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Justiça condena jornalista por texto ficcional. Liberdade de expressão?

Por Ana Carolina Westrup*

Quantos de nós ouvimos histórias em que o rei tinha o poder soberano e todos os seus subordinados o respeitavam e faziam da sua ordem a lei? Mais do que contar a história de personagens, os contos revelam a busca íntima do escritor em provocar nos leitores a reflexão sobre determinado contexto histórico. A linguagem literária, que usa a ficção como elemento chave, pode se adequar, assim, a qualquer realidade, pessoas, tempos ou lugares. Essa foi a característica central de um texto publicado pelo jornalista sergipano Cristian Góes, em maio de 2012.

Mas não foi essa a compreensão do desembargador e atual vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses, que pediu a condenação de Góes. O papel de escritor do jornalista logo deu espaço então ao de alguém que vive um dos momentos mais dramáticos da sua vida. E o episódio expõe, de forma mais do que concreta, a fragilidade em torno do exercício da liberdade de expressão em nosso país.

Vamos ao caso. Em 2012, Cristian Góes publica em um blog de Sergipe a crônica Eu, o coronel em mim, que não cita nomes ou períodos históricos. O desembargador Edson Ulisses, no entanto, entendeu que um dos personagens da história – o “jagunço das leis” – o representava. Ingressou então com dois processos contra o jornalista: uma ação criminal em que pedia a prisão Góes por difamação e uma ação cível, com pedido de indenização por danos morais.

Em janeiro de 2013, na primeira audiência de conciliação, o jornalista propôs publicar uma nota esclarecendo que o texto não fazia referência a ninguém. O desembargador não aceitou a proposta e, em contrapartida, ofereceu ao jornalista a possibilidade de admitir a culpa a ele embutida, visando uma redução da pena. Na mesma ocasião, provocado pelo autor do processo, o Ministério Público Estadual (MPE) também impetrou uma ação penal contra o autor.

Neste momento, já estava claro que o objetivo do desembargador não era esclarecer qualquer erro de interpretação dos leitores, mas sim punir Góes com todo o peso de um processo criminal. Sem conciliação, o processo correu e, em uma velocidade digna das metas do Conselho Nacional de Justiça, em julho do mesmo, o juiz Luiz Eduardo Araújo Portela condenou o jornalista a sete meses e 16 dias de reclusão.

O cerceamento à liberdade de expressão do jornalista ganhou repercussão nacional e internacional. Cristian Góes chegou a participar de uma audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) para denunciar o caso.

A pressão social, no entanto, não foi suficiente para mexer as peças no tabuleiro jurídico. O recurso impetrado na turma recursal do Tribunal de Justiça de Sergipe, apesar da consistência dos argumentos, foi negado por maioria. A estratégia foi recorrer, junto ao Supremo Tribunal Federal, pedindo a revisão da condenação. Porém, na última sexta-feira (15), sem sequer julgar o mérito da ação, o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski negou o pedido, mantendo, portanto, a condenação à prisão do jornalista.

Para o advogado do caso, Rodrigo Machado, o texto do jornalista não promove qualquer tipo de dano pessoal. Trata-se do direito à crítica através de uma linguagem ficcional.

“O direito da liberdade de expressão não deve ser confundido com o direito de elogiar. É papel de todo e qualquer cidadão fazer crítica a uma situação ou conjuntura política. Cristian fez isso através de um texto ficcional, que se adéqua a qualquer realidade ou personagens. No nosso entender, sua condenação é uma distorção do conceito de liberdade de expressão”, defende o advogado.

A condenação de Góes em diversas instâncias do Poder Judiciário também revela um quadro de desequilíbrio na forma como a Justiça é aplicada para jornalistas de grandes veículos e para comunicadores independentes. Ela mostra o quão seletivo o Judiciário é ao utilizar um texto ficcional para privar alguém de sua liberdade enquanto silencia diante de uma série de violações praticadas por jornalistas da grande imprensa, que destroem reputações e não sofrem qualquer punição.

Um novo recurso deve ser apresentado ao STF, com base no próprio posicionamento do órgão acerca de proteção à liberdade de expressão, manifestada no julgamento do ADPF 130. Já no âmbito da pressão social, uma nova nota de repúdio está aberta a adesões. Entidades de defesa da liberdade de expressão também se preparam para apresentar uma denúncia formal contra a decisão da Justiça brasileira nos organismos internacionais de proteção aos direitos humanos.

*Ana Carolina Westrup é jornalista sergipana e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

O voto na democratização da comunicação

Por Bruno Marinoni*

O horário eleitoral no rádio e televisão teve início na última terça (19/8) e se estende até 2 de outubro. Nesse pouco mais de um mês, os grupos políticos têm a oportunidade de se dirigir à população diretamente e interferir na agenda pública sem a mediação das empresas de radiodifusão. Em outras palavras, um raro momento em que se fura o bloqueio comercial erigido pelas empresas de comunicação (no qual só se torna pauta o que dá lucro ou interessa ao dono) e se declara “território livre” para se dizer o que quiser sobre o assunto que se quiser.

O programa eleitoral seria uma ótima oportunidade para, furando esse bloqueio, questionar a existência de um oligopólio comercial que filtra os pontos de vista “divergentes”. “Por que a Globo, por exemplo, resume a discussão sobre si mesma à produção do ‘Vídeo Show’, que não passa de uma vitrine da própria marca, e evita o debate sobre o direito à comunicação?”, poderia se perguntar.

É o momento de se propor para a sociedade, no horário nobre das redes nacionais, soluções que visem democratizar a comunicação e que evitem a imposição do filtro empresarial a temas fundamentais para a sociedade. Entretanto, observa-se nas atuais campanhas quase um total silêncio sobre o tema da democratização da comunicação. É o que demonstra uma reportagem da revista MídiaComDemocracia, publicada neste mês de agosto.

Tema ingrato

As candidaturas que possuem as melhores projeções de votação – Dilma (PT), Aécio (PSDB) e Eduardo/Marina (PSB) – nem sequer se referem ao problema da concentração da propriedade, da hipertrofia comercial do setor de comunicação, da impossibilidade de participação de determinados setores na produção de conteúdos, da reprodução de preconceitos, das violações de direitos humanos promovidas pelos programas de rádio e TV, dos arrendamentos das concessões públicas, da criminalização das rádios comunitárias etc. Nem uma linha. Limitam-se a falar genericamente de “liberdade de expressão/informação/opinião”.

Sabe-se que as diretrizes definidas em maio pela Comissão Executiva do PT apontavam para a inclusão do debate sobre regulação da comunicação no programa de governo de Dilma. Entretanto, o tema foi retirado do documento. No que diz respeito à internet, ousa-se um pouco mais, falando-se de expansão da infraestrutura de banda larga, da implementação do Marco Civil da Internet, da promoção da participação e do acesso às tecnologias digitais. Não se define, por outro lado, nenhum compromisso com o regime público de exploração do setor. Em outras palavras, devemos assistir à continuação da política de expansão privada das telecomunicações com financiamento público por via direta ou indireta (renúncia fiscal).

O silêncio sobre o tema da democratização da mídia revela a capacidade dos donos dos meios de comunicação de interferir na agenda política. Isso acontece por meio das relações diretas de radiodifusores com os partidos políticos, mas também por meio da coerção simbólica (uma espécie chantagem midiática) pela qual se sentem ameaçados os candidatos que ousam desafiar aqueles que controlam praticamente todos os canais de comunicação social do país.

Neste cenário, há a candidatura de Luciana Genro (PSOL), que pautou o tema da democratização da comunicação. Segundo o seu programa, “quebra dos oligopólios midiáticos e sua política de voz única terá atenção especial, com ênfase para o fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação. Nosso incentivo será para instrumentos de comunicação alternativos, como rádios e TVs comunitárias, e aos meios públicos de mídia. Além disso, daremos ênfase a instrumentos de participação popular”. No entanto, o tempo no horário eleitoral para esta campanha é irrisório, o que limita a expressão política necessária.

Outras candidaturas como a de Mauro Iasi (PCB) e Rui Pimenta (PCO) defendem a estatização da comunicação. O candidato Zé Maria (PSTU) reconhece a importância do tema, mas sua campanha não apresenta exatamente uma formulação sobre o assunto.

Proposta da sociedade civil

Para tentar interferir na crítica situação apresentada acima, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) encaminhará uma carta aos/às candidatos/as defendendo a importância do tema para a consolidação da democracia brasileira. Anexo à carta, dois documentos que são fruto das propostas aprovadas pela sociedade civil na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009. Um dos documentos, intitulado “20 pontos para democratizar as comunicações no Brasil”, traz diretrizes fundamentais para um novo marco regulatório para o setor. O outro documento é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, que apresenta, em formato de texto legal, as prioridades definidas pelo movimento para a regulação da radiodifusão no país.

*Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

A (não) ampliação do acesso móvel no Brasil

*Por Marina Cardoso

A partir da Copa do Mundo, o Brasil está no caminho dos grandes avanços na área de telecomunicações. Ao menos é isso que o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, demonstra no seu discurso, quando diz que levou o Brasil para a ponta da tecnologia de acesso à internet em redes móvel, a partir da implementação da rede LTE, nome técnico para a conexão 4G. Mas será que esse ritmo de conexão do País, como apregoa o executivo federal, é um fato?

Para preparar o Brasil para a Copa do Mundo – e as exigências da Fifa – a Anatel incluiu no leilão de frequência de 2,5GHz, destinada ao 4G brasileiro, a obrigação de cobertura nas doze cidades-sede do evento até o início da competição. Ainda, incluiu-se no edital do leilão de frequência, realizado em junho de 2012, que todas as capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes deveriam estar cobertas até maio de 2014. O serviço também deverá estar ativo nas cidades com mais de 30 mil habitantes até o final de 2017. Municípios menores terão de contar com o 4G até o final de 2019.

Agora aos fatos: o serviço de 4G ainda é muito caro para a grande parte da população brasileira. Os números de acessos móveis utilizando a rede 4G só são vistosos porque a Anatel, com a anuência do governo federal e apoio do SindiTelebrasil (sindicato patronal das operadoras de telecom), divulgou dados sobre o número de conexões móveis existentes no País que ocultam uma realidade preocupante.

A agência reguladora informou, em release, do dia 17 de junho, que “a banda larga móvel totalizou 128,49 milhões de acessos, dos quais 3,27 milhões eram terminais 4G”. Pela frase, o leitor desavisado supõe que o número de acessos à internet banda larga em dispositivos móveis supera mais da metade da população brasileira. A realidade, porém, é que estes são dados de chips ativados em tecnologia móvel capaz de prover acesso à internet.

Basicamente, todo usuário que dispõe de um smartphone 3G e 4G ou de um modem entra na conta da banda larga móvel da Anatel. No entanto, estima-se que algo em torno de 20% dos detentores de smartphones tenham contrato com pacotes de dados. Um percentual que tende a cair, uma vez que a política tributária do governo federal estimula a venda desses aparelhos no país: ou seja, mesmo que haja mais pessoas com um smartphone, isso não significa que elas tenham capacidade de comprometer parte da renda com serviços de telecomunicações.

A Telebrasil (Associação Brasileira de Telecomunicações), por sua vez, divulgou ao final de julho que o Brasil fechou o primeiro semestre com 161 milhões de acessos banda larga. O montante também considera os 137,7 milhões de conexões em redes 3G ou 4G que, apenas potencialmente, poderiam se conectar. Desse total, 111,5 milhões correspondem a celulares e o restante se refere a conexões por modem. Este último poderia ser contabilizado como acesso móvel, uma vez que não têm outra função.

Na banda larga fixa, ainda seguimos com números irrisórios. Em junho, foram 23,22 milhões de acessos em um país de mais de 200 milhões de habitantes (35,53% dos domicílios). A expansão no número de acessos fixos de 9,3% em doze meses, aparentemente um grande avanço proporcional, é um dado a ser analisado diante da pequena base que o representa. Ou seja, para a grande maioria dos brasileiros, os que acessam serviços de banda larga móvel em sistemas pré-pagos, os preços dos pacotes não cabem no orçamento mensal.

Segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT), a oferta de entrada da banda larga não deve ultrapassar 5% da renda média mensal. Como o Brasil é um país muito desigual, vamos usar como referência o salário mínimo que, desde janeiro, vale 724 reais. Os pacotes de entrada de 4G, quando do lançamento das ofertas no ano passado, variavam de 79,90 reais a (2GB de franquia da Claro) a 149 reais (2GB da Vivo). Isso ignorando que os pacotes de dados devem estar atrelados a serviços de voz mínimos. Ou seja, bem acima dos 10% do salário mínimo brasileiro.

Agora, a bem da verdade, ainda é preciso desmontar um último argumento. Não é preciso uma Copa do Mundo para fazer um leilão de frequência e encaminhar a construção de redes. O governo federal está mostrando isso agora, ao impor o leilão da faixa de frequência de 700 Mhz (também para redes LTE), apesar das diversas incertezas sobre interferência entre o serviço de banda larga móvel e a TV digital terrestre aberta. Com este leilão, o governo federal abre mão de qualquer avanço em termos de obrigação de garantia de cobertura. A estimativa – e já salivam os senhores do superávit primário – é que a arrecadação da União chegue a oito bilhões de reais apenas com a venda de outorgas.

Pensando pequeno

O tamanho da ambição brasileira em termos de garantia de acesso (ou sua pequenez) se mede pela velocidade exigida na oferta de “internet” rural: taxa de transmissão de 256 kbps de download, 128 kbps de upload e franquia mensal de 250 MB, conforme as obrigações das vencedoras do leilão da faixa de frequência de 2,5 GHz. Isso nem ao menos é banda larga! A UIT, em 2003, admitia que a definição de banda larga era difícil porque sempre em evolução, mas apontava que o termo seria devidamente usado quando para denominar serviços cuja capacidade de transmissão fosse superior a 1,5 Mbps!.

Mesmo que 100% dos municípios brasileiros disponham da oferta estabelecida até dezembro de 2015, tal como prevê o edital, seria forçar a barra falar em garantia de acesso à internet – um meio com cada vez mais recursos, mas que também exige maior capacidade (e não, as pessoas que moram no campo não querem menos da internet do que você, leitor). O máximo que o governo conseguiu chegar neste edital foi exigir que, até dezembro de 2017, as operadoras ofereçam conexão com taxa de transmissão de 1 Mbps de download, de 256 kbps de upload e franquia mensal de 500 MB. E assim avança a ampliação da internet no Brasil.

*Marina Cardoso é integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

O que faz o Minicom enquanto loteiam as concessões de TV?

Por Bruno Marinoni*

Suponhamos que a escolha da Seleção Brasileira de Futebol seja um processo criterioso. São escolhidos jogadores com um perfil adequado a uma determinada tática. Teoricamente, são os mais aptos para as suas funções. O que aconteceria se descobríssemos que o goleiro X teria vendido para o goleiro Y a vaga para a qual foi convocado? Escândalo! E por que não é assim que acontece com as concessões públicas de rádio e televisão?

O que ocorre rotineiramente na radiodifusão brasileira se trata de “subconcessão, arrendamento e alienação para terceiro”. O tema foi abordado em uma audiência pública, no dia 5 de agosto, na comissão para assuntos de comunicação da Câmara dos Deputados (a CCTCI). A fala do Ministério Público Federal, na pessoa do procurador Domingos Sávio Dresch, foi clara: “essas práticas que são ilegais devem ter no Judiciário um controle”.

A afirmação do procurador indica, primeiramente, uma falha do Poder Executivo enquanto agente responsável pela regulação da radiodifusão. O Ministério das Comunicações, responsável pelo setor, não se deu sequer o trabalho de ir à audiência para a qual foi convidado para prestar contas. Iria se indispor com os que fazem circular ilegalmente milhões de reais no setor? Já pensou?!

O que diz o MPF aponta, em segundo lugar, para a ausência do Judiciário nesses 26 anos de vigência da Constituição Federal no que diz respeito ao cumprimento do artigo que afirma que cassações de concessão serão feitas judicialmente.

Algumas empresas se defendem, como ficou explícito na fala dos deputados-radiodifusores Arolde de Oliveira (PSDB/RJ) e Júlio Campos (DEM/MT), os quais afirmaram que vender as concessões ou “arrendar” parte do horário da programação é a única forma de sobreviverem. A maioria, no entanto, nem se defende. Descumpre a lei, já que não há cobrança.

Os lotes do Senhor

Levantamento de arrendamentos na grade de programação da TV aberta, feito pelo Intervozes, aponta que algumas emissoras chegam ao extremo de ter 92% do seu tempo vendido, como a Rede 21, do Grupo Bandeirantes. Há casos também de emissoras maiores como a RedeTV, por exemplo, que cresceu, nos últimos quatro anos, de 32% para 50% o total do arrendamento.

As igrejas cristãs são as responsáveis pela parte mais significativa dessas compras. A Igreja Universal do Reino de Deus, proprietária da Record e da TV Universal, por exemplo, paga cerca de 12 milhões por mês para o Canal 21 e para a CNT. No caso desta última, o arrendamento de 22 horas diárias da grade de programação (anteriormente eram 11h) teria gerado a demissão de cerca de 100 funcionários.

Horário comercial

A lei estabelece o limite para o horário publicitário na televisão de 25% de toda a grade de programação. Ainda que o arrendamento estivesse dentro dessa limitação, seria ilegal, pois é um produto de natureza diferente. Porém, mesmo que fizéssemos essa concessão (com o perdão do trocadilho), eles estariam muito fora da lei.

Lei da Mídia Democrática

O projeto de lei de iniciativa popular elaborador pelo movimento que defende a democratização da comunicação, no seu artigo 11, proíbe explicitamente a prática de arrendamento. A proposta circula hoje pelo país coletando assinaturas de apoio. A íntegra está disponível no site da campanha “Para Expressar a Liberdade”.

* Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

O ataque ao Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro e os riscos à liberdade de expressão

Por Jonas Valente*

Desde a semana passada, a diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ) é alvo de uma série de ataques. A polêmica vai muito além de uma disputa sindical e envolve riscos para a própria atividade jornalística pela criação de um discurso de ódio que prega a divisão da categoria e tenta desqualificar não apenas os diretores, mas parte dos jornalistas.

O movimento que pede a destituição da direção nasceu a partir de uma coletiva de imprensa realizada no dia 25/7, com parentes de manifestantes presos, organizada pelas organizações Justiça Global e Grupo Tortura Nunca Mais, no auditório do sindicato. Houve clima tenso e ativistas presentes criticaram de forma dura os jornalistas que compareceram. A presidente do SJPMRJ, Paula Máiran, interveio e defendeu os profissionais de imprensa.

No entanto, relatos do episódio pelas redes sociais e até mesmo em matérias de veículos de grande circulação, como o jornal O Globo, distorceram o ocorrido, inclusive chegando ao ponto de trazer informações mentirosas, como a fábula de que repórteres teriam sido expulsos da coletiva pelos manifestantes. Âncoras de telejornais utilizaram o espaço de seus programas para atacar de forma virulenta a direção, em especial a presidente da entidade, Paula Máiran. Entre as críticas, o fato de a direção ter mantido a coletiva, sendo que na véspera dois jornalistas haviam sido agredidos por manifestantes em Bangu. Dias depois, um grupo de jornalistas, comandado por integrantes de chapas derrotadas na última eleição e por figuras proeminentes de grandes redações comerciais, criou o movimento que pede a saída da diretoria.

Parte dos jornalistas também apresentou críticas, o que é legítimo. Mas a ofensiva do grupo golpista, com ataques e acusações mentirosas, é um indício muito preocupante para uma categoria que é responsável por ter a serenidade de traduzir os acontecimentos de forma equilibrada para garantir o direito à informação da sociedade.

O alerta é maior porque a atuação do grupo traz não apenas uma tentativa de golpe, o que por si só seria grave. O grupo visa desqualificar toda e qualquer visão que não seja a de condenação irrestrita e automática de qualquer tipo de manifestante. O foco é a divisão da própria categoria. Quem não segue a cartilha, acusam, estaria tergiversando na defesa dos colegas ou, mais grave, seria “cúmplice da violência contra jornalistas”, como diz o manifesto elaborado por alguns profissionais.

A estratégia tenta distorcer o debate, tirando o foco dos atos de violência, que devem ser sim condenados, e passando para a demonização dos manifestantes (independentemente de toda a diversidade envolvida nesta massa). De tabela, coloca no grupo dos “hereges” todos os jornalistas e comunicadores populares que atuam com midiativismo e com movimentos sociais. Filiados ao PSOL também são criticados pelo simples fato de serem associados ao partido, em um claro constrangimento público contra o direito de livre filiação partidária.

A diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio divulgou comunicado afirmando que é contrária a qualquer tipo de violência contra jornalistas, venha de onde vier. A entidade promoveu diversas ações neste sentido, condenando agressões e cobrando a garantia da segurança dos profissionais nas coberturas, inclusive com acompanhamento jurídico e conquistas junto ao Ministério Público. Para discutir o tema, a direção convocou uma plenária inicialmente agendada para o dia 4 de agosto e depois remarcada para o dia 7 de agosto, em razão da morte de uma colunista do jornal Extra.

No dia 6 de agosto, a direção do SJPMRJ divulgou nota na qual “pede desculpas e reconhece que deveria, naquelas circunstâncias, ter solicitado aos organizadores do evento a não realização da atividade dentro do sindicato”. Mas é clara na defesa contra o golpe ao afirmar que “os fatos, no entanto, não justificam a renúncia nem a destituição da diretoria”. Na plenária, a direção vai convidar os jornalistas do Rio ao debate sobre como as pautas e as lutas já iniciadas pela garantia da segurança podem ser impulsionadas.

Se o movimento golpista for bem sucedido, a consequência será mais do que a saída da atual diretoria. Para além do fortalecimento de um grupo formado por diversos chefes, será a vitória, em uma importante cidade e na qual há veículos de alcance nacional, de uma concepção perigosa. Ao tratar todo e qualquer manifestante como um criminoso e uma ameaça, ela afasta o jornalista da sociedade, quebrando o laço de uma categoria e de suas entidades representativas com a sociedade e indo de encontro a alianças históricas com as lutas de movimentos sociais de reivindicação de direitos.

A violência contra a categoria deve ser condenada, seja de onde vier, e com medidas de segurança objetivas. Curiosamente, entre os críticos do sindicato, agora há quem inclusive reclame da entidade ter cobrado das empresas o óbvio, que é a garantia a seus empregados de equipamentos de proteção individual (EPIs) e de outras medidas. Para alguns críticos, se os manifestantes forem todos criminalizados, parece que a violência vai desaparecer. Esquecem ou omitem intencionalmente que os agentes do Estado são responsáveis por mais de 80% dos casos de agressão contra profissionais de imprensa, como mostram dados da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Isso não exime os outros 20%, mas deixa claro que a condenação dos manifestantes também não resolve os 80%. Ao atacar uma entidade que exemplarmente acionou autoridades e empresas para garantir a segurança da categoria (sem deixar de cobrar dos movimentos sociais o respeito ao trabalho da imprensa), o movimento golpista corre o risco de, inclusive, debelar uma frente fundamental de defesa do que traz como bandeira: a segurança do jornalista.

*Jonas Valente é jornalista, intergrante do Intervozes e da coordenação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.