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Concessões de TV: receita para superar a pizza

Alguns meses atrás, em outubro de 2007, o governo deu um pequeno susto nas emissoras de televisão. Venceu o prazo de concessão de diversas outorgas de canais, incluindo os das grandes redes – Globo, Record, SBT e Bandeirantes –, e a Casa Civil da Presidência da República foi encarregada de coordenar o processo de renovação. Pela tradição, esse processo seria conduzido pelo Ministério das Comunicações e obedeceria a uma rotina meramente burocrática, sem causar qualquer problema às empresas concessionárias, muito menos algum risco delas perderem alguma outorga. No entanto, certamente por conta das pressões da sociedade por uma nova forma de tratar esse assunto, a Casa Civil recebeu a atribuição e decidiu endurecer com as emissoras, apresentando exigências inéditas para considerar a renovação.

O que pediu a Casa Civil de tão inédito e de tão assustador? Simplesmente que as emissoras demonstrassem, à luz do que é disposto na Constituição Federal e na legislação ordinária, se cumpriram aquilo que se esperava delas, durante o período de concessão vencido. Sua programação atendeu, prioritariamente, a finalidades educativo-culturais? Incentivou-se a produção independente? Houve fomento à programação regional? Respeitaram-se os valores éticos e sociais da pessoa e da família? Alguma emissora monopolizou o mercado ou algum grupo delas formou oligopólio? As emissoras respeitaram o percentual máximo de publicidade (25% do tempo total da grade)? Respeitaram o percentual mínimo de jornalismo (5%)? A Casa Civil pediu informações sobre tudo isso e mais: exigiu provas, documentação.

Previsivelmente, houve um grande espanto quando as exigências foram apresentadas. As emissoras de TV brasileiras não estão acostumadas a dar satisfações ao governo sobre o que fazem, nem mesmo quando o assunto é a concessão pública que receberam. Tanto assim que é usual as outorgas expirarem e as emissoras seguirem operando normalmente, às vezes por anos, antes de regularizar a sua situação jurídica. Na verdade, o prazo de concessão sempre foi uma mera formalidade, porque jamais algum empresário do ramo ou gestor governamental considerou, por um segundo que fosse, a hipótese de uma outorga não ser renovada. Uma vez ganha, outorga de radiodifusão é patrimônio perpétuo, no Brasil.

De modo que, quando apareceu, de repente, um órgão de governo fazendo perguntas e pedindo documentos para renovar concessões, obviamente isso causou desconforto e preocupação. Com apoio do "seu" ministério, o das Comunicações, as emissoras alegaram que não tinham condições de reunir e apresentar a tempo uma documentação tão vasta, cobrindo um período de concessão de 15 anos. E passaram a aplicar a conhecida tática protelatória, que adotam sempre que alguma determinação legal surge para incomodá-las.

Regras… cumpridas!

A tática venceu, mais uma vez. Na semana passada, segundo informa o boletim Tela Viva News, o governo chegou a um acordo interno sobre a renovação das concessões. O Ministério das Comunicações ponderou que não era possível cobrar das emissoras o respeito às exigências constitucionais, uma vez que elas não foram regulamentadas em lei, e a Casa Civil acatou o argumento. No acordo fechado, "as emissoras se comprometem a declarar (mas não provar) que cumpriram os princípios da Constituição e comprovarão que suas programações atendem aos percentuais exigidos pela regulamentação, por meio de suas grades diárias atuais", diz o repórter Samuel Possebon, "Com isso, o processo pode ir ao Congresso, onde, se houver questionamentos, mais informações podem ser exigidas pelos parlamentares".

É o famoso "jeitinho" em ação no país das leis relativas, as que "pegam" e as que "não pegam", sem contar as que jamais pegarão porque sequer serão regulamentadas. As emissoras terão apenas de declarar – e não comprovar – que cumpriram as obrigações constitucionais, porque estas não estão regulamentadas em lei ordinária. Não estão, todos sabemos, porque a radiodifusão e os parlamentares a seu serviço impedem, obstinadamente, a aprovação da Lei Jandira Feghali, que justamente regularia o artigo 221 da Constituição, instituindo os percentuais legais de produção independente e programação regional nas grades de TV. Mas isso, é claro, não vem ao caso. As emissoras também não terão o incômodo de provar que, ao longo de 15 anos, cumpriram o restante da legislação de radiodifusão. Basta que a sua grade atual esteja ajustada ao que a lei determina.

Se essas são as regras, as emissoras seguramente declararão que cumpriram, sim, os dispositivos constitucionais, mesmo não regulamentados, e que obedecem piamente à legislação ordinária de radiodifusão. Não é razoável imaginar que dirão outra coisa. Assim sendo, fiquem informados os cidadãos da República Federativa do Brasil: as emissoras de TV, ao montarem a sua programação, dão preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promovem a cultura nacional e regional; estimulam a produção independente; regionalizam a produção cultural, artística e jornalística; respeitam os valores éticos e sociais da pessoa e da família; não praticam monopólio nem oligopólio; etc. etc. etc. Elas declaram isso, o Poder Executivo endossa e o Legislativo que tenha outro entendimento, se quiser, para deliberar sobre a renovação das outorgas.

Força e convicção

Não é uma beleza ser concessionário de um serviço público nessas condições? O sujeito ganha a concessão, faz com o ela o que quer por 15 anos, não presta contas e ganha fácil a renovação por outros 15 anos. Maravilha. Mas vamos conter a ironia que essa situação inevitavelmente inspira em quem não participa da festa. Vamos considerar que, a despeito da pizza saída do forno governamental, desta vez houve algum avanço, bem ou mal. A Casa Civil ao menos lembrou ao país que os concessionários de radiodifusão têm satisfações a dar, sobre as outorgas que recebem. E eles não tiveram como dizer que também isso é "censura", como dizem de tudo que se faz para colocar a TV sob controle democrático da sociedade.

Olhemos para o futuro. O Congresso Nacional vai apreciar as renovações com essas regras definidas pelo Executivo? Muito bem: o país que discuta naquele foro, o centro do poder cidadão, se as emissoras estão quites ou não com seus deveres constitucionais e legais. A cidadania que pressione os parlamentares para regulamentarem tudo que está pendente na legislação de comunicações. Que estabeleça as regras para a vigência do próximo período de concessão. E que exija transparência na prestação de contas, desde o primeiro dia, para que daqui a 15 anos não se pretexte que é muito documento para reunir.

É facilmente demonstrável que as emissoras estão em débito com aquilo que declaram estar quites. A programação regional nas redes comerciais limita-se a um mínimo de jornalismo e algumas outras atrações, raríssimas, perdidas nas madrugadas, manhãs ou tardes, jamais no horário nobre. A produção independente não é parceira regular de emissora alguma. Não existe qualquer preferência à finalidade educativo-cultural na programação, salvo nas emissoras públicas. Há áreas de conteúdo, como a programação esportiva, que estão totalmente monopolizadas, a ponto de uma grande rede comprar os direitos de transmissão de campeonatos não para exibi-los, mas apenas para impedir que a concorrência o faça. Enfim, a legislação é amplamente desconsiderada.

Se a cidadania quer alterar esse quadro, cabe a ela mobilizar-se. A radiodifusão e o governo não farão isso de moto-próprio. A primeira não tem interesse e o segundo não quer encrenca com quem fala ao grande público, com quem influencia o eleitorado. Ambos tendem a acertar-se discretamente, a resolver todos os problemas longe dos olhos da multidão. Também do Legislativo não se deve esperar grande coisa, enquanto os seus líderes forem, todos eles, radiodifusores ou aliados desse setor.

Restam, apenas, os cidadãos, sua convicção e sua força. Se conseguirem se articular, se mantiverem o governo e o Congresso sob pressão permanente, as coisas acabarão por mudar. Pode levar outros 15 anos, mas mudarão.

TV Brasil: a Radiobrás conseguiu piorar a TVE

Em poucas palavras, após um mês no ar, já é possível dizer que a TV Brasil é muito, muito ruim! Pior do que as piores previsões. E o público que não é bobo, ignora solenemente a sua dispendiosa existência. Seus responsáveis conseguiram o impossível: pioraram o que já era ruim, a velha e combalida TVE do Rio de Janeiro.

Em termos de jornalismo, a TV Brasil tem a cara de um dos piores fenômenos da comunicação brasileira: e internacional: A Voz do Brasil da Radiobrás.

Mas há sempre os críticos otimistas, comprometidos ou engajados nos projetos do governo, que tentam diminuir a frustração. Afinal, nem tudo dá certo de cara. Vide o nosso país ou os projetos do governo. Os críticos otimistas buscam explicações no passado para justificar a falta de planejamento, a falta de pesquisas e a pressa para impor velhas idéias ou preconceitos sobre como deveria ser uma televisão. Uma televisão, muitas vezes, para quem, na verdade, não gosta de televisão.

TV Vale Tudo

Afinal, dizem eles, nem tudo começa bem. Os exemplos vão das novelas do passado aos governos do presente. De Roque Santeiro às atuais promessas de uma TV pública de verdade, a novela “Vale tudo” é o melhor argumento para explicar e garantir uma mídia mais amistosa e alguns bons empregos. 

Nos últimos dias, pude assistir à programação da TV Brasil. Estão matando uma boa idéia, uma boa proposta com o que há de pior na TV. Em plena era da Internet e opção midiática cada vez maior para um público cada vez mais exigente, a programação da TV Brasil é tudo que uma TV não deveria ser. É muito, muito chata, velha e previsível. A TV Brasil é uma antiTV. As comparações com a pior rede de TV brasileira de todos os tempos, a famigerada CNT, são inevitáveis. O problema é que nós estamos bancando esse desastre. 

A programação da TV Brasil reflete a pressa e a improvisação. Não há uma estratégia de comunicação, nada faz sentido e o público é ignorado. Uma televisão de burocratas para simpatizantes. Para quem assiste televisão desde os anos 50, a TV Brasil é um total retrocesso na linguagem do meio. Digital ou analógica, comprova as piores previsões do fim da TV nos próximos anos.

Velhos programas com velhos apresentadores defendendo idéias ainda mais velhas. Nada, absolutamente, nada de novo, experimental ou ousado. É a televisão do previsível, do seguro, uma televisão para converter os convertidos e divulgar as propostas mirabolantes do governo.

Jornalismo Secos e Molhados

E o pior é o telejornal, um tal de Repórter Brasil. Uma seleção de matérias insossas, chamadas de “positivas” para garantir de forma “equilibrada” os interesses dos ministérios do governo. Um telejornal de boas notícias sobre um país que não existe. Um jornalismo de elogios com mais cara de Voz do Brasil é impossível.

Tem matérias sobre os “avanços” no turismo, na saúde, nos transportes, na segurança em quase tudo que deveríamos ter, mas não temos. É um telejornal de “faz de conta” que vai tudo bem. Nenhuma polêmica, nenhuma denúncia, nenhuma investigação, pois afinal a proposta é fazer um jornalismo “positivo”, ou seja, irreal!

Bem já dizia o velho Millôr, “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Pelo jeito, a TV Brasil optou pelo telejornal de secos e molhados. 

E no ar, ficam as perguntas que não querem calar: será que o Congresso vai aprovar a medida provisória que criou essa tal de TV Brasil? E no próximo governo, qual será a cara dessa TV Brasil? Mais estatal, pública, educativa ou simplesmente… mais partidária?

* Antonio Brasil é jornalista, professor de jornalismo da UERJ e professor visitante da Rutgers, The State University of New Jersey.

Mudanças Climáticas: a cobertura da imprensa brasileira sob exame

Não é difícil chegar à conclusão de que o tema mudanças climáticas e seus principais satélites (aquecimento global, efeito estufa etc.) estiveram na lista de prioridades de parte significativa da mídia noticiosa brasileira nos últimos meses. Basta ler os jornais. Basta estar atento ou atenta às reportagens especiais dos telejornais e aos programas jornalísticos de maior fôlego veiculados, sobretudo, pelos canais pagos.

Se é trivial, portanto, responder à pergunta "o jornalismo brasileiro dispensou atenção ao tema das mudanças climáticas recentemente?", o mesmo não ocorre se a indagação fosse um pouco mais complexa: "Como o jornalismo brasileiro cobriu o tema mudanças climáticas recentemente?"

São subsídios para formar uma ou mais respostas a esta pergunta que a caríssima leitora ou o caro leitor vão encontrar no documento Mudanças climáticas na imprensa brasileira – Uma análise de 50 jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007, cuja íntegra pode ser obtida aqui (arquivo PDF).

O texto analisa o tratamento editorial dispensado por 50 jornais diários brasileiros ao debate sobre as chamadas mudanças climáticas. O estudo abrange veículos de todos os estados do país, trazendo uma radiografia da cobertura produzida entre julho de 2005 e junho de 2007.

Políticas públicas

Os resultados da pesquisa – fruto de um esforço coordenado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), com o apoio da Embaixada Britânica no Brasil – constituem subsídios relevantes para uma leitura mais aprofundada sobre o papel desempenhado pela grande mídia na ampla discussão que vem sendo travada, em nível mundial, acerca das alterações registradas no clima do planeta e das possíveis conseqüências desse fenômeno, no futuro.

Trata-se de um debate central para as políticas de desenvolvimento das diversas nações e – não é exagerado afirmar – para toda a humanidade. Essa é, certamente, a primeira premissa a partir da qual o presente estudo foi elaborado. Isso porque não é possível pensar sob a perspectiva do desenvolvimento sem que se leve em conta o processo de degradação ambiental gerado, nos últimos séculos, a partir da expansão da economia mundial. Por outro lado, vale lembrar que esse cuidado com a sustentabilidade, tão difundido nas décadas mais recentes, traz em sua essência uma preocupação que está na raiz do trabalho desenvolvido pela ANDI desde sua fundação: construir um contexto favorável à qualidade de vida das novas gerações.

Apontadas tais considerações, surge ainda outra importante questão que também embasa a configuração do presente estudo: por que nos dedicarmos a uma análise aprofundada sobre a relação entre a atuação da mídia e o debate acerca das mudanças climáticas?

Nossa opção foi por dedicar esforços na compreensão de como um ator central para a democracia – a imprensa – vem atuando frente a esse importante debate. Para sustentar a necessidade de compreendermos melhor essa relação mídia/mudanças climáticas vale apontar cinco outras premissas fundamentais:

1. O tema mudanças climáticas conforma uma questão da mais alta relevância para as sociedades contemporâneas.

2. Exatamente por isso, precisa ser agendado de forma prioritária entre a população em geral, mas, sobretudo, entre os chamados tomadores de decisão e formadores de opinião.

3. Precisa ainda ser informado de maneira contextualizada.

4. Da mesma forma, necessita ser alvo de políticas públicas monitoradas pelos atores que conformam o sistema de freios e contrapesos, peça fundamental para a boa governança e para a transparência nas sociedades democráticas.

5. Por fim, ressaltamos que o jornalismo tem como funções fundamentais, exatamente:

** agendar os temas prioritários para as democracias contemporâneas;

** prover informação contextualizada sobre esses mesmos temas;

** atuar como watchdog dos formuladores e executores de políticas públicas, colaborando para elevar o nível de accountability dos mesmos.

Janelas de oportunidade

Essas cinco afirmações constituem os pilares da presente investigação.

Nosso objetivo, portanto, é apresentar um mapa bastante detalhado acerca do tratamento editorial oferecido pelas redações brasileiras aos assuntos relacionados às mudanças climáticas. Nesse sentido, cabe apontar algumas perguntas que nortearam a elaboração da pesquisa:

** A imprensa agendou o tema no período? Se sim, como?

** Ao prover informações sobre o tema, a mídia o contextualizou? Ouviu a diversidade de atores envolvidos com o assunto? Buscou abordar o assunto a partir de variadas perspectivas?

** Os diferentes veículos noticiosos desempenharam seu papel de fiscalização dos formuladores e executores de políticas públicas?

Dados que permitem elaborar respostas para estas e outras perguntas estão amplamente distribuídos ao longo da publicação. As principais estatísticas, ademais, podem ser rapidamente encontradas no resumo executivo.

Para finalizar esta rápida apresentação do estudo, gostaria de lembrar o que nos parece ser uma das principais conclusões que se podem derivar da análise de conteúdo realizada: é possível enxergar muitos dos resultados obtidos como lacunas e problemas da cobertura. Não obstante, é possível também vê-los como diversas janelas de oportunidade para o trabalho que a imprensa, certamente, seguirá dedicando ao tema – por decisão própria ou compelida pela realidade. Nosso olhar, como poderão verificar, está mais próximo da segunda alternativa.

* Guilherme Canela é cientista político e coordenador de relações acadêmicas da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI); foi o coordenador geral da pesquisa sobre a imprensa e as mudanças climáticas

Radiodifusão em xeque: a televisão precisa de um rumo

Não há necessidade de uma análise muito aprofundada das grades de programação das principais emissoras do país para chegar-se à constatação de que se trata de um construto pobre, demonstrativo da carência cultural de uma dada formação histórica, uma deterioração, mesmo tratando-se de empresas midiáticas, que tradicionalmente produzem e distribuem produtos simbólicos nos marcos das dinâmicas de rentabilização, de onde decorrem todas as estratégias.

As emissoras direcionam sua programação diurna preferencialmente para as faixas etárias adulta e adolescente, explorando programas de culinária e discussões superficiais sobre a vida de artistas e o desenrolar dos acontecimentos novelescos. A grade de programação brasileira é baseada na Rede Globo, que serve como parâmetro para as outras emissoras, isto é, programas que atingem sucesso na líder de audiência tornam-se suporte do conteúdo dos canais concorrentes. São atrações que falam da Globo, buscando contaminar-se simbolicamente por seu êxito.

A falta de criatividade dos produtores acaba impedindo o avanço cultural da sociedade, visto que muitos espectadores informam-se basicamente através da televisão. Esse processo decadente, comparado à sua grande potencialidade, vem ocorrendo há vários anos, tendo seu auge em momentos, no SBT, como o Domingo Legal, com sua banheira erótica, e o Aqui Agora, onde a violência e o bizarro se destacavam. Já a segunda metade dos anos 90 foi assinalado por produtos como o H, com Feiticeira e Tiazinha, que, na Bandeirantes, elevou ao máximo a erotização e a exploração da mulher. Da mesma forma, ontem e cada vez mais hoje a Globo faz do sexo um importante fator de captação de público, em suas novelas.

Modelos desconstruídos

Os radiodifusores costumam dizer que o povo não assistiria a programas mais complexos, porque, na verdade, gosta de ver baixaria. Mas será? É possível produzir telenovelas inovadoras, de temáticas diferentes e atraentes, como, no passado, foi Pantanal, sucesso absoluto na antiga TV Manchete, que, além de mostrar um Brasil desconhecido pela maioria, trazia nos personagens a pureza e a ingenuidade de uma vida simples.

A assistência a um único capítulo de novela já permite a clara distinção entre o bem e o mal, possibilitando a projeção do futuro das personagens e a previsibilidade da estória, onde o malfeitor e o anti-herói reinam absolutos durante meses, só perdendo no final. Já os programas de auditório, que preenchem as tardes do fim de semana, visam a atender a todos os públicos, misturando provas para pessoas humildes, com necessidades financeiras, e exposição de mulheres em trajes sumários, dentre outros elementos de fácil assimilação. Esse talvez seja o grande problema da produção televisiva: faltam novidades e, principalmente, ousadia; no máximo, há estréias de programas com formatos importados do exterior.

Porém, não se pode esquecer que ainda existem algumas inovações, como as minisséries que buscam retratar as histórias do Brasil e de suas unidades federativas. No entanto, essas produções não atingem uma grande audiência, engrossando o discurso daqueles que dizem que o povo prefere baixaria. Ocorre que, além de usualmente serem veiculadas em horário tardio, algumas abusam de seu caráter experimental, como a minissérie A Pedra do Reino, que acabou gerando confusão no telespectador. Se há um hábito de exibição e recepção de produtos de fácil entendimento, os modelos desconstruídos devem ser transmitidos paulatinamente, em pequenas doses, por não estar estabelecida tal tendência de consumo.

Bons projetos e exemplos

O Altas Horas, da Rede Globo, por exemplo, é atualmente o único programa da TV aberta, de alcance nacional, voltado especificamente para o jovem que investe em um formato simples e contributivo, tratando os assuntos de forma clara e sem apelação, o que, de um modo geral, está cada vez mais raro. Em regra, as emissoras buscam atender o jovem com produções ficcionais norte-americanas e partidas de futebol, alienando-o mais ainda, como se a vida fosse só isso. Entretanto, os canais deveriam investir mais em espaços audiovisuais diferenciados, representantes da diversidade de identidades do planeta e, especialmente, na divulgação do cinema, da música e das demais formas artísticas brasileiras, trabalhando sua maior riqueza: a diversidade. Isso poderia estimular e inspirar a produção de novos bens culturais, com características próprias, ao mesmo tempo em que formaria receptores para realizações mais exclusivas.

No quadro televisual de hoje, não há lugar para a apresentação de bons líderes e exemplos de conduta. Infelizmente, as redes têm privilegiado a tragédia e o banditismo (intencionalmente), deixando de discutir os problemas estruturais do país, os caminhos alternativos possíveis e as iniciativas comprometidas com a mudança efetiva. O resultado disso, junto à população, tem sido a omissão e o descaso com as questões políticas do Brasil.

O discurso de que a televisão é um retrato do país é simplista, pois ela potencializa as ações que pretende iluminar, como, por exemplo, o erotismo exacerbado, estimulado nas telenovelas, shows de auditório e publicidade. Buscar a justiça deveria ser a missão da TV, já que, ao atingir todas as classes, pode exercer um papel preponderante na definição de uma nova sociedade. O Brasil clama por bons projetos e exemplos. A televisão, como serviço público, mesmo quando prestado por empreendimentos privados, deveria deter-se nisso para preencher uma ferida que está aberta e sangrando faz muito tempo.

* Valério Cruz Brittos é professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA.
* Ary Nelson da Silva Júnior é graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Unisinos.

Censura na TVE do Paraná: solidariedade ao governador Requião

Num visível atentado à democracia, a Justiça Federal do Paraná decidiu ontem, dia 9, estabelecer censura prévia na Rádio e Televisão Paraná Educativa. O objetivo da medida arbitrária, segundo despacho do próprio desembargador Edgar Lippmann, é coibir a participação na rede pública do governador Roberto Requião. Há muito que as opiniões e as polêmicas corajosas do governante, incluindo as transmitidas ao vivo da reunião semanal da Escola do Governo, incomodam a elite, em especial os partidos de direita, os latifundiários e alguns integrantes do próprio Judiciário.

Em vários programas na TV Educativa, Requião já expressou apoio à luta pela reforma agrária e solidarizou-se com as ações do MST; defendeu o ingresso da Venezuela no Mercosul e condenou as forças entreguistas que sabotam a integração latino-americana; ajudou a elucidar os processos contra a concessionárias que exploram os pedágios no estado; comprou brigas com a TV Globo, como a que desmascarou as intrigas contra a administração do Porto de Paranaguá. Atualmente, a Rádio e Televisão Paraná Educativa é um contraponto às mentiras da direita e sua mídia venal.

“AI-5 e obscuridade da ditadura”

O arbitrário despacho do desembargador Lippmann, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, contraria a própria análise da juíza federal Tani Maria Wurster. Em dezembro de 2007, ela negou outro pedido do Ministério Público de censura prévia às críticas e denúncias do governador. “A Constituição garante os direitos fundamentais à livre manifestação do pensamento e à livre expressão da atividade intelectual, independentemente de censura ou licença de acesso à informação. Assim, Roberto Requião está livre para manifestar críticas, bem educadas ou não, a respeito da imprensa, das instituições públicas e de seus adversários políticas”, concluiu a juíza.

No seu despacho, Tani Wurster ainda polemizou com os que criticam o uso da emissora pública. “Impedir de fazê-lo configura censura, o que é vedado constitucionalmente. A circunstância de serem as críticas categóricas é da pessoa de Roberto Requião e, juntamente com ele, elas foram chanceladas pelos paranaenses quando o elegeram… São opiniões políticas, próprias do exercício do regime democrático. As opiniões não foram lançadas na esfera privada dos ofendidos, o que poderia demandar a aplicação dos princípios de proteção à honra… Em razão do exposto, entendo que a manifestação do pensamento, porque é livre de qualquer condicionamento, por si só e em princípio, não configura lesão à moralidade ou impessoalidade administrativa”.

A nova medida do judiciário local anula toda esta argumentação jurídica e é uma aberração. Ela exige uma rápida resposta das forças democráticas. Não dá para se calar diante deste disparate. O próprio governador Roberto Requião, com a sua coragem habitual, já reagiu à decisão judicial e pediu apoio dos setores organizados da sociedade. “Espero a manifestação de todas as entidades de classe, dos veículos de comunicação, dos sindicatos dos jornalistas, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação Brasileira de Imprensa, no que se refere ao estabelecimento da censura prévia no Paraná. Voltamos ao Ato Institucional número 5 e à obscuridade da ditadura”.

* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).