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Forte disputa no mercado oligopólico

Aprovação da lei que permite a entrada das empresas de telecomunicações na TV fechada e várias disputas em torno de direitos de transmissão de eventos esportivos: se 2011 ainda não apresentou mudanças significativas para derrubar as barreiras do mercado estabelecidas pelas empresas das Organizações Globo, combates importantes foram estabelecidos, prometendo um 2012 com novas disputas entre operadores e, como sempre, uma agenda pró-regulamentação midiática cheia, mas com forte resistência empresarial.

A Lei 12.485, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em setembro, promete alterar as relações de mercado no que tange à transmissão paga televisiva. Neste ano que se inicia, as empresas de telecomunicações entrarão finalmente no mercado enquanto distribuidoras de conteúdo, rompendo um dos elos da concentração vertical das Organizações Globo no setor. Apesar disso, a ampliação da obrigatoriedade de conteúdos nacionais tende a beneficiar as empresas do grupo, que é o maior produtor brasileiro.

No caso da TV Globo, cuja liderança do mercado oligopólio generalista é mais evidente, por se tratar de um meio de comunicação presente na maioria dos lares do Brasil, as esferas econômicas das indústrias culturais ficaram muito expostas ao longo do ano que passou, com o esporte sendo protagonista dos confrontos estabelecidos e, por conta disso, recebendo maior atenção destes autores. Já nos primeiros meses do ano, a disputa mais esperada por todos: após a assinatura do Termo de Ajuste de Conduta entre a emissora e o Clube dos 13, entidade que representa os principais clubes do país, em outubro de 2010, por conta da decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de determinar as relações anteriores como formação de cartel, esperava-se que o edital de licitação seguinte pudesse apresentar uma efetiva disputa em torno dos direitos de transmissão em TV aberta do Campeonato Brasileiro de Futebol. A expectativa era de que a Rede Record ofereceria um valor “absurdo” para o mercado brasileiro se confirmasse, restando saber o quanto a Globo poderia colocar em termos de valores.

Batalhas no setor esportivo

Com processo de licitação para as edições de 2012 a 2014 anunciado, a única emissora a apresentar proposta foi a Rede TV!, de porte médio, que ofereceu R$ 516 milhões por temporada. A Globo desistiu um dia depois de apresentado o edital de licitação, ao acreditar que R$ 500 milhões por temporada, valor mínimo para lance, representava uma quantia impossível para que o mercado publicitário brasileiro pudesse repor. A Record desistiu no dia do anúncio das propostas, por saber que a maioria dos clubes já havia negociado com a emissora da família Marinho em separado.

As disputas, que se tornaram públicas por meio de notas da Rede Record e de comentários de membros do próprio Clube dos 13, geraram uma audiência pública sobre o assunto, em abril, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, no mesmo dia que a Globo enviou ao Cade os contratos assinados de forma individual com os clubes. Semanas depois, o C13 anunciava o acordo com a Rede Globo, que mal precisou participar do processo de licitação, mas que gastará, cogita-se, cerca de R$ 800 milhões por temporada.

As concorrentes envolvidas no processo também reagiram a ele. A Rede Record passou a realizar reportagens em seus programas jornalísticos não só sobre o assunto, como também sobre possíveis problemas criminais do presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, e dos dirigentes e empresários próximos a ele. A Rede TV! perdeu o direito de transmitir a Segunda Divisão nacional, que foi cedido pela Globo à Band, atual parceira no pacote Futebol. Mas se o Brasileirão foi alvo da principal disputa, até mesmo pelo patamar dos valores envolvidos e da guerra estabelecida, outras batalhas entre os membros do setor foram realizadas ao longo do ano.

A “luta do século”

Ainda no futebol, o principal torneio de clubes do mundo, a Liga dos Campeões da Europa, que até meados do século 21 não recebia muita atenção das emissoras de TV aberta brasileiras, teve a negociação dos direitos de transmissão para o triênio 2012, 2013 e 2014 sendo alvo de disputas por dois blocos de empresas distintos. De um lado, Rede Record, portal Terra (Telefonica de Espanha) e Fox Sports; do outro, Rede Globo, Esporte Interativo e ESPN. O último grupo venceu o processo de licitação por apresentar, cada um em seu setor de atuação (televisão aberta, UHF/internet e TV fechada), a exploração dos jogos num valor que representa quatro vezes mais o que foi pago três anos antes.

Além disso, todas essas empresas ampliaram a possibilidade de transmissões. A Globo, que repassa a maior parte dos jogos do torneio para a Band, exibirá cinco jogos por temporada – não só os três, como na temporada 2011/2012; e tanto TV Esporte Interativo quanto ESPN transmitirão também via internet e plataformas móveis, o que representa as novas possibilidades de veiculação de audiovisual – que não refletem, necessariamente, uma maior efetividade de participação de atores sociais no processo, por mais brechas que se tenha.

Já nos últimos meses do ano, o alvo de disputa foi os direitos de transmissão para o torneio de Artes Marciais Mistas (MMA, sigla em inglês) Ultimate Fighting Championship (UFC), evento que foi a grande novidade na mídia brasileira, com um grande crescimento de visibilidade ao longo de 2011. Em fevereiro, dois dos mais conhecidos lutadores brasileiros, Vitor Belfort e Anderson Silva, fizeram a “luta do século”, na categoria peso médio (84 kg). A vitória de Silva deu uma grande visibilidade nos meios de comunicação, mesmo que a luta só tenha sido transmitida no canal Combate, da GloboSat, via pay per view. Mas o grande refletor do sucesso do UFC no Brasil foi a realização do evento de número 134, no Rio de Janeiro, que representou a volta ao país após 13 anos – quando ainda pertencia à família de lutadores Gracie, que vendera a marca por US$ 8 milhões em 2001. A Rede TV!, que transmitia aos sábados reprises de lutas, pode fazer a transmissão oficial em TV aberta, algo inédito para o Brasil. A emissora conseguiu alcançar a liderança no Ibope durante a luta de Anderson Silva contra o japonês Yushin Okami, com pico de 12,8 pontos de audiência.

The Ultimate Fighter

Os resultados expressivos do UFC 134 no Rio de Janeiro fez não só que os proprietários da marca – agora avaliadas na casa do bilhão de dólares – garantissem mais edições do evento no Brasil para 2012, com a volta à cidade já em janeiro, como uma grande disputa pelos direitos de transmissão em TV aberta, envolvendo Globo, Record, SBT, Band e Rede TV! A Band esteve bem próxima de fechar o contrato, com direito a três reuniões com representantes da marca UFC, mas a intenção da empresa líder de audiência no país acabou sendo decisiva para que o acordo não fosse fechado. De olho nos negócios, a opção foi pela difusão da marca pela Rede Globo. Se o grupo já transmitia há anos em TV fechada, com principais lutas via pay per view, a direção de esportes acreditava até então que o evento era muito violento para a televisão aberta. Porém, o estrondoso e rápido sucesso fez com que os diretores da emissora se atentassem para as possibilidades de um programa que possibilita uma mercadoria audiência em rápido crescimento, não visto em outros esportes.

A Rede Globo terá exclusividade na transmissão de todos os eventos realizados no Brasil, provavelmente três em 2012, mais três edições realizadas no exterior e de ser parceira na primeira edição brasileira do reality show The Ultimate Fighter, que abre espaço para que um lutador seja alçado ao UFC, sem passar por outros eventos apropriados pelos donos da marca e de menor porte.

A primeira transmissão ocorreu em novembro de 2011, com direito à narração do principal locutor esportivo da empresa, Galvão Bueno, marcada pela conquista do cinturão dos pesos pesados (120 kg) pelo brasileiro Júnior “Cigano” dos Santos e 22 pontos de audiência. No mesmo dia, o evento estreava em cadeia aberta para os Estados Unidos através da gigante Fox. O número da edição do evento, tradicionalmente utilizado no nome oficial, acabou sendo trocado por “UFConFox”.

Jogos Olímpicos sem Rede Globo

O saldo de 2011 só não foi altamente positivo para a Rede Globo. Primeiro porque a emissora precisou gastar bem mais com eventos esportivos que anteriormente e, além disso, foi o ano em que a Rede Record transmitiu o primeiro grande torneio de caráter poliesportivo, os Jogos Panamericanos. Por mais críticas que se tenham feito à transmissão da emissora – por exemplo, que não transmitiu os jogos em importantes horários do fim de semana, mantendo O Melhor do Brasil (sábado) e Programa do Gugu (domingo) –, as dúvidas ficaram sobre a cobertura do evento pela Globo, com direito a imagens extraídas de provas cujos direitos era da concorrente. Além disso, ficou também a pressão dos patrocinadores de alguns atletas para que eles dessem entrevista para a emissora carioca, que não podia entrar nos espaços pan-americanos.

2012 marca o ano de mais uma edição dos Jogos Olímpicos de Verão, que serão realizados em Londres. Paira a curiosidade sobre como a Rede Globo irá tratar um evento de tamanha magnitude. Independente de tantas vitórias nas disputas mais recentes, ainda permanece como grande derrota a perda dos direitos de transmissão dos principais torneios de caráter olímpico. O novo ano representará uma grande chance de se saber o quão fortes são as suas barreiras de mercado e até que ponto poderão receber arranhões.

Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e mestrando no mesmo programa.

Ano novo, reivindicações antigas

Todo final e início de ano é a mesma ladainha. O mercado faz a habitual indicação do que deve ser seguido pelo governo e sociedade no setor de telecomunicações. E o que deveria ser apenas sugestões, na prática tem se mostrado uma espécie de lista de determinações quase sempre seguida pelo governo. Que poucas vezes é convergente com os interesses civis.

Em 2011, a receita bruta das operadoras de telecom alcançou cerca de 200 bilhões de reais. Deste valor, nem mesmo 10% foram revertidos em investimento em infraestrutura e melhorias nas telecomunicações do país. Por isso mesmo, o Instituto Telecom, ao retomar suas atividades em 2012, considera relevante alertar para pontos que devem ser observados por todos: governo, mercado e sociedade civil.

1) TV por Assinatura
A lei 12485, de setembro de 2011, mudou as regras para a TV por assinatura e apresentou avanços importantes no sentido de democratizar o acesso ao serviço como a instituição da obrigatoriedade de cotas de conteúdos nacionais, uma luta antiga da sociedade. A sua implementação está prevista para março ou abril, mas pouco valerá se não houver atenção às reivindicações da sociedade e se os movimentos sociais não participarem ativamente da elaboração de seu conteúdo no processo de regulamentação que está sendo proposto pela Anatel e pela Ancine.

Para se ter ideia da necessidade de se acompanhar de perto o processo, a Rede Globo, por meio da Globosat, já iniciou o seu bombardeio de absurdos – quer ser tratada como produtora independente pela Ancine. Uma situação grave, já que a legislação proíbe que radiodifusores sejam enquadrados nesta categoria. Uma produtora brasileira independente não pode ser controladora ou controlada ou coligada a programadores, empacotadoras, distribuidoras ou concessionárias de serviço de radiodifusão de sons e imagens.

A Anatel fala em realizar apenas uma audiência pública, em Brasília, para discutir a regulamentação proposta. Um absurdo.

2) TV e Rádio Digital
Criado em 2003, o Decreto Lei 4.901, que trata da TV digital, traz grande contribuição ao país com relação à produção industrial, à pesquisa e à multiprogramação. No entanto, assim como a Rádio Digital, a TV Digital parece ter sido esquecida pelo governo. Até agora, sua discussão foi reduzida pelos radiodifusores a uma questão tecnológica de qualidade de imagem quando o verdadeiro enfoque é a possibilidade tecnológica de criação de mais espaços de conteúdos, expressão e informação capazes de promover uma representação mais democrática das comunicações brasileiras. A exemplo do que ocorre com o Ginga, é importante investir em tecnologias que permitam a interação e o acesso a conteúdos, educação e serviços de interesse público.

Com relação à rádio digital a situação é ainda mais preocupante, já que durante todo o primeiro ano do governo Dilma não houve qualquer debate sobre o tema. Esse “esquecimento” resulta também da pressão de grupos internacionais. O padrão americano (Iboc) e o europeu (DRM) estão no centro deste debate. O risco, é que mais uma vez, o padrão escolhido vá ao encontro dos radiodifusores e não da população em geral. Promover a inclusão social, a diversidade cultural, incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços digitais, propiciar a criação de rede de educação à distância, viabilizar soluções para transmissões em baixa potência, com custos reduzidos são elementos que estão na portaria 290/2010 que criou o Sistema Brasileiro de Rádio Digital e não podem ser esquecidos.

3) Plano Nacional de Banda Larga
O ano mudou, mas a distância entre governo e sociedade na discussão sobre os rumos da banda larga no país continua a mesma. O Instituto Telecom mais uma vez chama a atenção para a necessidade de criação de fóruns de debates e para a retomada do Fórum Brasil Conectado. Criado em 2010, o Forum foi esvaziado, mas é essencial para que o tão necessário PNBL não seja reduzido a um mero termo de compromisso entre o governo e as teles. E embora seja frequentemente descartado pelo Estado, o debate sobre a prestação do serviço de banda larga em regime público é urgente e precisa ser feito. O próprio presidente da Anatel, João Rezende, declarou recentemente que não há mais razão para a telefonia fixa continuar sendo o único serviço prestado em regime público. Defendeu, inclusive, que o governo acione o Congresso para mudanças na legislação das telecomunicações. Para a sociedade, o serviço em regime público é a garantia de usufruir uma internet com tarifas justas e qualidade.

4) Marco Regulatório das Comunicações
Este, certamente, é o item mais importante não só para 2012, mas há quase 50 anos, uma vez que a última discussão sobre o tema ocorreu em 1962. Esperado e intensamente reivindicado no país, o Marco Regulatório das Comunicações poderia facilmente abranger todos os pontos citados acima se houvesse disposição do governo de encarar o mercado e promover o debate.

Depois de um ano inteiro esperando que a promessa governamental de apresentação da proposta para o marco fosse cumprida, e de a sociedade civil ter se colocado ativamente na promoção do debate, em especial através do FNDC (Fórum Nacional de Democratização da Comunicação), com a apresentação de um conjunto de 20 diretrizes escolhidas por consenso civil, fica a interrogação para o Minicom: quando o governo vai dar novos rumos às nossas tão antigas reivindicações?

Feliz 2012 Dilma, para você e para a sociedade

O Instituto Telecom deseja que neste ano velhas lacunas como a falta de banda larga, telefonia celular sem cobertura e a preços impraticáveis, telefonia fixa com tarifas proibitivas possam ser sanadas e ter um final feliz para a sociedade, e não apenas para o mercado. Que tanto o Minicom como a Anatel cumpram o seu papel junto à sociedade, assegurando espaços efetivamente participativos. Que chegue ao fim a falta de informação sobre os fundos de investimentos para as telecomunicações, 90% dos quais contingenciados para gerar superávit primário, quando deveriam servir à sociedade com investimentos na universalização da banda larga, em pesquisa e desenvolvimento tecnológico e na promoção de fóruns e audiências públicas.

O que move o partido-imprensa

Merval Pereira, Miriam Leitão, Sardenberg, Eliane Catanhede, Dora Kramer e outros mais necessitam ser analisados pelo que são: intelectuais orgânicos do totalitarismo financeiro. O conteúdo de suas colunas representa a tradução ideológica dos interesses do capital financeiro.

A leitura diária dos jornais pode ser um interessante exercício de sociologia política se tomarmos os conteúdos dos editoriais e das principais colunas pelo que de fato são: a tradução ideológica dos interesses do capital financeiro, a partitura das prioridades do mercado. O que lemos é a propagação, através dos principais órgãos de imprensa, das políticas neoliberais recomendadas pelas grandes organizações econômicas internacionais que usam e abusam do crédito, das estatísticas e da autoridade que ainda lhes resta: o Banco Mundial (BIrd), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC). É a eles, além das simplificações elaboradas pelas agências de classificação de risco, que prestam vassalagem as editorias de política e economia da grande mídia corporativa.

Claramente partidarizado, o jornalismo brasileiro pratica a legitimação adulatória de uma nova ditadura, onde a política não deve ser nada além do palco de um pseudo-debate entre partidos que exageram a dimensão das pequenas diferenças que os distinguem para melhor dissimular a enormidade das proibições e submissões que os une. É neste contexto, que visa à produção do desencanto político-eleitoral, que deve ser visto o exercício da desqualificação dos atores políticos e do Estado. Até 2002, era fina a sintonia entre essa prática editorial e o consórcio encastelado nas estruturas de poder. O discurso "modernizante" pretendia – e ainda pretende – substituir o "arcaísmo" do fazer político pela "eficiência" do economicamente correto. Mas qual o perigo do Estado para o partido-imprensa? Em que ele ameaça suas formulações programáticas e seus interesses econômicos?

O Estado não é uma realidade externa ao homem, alheia à sua vida, apartada do seu destino. E não o pode ser porque ele é uma criação humana, um produto da sociedade em que os homens se congregam. Mesmo quando ele agencia os interesses de uma só classe, como nas sociedades capitalistas, ainda aí o Estado não se aliena dos interesses das demais categorias sociais.

O reconhecimento dos direitos humanos, embora seja um reconhecimento formal pelo Estado burguês, prova que ele não pode ser uma instituição inteiramente ligada aos membros da classe dominante. O grau maior ou menor da sensibilidade social do Estado depende da consciência humana de quem o encarna. É vista nesta perspectiva que se trava a luta pela hegemonia. De um lado os que querem um Estado ampliado no curso de uma democracia progressiva. De outro os que só o concebem na sua dimensão meramente repressiva; braço armado da segurança e da propriedade.

O partido-imprensa abomina os movimentos sociais os sindicatos (que não devem ter senão uma representatividade corporativa), a nação, antevista como ante-câmara do nacionalismo, e o povo sempre embriagado de populismo. Repele tudo que represente um obstáculo à livre-iniciativa, à desregulamentação e às privatizações. Aprendeu que a expansão capitalista só é possível baseada em "ganhos de eficiência", com desemprego em grande escala e com redução dos custos indiretos de segurança social, através de reduções fiscais.

Quando lemos os vitupérios dos seus principais articulistas contra políticas públicas como Bolsa Família, ProUni e Plano de Erradicação da Pobreza, dentre outros, temos que levar em conta que trabalham como quadros orgânicos de uma política fundamentalista que, de 1994 a 2002, implementou radical mecanismo de decadência auto-sustentada, caracterizada por crescentes dívidas, desemprego e anemia da atividade econômica.

Como arautos de uma ordem excludente e ventríloquos da injustiça, em nome de um suposto discurso da competência , endossaram a alienação de quase todo patrimônio público, propagando a mais desmoralizante e sistemática ofensiva contra a cultura cívica do país. Não fizeram- e fazem- apenas o serviço sujo para os que assinam os cheques, reestruturam e demitem. São intelectuais orgânicos do totalitarismo financeiro, têm com ele uma relação simbiótica. E é assim que devem ser compreendidos: como agentes de uma lógica transversa.

Merval Pereira, Miriam Leitão, Sardenberg, Eliane Catanhede, Dora Kramer e outros mais necessitam ser analisados sob essa perspectiva. É ela que molda a ética e o profissionalismo de todos eles. Sem mais nem menos.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

A luta pelo Conselho de Comunicação da Bahia

No dia 10 de janeiro de 2012 ocorre a posse da primeira gestão do Conselho Estadual de Comunicação da Bahia. Até o momento restam muitas dúvidas sobre como foi construído e quais sãos os objetivos, por se tratar de algo incomum no país.

Na arena das Leis o Conselho está previsto no Art. 277 da Constituição Estadual de 1989 e terá como missão elaborar um Plano Estadual para o setor. A regulamentação teve origem em reivindicações de organizações sociais e academia, porém o caráter, atribuições e composição que deram forma ao Projeto de Lei foram desenhados conjuntamente por empresários, movimentos sociais e governo.

O fato de ter um caráter deliberativo dá ao Conselho esperança de vitalidade, ou seja, não se tornar mais um espaço que preza pela participação social, mas na prática se torna amorfo no aparato estatal. As atribuições podem atenuar problemas que se arrastam do século XX, a exemplo das fragilidades na radiodifusão pública e comunitária, acompanhar a violação aos direitos humanos e revisar o modelo distribuição das verbas publicitárias; bem como preparar o cidadão baiano para a sociedade da informação do século XXI, sob urgência de universalizar o acesso a internet em alta velocidade.

Estas potencialidades do poder executivo estadual, onde o Conselho está alocado, costumam ser subestimadas porque a Constituição Federal reserva maiores poderes a União ou Congresso Nacional, como as concessões de outorgas de radiodifusão e os contratos nos serviços de telecomunicações. Além disso, a desregulamentação ocorrida na década de 1990 privatizou associadas estaduais da Telebrás, haja vista a extinta Telebahia.

Contudo, neste país qualquer setor na sociedade tem o seu desenvolvimento fortemente regulado ou induzido pelo Estado, seja União, estados ou municípios. E mesmo sem ter pacto federal ou sistema de comunicação definido, é possível sim produzir políticas substantivas fora de Brasília. Mais ainda, a partir da Carta Magna de 1988 foi fincado na atuação do Estado mecanismos a fim de relevar a cidadania e o caráter público.

A instalação do Conselho é só o primeiro passo para suprir essa demanda participativa, a partir de agora é lutar para construir políticas realmente públicas que abarquem a produção, distribuição e acesso à comunicação enquanto direito. Tendo o Estado um papel que não agrida a necessidade de autonomia dos indivíduos e organizações nessa cadeia, e ao mesmo tempo incorpore lógica de desenvolvimento averso a concentração. Não será tarefa fácil, já que o Conselho é integrado por segmentos dotados, muitas vezes, de interesses distintos.

O percurso

Apesar do bônus e ônus do Conselho serem creditados majoritariamente ao governo, a proposta de regulamentação partiu de organizações sociais, acadêmicos e ativistas ainda em 2006, quando a equipe de transição do recém eleito Jaques Wagner recebeu uma carta de diretrizes para adotar políticas públicas de comunicação. Naquele momento, nem partidos, nem mesmo candidaturas no país tinham como alvo esta instalação ou mesmo um conjunto que indicasse mudanças de concepção nessas políticas.

No ano de 2008 foi realizada uma Conferência Estadual, na qual o Conselho e a criação da Secretaria de Comunicação (Secom) foram destacados. Porém esses encaminhamentos tinham lastro reduzido e por vezes subestimados. Após a realização da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009, se intensificou o panorama no país, incorporando setores empresariais mais pujantes e estabelecendo um debate público incomum na pauta, pois os aspectos da cidadania e concepção de políticas pública emergiram, mesmo sob forte oposição.

Pós-Confecom muitos ativistas em nível local ficaram sem plataforma para exigir dos representantes. No caso da Bahia a então subestimada Conferência se tornou espaço de incidência e articulação. A diferença é que os empresários também estavam integrando o processo, por isso, quando Jaques Wagner anunciou o Grupo de Trabalho (GT) para formular o Conselho, eles tiveram participação paritária, nos mesmos moldes da Confecom.

O GT realizou uma audiência pública e ao final chegou a uma proposta de consenso. Obviamente, ao final todas as partes envolvidas saíram ganhando e perdendo. Todavia, apareceu uma tempestade no meio do caminho. Durante as eleições de 2010 a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou proposta de Conselho da deputado estadual Rachel Marques (PT). O fato foi distorcido por setores da imprensa para atacar o PT e consequentemente a candidatura de Dilma Rousseff, sob estigma de cerceamento das liberdades. A OAB e um Ministro do STF se colocaram contrários a proposta. Devido a pressão, o governador Cid Gomes (PSB) não a sancionou.

Ainda na tempestade, o ex-deputado estadual Carlos Gaban (DEM-BA) convocou uma audiência pública para debater a proposta no fim de 2010. O curioso é que nem mesmo os correligionários de Gaban apareceram para criticar o Conselho, mais ainda, os presentes foram majoritariamente favoráveis, inclusive a OAB-BA, após conversar com o governador Jaques Wagner sobre suas intenções.

A aprovação na Assembleia foi em conjunto com polêmico pacote de reforma administrativa em abril de 2011, o que acabou por não promover muitos debates sobre o Conselho. A novidade para o Conselho foi que repentinamente o governo resolveu transferir o Instituto de Radiodifusão Pública da Bahia (Irdeb) da Secretaria de Cultura para a Secom, e a confirmação de que a presidência do Conselho seria vitalícia do governo, o que não havia sido acordado no GT.

O Conselho de Comunicação ficou composto por 27 titulares e 27 suplentes. A sociedade civil detém 20 vagas de titulares reservadas entre empresários, organizações sociais, universidade e conselhos profissionais; outros setes titulares representam o governo. Os presentes são forças heterogêneas, mesmo internamente, por isso podem haver cisões camufladas ou mesmo expostas.

A última etapa foi a escolha dos membros. O receio do movimento social era de que o governo indicasse os membros sem devida eleição. Por isso, a necessidade de unidade das entidades se reconstituiu com mais força, e foi criada a Frente Baiana pelo Direito à Comunicação tendo como marco a realização de um seminário em julho de 2011. A Frente pleiteou que tivesse autonomia na indicação, e escolheu seus candidatos através de uma plenária em agosto com mais de 30 entidades.

Passavam os meses e o governo não convocava as eleições, até que em novembro foi publicado o edital. Em dezembro os membros foram eleitos, inclusive todos aqueles escolhidos pela Frente Baiana.

Pedro Caribé, jornalista, representante do Intervozes no Conselho Estadual. Mais informações no www.vozesbaianas.wordpress.com

Regulação da publicidade para crianças, um desejo para 2012

[Título original: Regulação da publicidade dirigida a crianças, um desejo para 2012]

No mundo em que vivemos, não é exagero dizer que as crianças são bombardeadas todos os dias com apelos para o consumo. E a sensação é de que isso piora nas vésperas de uma data comemorativa, como o Natal. Para entender se de fato há um volume maior de publicidade voltada às crianças nessas ocasiões, em julho, o Instituto Alana firmou um convênio com o Observatório de Mídia da Universidade Federal do Espírito Santo, que fará um monitoramento da publicidade direcionada ao público infantil na tevê quatro vezes ao ano até 2014. A medição sempre será realizada 15 dias antes da Páscoa, do Dias das Crianças e do Natal e depois será comparada com duas semanas típicas.

Na primeira medição, entre 27 de setembro e 11 de outubro de 2011, uma descoberta alarmante, mas esperada. Como já prevíamos, nas duas semanas que antecederam o Dia das Crianças, 64% de todas as publicidades veiculadas em 15 canais de televisão (6 abertos e 9 segmentados) foram direcionadas ao público menor de 12 anos. A categoria que mais anunciou, adivinhem? Foi a de brinquedos. Ao longo de 15 dias, as crianças foram expostas a milhares de publicidades, sem exagero na conta. Só a fabricante Mattel anunciou aproximadamente 8.900 vezes nesse período. O número é chocante.

Protesto

O resultado dessa primeira pesquisa nos levou para rua. No dia 30 de novembro, fizemos um protesto em frente ao escritório da Mattel em São Paulo, para entregar o prêmio às avessas de Empresa Manipuladora para a marca que mais apelou para o público infantil. Infelizmente, a Mattel não está sozinha. Tem ainda Hasbro, Estrela, Lego, Long Jump… Uma lista de pelo menos 10 marcas que investiram fortemente  em anúncios para crianças no período pesquisado. Como será no Natal? Saberemos em janeiro, quando teremos os resultados do nosso segundo monitoramento.


O importante aqui é esclarecer que, embora haja diferenças nas categorias anunciadas entre uma data e outra (Dias das Crianças tem foco em brinquedos, Páscoa provavelmente em ovos de chocolate e assim por diante), a criança é um alvo relevante do mercado. E se engana quem acha que as publicidades direcionadas aos pequenos são apenas de produtos infantis. Nem sempre. Carros, celulares, cosméticos, roupas, eletrodomésticos, quase tudo pode ser anunciado também para crianças. E por quê? Porque se sabe que hoje a criança participa de quase 80% das decisões de compra de uma família.

Bom negócio, mas antiético

Anunciar para o público infantil é, assim, um bom negócio. Mas é também antiético. Os pequenos ainda estão em fase de desenvolvimento e não compreendem as complexas relações de consumo. As crianças são facilmente seduzidas pela envolvente linguagem da publicidade e são muito mais vulneráveis do que os adultos. Por isso, cedem facilmente ao desejo de ter. Soma-se a isso uma intensa pesquisa de mercado que mostra para os profissionais de marketing a melhor maneira de fazer com que as crianças insistam para os pais comprarem algo – é o chamado nag factor ou fator amolação.

Para uns, isso faz parte da vida contemporânea e a valorização excessiva de bens materiais nada mais é que a “linguagem” das novas gerações. O equilíbrio se dá com educação e limites dos pais. Eles devem decidir se deixam ou não seus filhos assistirem a uma programação televisiva recheada de comerciais; se cedem ou não aos inúmeros pedidos feitos pelos filhos que acabam de ver o anúncio de um brinquedo ou que esbarram com uma prateleira de supermercado repleta de embalagens chamativas. O mercado ensina que as marcas dão status para pessoas e relações. E os pais são responsáveis por desconstruir essas mensagens. Meio injusto, não?

Proteção à infância


Esse é um pensamento perigoso, especialmente porque traduz uma visão bastante rasteira sobre publicidade, criança e consumo. Por mais que o mundo tenha mudado em seus diversos aspectos, não há razão para retroceder justamente naquilo que conseguimos avançar nos últimos 100 anos. A proteção à infância foi uma conquista duramente alcançada ao longo do século e finalmente garantida pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada por todos os países membros em 1989. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou, em 1990, as diretrizes da nossa Constituição Federal, que garante direitos fundamentais a crianças e adolescentes.


Dessa forma, a proteção à infância plena está garantida pelas leis mais importantes de nosso país. E deve ser assegurada, segundo nossa Constituição, pelo Estado, pela sociedade e pela família. Isso significa que não há como isentar a responsabilidade de empresas e do poder público desse dever, que em muitos aspectos implica no futuro da nação.

Falta de regras claras

É preciso regular a questão da comunicação de mercado voltada para menores de 12 anos. Embora o ECA, a Constituição e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) já tenham dispositivos que protegem as crianças dos apelos para o consumo, não há uma lei específica para o assunto. O CDC determina como abusiva e, portanto, ilegal a publicidade que se aproveita da ingenuidade infantil. No entanto, não estabelece regras claras. O que significa se aproveitar da ingenuidade infantil? É subjetivo, vago.

Por isso, defendemos propostas como o Projeto de Lei nº 5.921/2001, que completou 10 anos em tramitação na Câmara Federal no último dia 12 de dezembro.  O texto original do PL deve ser ajustado e ampliado. Nossas contribuições para as comissões por onde o projeto passou são sempre no sentido de que se proteja o público infantil de anúncios comerciais, redirecionando mensagens mercadológicas para os adultos.

Redirecionamento

Acreditamos que é possível mudar. O mercado pode voltar suas comunicações para os pais, como, aliás, já tem sido testado por algumas empresas. A própria Mattel lançou há pouco menos de um mês uma campanha institucional direcionada para adultos. Ao invés de resistir a essa transformação necessária, as empresas deveriam assumir de fato um compromisso ético para com a sociedade e usar a criatividade premiada da publicidade brasileira para anunciar seus produtos e serviços com responsabilidade, ou seja, para o consumidor adulto, formado e capaz de fazer escolhas conscientes.
 
Gabriela Vuolo é coordenadora de Mobilização do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.