiveram os nomes inscritos no SERASA, e passaram a ficar sujeitas ao pré-pago da telefonia móvel – ao “pai de santo”. Isso não é uma cogitação: existem mais de 12 milhões de linhas nas prateleiras das concessionárias; são acessos instalados e não contratados, porque o consumidor não tem como pagar. Ou seja, as concessionárias, com a receita proveniente da assinatura, construíram as redes de infra-estrutura e o consumidor, apesar de ter o serviço à sua disposição, não consegue pagar. E justamente o mais pobre, que fica sujeito ao telefone móvel, com a quarta tarifa mais cara do mundo. Hoje temos menos de 36 milhões de linhas em uso, sendo que mais de 20% delas estão nas mãos de pessoas jurídicas. É esse contexto que levou ao clamor da sociedade nesses últimos anos contra a assinatura básica. As pessoas dormiam em filas dos juizados de pequenas causas para se verem livres dessa cobrança. O Congresso Nacional tem projetos para extinguir a assinatura. Há milhares de ações judiciais contra essa estrutura tarifária.

Apesar de ilegal, você não considera a alteração benéfica?
Do modo como foi feita, sem garantias de preço e competição e condições técnicas insignificantes, considero maléfica. Primeiro, o decreto não traz nenhuma garantia de preço justo nem qualquer dispositivo que especifique como os competidores utilizarão essa rede; além disso, os 8 mbits para serem divididos por 20 mil habitantes por município, como está previsto no decreto, pelo altíssimo preço que se paga hoje no Brasil pelo serviço de banda larga, é escorchante. Tenho certeza que se houvesse licitação, outras empresas apresentariam propostas melhores. A Telcomp fez estudos e levantou os preços da Telefônica, NET, Brasil Telecom e Oi, em diferentes capitais.  Em São Paulo, a NET cobra R$ 39,95 por 1 Mbps, sendo que a Telefônica oferta a mesma velocidade por R$ 159,80; em Brasília, a Brasil Telecom oferece 1Mbps por R$ 239,90. Na França, a empresa Orange cobra R$ 5,02 a mesma velocidade.

Mas o pior é o fato de se impor novas obrigações de universalização para os contratos de concessão da telefonia fixa, de modo a inviabilizar a possibilidade real e concreta de os consumidores poderem, neste momento da primeira revisão qüinqüenal, brigar pela alteração da estrutura tarifária para garantir a redução do preço da assinatura básica e ampliar a teledensidade da telefonia fixa no Brasil.

A Anatel sempre disse, ao defender a assinatura básica frente a forte reação da sociedade contra ela, que a cláusula de reajuste do contrato de concessão, que permite um aumento real ano após ano, além da correção monetária, justifica-se, pois é a tarifa do STFC que contribui para promover a universalização. Tudo bem, isto é correto. Mas a universalização foi feita – existem 50 milhões de acessos instalados e à disposição do cidadão brasileiro, que não consegue usufruir do sacrifício feito por toda a sociedade, pois a assinatura vale 10% do salário mínimo. Agora era hora de reduzir o preço do STFC, para garantir a finalidade da universalização deste serviço.

Aí o governo vem com a conversa de que não há mais interesse no telefone fixo e que o STFC é coisa do passado. Então por que foram renovados os contratos de concessão por mais 20 anos, cujo objeto é o STFC? Nos EUA e na Europa é possível que haja mais demanda por telefones móveis. Mas a teledensidade de fixo não se compara com a brasileira, que é inferior à da Argentina. Na Europa e EUA todos têm telefone fixo e quem optar pelo telefone móvel vai pagar uma tarifa 400% mais barata do que pagam os mais pobres brasileiros. É R$ 1,36 o minuto do pré-pago e R$ 0,07 o minuto do fixo. A distorção que os equívocos do modelo e a ineficiência da Anatel causou é clara.

A forma como alteração do PGMU foi arquitetada também é questionável. As empresas assinaram os contratos de concessão em 22 de dezembro de 2005 já sabendo das metas dos PSTs desde 2003. Ficaram quietas para garantir a confortável situação de concessionárias detentoras do uso privilegiado das redes e dominantes do mercado por mais 20 anos, o que lhes tem possibilitado enfrentar em situação de vantagem ilegal os mercados não só de telefonia fixa, mas de banda larga e, agora, de tv por assinatura. Todavia, já no começo de 2006, começaram o lobby por meio da Abrafix junto ao Ministro Hélio Costa, para mudar as metas. A idéia passou a ser “fazer backhaul Internet em banda larga”. Acontece que backhaul não é STFC, como os próprios representantes do MiniCom repetiram à exaustão na última reunião do Conselho Consultivo. Se não é STFC, como pode constar do contrato de concessão do STFC e do plano de universalização correspondente?

A resposta do assessor jurídico do ministro das Comunicações, foi que a proposta é “consensual” entre as empresas e que elas aceitaram. É claro que aceitaram: trata-se de um presente de mãe para filho. Mas o fato de terem aceitado não impede que a lei esteja sendo desrespeitada. E mais, ninguém nos perguntou se queremos pagar essa conta. Estar no plano de universalização significa que a receita para implementar o serviço de instalação das redes de banda larga será originada pela tarifa que nós pagamos pela utilização do telefone fixo.

O Ministério das Comunicações não discutiu com a sociedade; a Casa Civil não nomeou o outro representante dos consumidores e o da sociedade, esvaziando junto com a ANATEL o Conselho Consultivo, impedindo que debatêssemos devidamente esse importante tema; a Consulta Pública 842/07, relativa à minuta do decreto, deu prazo de 10 dias para contribuições, sendo que 4 deles eram feriados e, pior, não se disponibilizou um único documento para possibilitar que a sociedade pudesse participar de forma consistente. A mudança tem caráter eleitoreiro e é anti-democrática. A Pro Teste, o IDEC, a AET, o Indec Telecom, o Movimento Defenda São Paulo, a ABUSAR, entre outras entidades questionam tudo isso.

O que essa proposta significa, na prática?
Significa que as concessionárias irão construir, ao invés dos Postos de Serviço de Telecomunicações, uma infra-estrutura de rede IP para transmissão de dados, que vai chegar a central telefônica dos municípios que não têm banda larga. É só isso que o decreto garante. As empresas cobrarão o que quiserem dos competidores pelo uso dessa infra-estrutura, o que lhes garantirá amortização rápida dos investimentos, não só por meio da cobrança da injusta tarifa do telefone fixo, mas também pelos escorchantes preços pela prestação do Serviço de Comunicação Multimídia e pelo aluguel da rede aos competidores.

Além disso, sou contra pelo seguinte: o decreto, antes da alteração das metas, dizia que a concessionária deveria instalar Postos de Serviços de Telecomunicações em todos os municípios. Agora, com a alteração, as concessionárias deverão levar a banda larga para todas as cidades que não têm rede para banda larga, até 2010. São Paulo, que tem a Telefônica como concessionária, tem por volta de 660 municípios, o que significaria a instalação de PSTs em mais de 600 municípios. Quanto custariam a instalação e manutenção dos PSTs em 600 municípios, incluindo compra, construção ou aluguel de prédio, quatro telefones públicos, quatro computadores, um aparelho de fax e um atendente pessoal, com 12 horas de atendimento? Agora, com a alteração, a Telefônica terá de puxar os cabos por pequenas distâncias para apenas 258 municípios. E, ainda assim, querem me convencer que existe equivalência econômica nessa troca? O Decreto 6424/08 não inclui a infra-estrutura que deverá ligar o ponto da central telefônica à casa dos consumidores – o que se chama de última milha. E quem vai fazer isso? As concessionárias, que já contrataram autorização para operar o Serviço de Comunicação Multimídia – SCM e irão cobrar das pequenas empresas que também têm autorizações para operar o SCM e terão de comer na mão das concessionárias. Ou seja, não temos garantia de competição e, conseqüentemente, de qualidade e de preço justo.

Existe uma ligação entre essas mudanças no PGMU e o Plano Nacional de Banda Larga? O que parece ser um favor das operadoras na verdade já foi feito pelo PGMU, então?
Exatamente. Mas isso não quer dizer que a estrutura ficará ociosa, pois as próprias concessionárias se beneficiarão disso, porque, como disse antes, todas elas já têm autorização para operar o serviço de comunicação multimídia. Ou seja, elas usariam o dinheiro do consumidor que paga a assinatura básica ou, pior, não consegue contratar o telefone fixo, e, muito possivelmente, também usarão o dinheiro do FUST, que é público, para estender uma rede que as beneficiará amplamente, pois terão implementado a rede para prestação de serviço privado valendo-se das regras do serviço prestado no regime público, prejudicarão os concorrentes e venderão os serviços que quiserem ao preço que quiserem, como já fazem hoje com a telefonia fixa e com a própria banda larga.

Sendo assim, por que não se estabelecer licitação, no regime das Parcerias Público Privadas por exemplo, ou utilizar financiamentos do BNDES, para construir essa rede pelas mãos de outras empresas, que irão competir com as concessionárias, respeitando-se os princípios da isonomia e impessoalidade? Por que o governo escolheu o caminho mais frágil, pelo aspecto jurídico, e mais penoso para os consumidores? Enfiar nos contratos de concessão do STFC o serviço de instalação de rede para banda larga , desrespeitando a LGT e a Lei de Licitações, é uma aberração.

Mas não há nenhum benefício nessa história?
Teria um benefício, que é significativo: quando as concessões vencerem, em 2025, essa rede reverterá para o patrimônio da União. Só que daqui a muito menos de 18 anos, o WiMax e outras tecnologias sem fio e mais baratas serão comuns. Ou seja, a utilidade dessa rede não será mais a mesma e seu grande potencial terá sido explorado amplamente por empresas privadas ao longo do tempo de vigência dos contratos de concessão. Ou seja, a contrapartida anunciada pelo governo, de oferecimento do SCM pelas concessionárias de forma gratuita para 55 mil escolas públicas até o final do contrato de concessão é muito pequena, se a comparamos ao enorme benefício concedido às concessionárias e à lesão que sofrerão os potenciais competidores. Estamos falando de contratação sem licitação, subsídio proibido por lei, utilização indevida de dinheiro público, e utilização exclusiva da rede. Nesse contexto, entendo que a sociedade poderia ganhar mais: as concessionárias tinham de prestar o serviço gratuito não só para as escolas (que no mais das vezes nem tem condições materiais e professores para usufruir do serviço), mas também para a polícia, hospitais, prefeitura etc …

Não devemos esquecer que o BNDES, no ano passado, já concedeu empréstimos de R$ 2 bilhões para cada uma das concessionárias. Mas ninguém esclareceu para o que é esse dinheiro.

Como você vê a utilização do FUST? Qual seria a melhor forma?
Não quero fazer profecia, mas a LGT traz dispositivo que garante às concessionárias a possibilidade de usarem o dinheiro do FUST para implementar as obrigações de universalização, nos casos em que a exploração eficiente do serviço objeto da concessão não for suficiente. Ora, no caso da OI, que terá de estender a rede por extensas regiões, muito possivelmente a receita do STFC não será suficiente, então, vão poder se valer do recurso do FUST. Há também um projeto de lei do senador Aloizio Mercadante que abre as portas para que o SCM utilize recursos do Fust para universalização de banda larga. OS recursos do Fust não poderiam ser usados para isso porque, pela lei, a universalização no regime privado deve ser promovida com receita da própria empresa; ou seja, o FUST deve ser usado apenas para os serviços prestados no regime público. Então, temos duas alternativas: transformar a banda larga em serviço público ou, ainda, ampliar o rol de serviços que podem receber investimento do Fust. Aí sim eu poderia concordar com tudo isso.

Sobre a fusão entre Oi/BrT, quais são as vantagens e quais são as desvantagens?
Não é possível fazer uma análise dessa situação porque, assim como no caso da alteração do PGMU, não sabemos na totalidade quais são os projetos, a estratégia e a lógica da mudança anunciada. Assim como a alteração do PGMU foi uma negociação envolvendo exclusivamente governo e concessionárias, o mesmo está acontecendo em relação à alteração do Plano Geral de Outorgas (PGO). Essas coisas são discutidas lá nos gabinetes. Só digo uma coisa: se vão concentrar o mercado em apenas duas concessionárias, devem haver duas condições essenciais. Primeiro, a desagregação da rede para permitir que outras empresas possam prestar serviço utilizando as redes sem ter de pagar para as concessionárias, pois essa rede é um bem público que já está há dez anos no regime de uso exclusivo das concessionárias, com enormes prejuízos para a sociedade.

A segunda condição seria a implementação do modelo de custo – que, aliás, já deveria estar implementado e em vigor desde o primeiro ano de vigência dos contratos de concessão renovados e, até agora, a ANATEL sequer instaurou licitação para contratar a empresa para desenvolvê-lo. O modelo de custo permitiria um controle efetivo do valor da tarifa. Se o modelo de custo já estivesse implementado, poderíamos verificar a abusividade do valor da assinatura básica cobrada hoje. Você saberia dizer, por exemplo, se as despesas abundantes que as concessionárias têm com marketing e outras despesas não confessáveis não estão inchando abusivamente o preço da tarifa? Ou se custos de outros serviços que prestam não estão sendo utilizados para garantir a manutenção do alto preço da tarifa do STFC? Não tem como saber porque não existe um modelo de custo. Não temos hoje como garantir que uma empresa, que preste uma série de serviços, não esteja alocando as despesas do modo que lhe for mais conveniente, influenciando os processos de reajuste e revisão tarifária.

Além disso, um outro aspecto que deve ser observado são as regras para a transferência de controle acionário da empresa. Já imaginou se a fusão de fato ocorra e amanhã a Andrade Gutierrez vende a sua parte para a Telefonica ou para a Embratel? Como pretende o governo, nesta altura dos acontecimentos, impedir que isso ocorra ou, ainda, defender uma golden share em função da fusão de duas empresas privadas, ainda que o BNDES seja acionista da OI? No momento da desestatização, quando se impõe esse tipo de restrição, o agente privado que ganha o leilão já conhecia e aceitou a regra do jogo. Mas garantir ao Estado poderes especiais numa empresa privada não configura estatização? Eu não sou contra. Mas vamos respeitar a transparência e o debate. O que se está pretendendo? É decepcionante ver a atuação de um governo do PT que não debate, não ouve a sociedade, que impõe pacotes, ao contrário do que sempre defendeu.

Você que tem convivido com o trabalho da Anatel por dois anos, qual a sua avaliação do trabalho da agência? Quais são as principais deficiências?
Como eu também trabalho na área de energia elétrica, é possível comparar os dois setores. Por exemplo, veja a forma como a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a Anatel conduzem uma consulta pública. A consulta pública para alteração da PGMU, como eu disse antes, começou em setembro e contava no site apenas com a minuta do decreto e a minuta de aditamento dos contratos de concessão. Não tinha uma nota técnica ou qualquer documento complementar e ficou aberta apenas por dez dias. Isso quer dizer que eles não querem ouvir a sociedade. No caso da Aneel, quando se abrem consultas públicas,  as notas técnicas ficam à disposição no site, o que permite que a sociedade possa participar de forma mais equilibrada, uma vez que a assimetria de informação entre prestadores de serviço e consumidores é indiscutível. Além das consultas, existem audiências públicas em várias cidades do país. As reuniões para deliberações na ANEEL são abertas, ao contrário do que ocorre com a ANATEL. Dei estes exemplos para concluir que a Anatel não é transparente. E também não é ágil e eficiente no seu processo de fiscalização. Digo isso porque a Aneel pode delegar suas funções fiscalizadoras a órgãos locais, como no caso da Comissão de Serviços Públicos de Energia, em São Paulo, que efetivamente fiscaliza as distribuidoras. Já a Anatel é proibida de fazer o mesmo.

Nos dois últimos processos de revisão tarifária no setor de distribuição, os consumidores foram contemplados com reduções de 11%, em 2007 e até 12%, agora em 2008. Isso se deve à atuação responsável da Aneel. E as empresas não diminuíram seus lucros por isso e o setor de distribuição de energia elétrica é sustentável. Se enfrenta crises é por conta da falta de investimento dos governos e não pela atuação da Aneel. Quando a Anatel impôs redução tarifária desde a sua criação? Nunca.

Existe ainda um outro fato. O atual presidente da Telefónica é o Antonio Carlos Valente, que já foi presidente da Anatel. Marcos Baffuto, que foi superintendente da área de serviços públicos na ANATEL até dezembro de 2005, em março de 2006 já estava trabalhando para a Telefonica. E há muitos outros exemplos que nós não ficamos sabendo.

Quer dizer que há uma captura da Anatel pelo mercado?
As concessionárias são muito mais ouvidas do que os consumidores. O lobby da ABRAFIX – associação que as representa – na agência é pesado.

E a imobilização do Conselho Consultivo?
Essa votação da alteração na PGMU foi feita sem a presença de cadeiras muito importantes do conselho, as vagas do consumidor e da sociedade e mais uma das empresas. Foi equilibrado? Claro que não. Lá estava o Amadeu, que presta consultoria para as concessionárias de telefonia fixa na SP Comunication, a Emília Maria Silva Ribeiro, assessora da Presidência do Senado, dois membros do Ministério das Comunicações, Israel Baiman, como representante da Câmara do Deputados e Zunga, em uma das vagas da sociedade, sendo que a ligação desses dois últimos conselheiros com o PT – e conseqüentemente com o governo – é clara, e não votariam contra o decreto que pode trazer grandes dividendos eleitorais.

Zunga também tem um cargo de gerência na Brasil Telecom…
Acho que isso não é tão importante no caso. Os trabalhadores têm interesses grandes e legítimos no setor. Se eles não forem trabalhadores de alguma empresa do setor, não estariam nos sindicatos e assim, qualquer deles estaria impedido de participar. Conheço o Zunga, que é sindicalista há muitos anos e, portanto, representa sim a sociedade. Fizemos muitos trabalhos juntos na defesa do consumidor, desde a privatização. O problema agora é o fato de que na atual conjuntura o Conselho Consultivo é uma questão estratégica para o governo, pois precisava aprovar a alteração do PGMU e, agora, o PGO. Acho mais preocupante o fato de ele ser tão ligado ao governo, tanto que, durante a reunião ocorrida para discutir o PGMU, disse que meu relatório não poderia ser desconsiderado, mas, contraditoriamente, votou a favor do decreto, adotando recomendações constantes do meu voto, como necessidade de desagregação, de implementação de modelo de custos, introdução de garantia de preço isonômico para competidores, entre outras. Ora, se o decreto não traz essas garantias, como ele poderia ser favorável?

É possível que o conselho seja mais atuante?
Não acredito. E é importante dizer que as entidades de defesa do consumidor e Procon/SP enviaram cartas ao Ministério das Comunicações, Casa Civil e ANATEL, pedindo que o conselho fosse composto. Em setembro último pedi ao presidente da Anatel para que ele convocasse uma reunião e desse posse aos novos conselheiros, pois então teríamos sete membros – metade mais um, como exige o regimento – e poderíamos ter discutido, por exemplo, o PGMU de forma mais tranqüila, ampliando na sociedade o debate. Isso não foi feito. Mas nesse meio-tempo a minuta do decreto estava em consulta pública. As segundas vagas da sociedade e consumidor continuam vazias. A configuração do Conselho Consultivo propicia que das doze vagas, seis sejam do governo – senado, câmara e poder executivo – mais duas das empresas e apenas quatro para sociedade e consumidores. Os acordos que comumente acontecem entre os partidos tornam desequilibradas as decisões do Conselho. Além disso, os membros são escolhidos pelo Ministério das Comunicações e Presidência da República, o que pode levar ao questionamento de legitimidade, como está acontecendo agora com o Zunga.

Então o próprio Conselho Consultivo também foi capturado?
O Conselho Consultivo, até 2005, com o ingresso de membros que não faziam parte do chá das cinco das concessionárias e ex-dirigentes do sistema Telebrás e suas consultorias (leia-se lobistas), sempre agiu em favor do status quo. Sabemos que foi necessária a atuação do Ministério Público Federal de Pernambuco para tirar da vaga de usuário o diretor de uma companhia de telefonia fixa há poucos anos atrás. O presidente da Anatel, Embaixador Ronaldo Sardenberg não quis dar posse para os conselheiros nomeados em setembro de 2007, alegando publicamente que o conselho ficaria chapa-branca. Mas eu pergunto, a situação agora não piorou; não está chapa-branca – 6 do governo, 1 das empresas, 1 dos consumidores e 1 da sociedade? E ainda existem vagas em aberto – do consumidor, da sociedade e uma de empresa. Os nomes indicados já estão lá, por que então não foram nomeados? É crucial que o conselho esteja completo com membros efetivamente legítimos nesse momento.

Quais são os pontos centrais em relação à regulação que você acredita que devem ser enfrentados?
Estabelecimento de tarifa social, revisão da estrutura tarifária do STFC,  implementação de regras para desagregação de rede,  implantação de modelo de custo, aperfeiçoamento dos mecanismos de fiscalização, inclusão da banda larga como serviço público e alteração das regras do FUST, para que se possa usar os recursos para a universalização da banda larga.

Recentemente, o ouvidor da Anatel publicou seu relatório sobre a atuação da agência em 2007. O que você achou do relatório? Ele trouxe algum impacto para a agência?
O Relatório apontou falhas gravíssimas na atuação da Agência, com as quais concordo plenamente. No modelo da Anatel, a ouvidoria não tem o papel de ouvir o consumidor, mas de fiscalizadora da atuação da agência, e o relatório elaborado pelo Ouvidor deve ir para o presidente da República e para o Congresso Nacional. Mas, chegando nesses órgãos, ele não tem impacto. Ninguém fez nada. Ninguém quer enfrentar a CPI da ANATEL; faz-se sempre um esforço enorme para enterrá-la, toda vez que ela surge no horizonte. Mas isso seria muito salutar, acreditem.

Houve alguma mudança com a entrada do Sardenberg?
Que eu tenha notado, não. Tudo o que aconteceu até agora em termos de normas e regulamentos já estava em curso quando ele entrou. Faz pouco tempo que ele está ocupando a vaga.

Uma das questões que o ouvidor aponta em seu relatório é o fato de que as reclamações dos consumidores sempre caem no esquecimento na agência. Isso não é preocupante?
Principalmente as demandas de caráter econômico, que são simplesmente desconsideradas. Veja nossas batalhas pelas tarifas e pelas cobranças indevidas. Não há nenhum acesso a questões como renovação de contratos de concessão, alteração de PGMU, entre outros temas. A agência não tem um funcionamento democrático, nem nenhuma permeabilidade para os consumidores. É comum vermos os diretores da agência em reuniões com concessionárias, operadoras, em seminários e outros eventos. Mas não é comum visitarem as entidades de defesa do consumidor, promoverem debates no âmbito da agência, facilitar informações etc…

Como você avalia o modelo de privatização à luz das demandas que temos agora?
Acho que o acerto foi a criação de mecanismos regulatórios para que o setor de telecomunicações realmente se expandisse em termos de infra-estrutura e ampliação do acesso. Outro acerto foi a criação de mecanismos que propiciassem a competição, ainda que eles não tenham sido implementados até agora. Esse modelo funcionou em alguma medida, onde a competição conseguiu se estabelecer. A diferença de possibilidade de acesso, se comparada com a situação de quinze anos atrás, é radical. O que falhou foi que o modelo não previu o tratamento discriminatório entre os usuários, a garantia de uma tarifa social, como foi feito na energia elétrica. A privatização da distribuição da energia elétrica, por sua vez, demandava menos investimentos em infra-estrutura para a distribuição. Então, se é preciso altos investimentos e você está num país com as características sócio-econômicas do Brasil, a previsão legal que garanta uma tarifa social para os consumidores de baixa renda é altamente necessária para garantir a universalização, tanto pelo viés do acesso pela infra-estrutura quanto pelo viés do acesso pelo preço.

Outro problema que vejo é que a telefonia móvel acabou cumprindo o papel de “competidora da telefonia fixa”, penalizando o usuário mais pobre. O problema é que, no caso do regime privado, ao qual está submetida a telefonia móvel, não há metas de universalização. Existem por volta de 2200 municípios que não têm cobertura de sinal. E isso se deu de uma maneira não prevista pelo modelo e não houve flexibilidade por parte dos responsáveis para corrigir isso. As empresas-espelho também não deram certo, pois, pelas regras da época, não podiam cobrar pela telefonia fixa menos do que as concessionárias. Que competição é essa, se eu não posso entrar no mercado cobrando menos que a minha competidora e, ainda, fico refém dela para prestar meu serviço?

Este cenário foi amplamente conveniente para as concessionárias, porque elas também são sócias das operadoras de telefonia celular e as chamadas de fixo para móvel e vice-versa trazem mais receitas para as elas. Ou seja, as concessionárias têm dois bolsos, o da empresa de telefonia fixa e o da operadora da telefonia móvel, portanto, para elas está tudo bem.

Sendo que a desagregação está prevista na lei, não seria prevaricação da Anatel não cumpri-la?
Acredito que sim e vamos questionar isso, pelo viés da improbidade administrativa. O consumidor ganhou com o modelo, mas poderia ter ganhado mais se a ANATEL fosse mais eficiente, mais comprometida com o interesse social e com os consumidores. Isso sem falar do mau atendimento, das cobranças indevidas, da falta de discriminação no detalhamento das contas e a fiscalização insipiente da ANATEL. Não há dúvida que ganhamos; mas não podemos ser ingênuos e deixar de reconhecer que nós é que financiamos tudo isso e que as concessionárias, pesando os dois lados da balança, ganharam muito mais. Agora, depois de dez anos de sacrifício, já é a hora de dar o retorno para a sociedade.

Os jovens e as lan houses

Líder de projetos do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas Direito/Rio, o advogado Antônio Carvalho Cabral integra a equipe que está à frente de uma pesquisa bastante interessante: o universo das lan houses de cinco comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro. São elas: Rocinha, Manguinhos, Jacarezinho, Antares e Vila Paciência.

O que vem sendo constatado é precioso e estratégico, pois revela o grande impacto que os estabelecimentos têm na vida da população local, especialmente no cotidiano de crianças e jovens. “As lan houses representam, para crianças e jovens, uma forma segura de lazer, a possibilidade de saírem das ruas e da criminalidade, uma forma de aprenderem a utilizar a tecnologia como ferramenta para um futuro profissional, enfim, representam cidadania, dignidade, educação e diversão”, afirma Antônio Cabral.

Em entrevista ao RIO MÍDIA, o advogado, especialista em direitos autorais, destaca ainda que as lan houses vêm contribuindo para a inclusão social e digital e que os estabelecimentos podem, sem dúvida alguma, ampliar o papel que desempenham.

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Qual é a principal função que as lan houses desempenham hoje nas comunidades pesquisadas?
Possibilitar a inclusão digital de uma população carente sem condições de acessar computadores e a internet de outras formas. Tamanho é essa revolução que, em 2005, dentre todos os acessos a internet no Brasil, apenas 18% eram feitos por meio das lan houses. Em 2006, esse percentual cresceu para 30%. E, em 2007, chegamos a 49%. E o mais interessante: quanto menor a renda e menor a faixa etária, maior o índice de acessos por meio das lan houses, o que demonstra claramente a importância delas como fenômeno de inclusão digital no Brasil. Esses números são fruto de um estudo realizado pelo Cetic (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação) e foram constatados, ainda de forma mais acentuada, nas pesquisas de campo que realizamos. Na Rocinha, existem cerca de 100 lan houses em funcionamento, sendo uma verdadeira febre entre os jovens da comunidade. Em Jacarezinho, existem cerca de 40. E em Manguinhos, cerca de 60. Em Antares, comunidade carente da Zona Oeste do Rio, há sete lan houses, todas fruto do esforço de um jovem morador da comunidade, o Anderson, que, apesar de sua origem humilde, aprendeu a montar computadores e a fazer manutenção dos mesmos. Vila Paciência foi a única comunidade sem lan houses, mas mesmo nesse caso os jovens acessa a internet nas lan houses existentes na comunidade de Ponte Quebrada, que fica a cerca de 1 km.

Por que há esta explosão de estabelecimentos nessas comunidades?
Porque existia uma demanda reprimida. Isso é apenas um reflexo do empreendedorismo dos moradores das favelas que enxergaram um nicho de negócio com muito potencial. Outro fator a ser levado em consideração é justamente a informalidade em que se encontra a maioria das lan houses. Por serem informais, os custos caem muito, propiciando uma boa margem de lucro para os empreendedores. Um caso interessante aconteceu na Rocinha. Ao conversar com um dono de uma lan house, ele disse: “Doutor, fala a verdade. Você está fazendo todas essas perguntas porque tem interesse de abrir sua própria lan house”. E emendou: “Mas não tem problema. Aqui tem espaço para todos. Só não abre entre a Rua Dois e a Quatro, é onde mora o meu público”. Ou seja, há um mercado sedento, daí esse boom.

Você acredita que o número de lan houses vai crescer ainda mais?
Acreditamos que sim. Fazendo uma avaliação do crescimento nos últimos anos, percebe-se que ainda existe potencial. Uma ação do Governo poderia aumentar este número. Ao fornecer, por exemplo, conexão wi-fi gratuita, os custos das lan Houses ficariam mais baixos, o que tornaria possível, inclusive, a formalidade destes estabelecimentos e os livrariam de possíveis intervenções de policiais corruptos e traficantes.

O que as lan Houses representam para as crianças e os jovens das comunidades pesquisadas?
As lan houses representam uma forma segura de lazer, a possibilidade de saírem das ruas e da criminalidade ali existentes, uma forma de aprenderem a utilizar a tecnologia como ferramenta para um futuro profissional, enfim, representam cidadania, dignidade, educação e diversão. Os jovens ganharam uma alternativa de lazer que os tira das ruas, o que tranqüiliza os pais, que muitas vezes passam o dia fora trabalhando. Além disso, a lan house se transformou num canal eficiente para fazer pesquisas e trabalhos escolares. Incrível notar que, apesar do uso ainda um pouco limitado dos computadores, os jovens e as crianças são de um modo geral autodidatas. Curioso foi perceber que os jovens destas comunidades usam o tempo livre da mesma forma que os jovens norte-americanos. Em nossas visitas levamos uma pesquisadora norte-americana que disse exatamente isso. A única diferença está no tipo de site acessado. Se nos EUA os jovens utilizam o Myspace, no Brasil eles usam o Orkut. Se lá usam o Flicker, aqui é o Flogão. Na prática, tanto americanos quanto brasileiros executam as mesmas tarefas. As lan houses aproximam, no âmbito do lazer e do hábito, jovens das mais diferentes classes sociais e países.

O que fazem as crianças e os jovens nas lan houses?
De um modo geral, eles acessam o Orkut, o MSN e o Flogão, além de jogos on-line, como o World of Warcraft e Counter Strike. Fazem também pesquisas escolares e auxiliam seus pais, resolvendo alguns problemas por meio do computador (currículo, empregos, CPF, etc.). O curioso é observar que existem verdadeiras comunidades entre os freqüentadores de cada lan house. Na Rocinha, por exemplo, aconteceu a festa do encontro das lan houses, com um grande baile que confraternizava os freqüentadores de cada estabelecimento. Outro aspecto interessante é a quebra das barreiras criadas pelas facções criminosas. Ou seja, por meio da internet, os jovens podem ter uma relação sadia com jovens de comunidades rivais, algo impensável quando se pensa em encontros reais.

Há algum tipo de regra/proibição no acesso que as crianças e os jovens fazem nestes espaços?
As lan houses destas comunidades primam pela informalidade, ou seja, o controle varia de lan house para lan house, mas, de um modo geral, existe uma grande liberdade para o uso da internet. Até porque a realidade em que eles se encontram já é permeada de violência. Existem decisões judiciais no Estado de Minas que proíbem certos jogos nas lan houses por serem violentos, o que dentro das comunidades não faz o menor sentido, já que a grande violência está nas ruas onde eles vivem.

Vocês apostam na ampliação do papel das lan houses. O que vocês vislumbram?
Sem dúvida. O objetivo final da pesquisa é justamente esse: saber de que forma podemos intervir nas lan houses sem atrapalhar o desenvolvimento desse fenômeno. Primeiramente, seria muito importante criarmos um modelo que torne possível trazer essas lojas para a formalidade, seja através de um acordo com as empresas de software, para conseguirmos licenças específicas dos softwares mais utilizados, ou implementando a cultura do software livre. A própria Prefeitura do Rio já possui uma política de desburocratização dos negócios em comunidades de baixa renda. O Decreto n.º 25.536 de 2005 estabelece a isenção da taxa de licença para empreendimentos em favelas. Posteriormente, poderíamos criar parcerias entre as lan houses e as escolas, as ONGs e as empresas, no sentido de utilizar o espaço para oferecer cursos para os jovens. Conversando com os pais dos adolescentes destas comunidades, percebemos uma grande demanda por cursos que poderiam ser oferecidos nas lan houses. Os pais poderiam barganhar com os filhos. Eles pagam pelo divertimento das crianças e elas, por outro lado, participam dos cursos oferecidos. Já há a infra-estrutura técnica (as próprias lan houses) e a presença e o interesse das crianças e dos jovens (que já passam grande período dentro das lan houses). Falta apenas viabilizar as parcerias para que as lan houses ofereçam os cursos. Não cursos tradicionais, mas módulos que ensinem como, por exemplo, melhor explorar a internet, como a web pode ser útil para diversas profissões, programação de games, etc.

Pelo que vocês têm visto, portanto, não há nenhum diálogo entre as lan houses e as escolas que funcionam nestas comunidades. Na sua avaliação, haveria espaço para essa parceria?
Não identificamos nenhuma relação direta e formal entre as escolas e as lan houses. O que ocorre é a utilização dos alunos, por conta própria, da internet para fazer trabalhos escolares. Com certeza poderia haver parcerias entre as escolas e as lan houses, seja para dar descontos para os alunos ou até para que os professores utilizassem a estrutura da lan house para oferecer cursos. No entanto, o mais importante no momento é dar prosseguimento a nossa pesquisa para entender com maior profundidade os possíveis efeitos de qualquer intervenção nas lan houses, uma vez que, sem nenhuma intervenção, elas são um fenômeno de massa e já respondem por 49% dos acessos a internet no Brasil. É preciso primeiro entender os interesses e as necessidades das comunidades carentes, dos jovens e dos donos das lan houses para, então, intervir para melhor atender todos os envolvidos.

A nova cara da CCTCI

A Conferência Nacional de Comunicação deve acontecer a partir de uma grande construção que, ao final, dirá ao governo qual é a cara do Brasil. A partir daí, o deputado baiano Walter Pinheiro (quatro mandatos na Câmara Federal) imagina que é possível elaborar uma nova regulação capaz de incluir regras democratizantes para o setor e reduzir "a grande desigualdade social" no País. Para isso, o parlamentar deverá se manter firme em suas proposições e enfrentar, entre outros desafios, uma liderança sobre os deputados "donos da mídia" na CCTCI.

A democratização dos meios de comunicação, a inclusão social e a convergência digital estão entre as lutas assumidas no mandato do deputado federal pelo Estado da Bahia Walter Pinheiro (PT). Desde março, o parlamentar responde pela presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara Federal, onde são debatidos projetos que, segundo ele, visam garantir o acesso igualitário dos cidadãos à realidade produzida com a entrada das novas tecnologias. O deputado enfrenta o desafio de manter na pauta da CCTCI a discussão sobre as concessões em radiodifusão, num ambiente compartilhado com parlamentares que são proprietários de meios de comunicação (leia matéria).

Nesta entrevista exclusiva ao e-Fórum, Walter Pinheiro fala da necessidade de se realizar a Conferência Nacional de Comunicação e garante que, à frente da CCTCI, manterá a “bandeira” das lutas populares em nome da democracia, liberdade, cidadania e a inclusão social.

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Qual a importância de se realizar uma Conferência Nacional de Comunicação nesse ano?
Walter Pinheiro
— O Brasil esta vivendo uma explosão enorme de relação com as novas ferramentas de informação e comunicação. Diante disso, temos a necessidade muito clara de mexer no marco legal do setor. A idéia de realizar a conferência é de que ela seja um instrumento capaz de fazer a leitura dessa explosão e de como isso pode ser processado num país imenso e desigual como o Brasil. A conferência pode ser o canal de escuta para os pontos mais longínquos do país, pode sensibilizar a Câmara dos Deputados a trabalhar uma legislação onde a prioridade é a universalização dos meios.

Portanto, a conferência não pode ser vista como uma coisa adversária, algo que trama contra a comunicação, ou contra esse ou aquele grupo. Nós queremos a conferência para discutir o uso da comunicação como ferramenta de democratização, de equalização das oportunidades nos mercados de produção, cultural e da distribuição.

É preciso entender que esse país não está centrado em dois ou três estados, mas em de 27 unidades que precisam ter oportunidades nesse cenário de interatividade. A conferência, em seu resultado mais amplo, deverá ser uma espécie de grande construção para dizer ao governo: essa é a cara do Brasil. Isso é o que pensa e deseja o brasileiro. Portanto, precisamos construir regras que contemplem essa grande desigualdade e não os interesses localizados nos grandes centros, ou dos grupos de interesse, principalmente na área de comunicação.

É possível tirar da conferência um novo marco regulatório para o setor?
Walter Pinheiro — A idéia é usar a conferência como um espaço de elaboração de um marco regulatório para contribuir com o governo nesse sentido, pois a legislação que existe já ficou velha, não pelo fato do tempo, mas pela aceleração dos processos. A lei de radiodifusão vem da década de 60 e está obsoleta. A conferência pode elaborar o material que posteriormente o Executivo transformará em projeto a ser enviado ao Congresso Nacional e daí gerar, quem sabe, a nova legislação de comunicação social e eletrônica para o País.

Quais os pontos mais urgentes a serem tratados no País, em termos de políticas públicas de comunicação?
Walter Pinheiro — Em minha opinião, a questão do acesso – a inclusão digital – traduz muito bem os pontos urgentes. A gente fala de um país onde a venda de computador cresceu. Mas todo mundo que comprou pode acessar a internet? O preço é acessível a todos? Mesmo que você diga que o computador barateou, quem o adquiriu vai poder continuar pagando uma conta mensal superior a 30, 40 reais para poder usar essa à internet e se comunicar? Essa questão é importante.

E mais. A grande carência do Brasil era só voz? Era levar o telefone público para tudo quanto é lugar? Já está todo mundo universalizado só porque conseguimos colocar telefone numa aldeia? Isso é muito pouco, se levarmos em consideração que o país está discutindo temas de ponta.

Um exemplo: TV digital com interatividade. Para quem? Só para quem está nas avenidas de classe média dos grandes centros. Mas estamos falando de interatividade para todos e quaisquer brasileiros espalhados pelo País. Por isso, a questão do acesso é um tema central, um direito universal. A comunicação deve ser como o direito de ir e vir.

Como garantir esse acesso, diante da desigualdade social?
Walter Pinheiro — É importante o governo construir determinados níveis de obrigação. Estamos discutindo universalização com as empresas que ganharam concessão para explorar a terceira geração na telefonia. Elas têm a obrigação de fazer chegar a cada canto do País os serviços e a infra-estrutura. Agora, por exemplo, teremos 55 mil escolas linkadas no Brasil, mas não basta chegar só nelas. Se os serviços já chegam às escolas, por que não disponibilizar para toda a cidade, transformá-las em cidades digitais?

Para obter isso, temos que ir criando obrigações, utilizando recursos extraídos de fundos como o Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações), o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) e também o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na expectativa de permitir a consolidação de serviços essenciais que atendam a população.

Qual a proposta da subcomissão de radiodifusão (recentemente criada)?
Walter Pinheiro — A subcomissão tentará trabalhar alguns temas polêmicos que foram esquecidos. Fruto da concentração e do direcionamento do debate à TV digital, o rádio digital, por exemplo, ficou completamente esquecido no Brasil. Padrões e medidas foram sendo adotados sem que tivéssemos a oportunidade de promover um debate, uma avaliação de mercado, de marco regulatório, de interesses e, principalmente, a questão do conteúdo.

A Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações], por exemplo, está discutindo atualmente o espectro de freqüência, mas nós, aqui na CCTCI, não temos acompanhado isso. As freqüências que eram utilizadas por serviço analógico, que passarão a ser digitais, estão sendo devolvidas e a agência faz a dissimulação do uso dessas freqüências sem levar em consideração a questão da radiodifusão. Isso prejudica as rádios comunitárias, na medida em que o espectro é sempre distribuído para servir as telecomunicações, faltando freqüência para atender à necessidade crescente de instalar rádios comunitárias no país.

Também há a questão da auto-regulação. Agora mesmo, aqui no Congresso Nacional, existe a polêmica sobre uma audiência que trata da proibição de publicidade de bebidas. Há pessoas que levantam discussões sobre a proibição da propaganda que explora a nudez e acirra a libido sexual, que trama contra a moral e outras. Existem várias propostas encaminhadas.

Se não for feita uma discussão mais qualificada, a gente termina no falso moralismo, numa seara de completa falta de qualidade para ajustar o que significaria uma programação.

Um problema hoje muito sério é o fato de a Anatel ter determinadas atribuições, mas não termos uma legislação que trate disso no Brasil. Então, a idéia da subcomissão é tratar esses temas, não deixar eles se tornarem periféricos e sucumbir.

A CCTCI tem em sua composição parlamentares que são donos de veículos de comunicação. Isso dificulta tratar de temas como as concessões, por exemplo. Na presidência da comissão, como o senhor pretende ultrapassar essa barreira?
Walter Pinheiro — Essa é uma polêmica que extrapola a comissão. É um debate que a comissão, por si só, não tem capacidade de resolver, porém, tem a obrigação de suscitar. A questão precisa ser sempre provocada, até porque, uma das condições para que o sujeito vire deputado é que ele se desvincule daquilo que é considerado concessão de serviços públicos. Então, é importante que a gente possa dar o exemplo.

A subcomissão discutirá as radicom?
Walter Pinheiro — Nós até já abrimos esse debate, começamos a fazer a apreciação de um projeto de anistia a pessoas punidas por terem aberto rádios comunitárias no Brasil. Levando-se em consideração que diversos pedidos feitos até hoje sequer foram analisados e muitos deles foram arquivados como impróprios, esse debate é fundamental. E não só em relação às radicom, mas também referente à TV comunitária, aos quiosques públicos, ao acesso comunitário.

*Com a colaboração de Fabiana Reinholz