Coronelismo eletrônico na radiodifusão educativa

Somente agora chegou ao conhecimento público, por intermédio de matéria da jornalista Elvira Lobato, na edição da Folha de S.Paulo de quinta-feira (7/6) ["Justiça veta concessão de TV educativa sem licitação", acesso restrito a assinantes do UOL e/ou da Folha], uma decisão de juiz da 2ª Vara Federal de Goiás, tomada em abril de 2006, que pode pôr fim a uma "brecha" legal que é uma das portas abertas para a continuidade do que tem sido chamado de "coronelismo eletrônico". Na decisão, provocada por ação do Ministério Público Federal iniciada em 2003, e ampliada em 2005, o juiz considerou inconstitucional o decreto-lei 236, de 1967, que serve de base à não-exigência de licitação pública para as concessões de televisão educativa.

Na verdade, o decreto-lei 236/67 exclui as TVs educativas de exigência estabelecida pelo Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962. Diz o parágrafo 2º do Artigo 14 do decreto-lei: 

"A outorga de canais para a televisão educativa não dependerá da publicação do edital previsto do artigo 34 do Código Brasileiro de Telecomunicações."  

O Artigo 34 do CBT, por sua vez, diz que: 

"As novas concessões ou autorizações para o serviço de radiodifusão serão precedidas de edital, publicado com 60 (sessenta) dias de antecedência (…)." 

Essa norma, por incrível que pareça, conseguiu "sobreviver" à Constituição de 1988, cujo artigo 175 exige licitação para a concessão de serviços públicos:  

"Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos." 

Nova alteração 

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o decreto 1.720, de 28/11/1995, estendeu à radiodifusão as exigências de licitação regulamentadas pela lei 8.666/1993, alterando o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (decreto 52.795 de 31/10/1963). A partir de então, as outorgas de radiodifusão comercial só poderiam ser feitas por meio de licitação.  

Passou despercebida, todavia, a redação do Parágrafo 2º do inciso XV do Artigo 13 do decreto 1720/1995, que dizia: 

"Não dependerá de edital a outorga para execução de serviço de radiodifusão por pessoas jurídicas de direito público interno e por entidades da administração indireta instituídas pelos Governos Estaduais e Municipais, nem a outorga para a execução do serviço com fins exclusivamente educativos". 

As emissoras de rádio e televisão educativas ficavam, portanto, dispensadas das licitações e poderiam continuar autorizadas através de critérios estabelecidos diretamente pelo Ministério das Comunicações, embora continuassem tendo que ser submetidas ao Congresso Nacional conforme manda a Constituição de 1988.  

Estava discretamente "aberta a porta" para a continuidade do uso das concessões de rádio e televisão como moeda de barganha política – só que, agora, exclusivamente para as rádios e televisões educativas. 

Cerca de um ano depois, o decreto 2.108 de 24/12/1996 promove nova alteração que consagrada a "brecha". Está lá no Parágrafo 1º do inciso XV do Artigo 13: 

"É dispensável a licitação para a outorga para a execução de serviço de radiodifusão com fins exclusivamente educativos." 

Golpe importante 

Em agosto de 2002, uma seqüência de reportagens realizadas pela mesma repórter na Folha mostrava detalhadamente como o governo de Fernando Henrique Cardoso havia dado continuidade à pratica de distribuição de TVs educativas a políticos aliados. Na matéria inicial, sob o título "FHC distribuiu rádios e TVs educativas para políticos", publicada em 25/8/2002, está escrito: 

"Em sete anos e meio de governo, além das 539 emissoras comerciais vendidas por licitação, FHC autorizou 357 concessões educativas sem licitação. (…) A distribuição foi concentrada nos três anos em que o deputado federal Pimenta da Veiga (PSDB-MG), coordenador da campanha de José Serra, esteve à frente do Ministério das Comunicações. Ele ocupou o cargo de janeiro de 99 a abril de 2002, quando, segundo seus próprios cálculos, autorizou perto de cem TVs educativas. Pelo menos 23 foram para políticos. A maioria dos casos detectados pela Folha é em Minas Gerais, base eleitoral de Pimenta da Veiga, mas há em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Roraima e Mato Grosso do Sul." 

Da mesma forma, quatro anos depois, em junho de 2006, novamente Elvira Lobato publicou matéria na mesma Folha de S.Paulo, de 19/6/2006, sob o título "Governo Lula distribui TVs e rádios educativas a políticos", na qual se afirmava:  

"O governo Lula reproduziu uma prática dos que o antecederam e distribuiu pelo menos sete concessões de TV e 27 rádios educativas a fundações ligadas a políticos. (…) Entre políticos contemplados estão os senadores Magno Malta (PL-ES) e Leonel Pavan (PSDB-SC). A lista inclui ainda os deputados federais João Caldas (PL-AL), Wladimir Costa (PMDB-PA) e Silas Câmara (PTB-AM), além de deputados estaduais, ex-deputados, prefeitos e ex-prefeitos. Em três anos e meio de governo, Lula aprovou 110 emissoras educativas, sendo 29 televisões e 81 rádios. Levando em conta somente as concessões a políticos, significa que ao menos uma em cada três rádios foi parar, diretamente ou indiretamente, nas mãos deles." 

A decisão do juiz goiano, até agora desconhecida inclusive pelas dezenas de concessionárias de radiodifusão educativa diretamente atingidas, poderá colocar um fim nessa "brecha" – que, aliás, não é a única.  

A prática sofrerá, sem dúvida, um importante golpe. Existem, no entanto, outras "brechas" e, através delas, o "coronelismo eletrônico" continua se perpetuando travestido em diferentes disfarces.

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