Liberdade de expressão e diversidade de opiniões por amor à vida das mulheres

“Mas foi você mesma que se colocou nesta situação”. Essa talvez seja a frase que mais ecoa nas mentes das mulheres desde a infância. Diante das situações de violências físicas ou psíquicas pelas quais as mulheres passam ao longo da vida, a culpa introjetada impede a tomada de decisões autônomas nos rumos da própria história. O crescimento da cultura do estupro é emblemático desta situação.

Há quase dois meses, ganhou certa notoriedade a atitude estúpida e violadora do diretor de teatro Geral Thomas que pôs as mãos por dentro do vestido da apresentadora panicat Nicole Bahls durante um evento no Rio de Janeiro. A ação se desenrolou na frente do público presente ao evento e do cinegrafista da equipe da apresentadora, que nada fizeram. Após um breve rebuliço nas redes sociais e na TV, o silêncio ecoou. Pode-se perguntar o que acometeu as pessoas presentes ali naquela livraria para que elas nada fizessem diante da situação? Porque a própria Nicole reagiu constrangida protegendo com as mãos o vestido e não revidou de maneira mais incisiva? E ainda, por que a produção do programa e o próprio Gerald encararam tudo como uma brincadeira?

O que é ainda mais revelador e, muitas vezes deixado de lado nas notícias sobre estupro, é que, na grande maioria dos casos, as mulheres ou meninas são abusadas por pessoas conhecidas (parentes, colegas de trabalho ou amigos, por exemplo). Sabe-se que nesses casos a dificuldade das vítimas em quebrar o ciclo da violência é enorme.

A mídia brasileira estampa nas capas dos periódicos casos e mais casos de estupros cometidos, enquanto propagandeia e vende corpos femininos nos programas de auditório, nos anúncios de cerveja, nos reality shows e na teledramaturgia. Cria-se, assim, uma cultura permissiva à violência contra a mulher e ao estupro e são reproduzidos valores que perpetuam a imagem da mulher como mercadoria.

A frase que abre este texto não foi escolhida por acaso. Ela foi muito recentemente pronunciada em alto e bom som para milhões de brasileiros e brasileiras que assistiam à nova novela da Rede Globo de Televisão “Amor à vida”. No episódio, que foi ao ar no dia 28 de maio, o personagem de Antônio Fagundes (médico César Khoury) ao perceber que estava diante de uma mulher que queria realizar um aborto usou de vários artifícios (e quase 5 minutos de programação em TV aberta) para convencê-la a não interromper a gravidez. Após afirmações de que um bebê é a maior prova de que Deus existe, junto ao anúncio de um dado (real e pertinente inclusive!) de que a cada três mulheres que fazem aborto clandestino no Brasil, uma morre por complicações, eis que vem a cereja do bolo: “Mas foi você mesma que se colocou nesta situação”. Medo e culpa são mais uma vez ingredientes definidores na tomada de decisões da mulher.

Apesar de ser uma obra de ficção, sabe-se do papel importante que a teledramaturgia brasileira ocupa na construção do imaginário social. Vale ainda lembrar que a emissora citada trata-se de uma concessão pública que, a priori, deveria fazer valer a pluralidade de opiniões e crenças conforme a Constituição Federal. Nesse caso, é urgente a reflexão sobre o modelo de regulação e participação social que as emissoras de rádio e televisão estão submetidas no Brasil. Para que a liberdade de expressão seja um imperativo. Para que outros discursos ecoem para além do silêncio imposto. Para que tenhamos uma resposta pertinente quando formos confrontadas com a acusação colocada acima. Por amor à vida das mulheres.

Para expressar a liberdade

O artigo 4  do Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática dispõe: A comunicação social e eletrônica reger-se-á pelos seguintes objetivos:
c) promoção da pluralidade de ideias e opiniões na comunicação social eletrônica;
e) promoção da diversidade regional, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, classe social, etária, religiosa e de crença na comunicação social eletrônica, e o enfrentamento a abordagens discriminatórias e preconceituosas em relação a quaisquer destes atributos, em especial, o racismo, o machismo e a homofobia.
Já assinou? Quer conhecer o projeto? Acesse: www.paraexpressaraliberdade.org.br

*A partir deste mês, o Intervozes por meio do seu setorial de mulheres publicará um texto mensal nesta seção sobre comunicação e direitos das mulheres.

Iara Moura é jornalista e mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, além de integrante do Coletivo Intervozes

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