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Benefícios fiscais: Um presente para a mídia

O governo federal resolveu dar uma mãozinha às empresas de comunicação social, ao anunciar a desoneração de tributos sobre a folha de pagamentos. A notícia foi publicada no final da noite de segunda-feira (8/4) no boletim eletrônico do grupo Meio&Mensagem, mas não pareceu interessar aos jornais, embora o anúncio tenha sido feito de manhã pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Pelo menos até onde se podia pesquisar na terça-feira (9/4), a imprensa tradicional não pareceu interessada em discutir o benefício. Nos meios digitais, pode-se localizar uma nota publicada em dezembro de 2012 no site da Associação Nacional de Jornais, na qual se noticiava que a medida havia sido proposta pelo senador fluminense Francisco Dornelles (PP).

Segundo o Meio&Mensagem, Mantega anunciou duas medidas que reduzem tributos de vários setores da economia, entre eles os de mídia e comunicação, “beneficiando diretamente os setores de jornais, revistas, livros, rádio, televisão e internet”. A ideia é reduzir as contribuições sociais dessas empresas, de 20% da folha de pagamento para 1% a 2% do faturamento.

Estima-se que o setor de mídia venha a economizar R$ 1,2 bilhão por ano, a partir de janeiro 2014, quando o benefício entra em vigor. Aparentemente, não há exigência de uma contrapartida, embora o ministro tenha afirmado que o governo espera que as empresas aproveitem para ampliar investimentos e assegurar a renda de seus funcionários.

Paralelamente, desmancha-se nos meios oficiais o debate sobre o projeto de regulamentação da mídia. O tema foi capa da revista Carta Capital na semana passada (edição 742), na qual o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, era apresentado como “o ministro do Plim-Plim e do Trim-Trim”, por supostamente favorecer o grupo Globo e as operadoras de telefonia, ao barrar a modernização da lei da radiodifusão e oferecer benefícios ao setor de telecomunicações.

Falta transparência

Os jornais noticiaram amplamente o anúncio do programa de desonerações de 14 setores da economia, feito há uma semana, que tinha originalmente o objetivo de aumentar a competitividade de áreas ligadas à infraestrutura e exportações, sem as habituais críticas à política econômica do governo.

Trata-se de um movimento que as autoridades monetárias consideram parte de uma reforma tributária, expressão que os jornais ainda não assumiram, e compõe os esforços para manter a inflação sob controle. Estranha, portanto, que ao se concretizar o benefício direto ao setor de mídia, a imprensa tente esconder a informação, evitando destacar esse aspecto no pacote de medidas governamentais.

O leitor atento também haverá de registrar que a oficialização de futuros benefícios para as empresas de comunicação social coincide com a aplicação de nova medida de contenção de gastos no Estado de S.Paulo, que consiste basicamente no enxugamento do jornal e consequente demissão de jornalistas.

Há pelo menos dois aspectos interessantes a serem observados neste caso: em primeiro lugar, os jornais evitam apoiar explicitamente uma decisão governamental que, em todos os aspectos, vai ao encontro de antigas reivindicações de empresas, agasalhadas entusiasticamente pela imprensa, encaminhando mudanças no sistema fiscal e tributário que são uma espécie de mantra dos economistas mais queridos da mídia; em segundo lugar, os jornais noticiam o pacote de incentivos mas não informam que o seu setor será amplamente beneficiado, por depender intensivamente de mão de obra qualificada.

Claro que uma medida que desonera o custo do trabalho deveria suscitar outras discussões, como a crescente informalização das redações e a expansão do uso de free-lancers, por exemplo, que foi tornada oficial pela Folha de S.Paulo na última semana.

A precarização do mercado de trabalho para jornalistas está diretamente relacionada ao custo das contratações, e a medida anunciada pelo ministro da Fazenda cria para a imprensa a obrigação moral de trazer esse tema para o debate público, uma vez que o benefício será concedido com recursos da sociedade brasileira.

Mas transparência nunca foi uma qualidade das empresas de comunicação social no Brasil, principalmente no que se refere ao ambiente interno de seus negócios.

Toda televisão é pública

Na boa e oportuna entrevista publicada no domingo (7/4) na Folha de S.Paulo, com o presidente em exercício da Venezuela Nicolás Maduro (ver “Maduro no volante”), provavelmente o próximo presidente eleito do país, a colunista Mônica Bergamo faz a seguinte pergunta:

“Na Venezuela, canais privados de televisão fazem campanha para o candidato de oposição à Presidência, Henrique Capriles. E canais estatais fazem campanha para o senhor. Os canais públicos são de todos. Não deveriam ser neutros?”

Aqui está o cerne de uma visão distorcida da TV e de sua regulação, visão que é imposta pelo baronato da mídia a seus empregados e à sociedade. Ela entende que os canais privados têm todo o direito de tomar a posição política que quiserem, porque têm donos, são particulares. Já a televisão pública, por ser mantida pelo Estado, está proibida de partidarismo.

A distorção está no fato de que não existe televisão puramente privada, nem aqui, nem na Venezuela, nem em qualquer parte do mundo. Estúdios, transmissores e antenas pertencem às empresas, mas o espectro radioelétrico, onde trafegam os sinais de televisão, é patrimônio público, sob controle do Estado. E seu uso é facultado a particulares através de concessão, que impõe obrigações legais e constitucionais. Entre essas obrigações estão as de isenção, equilíbrio, apartidarismo e pluralidade.

Princípio consagrado

Dessa forma, é proibido à televisão privada tomar partido. É contra a lei. Tanto é assim que, no Brasil, as redes comerciais têm a devida cautela em não explicitar as suas preferências, sobretudo em períodos eleitorais. Qualquer cidadão esclarecido sabe de que lado elas estão, mas seu lado não é explicitado, escancarado.

Nas coberturas de campanhas, existem critérios mínimos de exposição dos diversos candidatos. Nenhum telejornal mostra apenas o candidato que seus patrões apoiam, embora o favoreçam de múltiplas maneiras. Não sabemos, aqui no Brasil, o que é uma campanha de candidato único nos telejornais.

Na Venezuela, a TV privada ignora essa questão, também presente no ordenamento jurídico daquele país. Ela partidarizou-se radicalmente, desde o início do período chavista, e provocou o seu reverso: o aparelhamento completo da TV pública pelo governo – prática igualmente errada, igualmente ilegal.

Toda e qualquer emissora de TV, seja qual for a sua natureza, está obrigada ao apartidarismo, à isenção e à abertura de espaços a todas as correntes políticas da sociedade. Se isso não ocorre, não é por falta de lei. Até a lei brasileira do setor, uma das mais atrasadas do mundo, consagra esse princípio. Que seria muito bom, algum dia, ver a Venezuela e todos os países do mundo obedecerem, estritamente.


Gabriel Priolli é jornalista e produtor de televisão

Governo Dilma prepara nova privatização das telecomunicações: o que restou de FHC

A história nos prega peças. O Ministro das Comunicações do Governo Dilma, ligado ao Partido dos Trabalhadores, cogita a possibilidade de doar bilhões em bens considerados públicos às teles em troca de investimentos em redes de fibra óptica das próprias empresas. A infraestrutura essencial para os serviços de telecomunicações, minimamente preservada na privatização de FHC, será entregue às mesmas operadoras para que estas façam aquilo que deveria ser obrigação da prestação do serviço.

Quando o Sistema Telebras foi vendido em 1998, a telefonia fixa passou a ser prestada por concessionárias. Essas empresas receberam da estatal toda a infraestrutura necessária à operação do serviço, a qual foi comprada por alguns bilhões de reais. Definiu-se um prazo para as concessões e os bens a ela relacionados foram regulados como reversíveis, isto é, devem voltar à União ao final dos contratos de concessão para nova licitação. São bens submetidos ao interesse público, que retornam à posse do Poder Público para que, terminada a concessão, a União defina com quem e como deve se dar continuidade à prestação, já que é ela a responsável pelo serviço de acordo com a Constituição Federal.

Esse modelo de concessão foi adotado em razão de uma escolha crucial do Governo FHC, a aplicação de regime jurídico ao serviço de telefonia fixa condizente com sua essencialidade – o regime público. Ele permite ao Estado exigir metas de universalização e modicidade tarifária das empresas concessionárias, além de regular as redes do serviço como reversíveis.

Antes da privatização, de 1995 a 1998, foram investidos bilhões de recursos públicos para preparar as empresas para os leilões. A planta da telefonia fixa quase dobrou. Posteriormente à venda, as redes reversíveis se desenvolveram para cumprir metas de universalização previstas nos contratos de concessão a serem concluídas até 2005. A ampliação da cobertura foi viabilizada pela tarifa da assinatura básica, reajustada durante muitos anos acima da inflação e até hoje com valor injustificadamente elevado.

Além desse incremento dos bens da concessão, a infraestrutura da telefonia fixa se tornou suporte fundamental para a oferta de acesso à banda larga no país. Mesmo as redes que eventualmente não tenham relação direta com o telefone, apresentam ligação financeira com ele. Afinal, também durante anos, e ainda hoje, houve subsídio cruzado ilegal da concessão às redes privadas de acesso à Internet. A telefonia que deveria ter tarifas menores passou a se constituir na garantidora da expansão da banda larga conforme critérios de mercado e de interesse econômico das operadoras.

Assim, a medida cogitada pelo Ministro Paulo Bernardo aponta ao menos dois graves problemas. Primeiro, ela significa a transferência definitiva ao patrimônio das teles de bilhões em bens que constitucional e legalmente deveriam retornar à União, pedindo em troca que essas empresas invistam em si mesmas, ou seja, em redes que serão para sempre delas. Segundo, a doação bilionária envolveria grande parte da espinha dorsal das redes de banda larga no país, enfraquecendo ainda mais o Estado na condução de políticas digitais. Como se não bastasse, essa medida significaria o suspiro final do regime público nas telecomunicações, com a prestação da telefonia fixa passando exclusivamente ao regime privado.

Diante do desafio de especificar quanto das redes atuais de telecomunicações são ligadas à telefonia fixa ou resultado de suas tarifas, o arranjo em avaliação sem dúvida simplifica o processo em favor das operadoras. Não só isso, minimiza as vergonhosas consequências de até agora já ter sido vendido um número considerável de bens reversíveis sem autorização ou conhecimento da Anatel, que deveria tê-los controlado desde as licitações, mas não o fez efetivamente.

Se aprovada tal proposta, o nosso saldo será a privatização do que resta de público nas telecomunicações e o profundo desprezo pelo caráter estratégico da infraestrutura de um serviço essencial como a banda larga. Estaremos diante do desrespeito violento à determinação constitucional de que a União é a responsável pelos serviços de telecomunicações, na medida em que perderá o direito de interferir na gestão de redes que passarão a ser exclusivamente privadas.

A justificativa ensaiada para essa operação é a de que, por um lado, os bens da concessão estão se desvalorizando e, por outro, de que é preciso disseminar fibra óptica pelo país e não há como obrigar as empresas a investirem onde não existe interesse econômico. Porém, o que o Governo quer é encontrar novo subterfúgio para não enfrentar sua falha central nesse campo: o não reconhecimento da banda larga como serviço essencial.

A necessária tarefa de levar banda larga e redes de fibra óptica a todo o Brasil poderia ser realizada sem a transferência de bens de interesse público à iniciativa privada se o Governo garantisse a prestação da banda larga também em regime público. Como visto, esse regime confere ao Estado maiores prerrogativas para exigir o cumprimento de obrigações por parte das empresas. Paralelamente, o modelo regulatório atualmente desenhado prevê mecanismos públicos de subsídio para parte dos investimentos impostos.

O principal deles é o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), com recursos constantemente contingenciados pelo Governo Federal. De acordo com a lei que o instituiu, o FUST só pode ser utilizado para o cumprimento de metas de universalização, obrigação que se refere apenas a serviços prestados em regime público. Nesse caso, o financiamento público para a ampliação das redes das operadoras se justifica pelos seguintes motivos: (i) o dinheiro se destina somente à parte dos investimentos que não pode ser recuperada com a exploração do serviço; (ii) os valores das tarifas são controlados para que o serviço seja acessível à população, contemplando-se também acessos gratuitos; e (iii) a rede construída não é patrimônio definitivo das operadora, pois sua posse volta à União ao final da concessão. Com tais garantias, outros subsídios poderiam ser estudados e aplicados sem significar favorecimento das teles.

Entretanto, o Governo mantém a prestação da banda larga exclusivamente em regime privado, criando alternativas ilegais e bastante complicadas para lidar com a demanda de ampliar as conexões à Internet no país e, ao mesmo tempo, evitar o enfrentamento com os poderosos interesses privados. Ao invés de submeter as grandes empresas do setor às obrigações do regime público, opta pela frouxa negociação da oferta de planos de banda larga popular, por empréstimos pouco transparentes do BNDES, pela desoneração de tributos na ordem de 6 bilhões de reais para a construção de redes privadas, pela defesa da utilização do FUST também em regime privado e, agora, considera admissível a doação às teles dos bens que restaram da privatização para que elas invistam em redes próprias, não reversíveis.

Nunca antes na história desse país se tratou com tamanha leviandade serviços essenciais e redes estratégicas!

Recuos nas políticas públicas de comunicações

Passados mais de 10 anos de uma grande expectativa criada quanto a mudanças efetivas na condução da política e da economia em nosso país, algumas áreas de foco de ação governamental são mais evidentes por não apresentarem as transformações necessárias e esperadas. Dentre elas, o setor de comunicações talvez seja um dos que mais concentram as energias da frustração e da desesperança.

Parcela significativa das matérias sob jurisdição do Ministério das Comunicações é composta de temas e processos associados ao conceito de “bens e serviços públicos”, a serem explorados diretamente pelo Estado ou transferidos, sob a forma de concessão, ao setor privado. As emissoras de rádio e televisão só podem funcionar se obtiverem a autorização oficial do Estado brasileiro para fazê-lo. As empresas de telefonia também operam uma modalidade específica de serviço público e só podem funcionar se forem portadoras de concessão para esse fim. A operação dos serviços de internet e banda larga também exigem autorização, regulamentação e fiscalização da administração pública federal.

Perspectiva de mudanças e frustração

Para quem imaginava que 2003 significaria um momento de reversão da tendência anterior de consolidação das práticas neoliberais no setor, os anos que se seguiram foram bastante desanimadores. A partir de meados do primeiro mandato de Lula, a opção política foi feita e o recado foi transmitido com todas as cores, para que não pairassem dúvidas a respeito da verdadeira intenção política do governo dirigido pelo Partido dos Trabalhadores. Assim como a condução da política econômica foi entregue ao ex presidente internacional do Bank of Boston, a política de comunicações foi entregue a um fiel servidor dos interesses das Organizações Globo e das grandes corporações do setor. Depois da nomeação de Henrique Meirelles para a Presidência do Banco Central em 2003, Lula nomeia o Senador Helio Costa para o Ministério das Comunicações em 2005. Enquanto o império de Meirelles durou os exatos 8 anos dos dois mandatos de Lula, Helio Costa ficou “apenas” 5 anos no cargo.

Se ocorreu alguma diferença com a chegada da presidenta Dilma na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica com tinturas heterodoxas, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações. Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao atendimento dos pleitos do mundo empresarial. A nomeação de Paulo Bernardo para o Ministério antes ocupado por Helio Costa não significou nenhuma mudança expressiva em relação à estratégia anterior para o setor.

Telefonia e internet: empresas intocáveis

A agenda da telefonia não representou grandes avanços em termos de melhoria da qualidade dos serviços ou de redução das tarifas elevadas, mesmo para padrões de comparação internacional. As autorizações concedidas para a fusão das grandes empresas do setor não foi revertida. Muito pelo contrário, houve a continuidade dos níveis de concentração e centralização entre os conglomerados que operavam a telefonia convencional e a telefonia celular. A configuração de práticas de oligopólio não recebeu tratamento mais efetivo por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e tampouco do Ministério. Para se ter uma ideia, as empresas de telefonia fixa e celular sempre estiveram impunemente à frente do desrespeito às regras e direitos dos usuários. Confirmando a tradição, foram as campeãs de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor em 2012, registrando o dobro das notificações de bancos ou cartões de crédito. No quesito da reivindicação histórica pela revogação da assinatura básica, tampouco o governo se movimentou para viabilizar a aprovação de algum dentre os Projetos de Lei que tramitam no interior do Congresso Nacional há vários anos sobre o tema.

Os processos envolvendo a ampliação e o aprofundamento da inclusão digital também foram sendo tocados a um ritmo bastante abaixo do desejável. A conivência dos órgãos reguladores com o desleixo a que os usuários dos sistemas de acesso à internet são tratados pelas empresas do setor chega a ser escandalosa. Um dos exemplos mais gritantes é o direito assistido às empresas para que não cumpram nem mesmo o contratado quanto à velocidade e capacidade de transmissão na rede de banda larga. Por outro lado, pouco se exige em termos de contrapartida das empresas operadoras, no sentido de ampliar a rede de acesso à internet e tornar o sinal acessível em municípios e localidades distantes dos centros urbanos mais adensados.

Já se foram mais de dez anos e o potencial de uso do estoque de fibra ótica da Telebrás permaneceu inutilizado. Isso porque o governo federal tinha condições jurídicas de fazer valer sua condição de acionista majoritário para ampliar a rede física por todo o território nacional. Mas a opção foi pela postura passiva da espera e de não contrariar os interesses dos grandes grupos privados atuantes no setor. Como a maioria dos grupos privatizados pertence a conglomerados americanos e europeus, as diretrizes empresariais determinam a redução drástica de recursos aplicados em reinvestimentos e o aumento da remessa de lucros para ajudar as matrizes a resolveram a falta de perspectiva pela crise internacional. E os órgãos reguladores do Estado brasileiro assistem calados a tal movimento, que na prática tem o sentido de um lento e silencioso sucateamento desse novo e estratégico setor da economia.

Lei do Marco Regulatório: recuo patético

A outra área de comunicações, também essencial para um governo que se pretenda transformador, não está exatamente sob o domínio de Paulo Bernardo. Trata-se das decisões do Estado relativas à sua própria política e estrutura de comunicação. Essa vasta agenda inclui temas tão diversos e essenciais quanto: i) as emissoras públicas de rádio e TV; ii) a descentralização e a democratização das vultosas despesas com publicidade do governo e das empresas estatais; iii) a proibição de formação de conglomerados típicos das oligarquias, cruzando imprensa escrita, falada e televisionada; iv) a responsabilização por abusos de poder, seja na área política, econômico-financeira ou outras; entre tantos assuntos similares. A sensibilidade e a importância da matéria remetem à necessidade da Casa Civil, junto com a Presidenta, se envolver diretamente com a matéria. A Ministra Gleisi Hoffmann, esposa de Paulo Bernardo, não pareceu se entusiasmar muito com o projeto elaborado ainda na gestão de Franklin Martins. Tampouco a atual titular da Secretaria de Comunicação, Helena Chagas, deu mostras de batalhar pela aprovação do novo marco regulador da imprensa e das comunicações em geral. O resultado foi a declaração patética, onde a equipe governamental oficialmente joga a toalha e lava as mãos: não mais se compromete com a regulamentação do setor

Em sentido inverso ao processo levado a cabo na Argentina, Uruguai, Equador e Venezuela, o governo brasileiro resolveu recuar e não mais se envolver com o projeto em tramitação no Congresso Nacional. Pressionada pelos grandes grupos empresariais do amplo setor de comunicação, Dilma voltou atrás na estratégia ainda definida no governo Lula e deixou essa área estratégica da economia e da sociedade sem qualquer tipo de controle ou regulamentação. Em nome da hipocrisia da defesa da “liberdade de imprensa e de opinião”, os empresários recusam qualquer tipo de normativa ou ação do poder público para coibir abusos e para fazer valer a vontade da maioria da população.

Na União Européia, vários países dispõem de instrumentos para viabilizar esse tipo de ação regulamentadora. Ao contrário da acusação irresponsável de “lei da mordaça”, trata-se de mecanismo de defesa da democracia da sociedade contra os abusos do chamado “quarto poder”. Estão aí inúmeros exemplos como o de Rupert Murdoch na Inglaterra, onde fica evidente a necessidade da ação do poder público. O caso do “News of the World” e os excessos cometidos só reforçam a justeza dos dispositivos da Lei de Meios, por impedir a centralização do poder econômico em diversos segmentos das comunicações.

Infelizmente, o receio de avançar pelo caminho da transformação social mais efetiva é marca também do setor de comunicações. Não bastassem os recuos em termos de aspectos da política econômica, na questão agrária, na questão ambiental, nas benesses concedidas aos conglomerados da infraestrutura, entre outros, o governo perde mais uma oportunidade de se legitimar junto a amplos setores da sociedade. Para isso, bastaria se empenhar pela aprovação do Projeto de Lei no Congresso Nacional, como faz sistematicamente com outros textos de seu interesse.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Rádio digital: da simplicidade analógica à democratização digital

A simplicidade do rádio analógico constitui-se um patrimônio da humanidade porque, mesmo em situações de calamidades e precariedades, consegue-se, com resíduos, construir um receptor (como o rádio de galena) e um transmissor para comunicar-se à distâncias surpreendentes, podendo prover contatos indispensáveis. Por outro lado, a digitalização da tecnologia radiofônica traz uma série de inovações, agregando serviços e valores ao meio, mas tornando-o bem mais complexo com a perda de uma de suas principais vantagens: sua forma simples de comunicar-se.

Ao invés de escutar nos lugares mais longínquos com os chiados característicos das emissões analógicas, que não tiram necessariamente a inteligibilidade, e do baixo custo do aparelho, da emissora e da produção, o rádio digital, em qualquer dos padrões existentes, tem investimentos mais elevados. Fora de seu eixo principal de irradiação, funciona oscilando entre ausência e presença de sinal, entre tudo ou nada. Convencidos das, até hoje, insuperáveis características analógicas, as empresas que desenvolvem a tecnologia digital, os governos e a sociedade organizada têm ironicamente buscado superar o maior desafio da digitalização radiofônica: a convivência entre os dois sistemas através do simulcast, isto é, a possibilidade de transmissão analógica e digital do sinal de uma mesma emissora.

Este gargalo esbarra num outro problema: a escassez de espaço para a inesgotável demanda de canais. Ao transmitir simultaneamente em analógico e digital, as rádios irão ocupar o espaço de duas ou três emissoras analógicas. Em outras palavras, a digitalização poderá significar a crescente impossibilidade de novos canais nos aparelhos receptores, podendo configurar-se como um “usucapião do espectro” e promovendo ainda mais a concentração das mídias. Além disso, as emissoras com menos de 100 watts de potência, como as rádios comunitárias, ficam quase inviabilizadas do serviço digital na plenitude de suas possibilidades, cavando um fosso maior entre as pequenas e grandes emissoras.

O desenvolvimento da digitalização radiofônica carece indubitavelmente de investimentos em pesquisa e aprimoramentos. Essa é uma das primeiras conclusões que se pode tirar das discussões do Conselho Consultivo do Rádio Digital, reunido pelo Governo Federal desde outubro de 2012.  No entanto, como conseguir avanços num cenário excludente no qual, tanto DRM como HD Rádio, estão impulsionados não pelo ideal de democratização da digitalização radiofônica, mas, sobretudo, pela lucratividade? Num cenário onde os oligopólios da comunicação buscam acima de tudo concentrar audiência com baixos custos evitando ampliar e pulverizar canais e serviços? Onde o Ministério das Comunicações está à mercê de negociações políticas que se articulam com linhas editoriais dos conglomerados midiáticos que garantem a governabilidade?

É certamente uma arena de lutas a construção de um modelo digital no qual o Brasil tem a possibilidade de mostrar para o mundo que o rádio digital pode avançar muito mais do que a programação multiforme que agregue, além do som, imagens e textos; a multiprogramação, que traga a opção de escutar num mesmo canal vários serviços; a interatividade, que o ouvinte possa em tempo real tornar-se mais presente na programação e a conectividade, que permita o acesso à Internet através do aparelho radiofônico. A digitalização da tecnologia radiofônica deve, acima de tudo, buscar conquistas democráticas e cidadãs com a inclusão das pequenas emissoras como as rádios comunitárias e públicas, através da capacitação de seu pessoal e do financiamento público para investimentos diminuindo os abismos criados por uma política de comunicação pautada na imposição dos interesses empresariais.

Assim, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) defende que o Ministério das Comunicações chame a população, através de audiências públicas em todos os Estados Brasileiros, para discutir qual rádio digital se deve construir, principalmente, com a participação dos ouvintes, personagens que mais serão mais afetados nesse processo. O Governo Federal precisa ainda convocar os pesquisadores das universidades brasileiras para encontrar saídas para os desafios postos na construção de um rádio digital democrático e popular. E os movimentos sociais necessitam ficar atentos e atuantes para evitar decisões a “toque de caixa” e obscuras sobre o padrão do rádio digital, ampliando a discussão para um modelo digital inclusivo e participativo.


Ismar Capistrano C. Filho é doutorando em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, jornalista pela Universidade Federal do Ceará e professor de ensino superior, coordenador executivo da Associação Brasileira de Radiodifusão no Ceará (Abraço Ceará) e membro efetivo do Conselho Consultivo do Rádio Digital.