Como esta rede de protestos teria crescido tanto em tão pouco tempo se não fossem os meios de comunicação? Certamente não saberíamos tantas informações se não estivéssemos constantemente conectados à internet, assistindo televisão, lendo jornal, ouvindo rádio. Como estaríamos vendo e ouvindo as declarações de Marcos Feliciano defendendo a proposta da “cura gay”? Me digam como estaríamos deixando de ter aula ou saindo mais cedo do trabalho pra assistirmos aos jogos da seleção brasileira na Copa das Confederações? Então, não temos dúvida alguma do poder da comunicação na sociedade.
Mas o que está em questão é: a serviço de que e de quem está o poder da mídia brasileira convencional? Este quarto (ou primeiro) poder que chega à maioria do povo brasileiro, que conduz suas opiniões, que manobra contextos políticos, constrói cenários, elege ou tira do poder governos, partidos, etc. Esta que num dia noticia protestos colocando todas as pessoas envolvidas como “vândalos” e no outro já diz que manifestações pacíficas sofrem descaracterização devido a ação isolada de pequenos grupos infiltrados. Cadê a objetividade, a responsabilidade com a informação, a pluralidade de fontes, tudo tão teoricizado nos bancos das faculdades de jornalismo?
A imprensa tem lado, não se engane mais, se você ainda não sabia.
Uma nova Lei de Comunicação
Nestes últimos dias, no Brasil muita gente tem descortinado o olhar para uma série de problematizações necessárias na (re)construção cotidiana de uma sociedade. O povo não estava dormindo, só estava esperando uma oportunidade de levantar mais alto as bandeiras, fazer tantos gritos ecoarem mais longe. Não venha agora usar as redes sociais pra destilar hipocrisias, comemorar que o povo acordou, se você esteve dormindo até agora e provavelmente nem tenha coragem de ir pra rua com apito e cartaz na mão. Quer dizer que não havia mais luta nenhuma? E de onde vieram as conquistas reivindicadas nas ocupações, nas greves, nos enfrentamentos, nas conferências, nas negociações? A juventude do país inteiro estava apática? Não, muita gente sempre esteve acordada, atenta, discutindo, mobilizando, propondo, acordando sempre mais alguém e mais alguém… Porém, uma visão romântica da força das massas já não cabe mais, a cooptação é uma estratégia real e eficaz. Não se trata ainda de uma revolução. Nem todo mundo sabe o quer, pelo que está lutando, até onde pode ir, muita gente simplesmente tá na rua! Mas é aí que mora a oportunidade de perceber-se enquanto sujeito maior de uma efetiva mudança social. Aproveitemos!
Mas e a mídia, qual tem sido seu papel frente a todas essas problematizações? A luta por uma comunicação democrática também sai fortalecida neste contexto de protestos. A mídia não é mais capaz de esconder do povo o jogo de interesses que a conduz, que define suas linhas editoriais. As pessoas enxergam com muita nitidez o que está por trás de cada cobertura de protesto, cada programa especial, cada termo usado para reportar os fatos. Não entremos aqui no mérito do oportunismo dos partidos conservadores, da oposição que quer voltar a reinar sozinha, do populismo escancarado de muitos grupos políticos ou na insistência de grupos que querem dar outro tom às reivindicações. Em se tratando de liberdade de expressão saímos no lucro. É hora de reafirmar, também nas ruas, mas não só, que precisamos mudar também a mídia. Que uma nova Lei de Comunicação é mais do que urgente e que os poderes brasileiros precisam fazê-la se cumprir. O monopólio e oligopólio, a ausência da pluralidade de ideias, da diversidade, da produção regional em maior escala, dentre outros elementos, é que nos faz reprodutores de uma “opinião pública” ditada por poucas famílias/grupos que controlam os meios de comunicação no país.
Direitos se conquistam
Os protestos… Já não importa mais de onde partiram, muita gente boa agora tá “colada”, fazendo as mais diversas pautas serem ouvidas. Outra coisa: ninguém tá dizendo que a luta é por um impeachment do governo, se o governo bem souber, pode se sair muito bem. As vozes clamam por um governo melhor! Não é de hoje que as comunidades tradicionais pedem respeito; que as florestas, caatingas, rios, serras agonizam com tanta exploração; que as favelas multiplicam-se e com elas a violência, as desigualdades, as opressões. Não é de hoje que a juventude (negra principalmente) vem sendo exterminada, como também os Comitês que discutem os impactos da Copa não foram criados nestas duas semanas, muito menos começou agora a atitude repressiva da polícia para com quem se manifesta insatisfeita com o modelo de “ordem e progresso” atual.
Bom, também não é só agora que a “grande” mídia criminaliza os movimentos sociais ou qualquer forma de reação popular. Por isso não é de hoje a movimentação em torno de uma nova Lei para uma Mídia Democrática. Depois de muitas outras táticas para avançar nesta luta, foi lançado o ano passado a campanha “Para expressar a liberdade: uma nova lei para um novo tempo” e desde o dia 1º de maio deste ano estamos nas ruas coletando assinaturas para o Projeto de Lei da Mídia Democrática (Projeto de Iniciativa Popular). Veja informações no site da campanha (http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/).
Aqui pelas barrancas sertanejas do São Francisco, onde os protestos de rua estão se espalhando como as faíscas das fogueiras de São João, não estamos dormindo não. O Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco, com apoio da Uneb, vem levantando, desde 2009, esta bandeira.
Porque a “comunicação é um direito humano e direitos se conquistam!”
Érica Daiane Costa é jornalista, militante do Movimento pelo Direito à Comunicação e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social