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Coronelismo eletrônico na radiodifusão educativa

Somente agora chegou ao conhecimento público, por intermédio de matéria da jornalista Elvira Lobato, na edição da Folha de S.Paulo de quinta-feira (7/6) ["Justiça veta concessão de TV educativa sem licitação", acesso restrito a assinantes do UOL e/ou da Folha], uma decisão de juiz da 2ª Vara Federal de Goiás, tomada em abril de 2006, que pode pôr fim a uma "brecha" legal que é uma das portas abertas para a continuidade do que tem sido chamado de "coronelismo eletrônico". Na decisão, provocada por ação do Ministério Público Federal iniciada em 2003, e ampliada em 2005, o juiz considerou inconstitucional o decreto-lei 236, de 1967, que serve de base à não-exigência de licitação pública para as concessões de televisão educativa.

Na verdade, o decreto-lei 236/67 exclui as TVs educativas de exigência estabelecida pelo Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962. Diz o parágrafo 2º do Artigo 14 do decreto-lei: 

"A outorga de canais para a televisão educativa não dependerá da publicação do edital previsto do artigo 34 do Código Brasileiro de Telecomunicações."  

O Artigo 34 do CBT, por sua vez, diz que: 

"As novas concessões ou autorizações para o serviço de radiodifusão serão precedidas de edital, publicado com 60 (sessenta) dias de antecedência (…)." 

Essa norma, por incrível que pareça, conseguiu "sobreviver" à Constituição de 1988, cujo artigo 175 exige licitação para a concessão de serviços públicos:  

"Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos." 

Nova alteração 

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o decreto 1.720, de 28/11/1995, estendeu à radiodifusão as exigências de licitação regulamentadas pela lei 8.666/1993, alterando o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (decreto 52.795 de 31/10/1963). A partir de então, as outorgas de radiodifusão comercial só poderiam ser feitas por meio de licitação.  

Passou despercebida, todavia, a redação do Parágrafo 2º do inciso XV do Artigo 13 do decreto 1720/1995, que dizia: 

"Não dependerá de edital a outorga para execução de serviço de radiodifusão por pessoas jurídicas de direito público interno e por entidades da administração indireta instituídas pelos Governos Estaduais e Municipais, nem a outorga para a execução do serviço com fins exclusivamente educativos". 

As emissoras de rádio e televisão educativas ficavam, portanto, dispensadas das licitações e poderiam continuar autorizadas através de critérios estabelecidos diretamente pelo Ministério das Comunicações, embora continuassem tendo que ser submetidas ao Congresso Nacional conforme manda a Constituição de 1988.  

Estava discretamente "aberta a porta" para a continuidade do uso das concessões de rádio e televisão como moeda de barganha política – só que, agora, exclusivamente para as rádios e televisões educativas. 

Cerca de um ano depois, o decreto 2.108 de 24/12/1996 promove nova alteração que consagrada a "brecha". Está lá no Parágrafo 1º do inciso XV do Artigo 13: 

"É dispensável a licitação para a outorga para a execução de serviço de radiodifusão com fins exclusivamente educativos." 

Golpe importante 

Em agosto de 2002, uma seqüência de reportagens realizadas pela mesma repórter na Folha mostrava detalhadamente como o governo de Fernando Henrique Cardoso havia dado continuidade à pratica de distribuição de TVs educativas a políticos aliados. Na matéria inicial, sob o título "FHC distribuiu rádios e TVs educativas para políticos", publicada em 25/8/2002, está escrito: 

"Em sete anos e meio de governo, além das 539 emissoras comerciais vendidas por licitação, FHC autorizou 357 concessões educativas sem licitação. (…) A distribuição foi concentrada nos três anos em que o deputado federal Pimenta da Veiga (PSDB-MG), coordenador da campanha de José Serra, esteve à frente do Ministério das Comunicações. Ele ocupou o cargo de janeiro de 99 a abril de 2002, quando, segundo seus próprios cálculos, autorizou perto de cem TVs educativas. Pelo menos 23 foram para políticos. A maioria dos casos detectados pela Folha é em Minas Gerais, base eleitoral de Pimenta da Veiga, mas há em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Roraima e Mato Grosso do Sul." 

Da mesma forma, quatro anos depois, em junho de 2006, novamente Elvira Lobato publicou matéria na mesma Folha de S.Paulo, de 19/6/2006, sob o título "Governo Lula distribui TVs e rádios educativas a políticos", na qual se afirmava:  

"O governo Lula reproduziu uma prática dos que o antecederam e distribuiu pelo menos sete concessões de TV e 27 rádios educativas a fundações ligadas a políticos. (…) Entre políticos contemplados estão os senadores Magno Malta (PL-ES) e Leonel Pavan (PSDB-SC). A lista inclui ainda os deputados federais João Caldas (PL-AL), Wladimir Costa (PMDB-PA) e Silas Câmara (PTB-AM), além de deputados estaduais, ex-deputados, prefeitos e ex-prefeitos. Em três anos e meio de governo, Lula aprovou 110 emissoras educativas, sendo 29 televisões e 81 rádios. Levando em conta somente as concessões a políticos, significa que ao menos uma em cada três rádios foi parar, diretamente ou indiretamente, nas mãos deles." 

A decisão do juiz goiano, até agora desconhecida inclusive pelas dezenas de concessionárias de radiodifusão educativa diretamente atingidas, poderá colocar um fim nessa "brecha" – que, aliás, não é a única.  

A prática sofrerá, sem dúvida, um importante golpe. Existem, no entanto, outras "brechas" e, através delas, o "coronelismo eletrônico" continua se perpetuando travestido em diferentes disfarces.

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A demonização das rádios comunitárias

Nas últimas semanas, houve um endurecimento da repressão às rádios comunitárias nas principais regiões metropolitanas do país. A senha para a nova ofensiva foi dada no 24º Congresso da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que reúne os “donos de mídia”, no final de maio. Na ocasião, Hélio Costa, ministro das Comunicações e homem de confiança da Rede Globo, anunciou o reforço das medidas de criminalização. Entre outras iniciativas, informou que solicitou ao Ministério Público o uso de “interdito proibitório” para punir as rádios, que intensificará as campanhas publicitárias para estigmatizar o setor e incentivar a delação e que o “seu” ministério exigirá total rigor na aplicação das penas de prisão. 

“A partir de hoje estamos pedido à Justiça que penalize esta falta de respeito. A pena para quem infringe a lei é de até dois anos de cadeia”, esbravejou o rejeitado ministro do governo Lula no evento da Abert para o deleite da platéia de empresários. Ele também convocou as emissoras privadas, maiores interessadas na perseguição às rádios comunitárias, para que “ajudem na conscientização da sociedade”, criando o clima de deduragem nas periferias da cidade. “Fazemos um apelo para todos que possam nos ajudar. Isto porque nós temos que ter o mínimo de informação para identificar o local da rádio pirata e efetuar as prisões”.   

“Pura tensão” nas periferias 

Até a Folha de S.Paulo, com seu linguajar preconceituoso, constatou o avanço da repressão. “Os últimos dias foram de pura tensão para os donos das rádios clandestinas, livres, ilegais ou piratas, como costumam ser chamadas”. O repórter João Wainer percorreu alguns bairros da periferia de São Paulo e sentiu o clima de perseguição. Daniel, nome fictício de um dos entrevistados, protestou: “Faz 12 anos que minha rádio presta serviços à comunidade e agora eu tenho que ouvir um engravatado lá de Brasília vir dizer que eu sou criminoso”. A rádio de Daniel nasceu do movimento popular por moradia e hoje atua totalmente na clandestinidade, temendo a destruição dos equipamentos e a prisão de seus colaboradores voluntários. 

Outro entrevistado, de codinome José, lembra que “todo o boteco da região sintonizava a nossa rádio. De dois anos para cá, a polícia intensificou a repressão e minha vida virou um inferno”. Já Donato teve a sua rádio fechada por policiais em junho de 2006. “Eles arrombaram a porta e fecharam tudo. Cheguei aqui e o transmissor tinha sido levado. Desde então, nunca mais pude transmitir”. Outro entrevistado, batizado de Humberto, afirma que não desistirá de seu projeto. “Sou um revolucionário e uso a rádio para passar a minha mensagem… As rádios oficiais pagam propina para que a polícia feche as piratas no bairro. Somos melhores que eles, estamos ganhando ouvintes e isso incomoda”.   

Aeroportos e desculpa esfarrapada 

O pretexto usado agora para o aumento da repressão é que as rádios comunitárias estariam interferindo na comunicação aérea, causando atrasos e transtornos nos aeroportos. A desculpa é das mais esfarrapadas e deveria corar de vergonha o ministro Hélio Costa. Segundo vários especialistas, a potência destas rádios é baixa, sendo facilmente redirecionada pelas torres de comando das aeronaves. Na verdade, as emissoras privadas é que tem poder para interferir nas comunicações aeronáuticas. O relatório do Grupo de Trabalho Interministerial do governo federal registrou, entre maio e outubro de 2003, várias interferências causadas no aeroporto Santos Dummont, no Rio de Janeiro, por rádios comerciais, entre elas a Rádio Globo.  

Segundo um fiscal da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que preferiu não se identificar numa entrevista ao Observatório da Imprensa, “todo dia recebemos denúncias de interferência de rádios outorgadas [as “legais”] na aviação. Em menos de uma hora comunicamos para que resolvam. Agora, se é uma rádio pirata, clandestina, nós não sabemos o telefone, o endereço. Tem que chamar a polícia e ela já vai armada, é crime”. Até o presidente da empresa Gol, Constantino Oliveira Junior, disse aos deputados e senadores da CPI do Apagão Aéreo que “a interferência de rádios ilegais na comunicação do piloto com a torre não põe em risco o vôo, já que o piloto troca de freqüência ou faze ponte com outras aeronaves”. 

Segundo Marcus Manhães, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações, a tentativa de culpar as comunitárias pelos atrasos e acidentes na aviação é preconceituosa e não tem fundamento, já que qualquer transmissão pode ser interferente, seja de rádio comercial, comunitária ou ilegal. “Utilizando a comoção dos acidentes aéreos fica fácil atribuir responsabilidade para quem é mais fraco”. Ele garante que uma rádio comunitária, com apenas 25 watts de potência e uma distância mínima de um quilômetro e meio dos aeroportos, conforme o autorizado pela legislação, não tem como interferir na freqüência usada pela aviação. “As comunitárias têm o menor potencial de ser interferente. Já as rádios comerciais, por trabalharem com potências muito superiores, são as potencialmente interferentes”, afirma o especialista. 

Os “interesses” de Hélio Costa

Comprovada a total “ignorância” do ministro das Comunicações, o que está por trás da sua fúria contra as rádios comunitárias? Na prática, o “homem da TV Globo” sempre defendeu os interesses das corporações da mídia – e até advogou em causa própria, já que é dono de rádios em Minas Gerais. Na sua triste gestão, emissoras de comunidades e movimentos sociais comeram o pão que o diabo amassou e não tiveram paz. Modestas salas de rádios comunitárias foram invadidas, transmissores foram apreendidos ou destruídos e comunicadores populares foram presos e hoje vivem na “clandestinidade”. Hélio Costa é culpado por um dos recordes negativos do governo Lula na comparação com FHC: o da repressão de rádios comunitárias.

Somente no ano passado foram fechadas 1.602 rádios comunitárias no Brasil. Segundo levantamento da Folha, nos primeiros cinco meses deste ano a Anatel fechou mais de 600 rádios – 90 delas em São Paulo. Como afirma Venício de Lima, autor do indispensável livro “Mídia: crise política e poder no Brasil”, esta postura é inadmissível num governo oriundo das lutas sociais e que é vítima da manipulação da ditadura midiática. “A eventual interrupção [nas conversas entre o piloto e as torres de comando dos aeroportos] provocada por uma ou duas rádios não justifica o aumento da repressão às demais rádios comunitárias. Se existem rádios ilegais, o ministério deveria apressar o processo de legalização, e não reprimir”. 

O padrão estadunidense restritivo 

Além da criminalização das rádios comunitárias, o ministro Hélio Costa já prepara outro golpe contra essa forma de democratização da mídia. No processo de digitalização das comunicações no país, prevista para começar em dezembro, o governo estuda a adoção do padrão estadunidense de rádio digital – In Band On Channel (Iboc). O sistema é altamente restritivo, com custos elevados e cobrança de royalties pela firma Ibiquity, dos EUA. Como explica Jonas Valente, do Coletivo Intervozes, o país até poderia adotar outros modelos, como o europeu e o japonês, ou investir em tecnologia nacional. Mas as rádios privadas, como a Globo, forçam a barra para impor o modelo ianque – e contam com a mãozinha do ministro Hélio Costa. 

Em São Paulo, as radiodifusoras já compraram mais de cem aparelhos no sistema norte-americano. Elas querem ganhar pela imposição”, alerta Jonas Valente. A própria Anatel já confessou que a introdução do padrão estadunidense levará a falência centenas de pequenas rádios comerciais, para não falar das rádios comunitárias. Só o transmissor do sistema Iboc custará cerca de R$ 30 mil; já o pagamento da licença, do royaltie, custará mais de US$ 5 mil. “Esse custo inviabiliza o sistema. As rádios comunitárias, educativas e culturais ficarão fora desse processo de transmissão digital”, denuncia Orlando Guilhon, presidente da Associação das Rádios Públicas Brasileiras e diretor da Rádio MEC.  

* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

Active Image reprodução autorizada. 

A dura verdade sobre o nosso rádio digital

Publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo. 

O rádio faz parte de minha vida. Ouço rádio todos os dias, mesmo depois da chegada da TV, do computador e da internet. Para 95% da população brasileira, rádio é informação, entretenimento, serviço e cultura.

Do ponto de vista tecnológico, contudo, o rádio vive um processo de obsolescência, em especial em ondas médias (OM) e amplitude modulada (AM) e passa por um momento de transição entre os velhos padrões analógicos e as novas promessas da digitalização. Apenas em freqüência modulada (FM) o rádio tem boa qualidade.

Por que digitalizar o rádio? Por muitas razões, mas, principalmente, porque esse avanço tecnológico melhora a qualidade das recepções, possibilita a convergência com outros meios e tecnologias, abre perspectivas de interatividade, de maior estabilidade nas transmissões, de economia de espectro de freqüências e de incontáveis aplicações.

O DESAFIO

Concretizar esse projeto, no entanto, tem sido um dos maiores desafios para todos os países que se decidiram a digitalizar sua radiodifusão sonora. O Brasil está, em princípio, aberto aos testes com todos os padrões disponíveis no mundo.

Na prática, contudo, apenas o Iboc (In Band on Channel), criado pela empresa norte-americana Ibiquity, está sendo testado por uma dúzia de emissoras em todo o País, tanto em AM como em FM. O DRM (Digital Radio Mondiale), em desenvolvimento por um consórcio europeu, deverá ser o próximo, seguido do padrão japonês, compatível com o sistema de TV Digital adotado pelo País.

A proposta do Iboc é vantajosa, pois, evita a duplicação de faixas de freqüências e permite que os receptores de rádio analógicos sobrevivam por mais 10 ou 15 anos. Mas, depois de quase dois anos, os resultados dos testes do Iboc no Brasil ainda estão longe de ser satisfatórios.

Dou aqui meu depoimento pessoal, pois utilizo dois receptores de rádio digital, um em meu carro e outro no de minha mulher, para avaliação das emissoras de AM e FM. Além disso, tenho ouvido muitos especialistas sobre o tema. Todos reconhecem os problemas. Nas emissoras, contudo, raros são os que se dispõem a falar dos testes.

OS TESTES

Comecemos pelo pior caso, que é o das transmissões em AM. Na expressão de um técnico, “a qualidade do rádio digital é ótima, desde que funcione.” Na verdade, ele funciona de modo razoável apenas durante algumas horas por dia, vencendo com dificuldade os problemas de poluição radioelétrica que dominam a Grande São Paulo. São motores elétricos, seis milhões de veículos, indústrias, sete milhões de celulares, emissoras de alta potência e 15 mil rádios piratas. Tudo isso torna a Capital e os 37 municípios vizinhos um verdadeiro inferno para a propagação de sinais analógicos ou digitais.

À noite, a situação se torna ainda mais problemática, porque aumenta a reflexão das ondas na ionosfera, mudando sensivelmente o comportamento dos sinais em AM, gerando interferências em rádios distantes. Para as emissoras analógicas, a solução nas últimas décadas era reduzir a potência do sinal à metade. Mas nos testes do Iboc, com sinal analógico e digital, surgem novos problemas e a qualidade se torna inaceitável.

Nas transmissões em FM, enfrento outro problema desconfortável: a alternância de sintonia entre os sinais digital e analógico, tendo que ouvir a transmissão digital com atraso (delay) de 8 segundos, o que causa a repetição e o corte de trechos da informação, seja música ou notícia, em pontos de sombra da Grande São Paulo. Resta-me desligar o sintonizador digital e só ouvir a transmissão analógica.

QUE FAZER?

Nos Estados Unidos, o processo de digitalização tem sido lento. De um total de 15 mil emissoras, pouco mais de mil estão transmitindo efetivamente com a tecnologia Iboc. Muitas das rádios AM desligam o sistema digital à noite.

Do lado das emissoras brasileiras, caso seja adotado o sistema Iboc – como querem lobistas em Brasília – é essencial que a tecnologia esteja exaustivamente testada e plenamente amadurecida. Isso talvez possa ocorrer daqui a um ou dois anos.

Resta ainda o desafio econômico para as emissoras. Como mais de 80% das 5 mil rádios brasileiras são relativamente pobres ou deficitárias, poucas terão como investir de US$ 50 mil a 200 mil (R$ 100 mil a 400 mil), em novos equipamentos.

Mais difícil ainda é o lado dos ouvintes. Até aqui, a indústria brasileira não tem plano definido para a fabricação de receptores digitais. Não será fácil convencer a maioria dos ouvintes a pagar o equivalente a US$ 100 ou 200 (R$ 200 a 400) por um novo receptor – faixa de preço desses aparelhos nos Estados Unidos, onde já existe razoável escala, em especial para rádios de automóveis.

Entidades independentes cobram uma posição mais clara e objetiva do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sobre o problema.

Propaganda televisiva de cerveja gaúcha discrimina mulheres paulistas e às compara ao produto

A Cervejaria Polar, uma das líderes do mercado de cervejas no Rio Grande do Sul, têm veiculado nas TVs locais propaganda com conteúdo discriminatório contra mulheres paulistas. A denúncia, enviada pela jornalista Maria [nome fictício], paulista residente em Porto Alegre, descreve que os anúncios colocam as paulistas em situação constrangedora ao serem preteridas por gaúchos que não gostam de São Paulo. Além da discriminação, a propaganda, numa atitude evidentemente machista, compara as mulheres ao produto, em alusão às cervejas fabricadas em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Confira trecho da denúncia enviada por Maria:

“A cerveja Polar veicula um anúncio na TV sobre o produto, que é gaúcho, no qual apresenta duas moças paulistas que vem a se casar com gaúchos. Mas eles não gostam de São Paulo e por fim separam-se delas. Em seguida, ao conhecer outras gurias num bar, já vão perguntando se elas são daqui [do Rio Grande do Sul]”.

A denúncia foi enviada no início de junho de 2007.

Venezuela: por que tanta raiva, tanta fúria e inverdades?

Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique; tradução de Pablo Simpson.
 
O caso só poderia ter alcance planetário uma vez que deu lugar, nos últimos dias, a declarações quase simultâneas do Senado norte-americano, do Parlamento Europeu e da presidência alemã da União Européia, sem falar dos artigos intermináveis e dos editoriais da maior parte dos canais de informação ocidentais. De que se trata? Do Irã, do aquecimento global, da Palestina, do Darfur? Errado: o caso gravíssimo em questão é a não-renovação, pelo governo venezuelano, da concessão de 20 anos, que se esgotou no dia 27 de maio, de um canal de televisão privado: a Radio Caracas Televisão (RCTV), para instalar em sua freqüência hertz um canal de serviço público. Isso quer dizer: exercer o direito soberano de cada Estado de dispor dos bens públicos raros que são as freqüências hertz. 

Atentado aos direitos humanos, à liberdade de expressão, censura, deriva autoritária, totalitária – até fascista – toda a panóplia do vocabulário em uso há vários anos contra o governo de Hugo Chávez foi utilizada novamente, de forma maciça, nessas circunstâncias. 

Do lado político, fiquemos inicialmente com a resolução unânime, votada no dia 24 de maio pelo Senado norte-americano, em particular pelos aspirantes democratas à sucessão de George Bush, contra o "fechamento" da RCTV. Votada pelos mesmos que, renegando suas promessas eleitorais, vieram, de forma também unânime, conceder 100 milhões de dólares aos gastos militares da Casa Branca com o prosseguimento da ocupação do Iraque. Um belo exemplo de rigor democrático. 

Prêmio de desinformação 

Através do porta-voz de Angela Merkel, presidente em exercício do Conselho Europeu, a União Européia também foi longe em sua hipocrisia. Numa declaração de 28 de maio, ela "observou com inquietação a decisão do governo da República Bolivariana da Venezuela de deixar expirar a licença de emissão da Rádio Caracas Televisão (RCTV) no dia 27 de maio, sem abrir concorrência para a licença seguinte". Desconhecemos, em meio a tantos outros "esquecimentos", que a União Européia tenha feito semelhante declaração e exigido a abertura de concorrência quando a licença de transmissão da TF1, concedida em 1987 por 15 anos, foi reconduzida pelo governo francês em 2002 à mais total opacidade. No entanto, a "TV-lixo" dos senhores Bouygues, Le Lay e Mougeotte desdenhou os compromissos que havia assumido em sua proposta inicial, invocando sua "elite". Tudo indica que ela continuará impunemente a fazê-lo com seu novo patrão, Nonce Paolini, protegido de Laurent Solly, transferido de uma hora para outra do staff de Nicolas Sarkozy para a sua filial midiática. 

Com relação ao abundante noticiário dos canais de informação franceses, antes e depois da não-renovação da concessão da RCTV, o prêmio de desinformação é, incontestavelmente, dentre tantos artigos na mesma linha, do editorial de um jornal de referência, publicado nos dias 27-28 de maio e intitulado "Censura à Chavez". Vale a pena citá-lo e comentar alguns de seus trechos. 

Longe do monopólio 

Logo de cara, o tom é dado: "O presidente Hugo Chávez ordenou o desaparecimento da RCTV". Não, a RCTV não "desaparecerá": ela pode continuar a transmitir por cabo, pela internet e por satélite, e o fará sem dúvida alguma. Mas, como a lei prevê, sua freqüência hertz e seu alcance nacional retornarão ao serviço público quando expirar a concessão de que se beneficia. Ou será que essa concessão de duração limitada da RCTV era, de fato, de duração ilimitada? E isso, fechando os olhos às inúmeras infrações cometidas e que lhe valeram, por exemplo, o fechamento por um prazo de 24 horas a três dias, não pelo governo Chávez, mas em 1976, 1980, 1981, 1989 e 1991 – pelos predecessores social-democratas ou democrata-cristãos.  

Desde sua primeira eleição à Presidência da República, em 1998, Chávez não fechou qualquer estação de rádio ou de televisão, nem perseguiu jornalistas. Entretanto, isso é o que teria acontecido não importa em que outro país democrático, diante do apoio apresentado abertamente pela maioria dos canais de informação – dentre eles, a RCTV – ao golpe de Estado abortado no dia 11 de abril de 2002, senão de sua organização. 

O editorial segue denunciando uma decisão política "que reduz o pluralismo e aumenta a concentração audiovisual nas mãos do governo". Que concentração é essa? Em 2006, havia na Venezuela 20 canais hertz VHF privados e um público. Contavam-se, aliás, 28 canais hertz UHF privados, 6 públicos e 44 comunitários. Atualmente, com a incorporação da RCTV, o serviço público terá dois canais hertz VHF, dois canais UHF e dois canais a cabo. Estamos muito longe do monopólio… 

De 10 jornais, 9 são de oposição 

Sem qualquer sinal de humor, o editorial qualifica, em seguida, a RCTV de "canal privado que dava voz à oposição". A RCTV dava, de fato, voz à oposição, e não fazia senão isso! Estudos de conteúdo realizados no mês de janeiro de 2007 mostram que, em seus programas, convidaram-se 21 personalidades hostis ao governo e nenhuma favorável. No mesmo mês, um dos quatro canais privados, Globovisión, convidou 59 opositores de Chavez e 7 partidários. Só a Televen respeitou a paridade: dois de cada lado. 

É verdade que podemos lamentar que o único canal público em hertz até aqui controlado pelo governo, Venezolana de Televisión (ex-Canal 8) não seja um modelo de equilíbrio. Mas como poderia ser diferente numa paisagem em que a maioria dos jornais, rádios e canais de televisão se comporta como partidos políticos de oposição? É preciso esperar que a TVES, o canal que retomará o sinal de RCTV, mantenha suas promessas de pluralismo, mesmo nessas circunstâncias adversas. 

Do lado da imprensa escrita, a situação é ainda mais apartada: em 10 jornais de difusão nacional, nove são de oposição declarada ao governo. Se observarmos o conteúdo dos artigos de opinião publicados em quatro deles, em janeiro de 2007, veremos os seguintes resultados: para El Nacional, 112 hostis, 87 neutros e 6 favoráveis; para El Universal, os dados correspondem a 214, 89, 9; para Ultimas Noticias, 31, 59 e 18; para El Mundo, 49, 39 e 15, o que não os impede de receber a publicidade das empresas, agências e serviços públicos. 

Comportamento da imprensa 

Pretender que a liberdade de expressão esteja ameaçada na Venezuela é sinal, portanto, da mais clara má-fé. Basta parar numa banca de jornais ou passar uma hora diante de um aparelho de televisão para sermos convencidos do contrário. É, sem dúvida, o único país do mundo onde, no passado, os pedidos públicos de assassinato do presidente não resultaram em processos judiciais. 

Mas então, como diria Sarkozy, por que tanta raiva, tanta fúria e inverdades? Que Chávez irrite ao mais alto grau os Estados Unidos e seus aliados, por sua política de recuperação das riquezas naturais nacionais e denúncia das políticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, pode-se perfeitamente compreender. Que canais de informação pertencentes a grandes grupos industriais e financeiros repercutam as orientações e interesses de seus donos, é de se esperar. Em contrapartida, ficamos perplexos diante do comportamento dos órgãos de imprensa, nos quais o poder editorial está oficialmente separado do poder dos acionistas…

 Active Image publicação autorizada, desde que citada a fonte original.