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Direitos Indígenas: Territórios e Comunicação

Por Thais Brito*

A defesa do princípio de que a comunicação é um direito humano implica na luta para garantir que todos e todas tenham não apenas a liberdade de expressão, mas também o acesso aos meios de produção e veiculação de informação e às condições técnicas e materiais para se comunicar. Há, ainda, um longo caminho a percorrer para que o direito humano à comunicação seja apropriado e exercido pelo conjunto da sociedade. Uma sociedade diversa, em que os distintos grupos possuem acesso em graus diferenciados aos meios.

No caso dos povos indígenas, o genocídio e o etnocídio sofridos ao longo da história faz com que o usufruto dos direitos fundamentais seja ainda mais difícil. Sem o direito aos seus territórios, a vida dos povos indígenas fica ameaçada. Então, esse é o primeiro desafio da questão indígena – demarcar os territórios e garantir a autonomia desses povos sobre suas terras.

Nesse cenário, o direito à comunicação é também um direito essencial e colabora na luta por outros direitos. É tendo acesso aos meios de comunicação que a diversidade de povos e culturas indígenas pode se manifestar. É também por esses meios que eles podem compartilhar suas reivindicações e visões de mundo.

Com as novas tecnologias de comunicação e a ampliação do acesso às mídias, os olhares indígenas passam, também, em alguma medida, a produzir sentidos próprios na contemporaneidade. Etnojornalistas e cineastas indígenas realizam filmes, produzem conteúdos na internet, rádio e televisão, comunicando-se com outras sociedades e dando aos dispositivos a função de comunicação dentro de uma aldeia e entre aldeias. Comunicação que também contribui para a memória, ao tempo em que reafirmam o lugar central da oralidade nessas sociedades.

Há experiências com mídias indígenas em diversos lugares pelo mundo. No Canadá, a Nacional Indigenous Media Association of Canada reúne estações de rádio e televisão, companhias de telecomunicações e provedores de internet cuja propriedade e controle estão nas mãos de empresas ou indivíduos indígenas.

Na Austrália, há uma rede de comunicação indígena que inclui a Central Australian Aboriginal Media AssociationIndigenous Remote Communications AssociationAustralian Indigenous Communications Association, além da ABC Australia Indigenous Media, com conteúdo aborígene na web, e, ainda, duas televisões: a Imparja e aNITV, National Indigenous Televison canal de televisão aberto.

Na América Latina, a Coordinadora Latinoamericana de Cine y Comunicación de los Pueblos Indígenas reúne indígenas e não-indígenas numa rede de colaboração e intercâmbio em comunicação e promove capacitação, produção e difusão do cinema e do vídeo indígena.

Há países com experiências mais avançadas como a Argentina, onde a Ley de Medios, que regula a mídia no país, a qual prevê concessões de rádio e televisão para comunidades indígenas. Como consequência da lei, desde 2012 é transmitido o canal mapuche Wall Kintun TV. Já na Bolívia, a Agencia Plurinacional de Comunicación é um mecanismo de interconexão entre os meios indígenas. Ela coordena as ações e intercambio de conteúdos.

No caso do Brasil, diferente dos outros países, não há nenhuma concessão de canais de comunicação, rádio ou televisão para comunidades indígenas. Nem mesmo um programa com essa temática específica, apesar da vasta e reconhecida produção de conteúdos de autoria indígena.

A comunicação desses povos é um processo realizado, geralmente, em parceria com pessoas e organizações mediadoras, bem como com alguma colaboração do Estado, principalmente no que se refere à infraestrutura, como acesso aos serviços de internet e formação de núcleos de produção audiovisual.

Uma das experiências mais significativas no país é o Vídeo nas Aldeias, projeto precursor na área de produção audiovisual indígena que tem como objetivo apoiar as lutas desses povos para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais, por meio de recursos audiovisuais e de uma produção compartilhada.

Na apresentação do livro sobre os 25 anos do Vídeo nas Aldeias, o indigenista e idealizador do projeto, Vincent Carelli, afirma que é “sonhar alto” pensar em ter, a médio prazo, uma rede nacional de cineastas indígenas alimentando seu espaço próprio na TV pública brasileira. Carelli defende a concretização de um veículo de comunicação indígena, vindo de um aprendizado coletivo e colaborativo entre índios e não-índios.

Enquanto isso não se concretiza, a produção de comunicação pelos povos indígenas gera uma diversidade de conteúdos que não tem espaço na comunicação brasileira.

Sem ouvir a voz dos indígenas, torna-se ainda mais difícil garantir o direito ao território e tomar conhecimento de projetos como a Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC 215) que transfere a prerrogativa de homologar Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação (UCs) e territórios quilombolas para o Poder Legislativo. Torna-se ainda mais difícil trazer à tona o fato de seis índios terem sido presos, supostamente em flagrante, após protesto contra essa proposta que, na prática, representaria a paralisação de todos os processos de criação dos territórios indígenas.

Para que isso ocorra, é preciso que a sociedade brasileira reconheça a importância da diversidade de povos que a constitui e lute para que todos eles não apenas estejam representados como tenham espaço nos meios de comunicação.

* Thais Brito é jornalista, doutoranda em Antropologia e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Famílias e organizações civis defendem a classificação indicativa

Por Bia Barbosa*

Na semana em que o mundo celebra mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais de 80 organizações brasileiras lançaram um nota em defesa de uma das principais políticas públicas em funcionamento no país para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes: a classificação indicativa da programação das emissoras de TV.

Desde 2001, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação (ADI 2404) que, a pedido da associação dos radiodifusores, pede a declaração de inconstitucionalidade do artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê sanções aos canais que veicularam conteúdo em horário diferente ao previsto na classificação indicativa. Em busca de audiência e ávidas por poderem transmitir qualquer programação em qualquer horário, as emissoras alegam que o fato de poderem ser multadas caso veiculem conteúdo inapropriado a uma determinada faixa etária viola sua liberdade de expressão.

Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal já votaram atendendo o pedido das emissoras, o que coloca toda a classificação indicativa em risco. O STF deve voltar a julgar a ação no próximo período. Preocupadas, diversas entidades de defesa dos direitos das crianças pedem que, antes disso, o Supremo realize uma audiência pública para ouvir a população sobre o tema.

Pesquisa realizada a pedido do Ministério da Justiça pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, em cooperação com a UNESCO, divulgada nesta quinta-feira (11/12), comprova que a Classificação Indicativa é uma política em pleno funcionamento, aprovada pelas famílias. Segundo estudo, 97% dos pais ou responsáveis por crianças de 4 a 16 anos consideram muito importante ou importante que emissoras de TV aberta respeitem a limitação de horário vinculada à classificação indicativa. E 94% consideram que deve existir multa para emissoras que desrespeitarem as regras. Quase a totalidade dos pais ou responsáveis entrevistados (98%) acredita que deve haver algum tipo de controle sobre o que as crianças e adolescentes assistem na TV. Entre as preocupações dos pais estão cenas de tortura, estupro ou suicídio (79%) e cenas de consumo de drogas ilícitas (73%).

A realidade é que a televisão é o meio de comunicação ainda hoje com maior influência na difusão de culturas e na formação de valores. O impacto dos conteúdos que recebemos diariamente pela telinha já foi comprovado em centenas de pesquisas científicas em todo o mundo. No caso das crianças e adolescentes, os efeitos daquilo que assistem na TV é ainda maior, em função de serem pessoas ainda em desenvolvimento, não preparadas para absorver individualmente todo e qualquer tipo de imagem.

Por isso, no mais diferentes países, foram criados mecanismos de proteção das crianças a determinados conteúdos transmitidos pela televisão. Na maior parte deles, como França, Canadá, Inglaterra, Chile, Argentina e Estados Unidos, há uma faixa horária específica de proteção. Neste período, as emissoras devem se abster de veicular, por exemplo, conteúdos violentos ou com cenas que possam impactar fortemente meninos e meninas. Trata-se de uma regulação democrática dos meios que, sem cercear a liberdade de expressão, garante seu equilíbrio com a proteção de outros direitos fundamentais – no caso, os das crianças e adolescentes.

Em 2006, espelhado em democracias como estas, o Brasil também adotou uma política de classificação indicativa. A classificação desses programas é feita pelas próprias emissoras, a partir de critérios claros e transparentes, que foram construídos após amplo debate nacional, do qual os canais de rádio e TV também participaram. O modelo adotado no Brasil parte do princípio que cabe às famílias, mas também à sociedade e ao Estado, garantir a proteção absoluta dos direitos das crianças e adolescentes ao bem-estar social e à sua saúde física e mental, como afirma a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A própria ONU e Comissão Interamericana de Direitos Humanos entendem que mecanismos como este são fundamentais para a proteção da infância. Vale lembrar que somos um dos países em que a população passa mais tempo por dia em frente à TV – na maior parte do tempo, as crianças estão sozinhas.

Por que então mudar o que está dando certo, em nome dos interesses comerciais das emissoras, se o fim da classificação trará inúmeros prejuízos para nossas crianças e adolescentes?

Confira neste link a íntegra da nota pública lançada pelas entidades e que será enviada aos ministros/as do Supremo Tribunal Federal na próxima semana.

* Bia Barbosa é jornalista, especialista em Direitos Humanos (USP), mestre em Políticas Públicas (FGV-SP) e integrante da coordenação do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Ação Civil Pública questiona arrendamentos ilegais no rádio e na TV

Por Pedro Ekman*

A história é muito simples: uma empresa participa de uma licitação pública para explorar comercialmente um canal de TV (ou de rádio) e oferecer programação de conteúdos para a população. Para isso, existem pelo menos duas regras para se explorar comercialmente esse espaço público na TV e no rádio.

A primeira regra diz que a empresa vencedora da licitação tem que se responsabilizar pela programação de conteúdo, prestando o serviço diretamente, sem terceirizar a função principal do contrato. A segunda determina que a empresa vencedora da licitação pode vender no máximo 25% da sua programação a terceiros para obter retorno financeiro durante a vigência do mesmo contrato.

No entanto, não é exatamente isso que acontece no Brasil. Apesar do regramento, a empresa que ganha a licitação muitas vezes vende o canal para uma igreja que não participou da concorrência. Você pode até se perguntar: e o Governo não fiscaliza?  Deveria! Mas, segundo o ministro Paulo Bernardo, titular da pasta das Comunicações, o debate “é delicado”. “Envolve uma série de interesses das televisões em ter receita, das igrejas em fazer a sua pregação, de conquistar o seu público”, disse em recente entrevista ao grupo Folha.

Para Bernardo, do ponto de vista formal, não existe legislação sobre isso. “Tem um pessoal do Ministério Público Federal lá em São Paulo que está dizendo o seguinte, que vai processar o Ministério das Comunicações por omissão. Omissão em que? Você não faz uma lei, não tem uma legalidade instituindo se isso é correto ou incorreto e eu sou omisso em que? Por que se tiver proibição, então omisso está sendo o Ministério Público que deveria tomar uma providência e entrar com ação contra. Por que não entrou? Porque não tem base legal para isso. Então é o seguinte, eu não quero entrar nesse debate”, complementou.

Certamente o ministro Bernardo conhece o art. 124 Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62) e o art. 28, §12, “d”, do Decreto Presidencial nº 52.795/63. A legislação determina que o tempo destinado à publicidade comercial não poderá exceder 25% da programação. O ministro também sabe que nenhuma transferência, direta ou indireta, de concessão pode ser feita sem a sua assinatura pessoal, pois é isso que está definido nos artigos 90 e 94 do mesmo decreto.

Parece óbvia a omissão do Ministério das Comunicações, responsável por estes regramentos.  A existência de leis e regulamentos sobre o assunto contradizem as justificativas dadas pelo ministro Paulo Bernardo. Em virtude disto, o Ministério Público Federal de São Paulo entrou com três ações contra arrendamentos ilegais. Foram acionados na Justiça o grupo de TV CNT e o Canal 21 do grupo Bandeirantes pelo arrendamento ilegal de 22 horas diárias das suas programações para a Igreja Universal do Reino de Deus.

A Rádio Vida FM também responderá na Justiça por arrendar toda a sua programação para a Comunidade Cristã Paz e Vida. Nos três processos, o Governo Federal responde por se omitir a cumprir suas obrigações.

As ações pedem que os serviços de radiodifusão dos três canais sejam suspensos imediatamente.  Solicitam, ainda, o impedimento temporário das empresas e instituições religiosas citadas e de seus representantes legais de participar em concorrências públicas, além do congelamento dos de seus bens. Também deve ser paga à União uma série de indenizações por dano moral difuso. A Igreja Universal e CNT devem pagar aos cofres públicos R$ 280 milhões; o grupo Bandeirante e a Igreja Universal, outros R$ 420 milhões; e a Rádio Vida FM e Comunidade Cristã Paz e Vida, mais R$ 20,8 milhões.

É importante frisar a atuação do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac), grupo ligado ao Ministério Público Federal de São Paulo, cujo trabalho resultou nas ações civis públicas aqui citadas. O Findac conta com a participação de organizações da sociedade civil como o Intervozes, Artigo 19 e Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

A presidenta Dilma Rousseff ventilou a possibilidade de debater uma agenda de regulação econômica para o mercado de comunicação brasileiro, o que faria avançar de forma significativa o processo de democratização da comunicação no país.  Essa sinalização é importante, mas é preciso que as fiscalizações básicas sejam cumpridas pelo Ministério das Comunicações. Para isto, não precisa mais que o simples respeito ao interesse público.

*Pedro Ekman é integrante da coordenação do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Comunicação também é direito humano fundamental

Por Helena Martins*

O Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado nesta quarta-feira, também é um dia de luta por mudanças no sistema de comunicação do país. Isso porque, mais que um serviço ou técnica, compreendemos que a comunicação é um direito humano fundamental. Nesse sentido, para celebrar este 10 de dezembro e trazer à tona essa discussão, nosso blog publicará, nas próximas semanas, artigos que tratam desse direito e da sua relação com os demais. Afinal, compreendemos que a ausência do reconhecimento do direito à comunicação se constitui num dos maiores obstáculos para sua efetivação hoje em nosso país.

Neste primeiro artigo, buscamos traduzir o que significa direito à comunicação. O conceito foi sendo construído, ao longo do século XX, devido ao fato de termos passado a viver em um mundo com um fluxo de informação cada vez maior. Acontecimentos como as guerras mundiais e escândalos políticos envolvendo a mídia deixaram claro que a comunicação se tornou elemento central para a constituição de uma sociedade democrática.

Isso levou organizações internacionais como a Unesco e mesmo nações como a Bolívia a reconhecerem oficialmente esse direito. Mesmo o Brasil já possui uma lei que se refere à comunicação como direito: o Estatuto da Juventude, em seu artigo 26, estabelece que “o jovem tem direito à comunicação e à livre expressão, à produção de conteúdo, individual e colaborativo e ao acesso às tecnologias de informação e comunicação”.

Na prática, o direito humano à comunicação significa que todas as pessoas devem poder e ter condições para se expressar livremente, ser produtoras de informação, fazer circular essas manifestações, sejam elas opiniões ou produções culturais. Portanto, não basta ter liberdade de expressão ou acesso a uma vasta gama de fontes de informações. É preciso que Estado e sociedade adotem medidas para garantir que todos e todas possam exercer esse direito plenamente.

Neste sentido, é necessário atuar contra as diferenças econômicas, sociais e políticas que fazem tão poucos terem condições de serem produtores/as e difusores/as. Significa impedir, como prevê a Constituição, qualquer forma de concentração dos meios de comunicação. Significa promover a diversidade cultural, apoiando a produção e a veiculação de conteúdo regional, combatendo os preconceitos e distorções na forma como a mulher, o/a negro/a, o/a homossexual, os/as povos tradicionais e tantos outros e outras são retratados pela mídia.

Significa defender a exigibilidade dos direitos como forma de prevenir ou reparar violações. Por isso, defendemos que as rádios comunitárias sejam estimuladas e não combatidas. Lutamos contra a repressão e o cerceamento da liberdade de expressão de ativistas e movimentos sociais. Repudiamos a violência e a lógica calar jornalistas e comunicadores/as populares, seja por meio de bala de borracha ou decisões judiciais. Afinal, não é aceitável que se trate como crime o exercício de um direito.

Em um ciclo positivo, os meios de comunicação podem ser ferramentas para a garantia de diversos direitos, como o direito à educação, saúde, cultura, lazer, participação política, território, vida. Assim a comunicação, além de efetiva, intensa e diversa, poderá ser também libertadora.

* Helena Martins é jornalista, doutoranda em Políticas de Comunicação na UnB e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

O racismo se mantém no espaço midiático

Por Cecília Bizerra*

Mais um 20 de novembro e seguimos em resistência, seguimos em urgente e necessária luta. Porque os estigmas, estereótipos e representações sobre o feminino negro nos mais diversos espaços, sobretudo na mídia, se repetem, se atualizam e se recriam. Não só em termos de conteúdo, mas também de apresentação e articulação, encontrando ressonância, inclusive, entre os nossos parceiros de militância, como aconteceu recentemente com o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ).

O deputado Jean recebeu críticas de quem luta contra a estereotipação do corpo da mulher negra. O parlamentar concordou com a representação cultural que continua a colocar os corpos femininos negros num lugar de hiperssexualização e subalternidade. Ignorou as denúncias de diversas organizações de mulheres negras em relação ao programa “Sexo e as Negas”, ao defender a produção que contribui para reforçar os estereótipos e lugares de subalternidade que nos inferiorizam e nos afastam do que é intelectual e pensante.

Justamente por considerar o deputado Jean um parceiro, pois é um dos poucos que enfrenta o conservadorismo no Congresso Nacional, que é preciso cobrar a coerência e imediata retratação. De forma solidária, mas também incisiva, porque a população negra, as mulheres negras já foram silenciadas e violentadas demais. Queremos inclusão e visibilidade, mas não de forma subalterna ou estereotipada. Não mais, nunca mais. É preciso o respeito ao fato de que o protagonismo na luta e o poder de determinar o que nos agride ou não serão sempre nossos, do povo negro.

A hipersexualização das mulheres negras na mídia brasileira nos leva à discussão sobre a sub-representação, a invisibilidade e a representação distorcida da população negra em geral na mídia, que, por sua vez, nos leva a uma discussão também muito urgente: a revisão do marco regulatório das comunicações, a partir da ausência de pluralidade e diversidade na mídia, que esvazia a dimensão pública dos meios de comunicação.

Um novo marco regulatório que garanta o direito à comunicação a todos e todas, ampliando a liberdade de expressão, a diversidade e pluralidade na televisão na mídia, é urgente para que esse setor se torne um ambiente realmente democrático. Como propõe o Projeto de Lei Iniciativa Popular da Mídia Democrática (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação-FNDC, 2012), esta nova legislação deve “promover a pluralidade de ideias e opiniões; fomentar a cultura nacional, a diversidade regional, étnico-racial, de gênero, classe social, etária e de orientação sexual; garantir os direitos dos usuários”, entre outros princípios.

Nesse contexto de baixa representação e estigmatização da população negra brasileira, uma certeza permanece: o racismo se mantém no espaço midiático, atualizando-se, reinventando-se, e reaparecendo sob os mais diversos modos, estilos, contextos e títulos. Hoje, “O Sexo e as Nega”. Amanhã, o que será? Não sabemos. Sabemos apenas que não vamos mais permitir que nos calem ou nos violentem. Nunca mais. Seguimos em resistência e, se for preciso, lutaremos por vários anos, por mais alguns novembros.

Palmares vive. Não nos calaremos.

*Cecília Bizerra é jornalista, militante da Irmandade Pretas Candangas e integrante do Coletivo Intervozes. Com colaboração de Daniela Luciana, jornalista e militante da Irmandade Pretas Candangas.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.