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Classificação indicativa: um passo que precisa ser dado

Pode-se afirmar que o debate sobre políticas públicas de comunicação entre Ministérios e sociedade está ganhando cada vez mais espaço no Brasil neste ano. Ironicamente, com a exceção do Ministério das Comunicações. Só este mês, estão na agenda dos que lutam pelo direito humano à comunicação: o Encontro Nacional de Comunicação e a aprovação da nova política da Classificação Indicativa.

Com um prazo de até 27 de junho para a aprovação da Portaria 264/2007, que regulamenta a nova Classificação Indicativa no Brasil, o Ministério da Justiça (MJ) abre mais um debate nesta quarta-feira, dia 20, em Brasília. De um lado, estarão as empresas de comunicação que insistem em não querer nenhum tipo de regulação por parte da sociedade civil ou do Estado. Do outro, aqueles que acreditam na classificação indicativa como uma norma jurídica que poderá auxiliar na proteção dos direitos de crianças e adolescentes.  Através de um instrumento pedagógico que disponibiliza informações necessárias sobre o conteúdo das obras audiovisuais, espetáculos, diversões públicas, recomendando as faixas etárias adequadas. 

Nessa disputa, o que estará em questão são os artigos 15, 19, 20 e 21 da Portaria 264/2007. Eles – ainda – não entraram em vigor por serem considerados pontos polêmicos. Afinal de contas, definem a forma de veiculação da classificação indicativa (padrão dos símbolos e a necessidade de informar a faixa etária em trailers/chamadas) e o poder de reclassificação do Ministério da Justiça quando uma obra classificada pela própria emissora estiver inadequada. Ou seja, os radiodifusores querem tornar a classificação indicativa sem sentido de ser, vazia.

Vale recordar que esse debate não é novo. Desde 2003, o MJ vem buscando aprimorar “a classificação indicativa” no Brasil e chegou, no ano passado, a apresentar (junto com a sociedade) um Manual da Nova Classificação Indicativa www.mj.gov.br/classificacao. O Manual foi uma construção coletiva com a sociedade devido às inúmeras audiências públicas e consultas realizadas durante o processo de modificação. Foram ouvidos/as educadores/as, estudantes, psicólogos/as, comunicadores/as, etc. Outro espaço aberto para a sociedade é a criação do grupo permanente de colaboradores voluntários que serão convidados para sessões de análise e classificação de obras audiovisuais e deverão auxiliar na atividade de classificação indicativa.

A mudança de conceito e a forma de classificar afastam desse debate qualquer semelhança com a censura ou auto-regulamentação. As emissoras têm a liberdade de classificar suas obras de acordo com os critérios descritos no Manual da Nova Classificação Indicativa. Não há nenhuma proibição a opiniões ou conteúdos diversos. O que existem são critérios que recomendam horários para exibições de cenas de sexo e violência. Em seguida, cabe ao MJ e à sociedade fiscalizarem os conteúdos para ver se a “classificação” está de acordo com o Manual. Se não, instaura-se um procedimento administrativo para se rever a classificação. É importante destacar dois aspectos: 1) a classificação deve respeitar as diferenças de fusos horários e 2) a classificação não interfere ou classifica os telejornais, mas não impede que o Ministério da Justiça faça análise e produza uma opinião sobre o conteúdo a ser encaminhada para o Ministério Público.  Mais uma prova que a classificação não é censura e pode ainda contribuir para identificar as violações de direitos na mídia. 

Agora, cabe à sociedade pressionar para que seja aprovada a Classificação Indicativa sem alterações dos artigos citados. Além disso, denunciar qualquer violação ao Ministério da Justiça, ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e ao Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda. 

* Rosário de Pompéia – Jornalista do Centro de Cultura Luiz Freire,  do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e integra a Campanha Quem Financia Baixaria é Contra a Cidadania.

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Na América Latina, falta compromisso público às TVs

Razões para não renovar a concessão da RCTV o governo venezuelano tem de sobra. Basta ler os vários artigos publicados nesta Carta Maior. Há dados consistentes que, por si só, justificam o rompimento de qualquer contrato de prestação de serviço público. Para não ser redundante, não vou voltar aos fatos já descritos pelos demais articulistas. Cabe aqui uma análise do papel da televisão na Venezuela e, por extensão, em quase toda a América Latina. Trata-se de uma tentativa de entender as razões do alarde feito em torno da decisão soberana do governo presidido por Hugo Chávez.

Ao contrário do que ocorreu na Europa, a televisão latino-americana, de forma geral, nunca teve como referência emissoras públicas fortes. Estas, quando existiram, foram sempre complementares ao modelo comercial hegemônico. Para o público, o rádio e depois a televisão se confundem com empreendimentos comerciais operados por organizações privadas, destituídas de qualquer compromisso com a prestação de serviços públicos.

Tal situação impediu que se formasse na sociedade uma massa crítica capaz de impedir as empresas de radiodifusão de se utilizarem das concessões em benefício próprio. Articulados, quase sempre, com os grupos políticos mais conservadores, os concessionários tornaram-se, na prática, atores políticos decisivos para a vida institucional dos seus respectivos países. Ocuparam os espaços de partidos e de outras organizações sociais, realizando eles próprios a intermediação entre o Estado e a sociedade. Combinaram, com sucesso, poder econômico e político.

O caso venezuelano rompe com esse padrão de dominação latino-americano. Começando pela demonstração de força feita por ocasião da frustrada tentativa de golpe de Estado de 2002 e tão bem retratada no documentário irlandês “A revolução não será televisionada”. As contribuições da mídia para golpes no continente não são novidade, mas, salvo engano, a televisão nunca havia feito esse tipo de trabalho de forma tão desabrida como ocorreu na Venezuela. O poder havia chegado à cabeça dos radiodifusores.

A reação do governo foi exemplar. Não cassou a concessão imediatamente, o que poderia ter feito, já que lhe sobravam razões. Simplesmente aguardou o final do período concedido e não renovou a outorga, ato altamente legítimo e comprovadamente legal.

Mas o período entre a prática golpista da TV e a não renovação da concessão deu ao governo o respaldo mais importante de que ele necessitava: o popular. Ao longo dos últimos anos, a comunicação alternativa cresceu e se consolidou (apesar de já ter sido decisiva para abortar o golpe de Estado) e permitiu a ampliação da massa crítica, acima mencionada. A confiança no governo, representada materialmente por ações sociais universalistas, aumentou e está servido de contraponto concreto às vazias imprecações da TV comercial.

Não é uma disputa fácil. A TV tornou-se um dos mais eficientes instrumentos de luta ao congregar em si, além dos poderes econômico e político, a força da dominação simbólica e a tem usado, particularmente na América Latina, com grande sucesso.

No Peru, nos anos 1990, o então assessor presidencial Vladimiro Montesinos foi condenado pela justiça por ter pago humoristas da TV para ridicularizarem, em seus programas, políticos da oposição. Na Venezuela, até transmissões esportivas foram usadas para atacar o presidente da República. Um importante jogador de beisebol, também chamado Chávez, quando batia na bola era saudado pelos locutores que diziam algo como: “esse Chávez sim bate na bola, não é como o outro que bate no povo”.

São exemplos de que a luta simbólica ultrapassou os limites antes demarcados de um certo respeito às figuras públicas e representativas da sociedade. Talvez esteja aí outra razão do gradativo aumento do apoio popular à decisão do presidente Hugo Chávez e da grita internacional da mídia conservadora contra ela.

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Liberdades tolhidas: um olhar crítico sobre a “liberdade de expressão”

Estamos imersas/os no tempo e no espaço e tem sido a partir dessas duas categorias que somos percebidas e percebemos o mundo em que vivemos. Nosso tempo é 2007, século XXI, inclusive denominados pós-modernos. Nosso espaço, nosso território: Brasil – país latino-americano, de cultura multi-étnica que convive com as imensas desigualdades sociais, e, entre outras coisas, com os resquícios do período da ditadura militar, este que em nosso tempo provoca arrepios quando o que está em jogo é a liberdade de expressão.

A imprensa, empresários/as, jornalistas, intelectuais, artistas e movimentos sociais, são aqueles/as que mais têm se interessado ou mais debatido as questões acerca da liberdade de expressão em tempos de “liberdades indiscriminadas” e/ou que tolhem outras liberdades. A questão que se aborda aqui nesse espaço, não está mais na limitação ditatorial do que é pensado, mas, no seu extremo, aos abusos porque a liberdade de expressão vem passando e quais os caminhos a serem trilhados no combate aos mesmos, uma vez que direito à liberdade de expressão não pode ferir outros direitos humanos.

A música bomba no cabaré do grupo de forró Mastruz com leite, na íntegra, diz o seguinte: “Jogaram uma bomba no cabaré, voou para todo lado pedaço de mulher, foi tanto de caco de puta pra todo lado, dava pra apanhar de pá, de enxada e de colher! No meio da rua tava os braços de Tereza, no meio-fio tava as pernas de Raché, em cima das telha os cabelo de Maria, no terraço de uma casa tava os peito de Isabé! Aí eu juntei tudo e colei bem direitinho fiz uma rapariga mista, agora todo homem quer! Pode jogar uma bomba lá no cabaré, que eu junto os cacos das puta, pra fazer outra mulher!”.

Na nossa constituição, artigo 5º, parágrafo IX, há a seguinte referência: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, nos termos seguintes: (…) É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Há ainda no artigo 220, parágrafo 2º, o seguinte: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nessa constituição (…) É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

A citação de tais leis, nos apresenta, rapidamente, o resultado da luta pela liberdade, pela possibilidade de expressar o que se sente, de falar o que se pensa, como máximas do direito humano fundamental à comunicação. Esse esforço não tem sido em vão. Cidadãs e cidadãos vêm cada vez mais buscando alternativas às formas hegemônicas de comunicação e a própria luta dessas pessoas e movimentos tem sido certamente uma das nossas maiores conquistas.

A questão é que o outro lado da moeda, ou seja, alguns resultados dessa ilimitada liberdade (se assim se pode dizer) de expressão como a música acima e tantas outras, chama à reflexão sobre até que ponto é possível continuar assim, como proceder e a quem cabe responsabilidades quando é chegado o limite.

Na nossa Constituição está explícito que “Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm o direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei. A este respeito a lei deve proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer tipo de discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação”.

Se está explícito em nossa constituição que a lei deve proibir qualquer forma de discriminação em qualquer situação, então é necessário retomá-la. Se a idéia transmitida pela “música” “Bomba no Cabaré” incita discriminação e faz apologia à violência, então, estranhamos que a canção não estimule nenhum tipo de apreensão, proibição e/ou qualquer sanção por parte dos órgãos competentes. Seria muito bom pensar que isso não acontece porque o alvo da violência é uma mulher, ou melhor, várias mulheres. E, para sermos mais específicas, as mulheres que estão em situação de prostituição.

Seria demais indagar qual a “graça” dessa “música”? Por que causa diversão? Será que ela tem adesão de uma parcela da população (independente de sua classe social) porque diz que as “putas estão sendo explodidas” ou simplesmente porque ataca as mulheres, independentemente de serem putas ou não? Nos dois casos, é importante destacar que a ausência de ações efetivas contra esse tipo de abuso por parte do Estado colabora com a perpetuação da violência.

As estatísticas de violência contra as mulheres falam bem do quanto estas têm estado neste lugar de vulnerabilidade, tanto porque sofrem a violência sócio-culturalmente institucionalizada, quanto porque o Estado tem caminhado com passos vagarosos quando se trata da adoção de medidas efetivas para o enfrentamento a esse tipo de violação aos direitos humanos. Uma das provas do que se acaba de dizer, foi a tardia, mas muito bem-vinda Lei Maria da Penha, que chegou para inserir as mulheres na Constituição, uma vez que, até então, eram tratadas como qualquer coisa, menos como cidadã para a qual o Estado também possuía responsabilidades.

Se as formas comuns de desrespeito aos direitos humanos como a apologia e a incitação ao crime, inclusive à prática da tortura, linchamento e outras formas de violência, bem como a discriminação racial, de gênero, religião e orientação sexual, não têm sido reconhecidas pelo Estado, cabe a nós, sociedade civil, embora não seja nossa obrigação, lembrar da responsabilidade de quem a tem.

O que se deseja é dignidade, reconhecimento e respeito. O que se deseja é a efetivação das leis por parte do Estado e, por assim dizer, punição de quem corrobora para a disseminação da violência. O que se deseja é um mundo sem violências. Contudo, sabemos que esta só se alcançará se também os símbolos dessa cultura forem postos em xeque.

No mais, é importante enfatizar que aqui não se reivindica o tolhimento da liberdade, nem a volta à censura, mas sim a efetivação dos direitos das mulheres, que temporal e espacialmente, têm ficado à margem dos processos da vida pública e violentadas no mundo privado. Se com a sua emancipação, se deu e está se dando cada vez mais também sua inserção no mundo público e por outro lado, também as violências ficam mais visíveis, é importante enfatizar a importância e necessidade de medidas efetivas contra quem protagoniza tais agressões, mesmo que, e inclusive, se estas venham em forma de cartazes de shows (por exemplo: “…até meia noite: MULHER GRÁTIS”), propagandas de cerveja e/ou de músicas como a que a foi citada acima e tantas incontáveis outras.

Leis não faltam, pressão da sociedade civil também não. Se as leis existem para, por um lado, prever direitos e, por outro, instituir sanções a quem infringir os códigos de conduta que possibilitam cidadãs e cidadãos ao usufruto de tais direitos, recorremos às mesmas e aos órgãos competentes para que tomem as atitudes cabíveis e efetivem assim a cidadania das mulheres, em qualquer situação, em qualquer espaço, mas não em qualquer tempo. O tempo para transformações é hoje, é agora. Não dá para fingir que não ouvimos quando ouvimos, não dá para fechar os olhos quando vemos, não dá para calar quando sentimos. A vida é agora e a efetivação do direito das mulheres é para ontem. 


*Sheila Bezerra é mestra em Antropologia/UFPE Pesquisadora do SOS CORPO – Inst. Feminista para Democracia e Integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco.

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A proposta de asilo editorial na New Miami

Projeto que "institui o asilo político tecnológico e editorial" foi apresentado ao Senado Federal pelo senador Jayme Campos (DEM-MT), na quarta-feira (13/6). O PL nº 334/2007 prevê que rádios, emissoras de televisão ou jornais que sofram arbitrariedades por parte de algum governante "autoritário" poderiam se instalar no Brasil e transmitir para seu país de origem. Segundo o senador, a medida se aplica a governos como o da Venezuela, por sua perseguição à imprensa, e possibilita "um contragolpe institucional, uma alternativa real que permita o anteparo à instituição ou ao profissional molestado em sua liberdade de expressão".

Na Justificativa ao projeto está escrito que…

"…a novidade de nossa proposição consiste em estatuir uma nova modalidade de asilo político que garanta a seus beneficiários não só o acolhimento do indivíduo, mas também, a dos meios de divulgação das idéias por cujo contexto se lhe impôs censura discricionária no país de origem. Assim, um parque gráfico, ou uma estação de rádio ou de televisão, cujos titulares se virem injustamente cassados ou cerceados em seu direito de expressão, poderão manter-se em atividade, a partir de solo brasileiro, graças ao novo mecanismo proposto. (…) A possibilidade de auxiliarmos as nações amigas, abrigando seus profissionais e recursos tecnológicos, de modo a proteger-lhes dos arbítrios da autocracia e da perseguição política é o objetivo final da presente proposição".

"Arroubo autoritário"

No seu artigo 2º o projeto de lei prevê que serão "ouvidos o Ministério das Relações Exteriores, a Associação Brasileira de Imprensa – ABI, a Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj e a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – Abert" e que "caberá ao Ministério da Justiça instaurar os competentes procedimentos administrativos, na forma como dispuser a regulamentação editada pelo Poder Executivo".

Não fica claro, todavia, quem julga e decide que determinado profissional ou empresa privada de comunicação está sendo "perseguida(o) em função de suas convicções ou de opiniões políticas emitidas em seus países de origem". Será o Ministério da Justiça brasileiro? Será o nosso Itamaraty? Ou, quem sabe, a Abert?

O projeto recebeu o apoio em plenário do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), e do senador Gilvam Borges (PMDB-AP), este afirmando que "o continente sul-americano não pode viver o retrocesso das ditaduras. O arroubo autoritário criminoso do presidente venezuelano Hugo Chávez é preocupante".

Rádio familiar

Não fica claro, nos pronunciamentos dos nossos senadores, se eles aprovariam reciprocamente que a Venezuela, ou qualquer outro país, criasse uma lei semelhante à proposta pelo senador Jayme Campos, e lá – em território estrangeiro – abrigasse emissoras de rádio e televisão privadas brasileiras que se sentissem perseguidas e passassem, então, a transmitir regularmente sua programação dirigida à população brasileira.

O exercício da "liberdade de imprensa" é bastante familiar ao senador Jayme Campos, autor do projeto. Além de produtor agropecuário, governador de Mato Grosso entre 1991 e 1994 e prefeito de Várzea Grande, sua cidade natal, por três vezes, seu nome sempre aparece nos levantamentos que identificam parlamentares vinculados a concessões de radiodifusão e atividades empresariais de imprensa.

Na verdade, a Rádio Industrial de Várzea Grande Ltda.  tem, como sócio majoritário, Júlio José de Campos – que é ex-senador, ex-governador do Mato Grosso e também irmão do senador Jayme Campos.

Um dos sócios é Oscar da Costa Ribeiro, presidente da comissão provisória do partido dos Democratas no estado – por coincidência, o mesmo partido do senador Jayme Campos – e ex-conselheiro e ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

"Abuso do poder econômico"

E há ainda o sócio-gerente, Benedito Sérgio de Castro Braga, que foi doador de campanha do atual prefeito de Várzea Grande, Murilo Domingos (PPS), e também da campanha ao Senado do próprio senador Jayme Campos.

Como se sabe, o inciso III do Artigo 24 da Lei 9.504 de 1997 veda aos partidos e aos candidatos o recebimento de doações de concessionários de serviço público. Está na Lei:

"Artigo 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

III – concessionário ou permissionário de serviço público."

As penalidades para aqueles partidos e/ou candidatos que descumprirem a norma estão previstas no Artigo 25 que diz:

"Artigo 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico."

Experts competentes

Há, portanto, relações bastante próximas entre o senador Jayme Campos e os concessionários do serviço público de radiodifusão em Várzea Grande que, aparentemente, gozam de total "liberdade de imprensa".

Por outro lado, a idéia do "asilo editorial" não chega a ser exatamente original. O governo dos Estados Unidos já patrocina atividades semelhantes em seu território. É de Miami que a Radio Martí e a TV Martí, por exemplo, emitem programação diária dirigida a Cuba.

Senadores, naturalmente, podem apresentar à Casa qualquer projeto. E o Senado Federal, por óbvio, aprova os que a maioria de seus senadores julga atender ao interesse público.

No caso de aprovação do PL 334/22007, talvez o Brasil se transformasse numa enorme e folclórica New Miami, cheio de emissoras de rádio e televisão transmitindo para os países do mundo onde – segundo critérios definidos por competentes experts brasileiros – não exista "liberdade de imprensa".

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A hora e a vez do set-top-box

Na pressa movida por interesses políticos e comerciais, o país se precipitou em adotar o modelo digital japonês que, no final de todas as contas, não vai causar em um curto espaço de tempo nenhuma revolução no conteúdo e na forma de assistir à televisão. Quando o então ministro das Comunicações era o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), houve um esboço de uma discussão sobre a possibilidade de desenvolver um sistema digital que fosse genuinamente tupiniquim. Uma solução controversa, se levarmos em conta a aventura frustrada de nosso sistema de cor (Pal-M), único no mundo, que foi uma bravata nacionalista dos governos militares. No mundo dos zeros e uns, há certas evoluções que são inevitáveis, embora um Estado interventor tenha ferramentas suficientes para atrasar um processo que, sozinho, talvez, caminhasse a passos mais seguros e largos.

Uma ação política realmente importante seria a de pensar, e porventura alterar, o marco regulatório da radiodifusão no país. Atitude fundamental para concretizar a idéia de um novo modelo de TV, voltada não só para o entretenimento, mas, junto com ele, de interesse público e social brasileiro.

Neste país de proporções continentais, uma TV digital e interativa pode ser a solução para integrar uma grande parcela de brasileiros ao exercício pleno da cidadania. Afinal, o objetivo é transformar cada aparelho de TV em uma porta de entrada para a rede mundial de computadores e, através dela, abrir toda uma sorte de possibilidades. Se levarmos em consideração que cerca de 90% dos lares brasileiros já possuem pelo menos um aparelho, estaríamos falando, realmente, em uma inclusão social e digital. Afinal, segundo dados do próprio governo brasileiro, menos de 8% de nossos conterrâneos têm acesso à internet e na área rural o índice é ainda mais assustador, menor que 0,02%. E então, eis que surge a questão do tal do set-top box.

Comercialização do conversor

Para quem não sabe, o set-top box é um dispositivo que habilita televisores analógicos a receberem e decodificarem o sinal digital broadcast. Enfim, é uma caixa de conversão. Quem não possuir uma TV digital adequada ao sistema binário de informação, terá que adquirir um desses aparelhinhos para continuar a usufruir a nossa programação televisiva.

A primeira proposta do governo brasileiro era possibilitar a criação de um conversor de baixo custo, de forma a que todas as pessoas, independente de classe social, pudessem adquiri-lo. Aliás, um parêntese: é para a classe menos favorecida que ele se dirige já que, provavelmente, a pequena parcela da população brasileira mais privilegiada optará por uma TV digital, e não pela "caixinha". Então, o desafio do governo transformou-se na capacidade de produção desses dispositivos por um preço acessível.

À edição de abril da revista Info, o ministro das Comunicações Hélio Costa disse que a comercialização do aparelho conversor deveria começar neste mês de junho a um preço médio e final para o consumidor de 100 reais.

Entretanto, segundo matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo na última semana (11/06), não só a transmissão do sinal digital poderá ser mais uma vez adiada como "é grande a possibilidade de não haver equipamento para o telespectador sintonizá-la". A Eletros (associação de fabricantes de produtos eletrônicos), responsável pela fabricação do dispositivo, afirmou não poder precisar a data em que os set-top boxes chegarão às lojas. Os protótipos estariam em desenvolvimento, necessitando ainda de muitos testes antes que cheguem ao mercado para as transmissões. E, surpresa: a estimativa do preço final também foi alterada e está longe dos 100 reais propostos pelo ministro.

Batendo à porta da China

De acordo com a repórter do IDG News Daniela Moreira, o Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo estima em 500 reais o custo final do aparelho, podendo ter variações entre "300 e 700 reais até a data do funcionamento da TV digital no país" (ver aqui). E esse produto somente permitirá uma interatividade limitada.

Novamente segundo Daniel Castro, da Folha de S.Paulo, "o governo federal está ameaçando abrir a importação de decodificadores de TV digital da China, caso as indústrias brasileiras não consigam cumprir o prazo" para produzir o aparelho. Insiste ainda no preço final, agora de 100 dólares. As empresas do pool, por outro lado, argumentam que ajudaria se o governo contribuísse com "benefícios tributários, que poderiam reduzir os custos em até 36%".

Para quem sonhava com um sistema tecnológico digital genuinamente brasileiro, é triste terminar essa história batendo à porta da China para conseguir o acesso aos tais aparelhinhos que de barato não têm nada. Talvez valha a pena começar a pensar em um crediário para adquirir uma TV digital de tela plana. Pode ser que compense financeiramente e que ainda dê menos dores de cabeça.