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CECS: Bahia inaugura uma nova etapa

[Título original: Conselhos Estaduais de Comunicação: a Bahia inaugura uma nova etapa]

O setor de comunicações inicia 2012 fazendo História (com H maiúsculo).

Criado pelo artigo 277 da Constituição Estadual (1989) e regulado pela Lei n. 12.212 de 4 de maio de 2011, tomou posse o primeiro Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS) brasileiro no estado da Bahia, em solenidade no auditório do Ministério Público de Salvador, no último dia 10 de janeiro, [cf. “A Bahia sai na frente” e ver abaixo relação completa dos membros titulares e suplentes].

A instalação do primeiro CECS na Bahia, não deixa de conter certa ironia. O estado tem servido de exemplo histórico pelo acasalamento de oligarquias políticas tradicionais com grupos dominantes da mídia regional e nacional. Um dos maiores emblemas do “coronelismo eletrônico” continua sendo o ex-governador, ex-senador e ex-ministro das Comunicações, o já falecido baiano Antonio Carlos Magalhães.

Apesar disso – ou por causa disso – a Bahia foi pioneira na inclusão do CECS em sua Constituição Estadual (CE) em 1989. Dezenove anos depois, com ampla mobilização da sociedade civil, realizou sua 1ª. Conferência Estadual de Comunicação e definiu a regulamentação do artigo 227 como prioridade. Uma 2ª. Conferência Estadual foi realizada em 2009 e no início de 2012 o CECS-BA se torna realidade, quase 23 anos depois da promulgação da CE.

Abismo crescente

A tímida e enviesada repercussão do fato na mídia regional e nacional só confirma o abismo crescente entre a os grupos tradicionais da velha mídia e a imensa maioria da sociedade brasileira. Acostumados ao quase-monopólio de pautar a agenda pública e a influir decisivamente nas políticas nacionais e regionais do setor, resistem em perceber que o país mudou. E mais: fingem não compreender algumas das conseqüências do verdadeiro tsunami tecnológico expresso na internet, nos celulares e nas diferentes redes sociais virtuais que atinge as comunicações.

A inclusão da própria mídia entre os temas de debate público e a demanda por participação da sociedade organizada na formulação e acompanhamento das políticas do setor – como já ocorre em outros campos de direitos humanos fundamentais – é uma dessas conseqüências.

Exemplo a seguir

O funcionamento do CECS-BA, por óbvio, gera uma enorme expectativa.

Ele estará sendo rigorosamente observado pelos grupos de mídia dominantes que, apesar de parecer ignorá-lo, apostam no seu fracasso. Esperam confirmar a tese de que se trata de uma tentativa disfarçada de partidos e políticos “autoritários” para “controlar” a imprensa e institucionalizar a censura. Por outro lado, ele terá a oportunidade histórica de mostrar que a participação democrática da sociedade na gestão das políticas públicas de comunicações constitui, na verdade, uma garantia para a universalização da liberdade de expressão no caminho da positivação do direito à comunicação.

O funcionamento do CECS-BA também demonstrará que parte do empresariado do setor de comunicações da Bahia – aquela que participou de sua construção e que está nele representada – já se deu conta de que o diálogo e a negociação constituem instrumentos básicos para atender ao interesse público nas sociedades democráticas.

Ademais, espera-se, que o exemplo da Bahia seja finalmente seguido nas demais unidades da federação [cf. “CECS: Onde estamos e para onde vamos” ].

Primeiro naqueles estados – como a própria Bahia – governados por alianças lideradas pelo PT. O partido aprovou a recomendação de criação dos conselhos estaduais de comunicação em Congresso Nacional realizado em setembro de 2011. Agora é, portanto, a hora dos governos do Acre, do Distrito Federal, do Rio Grande do Sul e de Sergipe criarem as condições para a criação dos CECS [registre-se que este processo encontra-se avançado no Rio Grande do Sul].

Segundo, nos estados cujas Constituições já prevêem a criação e instalação dos CECS. Mais de duas décadas já se passaram desde a adaptação das Constituições Estaduais à Constituição Federal de 1988. Não há mais o que esperar.

Terceiro, naqueles estados que não incluíram os CECS em suas constituições. Basta uma iniciativa do legislativo para que as Assembléias estaduais tenham a oportunidade de corrigir a omissão.

Por fim, espera-se que a Bahia sirva também de exemplo ao Congresso Nacional que desde 2006 ignora a Constituição Federal e a Lei e boicota o funcionamento do Conselho de Comunicação Social previsto no artigo 224 [cf. “Cinco anos de ilegalidade”]

Tarefas e esperanças

Como todo avanço político, o processo de construção do CECS-BA teve que percorrer um longo caminho, repleto de dificuldades e desencontros. O seu funcionamento comprovará – ou não – o acerto de decisões tomadas e, claro, indicará as correções de rumo que se fizerem necessárias.

Por Lei o CECS-BA terá “caráter consultivo e deliberativo sobre sua finalidade de formular a Política Estadual de Comunicação Social, observados a competência que lhe confere o art. 277 da Constituição do Estado da Bahia e o disposto na Constituição Federal, reconhecida a comunicação social como um serviço público e um direito humano e fundamental”. Não é pouco.

O CECS-BA deverá, acima de tudo, comprovar que a participação institucionalizada de diferentes setores da sociedade, junto ao Estado, na formulação e acompanhamento das políticas públicas estaduais de comunicação social constitui um avanço fundamental para a consolidação democrática em nosso país.

MEMBROS DO CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA BAHIA

A. Representantes do Governo
Secretaria de Comunicação Social (2)
Secretaria de Cultura
Secretaria da Educação
Secretaria de Ciência e Tecnologia e Inovação
Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos
Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – IRDEB

B. Representantes da Sociedade Civil
B.1 Titulares:
Entidade profissional de classe: Associação Baiana de Imprensa
Universidades públicas com atuação no estado da Bahia: Faculdade de Comunicação – UFBA
Segmento de televisão aberta e por assinatura comercial: TV Aratu
Representante titular do segmento de radio comercial: Grupo Tucano de Comunicação Ltda.
Empresas de jornais e revistas: Empresa Editora A Tarde S.A
Agências de publicidade: Rocha Propaganda e Marketing LTDA
Empresas de telecomunicação: SINDITELEBRASIL
Empresas de mídia exterior: Sindicato das Empresas de Publicidade Exterior do Estado da Bahia/SEPEX – URANUS 2
Produtoras de audiovisual ou serviços de comunicação: RX 30 Produtora Ltda.
Movimento de radiodifusão comunitária: Radio Comunitária Santa Luz Ltda.
Entidades de classe dos trabalhadores do segmento de comunicação social: SINJORBA
Veículos comunitários ou alternativos: Associação Vermelho
Organizações Não-Governamentais ou entidades sociais vinculadas à comunicação (3): Cipó Comunicação Interativa, Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social e Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Movimentos sociais de comunicação: Associação Renascer Mulher
Representante de entidades de movimentos sociais-organizados (3): União Brasileira da Mulher, Central dos Trabalhadores do Brasil–CTB, e o SINTERP
Entidades de jornalismo digital: A S2R Comunicação Ltda.– Bahia Notícias

B.2 Suplentes:
Entidade profissional de classe: OAB – Seção Bahia.
Universidades públicas com atuação no Estado da Bahia: Universidade do Estado da Bahia-UNEB.
Segmento de televisão aberta e por assinatura comercial: TV Itabuna.
Segmento de rádio comercial: Tudo FM Ltda.
Empresas de jornais e revistas: Jornal Folha do Estado.
Agências de publicidade: CCA Comunicação Propaganda.
Empresas de telecomunicação: SINDTELEBRASIL.
Empresas de mídia exterior: Central de Outdoor.
Produtoras de audiovisual ou serviços de comunicação: Malagueta Cinema e Vídeo.
Movimento de radiodifusão comunitária: Abraço.
Entidades de classe dos trabalhadores do segmento de comunicação social: SINTTEL.
Veículos comunitários ou alternativos: Instituto Cultural Nego D’Água.
Organizações Não-Governamentais ou entidades sociais vinculadas à comunicação: UNEGRO, IDESAB e a ARCCA.
Movimentos sociais de comunicação: FNDC.
Entidades de movimentos sociais organizados: CUT, UJS e FETAG-BA.
Entidades de jornalismo digital: Notícias do Sertão.

Venício Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

O que move o partido-imprensa

Merval Pereira, Miriam Leitão, Sardenberg, Eliane Catanhede, Dora Kramer e outros mais necessitam ser analisados pelo que são: intelectuais orgânicos do totalitarismo financeiro. O conteúdo de suas colunas representa a tradução ideológica dos interesses do capital financeiro.

A leitura diária dos jornais pode ser um interessante exercício de sociologia política se tomarmos os conteúdos dos editoriais e das principais colunas pelo que de fato são: a tradução ideológica dos interesses do capital financeiro, a partitura das prioridades do mercado. O que lemos é a propagação, através dos principais órgãos de imprensa, das políticas neoliberais recomendadas pelas grandes organizações econômicas internacionais que usam e abusam do crédito, das estatísticas e da autoridade que ainda lhes resta: o Banco Mundial (BIrd), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC). É a eles, além das simplificações elaboradas pelas agências de classificação de risco, que prestam vassalagem as editorias de política e economia da grande mídia corporativa.

Claramente partidarizado, o jornalismo brasileiro pratica a legitimação adulatória de uma nova ditadura, onde a política não deve ser nada além do palco de um pseudo-debate entre partidos que exageram a dimensão das pequenas diferenças que os distinguem para melhor dissimular a enormidade das proibições e submissões que os une. É neste contexto, que visa à produção do desencanto político-eleitoral, que deve ser visto o exercício da desqualificação dos atores políticos e do Estado. Até 2002, era fina a sintonia entre essa prática editorial e o consórcio encastelado nas estruturas de poder. O discurso "modernizante" pretendia – e ainda pretende – substituir o "arcaísmo" do fazer político pela "eficiência" do economicamente correto. Mas qual o perigo do Estado para o partido-imprensa? Em que ele ameaça suas formulações programáticas e seus interesses econômicos?

O Estado não é uma realidade externa ao homem, alheia à sua vida, apartada do seu destino. E não o pode ser porque ele é uma criação humana, um produto da sociedade em que os homens se congregam. Mesmo quando ele agencia os interesses de uma só classe, como nas sociedades capitalistas, ainda aí o Estado não se aliena dos interesses das demais categorias sociais.

O reconhecimento dos direitos humanos, embora seja um reconhecimento formal pelo Estado burguês, prova que ele não pode ser uma instituição inteiramente ligada aos membros da classe dominante. O grau maior ou menor da sensibilidade social do Estado depende da consciência humana de quem o encarna. É vista nesta perspectiva que se trava a luta pela hegemonia. De um lado os que querem um Estado ampliado no curso de uma democracia progressiva. De outro os que só o concebem na sua dimensão meramente repressiva; braço armado da segurança e da propriedade.

O partido-imprensa abomina os movimentos sociais os sindicatos (que não devem ter senão uma representatividade corporativa), a nação, antevista como ante-câmara do nacionalismo, e o povo sempre embriagado de populismo. Repele tudo que represente um obstáculo à livre-iniciativa, à desregulamentação e às privatizações. Aprendeu que a expansão capitalista só é possível baseada em "ganhos de eficiência", com desemprego em grande escala e com redução dos custos indiretos de segurança social, através de reduções fiscais.

Quando lemos os vitupérios dos seus principais articulistas contra políticas públicas como Bolsa Família, ProUni e Plano de Erradicação da Pobreza, dentre outros, temos que levar em conta que trabalham como quadros orgânicos de uma política fundamentalista que, de 1994 a 2002, implementou radical mecanismo de decadência auto-sustentada, caracterizada por crescentes dívidas, desemprego e anemia da atividade econômica.

Como arautos de uma ordem excludente e ventríloquos da injustiça, em nome de um suposto discurso da competência , endossaram a alienação de quase todo patrimônio público, propagando a mais desmoralizante e sistemática ofensiva contra a cultura cívica do país. Não fizeram- e fazem- apenas o serviço sujo para os que assinam os cheques, reestruturam e demitem. São intelectuais orgânicos do totalitarismo financeiro, têm com ele uma relação simbiótica. E é assim que devem ser compreendidos: como agentes de uma lógica transversa.

Merval Pereira, Miriam Leitão, Sardenberg, Eliane Catanhede, Dora Kramer e outros mais necessitam ser analisados sob essa perspectiva. É ela que molda a ética e o profissionalismo de todos eles. Sem mais nem menos.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

O impasse na democratização da comunicação na Argentina

Os sinais televisivos que podem ser sintonizados nos bares e vitrines de Buenos Aires foram invadidos no dia 21 de dezembro às 10 horas da manhã por uma chuva de imagens que davam conta da intervenção da Gendarmeria Nacional nas instalações da Cablevisión, a principal empresa do mercado argentino de TV a cabo, propriedade do hegemônico Grupo Clarín. Os debates da Cúpula do Mercosul que ocorriam nesse mesmo momento em Montevidéu foram assim relegados a um segundo plano.

O episódio teve origem em uma ordem judicial assinada por Walter Bento, juiz federal da província de Mendoza, em resposta à representação feita por outro importante conglomerado midiático privado, UNO, do grupo Vila-Manzano. Mas para entender o que está em jogo neste espinhoso evento, é preciso remontar a uma das principais batalhas políticas e culturais da última década: a aprovação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (LSCA), mais conhecida como Lei de Meios. Não se tratam, de modo algum, de uma “violação da liberdade de imprensa”, interpretação automática proposta pelos principais jornais, com base em uma ideologia que consegue convencer cada vez menos gente.

Nó górdio

O magistrado de Mendoza pretendia forçar a separação entre as empresas Cablevisión e Multicanal, que juntas controlam 80% da televisão a cabo na cidade de Buenos Aires e 40% em nível nacional, por meio de práticas comerciais que são consideradas como “não competitivas”. O paradoxo é que essa fusão foi permitida pelo próprio Néstor Kirchner, um dia antes de entregar a faixa presidencial a sua esposa Cristina, no dia 10 de dezembro de 2007.

O “conflito com o campo” de 2008 (que colocou em questão a renda agrária e financeira do agronegócio) e a promulgação da Lei de Meios um ano depois, selaram a ruptura política entre o kirchnerismo e o grupo Clarín, outrora aliados. Desde então, abriu-se a possibilidade de avançar na democratização efetiva dos meios de comunicação, agenda na qual há uma tarefa óbvia: deve-se desfazer a posição dominante que ocupa o grupo multimídia Clarín no espectro comunicacional. Neste sentido, o governo de Cristina Fernández de Kirchner tem sido consequente, apesar da suposição geral de que cedo ou tarde os dois pesos pesados negociariam um pacto de convivência.

Primeiro foi o programa Futebol para Todos, implementado desde agosto de 2009, que terminou com o controle sobre as transmissões televisivas da primeira divisão da Liga Argentina por parte do TyC Sports, TV do grupo Clarín. Graças a essa estatização virtual, todas as partidas são vistas agora pela televisão aberta e de maneira gratuita.

Depois veio a tentativa de regulação estatal da principal fábrica produtora de papel para jornais do país, Papel Prensa, apropriada de maneira ilegítima por uma sociedade entre os jornais Clarín e La Nación durante a última ditadura militar, e utilizada desde então em benefício próprio por esses grupos. A nova composição do parlamento após as eleições de outubro de 2011, que definiu uma cômoda maioria oficialista, torna iminente uma mudança de regras nessa empresa chave para o universo gráfico local.

Há ainda outras frentes onde esta disputa se desenrola com intensidade, incluindo o campo dos Direitos Humanos. Mas “a guerra da tv a cabo” é um dos combates decisivos , se levarmos em conta que a Cablevisión representa nada mais nada menos do que 50% das receitas do grupo Clarín; e que uma das apostas principais da Lei de Meios consiste em ampliar o espectro televisivo, graças à introdução da tecnologia digital, o que obriga a reorganizar o estado atual da distribuição radiofônica e audiovisual.

As camadas da cebola

Se abandonamos por um momento essa espécie de War (o jogo) midiático, aparecem outras dimensões que atingem a Lei de Meios e tem sido relegadas a um segundo plano pelo espetacular enfrentamento antes resenhado. Abrem-se, assim, duas perguntas incômodas que precisam ser abordadas com urgência.

Uma delas se refere ao mapa comunicacional que emergirá uma vez que o grupo Clarín tenha perdido sua hegemonia, caso tal coisa finalmente ocorra. A aparição do grupo UNO em cena como aliado do governo nacional constitui uma notícia preocupante. Não só porque um de seus donos, José Luis Manzano, é um ex-funcionário menemista, neoliberal e corrupto de primeira hora. Não só porque como organização empresarial e política se opôs tenazmente à aprovação da Lei de Meios. Mas também porque em seus empreendimentos comunicacionais são conhecidos pelos maus-tratos e exploração aplicados aos jornalistas e técnicos, assim como pelo escasso interesse social de sua programação.

Existem outros atores interessados na aceleração da aplicação da importantíssima Lei de Meios. Muitos deles são precisamente seus artífices, que se reuniram em 2004 em torno da Coalizão por uma Radiodifusão Democrática, e formularam os critérios que logo depois seriam recolhidos e promulgados pelo governo. Refiro-me aos milhares de meios comunitários, populares ou alternativos que pululam por todo o país. Poderíamos fazer uma longa lista das dívidas acumuladas pelo Estado para com esses meios: não há nem plano técnico para consolidar sua capacidade emissora, nem uma política de subsídios consistente, nem funcionários de primeiro nível que os atendam, nem programas de capacitação eficazes. No entanto, eles são os sujeitos de uma real democratização, que não pode ficar encerrada nos estreitos marcos estatais, mas sim caminhar para uma verdadeira reapropriação social dos meios de comunicação.

Tradução: Katarina Peixoto