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TV Brasil: uma televisão da sociedade

Nasce a TV pública federal no Brasil. É extremamente relevante constatar que todos os documentos legais relativos à Empresa Brasil de Comunicação refletem a Carta de Brasília, que encerra princípios debatidos durante os meses que precederam o Fórum Nacional das TVs Públicas. As discussões em grupos foram exaustivas e reuniram os protagonistas da televisão pública brasileira, acadêmicos, autoridades e especialistas.

Ali foram consolidados os parâmetros que convocam o sistema público de comunicação ao papel de política pública de inclusão informacional do cidadão, contribuindo para a sua formação crítica, para a divulgação de padrões e valores de tolerância, para o diálogo e o entretenimento, além de cooperar com os processos educacionais da sociedade brasileira.

Diversos instrumentos montam guarda para garantir que a emissora possa rejeitar as tentações e as pressões dos agentes do poder em qualquer nível, inclusive do presidente da República. O controle mais implacável se dará pela sociedade, uma vez que televisão é exposição pública.

Todos os setores poderão fiscalizar e questionar o uso que se fará da televisão pública federal e a transparência, nesse plano, é inevitável. Daí a nossa convicção de que a EBC será, de fato, uma rede da sociedade, e não do governo federal, que já dispõe de outros instrumentos (como a NBR -TV do Executivo), a exemplo dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Ora, se a emissora será da sociedade, e não governamental, se trará impactos positivos para as demais emissoras públicas, é inconcebível levá-la ao chão da barganha política na tramitação da medida provisória de sua criação no Congresso Nacional. O xadrez político, onde se jogam trocas e pressões, precisa poupar essa idéia para que o Brasil entre no primeiro mundo da televisão pública.

É evidente que as contribuições para o aperfeiçoamento da EBC serão necessárias e nós mesmos, da Abepec, que participamos de várias etapas do processo, vamos prosseguir examinando e propondo modificações e acréscimos que julgarmos capazes de contribuir para o surgimento de uma rede independente, autônoma, plural e cidadã. Nessa fase, a nossa preocupação é a preservação da essência do projeto, para que não nasça um monstrengo descaracterizado e sem lógica.

Tive diversas oportunidades de participar das discussões sobre a elaboração do conceito da TV pública no Brasil e faço uma avaliação extremamente favorável da qualidade da arquitetura montada por meio da medida provisória que cria a EBC quando comparada com as melhores práticas do mundo. A equipe altamente qualificada que engenhou a empresa federal soube criar um modelo que haverá de ser inspirador para as TVs dos Estados e até para outros países.

O campo público de comunicação deve se situar eqüidistantemente do governos e do sistema privado, de modo a permitir que a produção cultural flua de todo e para todo o território nacional.

No caso da EBC, a garantia de que tais elevados objetivos serão atingidos é a atuação do Conselho Curador, com ampla maioria de representantes da sociedade. Seus titulares possuem garantia do exercício de seu mandato com a menor interferência possível, do qual somente serão demitidos nas hipóteses de renúncia, de decisão administrativa ou judicial transitada em julgado, de ausência injustificada a três sessões no período de um ano ou, ainda, mediante proposta de três quintos dos seus pares ao presidente da República. Como se vê, são garantias para que suas deliberações se dêem sob o pálio dos princípios e objetivos previstos para o sistema público de comunicação.

O Conselho Curador terá enormes responsabilidades e poder de fato: seus integrantes deterão o poder de sufragar votos de desconfiança aos integrantes da diretoria da empresa e poderá demiti-los.

A Empresa Brasil de Comunicação nasce com inúmeros desafios, desde justificar a substituição da Radiobrás, empresa com mais de 30 anos, criada ainda sob a perspectiva de propagação da doutrina de segurança nacional, até a consolidação de um modelo de democratização do acesso à comunicação, da pluralidade da produção cultural e da diversidade na divulgação de conteúdo. Merece a nossa confiança e o apoio do Parlamento, onde, pela significação para as TVs dos Estados, está em jogo o caráter da televisão pública brasileira.

Antônio Achilis Alves da Silva, 58, jornalista com especialização em gestão estratégica da informação, é presidente da Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais) e da Fundação TV Minas Cultural e Educativa.

As incongruências do projeto da convergência

O deputado Wellington Fagundes (PR/MT) surpreendeu favoravelmente ao apresentar, na comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados, o seu substitutivo, que libera o ingresso das operadoras de telecomunicações na oferta de serviços de TV paga.

Com uma proposta arrojada, ele incorpora alguns conceitos modernos de regulação do  mercado, como o controle das empresas pelo seu poder de mercado ou a identificação de quatro segmentos  distintos na prestação desse serviço –  produção, programação, empacotamento e distribuição. Ou ainda, quando propõe a ampliação do papel do “must carry”, hoje assimilado apenas pelas empresas de TV a cabo para todas as operadoras, independentemente da tecnologia. Com o “must carry” as operadoras de TV a cabo são obrigadas a transportar pelos menos os canais das geradoras locais de TV aberta ou pública.

Restrições insensatas

Mas, na busca de uma proposta que consiga conciliar as posições dos diferentes agentes do mercado – radiodifusão, empresas de telecomunicações e operadoras de TV a Cabo –, o projeto traz algumas restrições incompreensíveis, se analisadas sob a ótica da competição.

O artigo 9 do substitutivo estabelece três restrições  reproduzindo o insensato antagonismos dos atuais players, perdendo, com isso, uma boa oportunidade para fazer avançar a produção independente do conteúdo audiovisual nacional.

O artigo proíbe que as empresas que fazem produção e programação de conteúdo audiovisual eletrônico detenham controle acionário das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Ora, essa proibição retiraria, de imediato, o grupo Globo das operações da Net. Com essa restrição, o parlamentar acaba cometendo, pelo avesso, o erro da lei atual, que restringe o controle das operações de TV a cabo ao capital nacional. Liberar essa operação ao capital estrangeiro, mas excluir um importante player do mercado de telecomunicações é um contra-senso.  

Defesa da concorrência

Se com essa restrição a preocupação do parlamentar é evitar que produtores de conteúdo audiovisual reproduzam o oligopólio da distribuição, o melhor seria usar os instrumentos da defesa da concorrência, que impedem ou limitam a concentração vertical. O melhor seria assegurar que todos os distribuidores tenham acesso, em condições isonômicas, aos conteúdos produzidos no país. Proibir que um ramo produtivo, simplesmente porque atua em uma atividade específica, deixe de participar de uma outra atividade econômica parece ser uma dislexia, e não uma assimetria regulatória.

Conteúdo nacional

Em outra direção, mas também estabelecendo uma restrição enviesada, o mesmo artigo proíbe que empresas de telecomunicações participem de empresas de produção e de programação de conteúdos nacionais. Ora, o que é a produção nacional? É aquela produzida, em inglês, pelo capital nacional? Ou aquela que valoriza os valores, a estética, a cultura nacionais? É aquela que impede co-produções, ou aquela que, com recursos diversos, contrata artistas e técnicos brasileiros para refletir o Brasil?

Impedir que algum tipo de empresa, porque atua em outro ramo da economia, possa investir na produção de conteúdo nacional é não permitir que surjam produções independentes de boa qualidade. 

Por fim, o mesmo artigo traz ainda uma outra restrição que também merece ser mais debatida.  Proíbe que empresas de telecomunicações adquiram direitos de exploração de imagens de eventos nacionais de qualquer natureza. Nesse caso, o mais importante seria estabelecer quais são os eventos nacionais que não podem ser passíveis de exclusividade no direito de exploração de imagens por parte de empresas de qualquer ramo econômico.

Afinal, independentemente da origem do capital, não é possível aceitar que milhares de telespectadores brasileiros fiquem sem assistir a um jogo de futebol, por exemplo, simplesmente porque a empresa que comprou o direito de imagem não vai transmiti-lo, e também não irá vender essa transmissão para qualquer outro distribuidor. Legislações modernas estabelecem quais são os tipos de eventos nacionais – esportes, artes, campeonatos, etc. – que não podem ser passíveis de direitos de imagem exclusivos, ou excludentes.

Cidade Digital: novos benefícios para o cidadão

É impressionante o poder da tecnologia nas nossas vidas. Imagina ficar sem olhar o seu e-mail por um dia apenas? Esquecer ou perder o celular, então, é um pesadelo para muitas pessoas. E o que falar sobre o utilizar a internet para facilitar a vida de todos os cidadãos? Quanta coisa nós já não podemos fazer com apenas um click, de casa, sem ter que enfrentar trânsito, filas e esperas… É exatamente por isso que cresce a cada dia o número de um novo tipo de município: as Cidades Digitais.

Além de facilitar a vida particular de cada indivíduo, a tecnologia também é responsável pela melhoria dos bens e serviços oferecidos à sociedade. E mais: é uma forma de interferência histórica, social, econômica e cultural no processo de desenvolvimento local, provocando mudanças no modo como os cidadãos agem, sentem e pensam. 

O uso do computador, o acesso às informações, a universalização dos meios de comunicação e telecomunicações, adicionados com a expansão da internet, possibilita o oferecimento dos mais diversos serviços eletrônicos. Todos podem usufruir desses benefícios, sem distinção, o que torna a vida das pessoas muito mais simples.

A cidade continua sendo o grande palco da história humana, possuindo redes eletrônicas que tornam possíveis as manifestações sociais em outro meio: o virtual. E aí estão incluídos movimentos relacionados a projetos políticos e até pessoais.

Existem dois estágios para a implantação das chamadas cidades digitais. O primeiro consiste na adoção da infra-estrutura e da tecnologia necessárias para que o município esteja atualizado. O outro é a cidadania digital, na qual alunos, funcionários e cidadãos se utilizam destes recursos para viver, crescer, aprender e produzir através da geração e da utilização de conhecimento.

Atentas a essas realidades, empresas integradoras de sistemas já oferecem planejamento e implantação de projetos de cidades digitais, criando e colocando para funcionar toda a infra-estrutura tecnológica necessária para que um município possa oferecer a cidadania digital. O processo visa a instalação de rádios, levantamento topográfico, implantação dos centros de contato com o cidadão, internet sem fio, telefonia integrada em todos os pontos, interligação de secretarias, redes locais, servidores e os serviços de integração de toda esta tecnologia.

Uma cidade digital é um município onde todos podem ter acesso irrestrito à internet e vários pontos da cidade estão interligados. Essa disponibilidade à tecnologia passa a fazer parte do cotidiano do cidadão que terá fácil acesso à informação, ao conhecimento, culminando numa nova perspectiva de vida, com geração de trabalho e aumento da renda. Quem não sabia nem mexer num mouse lida agora com a internet com muito mais desenvoltura.

No âmbito escolar a cidadania digital pode integrar escolas e instituições de ensino e de pesquisa, permite o acesso a acervos de livros e à cultura, além de capacitar cada vez mais o corpo docente. Em alguns casos foi detectado o incremento do índice de desenvolvimento humano após a implantação do projeto, embora não haja um estudo comprovando a relação entre ambos. Foi sentida também a redução do tempo de alfabetização nas escolas municipais motivada pelo uso da internet.

Os postos de saúde são interconectados para controle e agendamento de pacientes; a Prefeitura melhora os próprios serviços que oferece e passa a atender seu cidadão como um cliente. Muitos governantes optam também por oferecer o serviço  “prefeito virtual”, ou seja,se fazer presente em bairros remotos através de videoconferências.

Há uma modernização da administração pública, um novo padrão de gestão integrada de todas as entidades diretas e indiretas, integração das estruturas tributária, financeira e administrativa, melhoria na fiscalização e comunicação via VoIP. O cidadão percebe essas melhorias quando paga uma conta ou emite um documento sem sair de casa, evitando se dirigir à sede da Prefeitura.

Nos últimos anos surgiram no Brasil duas dezenas de cidades digitais, um grande avanço à democratização do acesso à internet. As prefeituras que aderiram a este novo conceito estão gozando de uma grande e positiva exposição que seus municípios, e seus administradores, tiveram no cenário nacional. Fato que leva o Governo Federal a incentivar a cidadania digital em todo o País, condição até então nascida de projetos das próprias prefeituras, vezes com a ajuda da iniciativa privada e do Ministério das Comunicações. 

Além de beneficiar o município, a Prefeitura reduz custos com internet e telefonia, uma economia que pode chegar a 60%, com um incremento de mais de 50 vezes na qualidade do serviço prestado.

Utilizando-se da mesma infra-estrutura da cidade digital, é possível ainda implantar vigilância por imagens das ruas e imediações do município com baixo custo. Isto aumenta a segurança para a população e também representa um motivo para atração de investimentos, pois os custos de seguro do comércio são reduzidos e, em alguns casos, disponibiliza-se o acesso à internet de empresas afastadas do centro.

Os ganhos com a implantação de cidade digital são muitos, mas o progresso que é levado a toda uma população é, sem dúvida, o centro das atenções. Com orientação e capacitação, algo necessário para fazer valer a cidadania digital, os munícipes ganham uma nova perspectiva de vida.


* Pablo Morales de Freitas, Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Damovo no Brasil.

Televisões municipais, comunicação institucional e o Canal Cidadania

A  Medida Provisória nº 398, de 10 de outubro de 2007, que trata da disciplina do sistema de radiodifusão “público”, e autoriza a criação pelo Poder Executivo da Empresa Brasil de Comunicação, permite a participação de Estados e Municípios no capital social da referida empresa de comunicação. Ademais, o Decreto nº 6.426, de 24 de outubro de 2007, estabelece que compete à EBC realizar a cooperação e colaboração com entidades públicas ou privadas que explorem o serviço de radiodifusão “pública”, mediante convênio ou outros ajustes, com vistas à formação de Rede Nacional de Comunicação “Pública”.

Defende-se, aqui, que as televisões municipais constituem elementos do sistema de radiodifusão estatal e não propriamente do sistema de radiodifusão “público”, como pretende o referido ato normativo. São meios importantes para a realização da comunicação institucional no âmbito local. Vale dizer, apesar de a União ser a titular da competência para organizar e legislar sobre os serviços de radiodifusão, isto não impede que os municípios busquem criar e gerir canais de televisão de modo isolado ou compartilhado com outras unidades federativas. Aliás, a possibilidade jurídica de os municípios possuírem canais de televisão tem respaldo normativo no art. 4º do Decreto-lei nº 236/67, o que, evidentemente, não se limita à atividade de retransmissão ou repetição de sinais de televisão.

O fato surpreendente é que uma boa parte dos municípios, ao invés de operarem estações geradoras de sinais de radiodifusão, limitam-se a manter retransmissoras de televisão, custeando com recursos públicos, em favor das redes privadas de televisão, conforme aponta excelente estudo de James Görgen (Redes de televisão: uma dominação consentida).

O Decreto n.o 5.820/06, que trata dos serviços de televisão digital, contempla um Canal de Cidadania (para transmissão de programações das comunidades locais, bem como para a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões, e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal). Ou seja, um mesmo canal de televisão serve ao propósito da comunicação institucional e à afirmação da cidadania. Contudo, isto não dispensa a possibilidade de o município postular junto ao órgão competente canais exclusivos e (ou) compartilhados para  a realização de comunicação institucional.

Importa destacar que, com a Emenda Constitucional n.o 19/98, foi alterado o art. 241 das Disposições Gerais da Carta Republicana, de modo a constitucionalizar a figura dos consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federativos, para fins de gestão associada de serviços públicos. Trata-se de um importante mecanismo de fortalecimento da federação brasileira e de respeito ao princípio da eficiência e da economicidade em relação à execução de serviços públicos.

Nesse caso, por exemplo, os Municípios, com interesses comuns, poderão constituir uma pessoa jurídica especializada na organização e gestão do serviço público de comunicação institucional, repartindo custos e tarefas em termos de produção de conteúdo audiovisual e de transmissão dos sinais de televisão. A título ilustrativo, os municípios poderão constituir um canal de televisão vocacionado à difusão do potencial turístico da região onde estão situados, para fins de desenvolvimento social e econômico, em atendimento ao art. 180, da Constituição Federal, obtendo-se, contudo, a necessária outorga do poder público federal.

Com a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, o compartilhamento de canais de televisão torna-se possível à medida que a tecnologia envolve o conceito de multi-programação, isto é, um mesmo canal de televisão pode transmitir, concomitantemente, diversas programações de responsabilidade editorial de diversas entidades federativas.

Saliente-se, contudo, que o Decreto nº. 5.820/06, que trata do referido sistema, não aponta os critérios para o uso compartilhado do Canal de Cidadania que, entre outras funções, está destinado a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal. Em verdade, a previsão de um único canal para as três esferas  federativas é uma medida insuficiente para atender as necessidades dos mais diversos interesses em termos de comunicação social. 

Portanto, é necessária toda uma política pública de comunicação social que melhor atenda aos interesses do sistema estatal de radiodifusão, considerando-se este como um complexo integrado por elementos das três esferas federativas, particularmente considerando os diversos interesses dos municípios brasileiros.

* Ericson Meister Scorsim é doutor em Direito do Estado pela USP. ericson@expresso.com.br

 

Por uma reforma da lei do direito autoral

O impacto que as novas tecnologias e o avanço das redes digitais têm causado sobre o Direito Autoral é reconhecido em todo o planeta. Os limites da legislação autoral brasileira ficam mais claros com a novidade digital, mas seus problemas são anteriores ao surgimento da internet. A necessidade de fortalecer o papel do Estado na resolução de desequilíbrios nesse setor estratégico vem crescendo na medida em que a legislação envelhece e os desafios se apresentam.

A dinâmica tecnológica devenos levar a uma discussão mais estratégica: a necessidade de uma política nacional para os direitos autorais. Como combinar, nesse novo contexto, a legítima proteção aos autores e as inúmeras oportunidades da convergência tecnológica? Como favorecer um sistema nacional de propriedade intelectual moderno, equilibrado e justo face à enorme demanda cultural do país? Como promover uma sociedade menos desigual no acesso à cultura e ao conhecimento?

O debate foi suscitado porque o Ministério da Cultura recuperou seu papel de articular a política cultural autoral, na busca do necessário equilíbrio que os direitos conferidos aos criadores devem ter com os direitos dos cidadãos brasileiros de acesso à cultura e ao conhecimento, bem como com o direito daqueles que investem na cultura, os chamados “investidores culturais”.

O Brasil ainda não consolidou seu marco autoral na proteção aos criadores, que ficam fragilizados nos contratos que lhes são impostos. O modelo regulatório autoral deve buscar garantir aos criadores o legítimo retorno pelo bem-estar que propiciam à sociedade. Entretanto ainda são muitos os desequilíbrios: a diferença de poder econômico entre criadores e investidores; a perda de controle das obras pelos seus próprios criadores; a insatisfação geral com a repartição das receitas e benefícios. O poder público deve promover a maior transparência na gestão das entidades arrecadadoras, apoiar a modernização da gestão coletiva (feita sempre por entidades brasileiras) e desenvolver outros meios de produção e repartição dos benefícios econômicos a partir de obras protegidas por direito autoral. Alguns defendem o uso dos DRMs — software para inviabilizar cópias de arquivos — como forma de proteger autores de cópias não autorizadas na internet. São soluções ineficientes, onerosas e com crescente rejeição nos países desenvolvidos. Além disso, restringem a inovação tecnológica e os direitos básicos dos cidadãos para reproduzir obras com fins legítimos.

Nossa lei não diferencia cópia comercial de cópia privada: ao copiar um arquivo para um tocador de MP3 estamos, todos, cometendo uma ilegalidade. No Brasil, o que temos de parecido com o mecanismo legal norte-americano de “uso justo” de obras protegidas é bastante limitado. Boa parte dos estudantes brasileiros comete ilegalidade ao produzir cópias de livros para sua formação educacional. O monopólio que foi concedido para o autor em relação à sua criação foi uma conquista histórica, mas teve a sua contrapartida nas cláusulas de limitações e exceções, que permitem a cópia de trechos de obras audiovisuais, de um livro, ou mesmo de uma música, sem que isso signifique uma violação do direito de autor. Essas cláusulas, no Brasil, estão entre as mais restritivas do mundo.

Por isso, precisamos debater a mo derniz ação do sistema legal e o fortalecimento do poder público na supervisão e na promoção desses vários equilíbrios. A presença do Estado na seara autoral nesses moldes é o que ocorre na imensa maioria dos países do mundo. Nesse sentido, o Ministério da Cultura — e diversos parlamentares ligados ao tema — está empenhado em promover a mais ampla discussão que vai embasar a atualização da lei. O I Fórum Nacional de Direitos Autorais será realizado em 2008, envolvendo autores, entidades, empresários e sociedade civil.

Sozinho, o poder público não pode implementar uma estratégia ampla para o setor. Há um grande desafio de inovação para o setor cultural. O modelo do Creative Commons não é uma política de Estado e nem uma iniciativa inventada pelo MinC, mas um movimento cultural mundial relevante, onde os autores, conscientes de seus direitos, distin guem usos com finalidades comerciais e não comerciais. Aproveitam ao máximo o potencial de divulgação da convergência tecnológica e se beneficiam dela. Tais licenças alternativas não resolvem todos os problemas da área autoral e podem não se adequar a todos os criadores, como, por exemplo, o compositor que não é intérprete. Para eles, naturalmente, é preciso resguardar a utilização das ferramentas tradicionais do direito autoral. No entanto, para aqueles que se iniciam na área cultural tais licenças podem ser benéficas na construção de suas carreiras.

O Ministério da Cultura participa com outros ministérios na política de combate ao crime organizado, e aos núcleos que lideram a organização da pirataria no Brasil. Combinada à repressão, o governo tem dado grande ênfase a medidas educacionais, econômicas e de combate à desigualdade. O desafio é trazer para a formalidade a distribuição de bens culturais, gerando emprego e renda.

São desafios dos séculos XX e XXI. Sem perder tempo, o Brasil investe hoje na infra-estrutura material (estradas, energia e portos, através do PAC) e nas políticas estratégicas para um genuíno salto e reposicionamento na cultura, na tecnologia, na sociedade do conhecimento. Acreditamos que uma legislação autoral equilibrada e moderna é condição para esse salto — assim como um Ministério da Cultura fortalecido na gestão dessa política. Podemos dizer que o edifício autoral poderá novamente erigir-se. Reformas como essa são mais do que necessárias, são inevitáveis.

* Gilberto Gil é músico e ministro da Cultura