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O verdadeiro leão do norte

Enquanto cresce a concentração midiática, também se ampliam as experiências alternativas, em termos de direito à comunicação, diversidade cultural e pluralidade no tratamento da informação. Nessa direção deve ser compreendido o atual projeto da TV Pernambuco, veículo de comunicação do governo do estado de Pernambuco, rearticulada a partir de uma provocação da sociedade civil organizada, por meio do Manifesto Cultura e Comunicação, assinado por 25 entidades pernambucanas da área cultural (música, teatro, comunicação, escritores etc.). Isto motivou o governo daquele importante estado do Nordeste a organizar um grupo de trabalho (GT), formado pelos representantes dessas organizações, com o objetivo de fazer um estudo para reformular a TV Pernambuco.

O referido estudo teve como princípios norteadores: formular um novo marco legal para a TV Pernambuco; produzir um diagnóstico e uma proposta para modernizar a geração e distribuição de seu sinal, atentando para as mudanças tecnológicas; implantar uma nova grade de programação, com respeito à diversidade social, política, cultural, étnica e de gênero, privilegiando a produção do estado e do país, bem como criando condições para a inserção na rede pública brasileira; incrementar e qualificar sua produção própria; propor formas de diversificar e incrementar a captação de recursos, bem como de qualificação de seus profissionais; e elaborar o projeto de reformulação técnica e operacional do canal e seu modo de sustentabilidade, incrementando as relações de parceria com os canais públicos.

Exemplo de transformação

Ao fim de três meses o GT elaborou um relatório-diagnóstico sobre a TV Pernambuco que serviu de instrumento-chave para o processo de sua transformação, tendo como desafios: manter o controle social, ter autonomia em relação a governos e mercado e atingir a sustentabilidade. Para a elaboração do relatório, o GT desenvolveu quatro seminários públicos, objetivando pensar com a coletividade o novo formato da televisão pública pernambucana. Os seminários abordaram temas como a missão da uma TV pública, a questão tecnológica e sua gestão, além de, por fim, terem discutido o relatório. Em consequência disso, em 29 de junho de 2011 foi enviado à Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe) projeto de lei para a criação da Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC).

O GT da TV Pernambuco propôs a criação da Empresa Pernambucana de Comunicação (EPC), formulada pelo governo do estado em 2008, nos moldes da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) – TV Brasil, ou seja, visando à transformação da emissora em um efetivo canal público, em construção no país. Independente da natureza jurídica, o GT da TV Pernambuco entende que a sua gestão deve ter como princípios: independência editorial; atenção e respeito às diversidades; transmissão de conteúdos produzidos externamente; programação criativa, inovadora e de qualidade; sustentabilidade política, com base na sociedade e econômica, a partir de fontes diversas de financiamento; zelo e transparência no uso dos recursos técnicos e financeiros; e qualificação dos recursos humanos.

Em seu desenho organizacional, a TV Pernambuco terá como estrutura de decisão principal um Conselho Diretor (composto por 15 membros: quatro representantes do Poder Executivo, dois do Legislativo, um do Ministério Público Estadual e oito da sociedade civil), o que aparentemente mostra um caráter mais democrático das decisões estratégicas. Percebe-se que a TV Pernambuco pode constituir-se em um exemplo de transformação organizacional que, tendo como ponto de partida a motivação da sociedade civil organizada, culmina com o envolvimento dos poderes constituídos em prol de uma comunicação democrática, onde todos devem possuir o direito de participar não só como sujeitos passivos, mas também ativos. Tudo isso, no entanto, será configurado – ou não – no dia-a-dia de operação do canal.

Valério Cruz Brittos e Ricardo Vernieri de Alencar são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e professor da Uespi e mestre em Administração pela UFPB

Como pressionar pelo marco regulatório

Enquanto o final de ano está (muito) próximo e avançam os tradicionais balanços sobre o período que chega ao fim, também transcorrem os planejamentos do que será feito de diferente nos 365 (ou 366) dias seguintes. Contabilizam-se prós e contras, lista-se o que não foi efetivamente colocado em prática e organizam-se estratégias para que não sejam cometidos os mesmos erros no novo período. Ante isso, a sociedade brasileira organizada pode e deve aproveitar esse momento para realizar sua autocrítica: é possível fazer mais pela implementação de um marco regulatório da comunicação no Brasil?

O governo Dilma Rousseff está prestes a completar seu primeiro aniversário e até o momento não demonstrou estar interessado em engajar-se no processo, atacando os problemas histórico-estruturais da área no país, sintetizados na concentração empresarial. Franklin Martins deixou a Secretaria da Comunicação ao fim do governo Luiz Inácio Lula da Silva com um anteprojeto pronto, mas o documento segue trancado em alguma gaveta do Palácio do Planalto. Com o governo mostrando que não pretende comprar essa briga, não está mais do que na hora da sociedade brasileira organizada empurrar o governo para a ação?

As empresas de radiodifusão fazem uma gritaria sem razão ante qualquer iniciativa de discussão do tema, como se, de fato, a liberdade de atuação viesse a ser prejudicada com a implantação de uma lei regulatória de suas atividades. Elas alegam que a liberdade de expressão estaria em risco, mas cabe perguntar: quem é que, de fato, enfrenta enormes empecilhos para manifestar-se, a empresa ou parcelas da população? Quem tem direito a voz e imagem nas transmissões de rádio e de televisão no Brasil são as concessionárias e os grupos que ela reconhece. Defender o pleno direito da sociedade brasileira à comunicação não é censura: ao contrário, é ampliar o número de vozes na arena midiática.

Indicativo de desenvolvimento

O que as emissoras defendem é a liberdade de empresa porque o cenário midiático tradicional no Brasil não oferece espaço à manifestação efetiva do cidadão. Ao ouvinte, telespectador e ao público em geral é oferecida uma participação acanhada em nome de uma suposta interatividade, que não passa de jogo de palavras e de estratégia de marketing – afinal, tal ferramenta resume-se à escolha da cor da gravata do apresentador; à resposta a enquetes rasas, com alternativas pré-selecionadas pelos editores; ou à definição do gol mais bonito da rodada, entre quatro ou cinco possibilidades construídas pelos programas.

Fazer a regulamentação nada tem a ver com autoritarismo, porque é do jogo democrático a existência de regras e sanções, de forma que a sociedade funcione e reproduza-se. Autoritarismo é rejeitar a possibilidade de regras – o sonho de todo candidato a déspota é governar sem a existência de limites ao seu poder. Defender a existência de um marco legal que normatize o funcionamento das mídias é defender a democracia. Sabe-se como, no Brasil, muitas empresas de comunicação conviveram muito bem com o poder autoritário durante o período em que a caserna dava as ordens e democracia era assunto proibido no país.

O que está em jogo é o controle unicamente privado da comunicação. Houve um tempo em que a capacidade técnica dos meios de comunicação era reconhecida como indicador da qualidade de vida de uma nação. Ter uma televisão com imagem apurada, estética ficcional elogiável e capacidade de cobertura nas produções jornalísticas era um indicativo de desenvolvimento econômico e social, um caminho que já foi superado. Boa qualidade técnica era quase um sinônimo de democracia consolidada. Até poderia ser, se a forma não fosse tão aplicada em esconder os vícios do conteúdo.

Decisão será da sociedade

Sabe-se que o mundo não funciona assim e que a Rede Globo, por exemplo, sendo favorecida pelo regime da ditadura militar, transformou-se na voz do poder. Não apenas ela, saliente-se, mas nenhuma outra organização teve tão facilitado seu projeto de construir uma rede nacional de TV, cuja programação obedecesse ao primado do lucro e das relações político-econômicas privilegiadas com o mercado e o Estado. Sem uma lei a lhe apontar limites, a empresa tem total liberdade de ação (que insiste em chamar de liberdade de expressão) para impor seus interesses privados, em detrimento da pluralidade e diversidade sociais.

Voltando ao balanço de final de ano e aos planos e metas de Ano Novo: se o governo não se mexe e o anteprojeto do governo anterior continua parado em uma gaveta, é o momento de a sociedade brasileira organizada mobilizar-se mais para implementar seus projetos. A partir de um documento, de um texto-base, de uma proposta de lei, será possível a discussão sobre pontos concretos, envolvendo propostas específicas de democratização da comunicação do país. Sensibilizar parlamentares requer, antes, a sensibilização da opinião pública, tarefa difícil pela baixíssima midiatização do tema.

Enquanto o pouco debate existente for realizado em cima de ideias abstratas e de grandes conceitos sem fundo real, as empresas de rádio e de comunicação pouco afeitas ao debate terão a vida facilitada para deturpar a discussão e manter o apego ao poder sem impedimentos, recorrendo a fontes confiáveis (aos seus interesses) para sustentar suas posições. Para evitar que isso ocorra, o governo da presidente Dilma Rousseff terá que colocar o seu anteprojeto na rua, de forma a servir de base para as discussões. Antes, porém, a sociedade brasileira terá que decidir se a comunicação faz parte de suas metas e planos de desenvolvimento para o próximo ano.

* são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e mestrando no mesmo programa

Paulo Bernardo: o prazo acabou

No final de abril, representantes de 20 entidades que lutam pela democratização da mídia tiveram uma audiência, de quase duas horas, com o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, em Brasília. Na ocasião, ele se comprometeu a apresentar um projeto sobre novo marco regulatório do setor para consulta pública. Mas quando? – perguntaram os presentes. “No segundo semestre”.

Quando? – insistiram. “O segundo semestre começa em 1º de julho e vai até 31 de dezembro”, respondeu o ministro, no seu jeito brusco de ser. Pois bem. O ano está terminando, vários ministros já estão em recesso e até agora o projeto não foi apresentado. O que houve? O ministro arquivou a promessa? Rendeu-se aos barões da mídia, que infernizaram o governo durante todo o ano?

Um diálogo frustrado

A audiência de abril foi a primeira reunião oficial de um ministro desta área estratégica com os movimentos do setor, fato inédito que sinalizava uma postura mais aberta ao diálogo. Com autonomia e unidade, as entidades criticaram a demora na apresentação do projeto do novo marco regulatório da comunicação e os sinais de “privatização” do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).

Paulo Bernardo, cortante nas respostas, ouviu atentamente, fez anotações e não fugiu às polêmicas. Quanto ao PNBL, ele relatou a reunião que acabara de fazer com a presidenta Dilma Rousseff, na qual “também levei uma bronca”. Ele prometeu melhorar o plano, o que não ocorreu nos meses posteriores. Muito pelo contrário. As poderosas teles é que venceram a queda de braço!

A ausência de convicções

Já no que se refere ao novo marco regulatório das comunicações, Paulo Bernardo informou que o projeto elaborado pela equipe do ex-ministro Franklin Martins estava na fase final de análise e garantiu que o governo Dilma colocaria o tema em discussão na sociedade “no segundo semestre”. Já na ocasião, o ministro não demonstrou muita convicção – daí a insistência dos presentes.

Paulo Bernardo colocou uma série de empecilhos para este debate estratégico. Argumentou que a regulação da mídia “será uma briga longa e difícil”, que os monopólios midiáticos tentarão rotular a iniciativa como “censura” e abordou as dificuldades para se conquistar “uma maioria no Congresso Nacional”. Mesmo assim, garantiu: “O governo está decidido a provocar este debate”.

Mesa de diálogo descartada

Na mesma audiência, o ministro manifestou apoio à idéia da constituição de uma mesa permanente de diálogo com as entidades que lutam pela democratização da mídia. O Ministério das Comunicações chegou até a marcar sua primeira reunião, mas desmarcou na última hora – quando as passagens inclusive já estavam compradas. Um baque, uma enorme frustração!

Especulou-se que o ministro não gostara das críticas que ouvira durante o II Encontro dos Blogueiros Progressistas, realizado em junho, em Brasília, e nem do ato público, organizado pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), no bojo da campanha “A banda larga é um direito seu”. Para um ex-sindicalista, acostumado às duras negociações, ele se mostrou pouco flexível – para dizer o mínimo!

Intensificar a pressão das ruas

Agora, encerrado o ano e sem que a sua promessa sobre a consulta do marco regulatório tenha sido cumprida, observa-se que o ministro estava mais afeito às conversas com os empresários – sejam os “capitalistas” das teles ou os “latifundiários” da radiodifusão. Infelizmente, Paulo Bernardo frustrou as expectativas dos que acreditavam numa nova postura do governo nesta área estratégica.

Só mesmo com forte pressão, que ganhe as ruas de todo o país com grandes manifestações, será possível avançar na conquista da verdadeira liberdade de expressão e do direito à comunicação no Brasil. Do atual governo, do qual o ministro Paulo Bernardo segue as ordens, não haverá novo marco regulatório das comunicações. A ditadura da mídia manterá seu poder golpista!

O impasse na democratização da comunicação na Argentina

Os sinais televisivos que podem ser sintonizados nos bares e vitrines de Buenos Aires foram invadidos no dia 21 de dezembro às 10 horas da manhã por uma chuva de imagens que davam conta da intervenção da Gendarmeria Nacional nas instalações da Cablevisión, a principal empresa do mercado argentino de TV a cabo, propriedade do hegemônico Grupo Clarín. Os debates da Cúpula do Mercosul que ocorriam nesse mesmo momento em Montevidéu foram assim relegados a um segundo plano.

O episódio teve origem em uma ordem judicial assinada por Walter Bento, juiz federal da província de Mendoza, em resposta à representação feita por outro importante conglomerado midiático privado, UNO, do grupo Vila-Manzano. Mas para entender o que está em jogo neste espinhoso evento, é preciso remontar a uma das principais batalhas políticas e culturais da última década: a aprovação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (LSCA), mais conhecida como Lei de Meios. Não se tratam, de modo algum, de uma “violação da liberdade de imprensa”, interpretação automática proposta pelos principais jornais, com base em uma ideologia que consegue convencer cada vez menos gente.

Nó górdio

O magistrado de Mendoza pretendia forçar a separação entre as empresas Cablevisión e Multicanal, que juntas controlam 80% da televisão a cabo na cidade de Buenos Aires e 40% em nível nacional, por meio de práticas comerciais que são consideradas como “não competitivas”. O paradoxo é que essa fusão foi permitida pelo próprio Néstor Kirchner, um dia antes de entregar a faixa presidencial a sua esposa Cristina, no dia 10 de dezembro de 2007.

O “conflito com o campo” de 2008 (que colocou em questão a renda agrária e financeira do agronegócio) e a promulgação da Lei de Meios um ano depois, selaram a ruptura política entre o kirchnerismo e o grupo Clarín, outrora aliados. Desde então, abriu-se a possibilidade de avançar na democratização efetiva dos meios de comunicação, agenda na qual há uma tarefa óbvia: deve-se desfazer a posição dominante que ocupa o grupo multimídia Clarín no espectro comunicacional. Neste sentido, o governo de Cristina Fernández de Kirchner tem sido consequente, apesar da suposição geral de que cedo ou tarde os dois pesos pesados negociariam um pacto de convivência.

Primeiro foi o programa Futebol para Todos, implementado desde agosto de 2009, que terminou com o controle sobre as transmissões televisivas da primeira divisão da Liga Argentina por parte do TyC Sports, TV do grupo Clarín. Graças a essa estatização virtual, todas as partidas são vistas agora pela televisão aberta e de maneira gratuita.

Depois veio a tentativa de regulação estatal da principal fábrica produtora de papel para jornais do país, Papel Prensa, apropriada de maneira ilegítima por uma sociedade entre os jornais Clarín e La Nación durante a última ditadura militar, e utilizada desde então em benefício próprio por esses grupos. A nova composição do parlamento após as eleições de outubro de 2011, que definiu uma cômoda maioria oficialista, torna iminente uma mudança de regras nessa empresa chave para o universo gráfico local.

Há ainda outras frentes onde esta disputa se desenrola com intensidade, incluindo o campo dos Direitos Humanos. Mas “a guerra da tv a cabo” é um dos combates decisivos , se levarmos em conta que a Cablevisión representa nada mais nada menos do que 50% das receitas do grupo Clarín; e que uma das apostas principais da Lei de Meios consiste em ampliar o espectro televisivo, graças à introdução da tecnologia digital, o que obriga a reorganizar o estado atual da distribuição radiofônica e audiovisual.

As camadas da cebola

Se abandonamos por um momento essa espécie de War (o jogo) midiático, aparecem outras dimensões que atingem a Lei de Meios e tem sido relegadas a um segundo plano pelo espetacular enfrentamento antes resenhado. Abrem-se, assim, duas perguntas incômodas que precisam ser abordadas com urgência.

Uma delas se refere ao mapa comunicacional que emergirá uma vez que o grupo Clarín tenha perdido sua hegemonia, caso tal coisa finalmente ocorra. A aparição do grupo UNO em cena como aliado do governo nacional constitui uma notícia preocupante. Não só porque um de seus donos, José Luis Manzano, é um ex-funcionário menemista, neoliberal e corrupto de primeira hora. Não só porque como organização empresarial e política se opôs tenazmente à aprovação da Lei de Meios. Mas também porque em seus empreendimentos comunicacionais são conhecidos pelos maus-tratos e exploração aplicados aos jornalistas e técnicos, assim como pelo escasso interesse social de sua programação.

Existem outros atores interessados na aceleração da aplicação da importantíssima Lei de Meios. Muitos deles são precisamente seus artífices, que se reuniram em 2004 em torno da Coalizão por uma Radiodifusão Democrática, e formularam os critérios que logo depois seriam recolhidos e promulgados pelo governo. Refiro-me aos milhares de meios comunitários, populares ou alternativos que pululam por todo o país. Poderíamos fazer uma longa lista das dívidas acumuladas pelo Estado para com esses meios: não há nem plano técnico para consolidar sua capacidade emissora, nem uma política de subsídios consistente, nem funcionários de primeiro nível que os atendam, nem programas de capacitação eficazes. No entanto, eles são os sujeitos de uma real democratização, que não pode ficar encerrada nos estreitos marcos estatais, mas sim caminhar para uma verdadeira reapropriação social dos meios de comunicação.

Tradução: Katarina Peixoto

O perigo do monopólio no Paraná

[Título original: O perigo do monopólio]

Os cânones do capitalismo indicam que o equilíbrio do mercado é por si só capaz de garantir concorrência, princípio a partir do qual estabelece-se um equilíbrio entre oferta e procura, garantindo, portanto, bons serviços e produtos. Ao enfrentar empresas com as mesmas características, produzindo o mesmo tipo de produto e ofertando-o no mesmo território, cria-se um ambiente de equilíbrio que garante preço justo e qualidade nos produtos e/ou serviços entregues aos consumidores.

Esse primeiro parágrafo foi escrito por alguém que não acredita nessa tese. Mas serve para provar que a teoria cai por terra quando há uma realidade avassaladora: a pressão desse mesmo mercado em dizimar concorrentes. E ainda se considera que aqueles sem competência na ocupação de seus espaços do mercado acabam gerando uma dura realidade para quem vai consumir o bem ofertado.

A compra do Grupo Paulo Pimentel (ou o que restou dele) por parte do Grupo da Rede Paranaense de Comunicação (GRPCOM) traduz-se na transformação do mercado da comunicação no Paraná em tendência a um setor monopolizado; é também a comprovação do oligopólio construído a partir de algumas empresas. E a realidade pode ser facilmente comprovada a partir do cenário do mercado de impressos em Curitiba e sua região: hoje, os leitores da capital têm apenas o Jornal do Estado fora do “guarda-chuva” GRPCOM. Ou seja, uma empresa apenas comanda os títulos disponíveis para informar aos cidadãos da segunda maior macro-região do Sul do Brasil, formada por aproximadamente 2,5 milhões de pessoas que compõem a Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

Ocupação e invasão

Os defensores da tese que o mercado se “auto-regula” argumentarão que existem outros títulos, como por exemplo: o Jornal do Ônibus, o recém-lançado MetroNews, o Correio Metropolitano ou o Curitiba Metrópole. Além disso tudo, temos ainda mais 120 títulos de jornais de bairros de Curitiba, pequenos semanários ou jornais que circulam três vezes por semana em algumas das cidades da RMC. As redações são pequenas, com poucos jornalistas exercendo geralmente uma grande quantidade de atividades, e não podem dar conta de produzir uma informação de qualidade para uma população desse porte.

Fora o mercado de impressos, os meios eletrônicos, considerando os veículos de TV, são quatro grandes grupos no Paraná: RPC-TV (oito emissoras), Rede Massa-SBT (quatro emissoras e uma a caminho, em Ponta Grossa), Rede Independência de Comunicação –Record (cinco emissoras no Paraná) e Bandeirantes (com dois donos dividindo as quatro emissoras em todo o estado). Há também a emissora pública RTVE, ou, a partir da atual gestão, E-Paraná.

São apenas quatro visões de mundo, mas não há espaço para o contraditório em algumas questões. Isso fica bastante claro quando da cobertura da ocupação do plenário da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) por parte de estudantes e sindicalistas na semana passada: todas as emissoras classificaram a ocupação como invasão. E, conceitualmente, sabemos muito bem o que isso quer dizer, principalmente sob o ponto de vista do capitalismo defensor da propriedade.

Verve altruística

No rádio, com produção de conteúdo jornalístico, temos a BandNews, a Banda B e a veterana CBN-Curitiba para atender à RMC. Ao longo do estado, em suas mais diversas regiões, talvez esse seja o setor menos oligopolizado, mas com o meio sendo subaproveitado pela sociedade. BandNews e CBN pertencem na capital ao empresário Joel Malucelli, dono da holding J. Malucelli, cujos negócios variam da construção pesada (Usina de Mauá), venda de equipamentos para grandes obras, entre outros, até a área de comunicação – aliás, considerada o patinho feio do grupo, por ser o de menor lucratividade e faturamento.

Independente dos problemas vividos, percebemos que há uma grande concentração de meios de comunicação sob o domínio de poucas famílias no Paraná (assim como no Brasil). E a compra do GPP pelo GRPCOM aparece em meio a uma negociação pela renovação da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) dos jornalistas na qual, do outro lado da mesa, os empresários insistem em dizer que jornal não dá lucro (muito pelo contrário, dá prejuízo); que rádio é incipiente em sua lucratividade e que a empregabilidade para jornalistas é irrisória (há poucos postos de trabalho na área – por força de não cumprimento ao que estabelece a parca e caduca legislação que não sucumbiu ao fim da Lei de Imprensa imposto via STF). Restam as emissoras de televisão, que reúnem bons índices de faturamento e lucro.

Não há como acreditar em teses como as apresentadas na mesa de negociação. A não ser que estejamos diante de empresários que negam os princípios do capitalismo e queiram apenas acreditar na sua verve altruística. Acreditar nessa premissa nos empurra para o personagem Poliana, de Eleanor H. Porter, menina que sempre crê nas boas intenções.

Regulação necessária

Como representantes dos trabalhadores, precisamos encontrar um caminho para dar continuidade à negociação que pretende renovar a CCT. Mas será impossível aceitar argumentos como “os veículos de comunicação impressos estão quebrados”, ou: “impressos dão apenas prejuízos”. “Impressos são sorvedouros de recursos e transformam-se em empresas deficitárias”. A realidade é outra e a prova disso está na aquisição do GPP pelo GRPCOM. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná está atento a essa situação. Exige respeito dos empresários e o reconhecimento por meio de aumento real, concessão de vale alimentação e estudos para implantação de novos benefícios na negociação desse ano. Qualquer tipo de proposta diferente dessa será inaceitável.

Vale ressaltar ainda que os jornalistas, considerados maioria entre os participantes das Confecom de 2009, lutam pela regulamentação dos cinco artigos da Constituição Federal de 1988 que tratam da comunicação, uma vez que a ausência de regras claras para um mercado forte, pujante e constituído por “donos”, não interessa à sociedade. É necessária uma regulação que dê conta do caos em que se transformou a área de comunicação: políticos proprietários de rádios e TVs (Ratinho Júnior), empresários com propriedade cruzada (GRPCOM, que detém Rádios, Jornais e TVs em número suficiente para dominar o estado do Paraná) ou a falta de uma agência que realmente regule a situação, fará muito mal à democracia, ao estado democrático de direito e aos interesses da maioria da população paranaense a concorrência chegar ao fim.

Márcio de Oliveira Rodrigues é presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná – Sindijor PR