A dura verdade sobre o nosso rádio digital

Publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo. 

O rádio faz parte de minha vida. Ouço rádio todos os dias, mesmo depois da chegada da TV, do computador e da internet. Para 95% da população brasileira, rádio é informação, entretenimento, serviço e cultura.

Do ponto de vista tecnológico, contudo, o rádio vive um processo de obsolescência, em especial em ondas médias (OM) e amplitude modulada (AM) e passa por um momento de transição entre os velhos padrões analógicos e as novas promessas da digitalização. Apenas em freqüência modulada (FM) o rádio tem boa qualidade.

Por que digitalizar o rádio? Por muitas razões, mas, principalmente, porque esse avanço tecnológico melhora a qualidade das recepções, possibilita a convergência com outros meios e tecnologias, abre perspectivas de interatividade, de maior estabilidade nas transmissões, de economia de espectro de freqüências e de incontáveis aplicações.

O DESAFIO

Concretizar esse projeto, no entanto, tem sido um dos maiores desafios para todos os países que se decidiram a digitalizar sua radiodifusão sonora. O Brasil está, em princípio, aberto aos testes com todos os padrões disponíveis no mundo.

Na prática, contudo, apenas o Iboc (In Band on Channel), criado pela empresa norte-americana Ibiquity, está sendo testado por uma dúzia de emissoras em todo o País, tanto em AM como em FM. O DRM (Digital Radio Mondiale), em desenvolvimento por um consórcio europeu, deverá ser o próximo, seguido do padrão japonês, compatível com o sistema de TV Digital adotado pelo País.

A proposta do Iboc é vantajosa, pois, evita a duplicação de faixas de freqüências e permite que os receptores de rádio analógicos sobrevivam por mais 10 ou 15 anos. Mas, depois de quase dois anos, os resultados dos testes do Iboc no Brasil ainda estão longe de ser satisfatórios.

Dou aqui meu depoimento pessoal, pois utilizo dois receptores de rádio digital, um em meu carro e outro no de minha mulher, para avaliação das emissoras de AM e FM. Além disso, tenho ouvido muitos especialistas sobre o tema. Todos reconhecem os problemas. Nas emissoras, contudo, raros são os que se dispõem a falar dos testes.

OS TESTES

Comecemos pelo pior caso, que é o das transmissões em AM. Na expressão de um técnico, “a qualidade do rádio digital é ótima, desde que funcione.” Na verdade, ele funciona de modo razoável apenas durante algumas horas por dia, vencendo com dificuldade os problemas de poluição radioelétrica que dominam a Grande São Paulo. São motores elétricos, seis milhões de veículos, indústrias, sete milhões de celulares, emissoras de alta potência e 15 mil rádios piratas. Tudo isso torna a Capital e os 37 municípios vizinhos um verdadeiro inferno para a propagação de sinais analógicos ou digitais.

À noite, a situação se torna ainda mais problemática, porque aumenta a reflexão das ondas na ionosfera, mudando sensivelmente o comportamento dos sinais em AM, gerando interferências em rádios distantes. Para as emissoras analógicas, a solução nas últimas décadas era reduzir a potência do sinal à metade. Mas nos testes do Iboc, com sinal analógico e digital, surgem novos problemas e a qualidade se torna inaceitável.

Nas transmissões em FM, enfrento outro problema desconfortável: a alternância de sintonia entre os sinais digital e analógico, tendo que ouvir a transmissão digital com atraso (delay) de 8 segundos, o que causa a repetição e o corte de trechos da informação, seja música ou notícia, em pontos de sombra da Grande São Paulo. Resta-me desligar o sintonizador digital e só ouvir a transmissão analógica.

QUE FAZER?

Nos Estados Unidos, o processo de digitalização tem sido lento. De um total de 15 mil emissoras, pouco mais de mil estão transmitindo efetivamente com a tecnologia Iboc. Muitas das rádios AM desligam o sistema digital à noite.

Do lado das emissoras brasileiras, caso seja adotado o sistema Iboc – como querem lobistas em Brasília – é essencial que a tecnologia esteja exaustivamente testada e plenamente amadurecida. Isso talvez possa ocorrer daqui a um ou dois anos.

Resta ainda o desafio econômico para as emissoras. Como mais de 80% das 5 mil rádios brasileiras são relativamente pobres ou deficitárias, poucas terão como investir de US$ 50 mil a 200 mil (R$ 100 mil a 400 mil), em novos equipamentos.

Mais difícil ainda é o lado dos ouvintes. Até aqui, a indústria brasileira não tem plano definido para a fabricação de receptores digitais. Não será fácil convencer a maioria dos ouvintes a pagar o equivalente a US$ 100 ou 200 (R$ 200 a 400) por um novo receptor – faixa de preço desses aparelhos nos Estados Unidos, onde já existe razoável escala, em especial para rádios de automóveis.

Entidades independentes cobram uma posição mais clara e objetiva do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sobre o problema.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *