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As incongruências do projeto da convergência

O deputado Wellington Fagundes (PR/MT) surpreendeu favoravelmente ao apresentar, na comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados, o seu substitutivo, que libera o ingresso das operadoras de telecomunicações na oferta de serviços de TV paga.

Com uma proposta arrojada, ele incorpora alguns conceitos modernos de regulação do  mercado, como o controle das empresas pelo seu poder de mercado ou a identificação de quatro segmentos  distintos na prestação desse serviço –  produção, programação, empacotamento e distribuição. Ou ainda, quando propõe a ampliação do papel do “must carry”, hoje assimilado apenas pelas empresas de TV a cabo para todas as operadoras, independentemente da tecnologia. Com o “must carry” as operadoras de TV a cabo são obrigadas a transportar pelos menos os canais das geradoras locais de TV aberta ou pública.

Restrições insensatas

Mas, na busca de uma proposta que consiga conciliar as posições dos diferentes agentes do mercado – radiodifusão, empresas de telecomunicações e operadoras de TV a Cabo –, o projeto traz algumas restrições incompreensíveis, se analisadas sob a ótica da competição.

O artigo 9 do substitutivo estabelece três restrições  reproduzindo o insensato antagonismos dos atuais players, perdendo, com isso, uma boa oportunidade para fazer avançar a produção independente do conteúdo audiovisual nacional.

O artigo proíbe que as empresas que fazem produção e programação de conteúdo audiovisual eletrônico detenham controle acionário das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Ora, essa proibição retiraria, de imediato, o grupo Globo das operações da Net. Com essa restrição, o parlamentar acaba cometendo, pelo avesso, o erro da lei atual, que restringe o controle das operações de TV a cabo ao capital nacional. Liberar essa operação ao capital estrangeiro, mas excluir um importante player do mercado de telecomunicações é um contra-senso.  

Defesa da concorrência

Se com essa restrição a preocupação do parlamentar é evitar que produtores de conteúdo audiovisual reproduzam o oligopólio da distribuição, o melhor seria usar os instrumentos da defesa da concorrência, que impedem ou limitam a concentração vertical. O melhor seria assegurar que todos os distribuidores tenham acesso, em condições isonômicas, aos conteúdos produzidos no país. Proibir que um ramo produtivo, simplesmente porque atua em uma atividade específica, deixe de participar de uma outra atividade econômica parece ser uma dislexia, e não uma assimetria regulatória.

Conteúdo nacional

Em outra direção, mas também estabelecendo uma restrição enviesada, o mesmo artigo proíbe que empresas de telecomunicações participem de empresas de produção e de programação de conteúdos nacionais. Ora, o que é a produção nacional? É aquela produzida, em inglês, pelo capital nacional? Ou aquela que valoriza os valores, a estética, a cultura nacionais? É aquela que impede co-produções, ou aquela que, com recursos diversos, contrata artistas e técnicos brasileiros para refletir o Brasil?

Impedir que algum tipo de empresa, porque atua em outro ramo da economia, possa investir na produção de conteúdo nacional é não permitir que surjam produções independentes de boa qualidade. 

Por fim, o mesmo artigo traz ainda uma outra restrição que também merece ser mais debatida.  Proíbe que empresas de telecomunicações adquiram direitos de exploração de imagens de eventos nacionais de qualquer natureza. Nesse caso, o mais importante seria estabelecer quais são os eventos nacionais que não podem ser passíveis de exclusividade no direito de exploração de imagens por parte de empresas de qualquer ramo econômico.

Afinal, independentemente da origem do capital, não é possível aceitar que milhares de telespectadores brasileiros fiquem sem assistir a um jogo de futebol, por exemplo, simplesmente porque a empresa que comprou o direito de imagem não vai transmiti-lo, e também não irá vender essa transmissão para qualquer outro distribuidor. Legislações modernas estabelecem quais são os tipos de eventos nacionais – esportes, artes, campeonatos, etc. – que não podem ser passíveis de direitos de imagem exclusivos, ou excludentes.