A prisão de Pedrão Nogueira, a cultura jornalística e a democratização da comunicação no Brasil

O que a prisão do jornalista Pedro Nogueira revela sobre a cultura jornalística brasileira? Foi com essa questão que me peguei a refletir na manhã desta quarta-feira, dia 12 de junho, dia posterior à manifestação que parou a cidade de São Paulo, em defesa do direito de ir e vir, pela redução da tarifa do transporte, pela tarifa zero para estudantes e por transporte coletivo de qualidade e 24 horas. Sim, aos desatentos, todas essas são pautas do Movimento Passe Livre, principal, mas não o único, articulador desses protestos.

Bom, eu queria falar sobre o protesto, da truculência policial, da hipocrisia médio-classista e da intolerância burguesa, todos arremedos das cenas televisivamente acompanhadas nos últimos dias. Mas vou me deter ao ponto que trata o título deste texto, a relação entre a prisão do jornalista Pedro Nogueira e a democratização da comunicação no país.

Ao que parece, dentre os jornalistas, a maioria fotógrafos, detidos durante as manifestações de terça, 11, o único que continua preso é Pedro Nogueira. Não por acaso, ele não é parte do grupo de jornalistas que atua na chamada grande mídia brasileira. Ele é jornalista do Portal Aprendiz.

Pedrão, como é conhecido entre os amigos, foi preso porque, de certa forma, rompeu com uma premissa muito bem consolidada na cultura jornalística brasileira, que coloca o jornalismo como um relato imparcial da realidade. É preciso ter culhões para, num ato de solidariedade, romper com o papel de mero espectador imparcial dos acontecimentos e assumir o lado dos que estão sendo oprimidos (nesse caso, como relatou em seu blog o jornalista Leonardo Sakamoto , duas jovens que estavam sendo agredidas por policiais).

Para além de sua coragem cidadã, é preciso pensar que, não se trata de fato menor ou menos importante, se a atitude de Pedrão for pensada a partir da leitura de uma cultura jornalística praticada no país. Pois o ato de Pedrão (mesmo que involuntariamente) põe em xeque uma tradição norte-americana impressa, há anos, no jornalismo brasileiro e que, coloca em lugar de conforto, os grandes jornais do país. Afinal, segundo essa parcela, não há o que opinar, não há o que defender, pois o que é posto à luz é “a verdade dos fatos”. Enquanto isso, seguem, nas entrelinhas, nas artimanhas do discurso, construindo imaginários sociais cada vez mais uníssonos, sem divergentes.

Essa cultura jornalística ajudou a consolidar o padrão do jornalismo brasileiro (um tipo cínico de jornalismo, que se diz imparcial, mas se mostra editorializado). E, por consequência, esse jornalismo assume papel fundamental na consolidação dos grandes conglomerados de mídia: tudo que não está ali, reportado nos grandes jornalões, não é verdade ou não existe; e tudo que se mostra em perspectiva divergente é o não-jornalismo ou, quando muito, até tachado como partidarizado. E isso, mostra-se na própria dedução do delegado responsável pelos jornalistas detidos na manifestação: afinal os jornalistas credenciados pela grande mídia são considerados legítimos e os que vêm dos meios alternativos e/ou populares são tidos como parte dos acontecimentos. O que é, portanto, sempre ignorado nessa perspectiva, é que todos somos parte dos acontecimentos, jornalistas ou não.

Penso que a proposta de uma regulamentação dos meios de comunicação no Brasil, como vem sendo proposto pelo Projeto de Lei da Mídia Democrática , tem um importante papel a cumprir ao incentivar e garantir que um debate mais amplo seja feito na sociedade. Afinal, por que apenas alguns grupos são legítimos para reportar os acontecimentos sociais quando, falando em meios eletrônicos (rádios e TVs), esses são concessões públicas que deveriam minimamente diversificar os olhares sobres os tais acontecimentos?

Essa é uma pergunta para se refletir, pois a cultura jornalística, mais uma vez posta em xeque, vai além dos meios eletrônicos, mas pensar e debater sobre isso é sem dúvida um primeiro passo.

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