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Fusão Oi/BrT: mudança de paradigmas

No mundo dos negócios, onde as empresas são conduzidas para se tornarem parte indispensável do mercado onde atuam, portanto supridoras dos desejos e aspirações das pessoas que atendem, a dinâmica das transformações é permanente. No caso da eventual compra da Brasil Telecom pela Oi, muito mais do que o resultado dessa transformação, sob o ponto de vista das empresas, o que se precisa avaliar é o quanto essa transformação atende aos interesses da sociedade.

No que diz respeito ao arcabouço regulatório que rege as telecomunicações do Brasil a citada operação representa uma possibilidade que é recepcionada pelo modelo do setor, que foi concebido de forma flexível – juristas renomados costumam se referir à Lei Geral de Telecomunicações, como uma Lei Quadro, portanto como uma peça jurídica dotada de flexibilidade para atender às transformações de cenários – sendo,portanto, passível de incorporar novas realidades decorrentes das mutações tecnológicas, empresariais e de impacto na sociedade, típicas de um setor tão dinâmico quanto as telecomunicações.

No caso do Plano Geral de Outorgas, que estabelece as áreas de atuação das concessionárias de telefonia fixa, a previsão legal é de que a Anatel pode admitir, após cinco anos da privatização, a transferência de controle entre empresas atuantes em regiões distintas das determinadas pelo PGO, se entender que isso já não é mais necessário para o cumprimento do Plano. A agência não tem, no entanto, poder para criar novas regras, o que traz o risco de um vácuo regulatório que pode provocar um processo indesejado de monopolização do mercado. Para evitar isso, é fundamental que o Presidente da República, no exercício de sua competência legal indelegável, institua um novo PGO, mais adequado à consecução das políticas públicas por ele definidas.

A verdade é que vivemos hoje um momento completamente diferente em relação ao cenário da época das privatizações, em 1998. Em primeiro lugar, a evolução tecnológica mudou conceitos dos serviços, modificou a lógica da competição, e, como conseqüência, ampliou as opções para os consumidores. A convergência de redes e serviços e a dinâmica do mercado exigem explicitação de regras, como, por exemplo, a que permite que grupos empresariais possam controlar empresas atuantes em áreas geográficas distintas.

Por conta disso, o mundo inteiro vive um intenso processo de consolidação de empresas de telecomunicação que se ajustam às demandas da sociedade e à lógica dos mercados, o que evidencia a necessidade de refletirmos sobre seu impacto no mercado brasileiro. O exemplo mais relevante é o dos Estados Unidos, umas das principais fontes de inspiração dos modelos dos setores de telecomunicações em todo o mundo. Ali, as chamadas 'Babybells', sete empresas que dividiam o país por áreas geográficas, em 1996, se consolidaram em três grandes grupos com atuação, na maioria dos serviços, de âmbito nacional. Ficou claro, no caso americano, que a divisão artificial do mercado – muito maior que o mercado brasileiro – levou a um processo natural de consolidação.

No Brasil, a divisão do país em três áreas geográficas fez muito sentido no momento da privatização, principalmente para resgatar a gigantesca dívida representada pela enorme demanda reprimida, à época, e garantir o amplo atendimento da sociedade, com o estabelecimento de metas de universalização do serviço telefônico fixo. Essa etapa, claramente já foi ultrapassada e esse fato, por si só, já é determinante para suscitar uma reflexão mais atualizada do modelo.

O ponto sobre o qual temos que nos concentrar não é, portanto, a questão da modificação do modelo de mercado. Sua alteração é possível, prevista na legislação e determinante para adequar o marco regulatório brasileiro às novas realidades do mercado de telecomunicações no país. O que precisamos discutir, na verdade, são as diretrizes que irão orientar essa mudança e os benefícios que pretendemos auferir para a sociedade.

Acredito que o desenvolvimento de uma empresa de capital nacional, com capacidade de competir internacionalmente, pode ser um fato relevante para a sociedade brasileira. Para começar, o resultado de uma eventual fusão entre Oi e Brasil Telecom criaria uma companhia mais forte, capaz de fazer frente a uma nova série de compromissos, definida pelas novas regras, em relação ao desenvolvimento regional e à oferta de serviços em áreas mais carentes. Além disso, os ganhos de sinergia e de redução de custos da operação, inclusive para captações internacionais, poderiam levar a preços e tarifas menores, com a repartição de seus benefícios para a sociedade como um todo.

Como decorrência dos compromissos que viessem a ser estabelecidos, a consolidação de um grupo local – com capacidade para atuar no mercado brasileiro, cadavez mais competitivo, e para se expandir para outros mercados, com destaque para os países vizinhos – poderia também fortalecer a competição interna e garantir a presença brasileira em um mundo cada dia mais dependente de telecomunicações.

Uma iniciativa do Poder Executivo no sentido de adequar o modelo regulatório das telecomunicações pode, portanto, e deve ser estimulada, quando responde às demandas do país. O governo tem todos os instrumentos para conduzir essa adequação, explicitando as razões e estabelecendo as diretrizes que irão orientar o processo de mudança. O que não podemos é deixar de acreditar que somos capazes de transformar em realidade as nossas utopias, e perdermos oportunidades de, num setor de alta tecnologia e imenso dinamismo e utilizando as regras fixadas na legislação, promover modificações que venham ao encontro do interesse nacional.

* Renato Navarro Guerreiro é consultor em telecomunicações e ex-presidente da Anatel.

Delimitação conceitual das TVs estatal, pública e privada

Em artigo para este Observatório ("A televisão que não ousa dizer o nome"), Gabriel Priolli levanta oportunamente o problema da delimitação conceitual entre a televisão pública e estatal, exigência posta pelo princípio constitucional da complementaridade dos sistemas de radiodifusão.

Realmente, constitui um enorme desafio traçar as fronteiras entre a televisão pública e estatal. Tal tarefa decorre de imposição da Constituição do Brasil de 1988 que, contudo, até hoje não foi cumprida pelo legislador. Vale dizer, o marco regulatório dos serviços de televisão por radiodifusão, representado basicamente pela Lei nº 4.117/62, não diferencia os conceitos e, conseqüentemente, sequer estabelece regimes jurídicos diferentes.

A questão aqui não é saber se precisamos de televisão estatal ou pública. Isso porque a Constituição impõe três sistemas de radiodifusão (público, privado e estatal) que precisam ser organizados pelo legislador e, assim, serem prestados pelos poderes estatais, sociedade civil e pelo mercado. Enfim, trata-se de obedecer à normatividade do texto constitucional.

Normas e procedimentos

O princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (privado, público e estatal), contido no art. 223 da Constituição, exige um novo modelo de disciplina dos serviços de televisão para além do paradigma clássico, voltado unicamente para o serviço público de televisão por radiodifusão, associado à reserva da atividade em favor do Estado.

O novo modelo, que ora se defende, considera que os serviços de televisão devem ser classificados como: (i) serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal), (ii) serviço público não privativo (sistema de radiodifusão público) e (iii) atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado).

A Constituição impõe a complementaridade entre os setores de televisão por radiodifusão privado, público e estatal, o que, evidentemente, implica harmonia e colaboração entre as estruturas de comunicação social. Em outras palavras, garante-se o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas, porém, complementares, uma vez que as diferenças de fundamentos, evitando-se, assim, distorções arbitrárias no processo de comunicação social.

Trata-se de uma manifestação particular do princípio do pluralismo no campo da comunicação social por meio da radiodifusão em prol da estruturação policêntrica do sistema de radiodifusão, isto é, em favor da diversidade das fontes de informação e da multiplicidade de conteúdos audiovisuais para a sociedade brasileira. Vale dizer, a interpretação da referida norma constitucional deve ser feita com base no princípio do pluralismo nos seus âmbitos quantitativo (pluralidade de estruturas organizacionais comunicativas) e qualitativo (pluralidade de conteúdo audiovisual diverso). Assim deve ser porque tal norma tem por função a oferta equilibrada de programas de televisão nos setores privado, público e estatal, cabendo ao Estado a adoção de normas e procedimentos para cumprir tal tarefa, que logo a seguir serão expostos.

Distribuição dos bens

A organização dos sistemas de televisão por radiodifusão há de ser feita pelo Estado, no exercício de sua função regulatória (art. 174), conforme os objetivos da regulação. Há, aqui, uma forte conexão entre o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão e o conceito de regulação. A idéia de complementaridade representa a negação de uma relação de hierarquia entre os sistemas de radiodifusão; e, por conseqüência, requer a funcionalidade integrada dentro do sistema de comunicação social.

O princípio da complementaridade exige, ainda, a fixação de critérios de facilitação do acesso prioritário às freqüências do espaço eletromagnético pelo setor público e pelo setor estatal. Isto porque, em face da hegemonia da radiodifusão privada em nosso país, há o dever de que as freqüências disponíveis para uso de canais de televisão sejam, preferencialmente, outorgadas aos setores estatal e público (aqueles responsáveis pela prestação de serviços públicos privativos e não privativos do Estado), pois em relação aos mesmos existem maiores exigências em favor dos interesses públicos e das obrigações constitucionais. Trata-se de uma medida de correção das oportunidades comunicativas no interior da comunicação social, sendo que a própria noção de regulação é que ampara tal medida de planejamento administrativo quanto à gestão do espaço radioelétrico, voltada para o equilíbrio entre os sistemas.

Enfim, a atribuição prioritária de freqüências justifica-se em razão da prestação do serviço público. Este, é importante destacar, não se limita à correção das falhas estruturais e (ou) conjunturais do sistema de radiodifusão privado (mercado de televisão). A sua função consiste em atuar mesmo quando o sistema comercial, hipoteticamente, funciona bem. Vale dizer, a existência do regime de serviço público de televisão não está atrelada às falhas do mercado (um paradigma liberal); ao contrário, sua causa originária encontra-se em razões que o transcendem, alcançando bens não-econômicos que necessitam de difusão perante o público em geral, daí a exigência do desempenho da função estatal de distribuição dos bens, por exemplo, culturais.

Educação e cultura

Os serviços públicos consistem em importante mecanismo de garantia dos direitos fundamentais. Alerte-se, contudo, que não se trata do único meio de satisfação dos mesmos. Nesse sentido, o serviço público de televisão é uma das formas de realização dos direitos à liberdade de expressão, liberdade artística, informação (inclusive informação jornalística), culturais, à educação e à comunicação social, entre outros.

No sistema de radiodifusão estatal, há maior espaço para a realização do direito dos cidadãos à informação de caráter institucional e, ao mesmo tempo, de cumprimento do dever do Estado em termos de comunicação institucional. Isto implica a possibilidade de criação e manutenção de canais de televisão para atendimento da referida obrigação.

Com efeito, apesar de a Constituição diferenciar os sistemas de radiodifusão estatal e pública, na prática há a confusão conceitual entre a televisão estatal e a televisão pública.

Daí a necessidade de delimitação do conceito de televisão estatal. Esta constitui uma modalidade de serviço público privativo do Estado, sendo que uma de suas finalidades é assegurar a comunicação social de caráter institucional, nos termos do art. 37, §1º da CF, a respeito dos atos e (ou) fatos relacionados ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário.

O poder público tem deveres a cumprir no que tange à educação e à cultura. Em razão disso, a televisão estatal não se reduz à realização da comunicação institucional. Nesse sentido, é possível que um canal de televisão integrante do sistema estatal veicule tanto conteúdos relacionados à informação institucional quanto à educação e à cultura.

Sem autonomia institucional

A conceituação da televisão estatal deve estar vinculada à titularidade exclusiva e o controle do Estado sobre a programação. O núcleo de sua definição corresponde às idéias de competência estatal quanto à organização e prestação do serviço de televisão por radiodifusão. Daí, a incompatibilidade entre a livre iniciativa e o sistema estatal.

Já o sistema de radiodifusão público possibilita a concretização dos direitos à educação e à cultura por intermédio das televisões educativas e, especialmente, no caso das televisões comunitárias, o exercício direto pelos cidadãos das liberdades de expressão e de comunicação social. Em outras palavras, o sistema público é o âmbito, por excelência, para a realização dos direitos sociais relacionados à educação e à cultura.

A televisão pública é uma das modalidades de serviço de televisão, integrante do sistema de radiodifusão público, caracterizada como um serviço público não-privativo do Estado cuja função primordial é a execução de serviços sociais relacionados à educação, à cultura e à informação, realizada por organizações independentes do Estado, com a participação e o controle social, que não integram a administração pública e que não possuem fins lucrativos, submetidos a um regime de direito público de modo preponderante.

Em verdade, uma verdadeira televisão pública, independente do governo, ainda está para ser criada, eis que a modelagem jurídica tradicional não garante tal autonomia institucional. Nesse sentido, a denominada televisão "pública" criada pela MP nº 398/2007 é, em verdade, uma televisão estatal, eis que criada, mantida e controlada pela União.

Organizações sociais

O critério essencial para a caracterização da televisão pública é a independência diante do poder público, assegurada mediante a participação e o controle social, particularmente o poder de auto-organização interna com a indicação de seus administradores e, sobretudo, a nomeação de seu presidente, vedando-se que o chefe do Poder Executivo (seja presidente da República, seja governador do Estado) escolha o responsável pela direção da entidade. Em verdade, trata-se de uma verdadeira garantia constitucional de acesso dos cidadãos e dos grupos sociais ao meio de comunicação social consubstanciado na televisão por radiodifusão.

Quanto às emissoras de televisão educativas, algumas considerações precisam ser feitas.

Elas encontram-se, em sua grande maioria, no âmbito da estrutura das administrações públicas.

Em função disso, infelizmente, elas estão sob a influência dos governos que procuram imprimir uma determinada visão ideológica quanto ao conteúdo da programação de televisão. Para evitar isto, faz-se necessária a independência dessas estações de televisão para se tornarem de fato e de direito televisões públicas não-estatais, não vinculadas à esfera governamental.

Daí porque um dos caminhos para essa garantia de autonomia é a sua respectiva transformação em organizações sociais (exemplo: Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – ACERP, que possui contrato de gestão com a União) ou organizações civis de interesse público (exemplo: Associação de Desenvolvimento da Radiodifusão de Minas Gerais, que possui termo de parceria com a Fundação TV Minas Cultural e Educativa), as quais integram o terceiro setor, voltado para a execução de atividades não-exclusivas do Estado, justamente os serviços sociais relacionados à educação e à cultura.

Prestação de serviços

Evidentemente que a mudança da clássica forma jurídica fundação de direito público ou de direito privado adotada pela televisão educativa para um modelo de organização social ou organização civil de interesse público por si só não garante a autonomia da entidade em face do governo.

Com efeito, a finalidade da televisão educativa não é, por óbvio, promover a figura do governante de plantão. Se ocorrer o uso abusivo do meio de comunicação social em favor de pessoas ligadas ao governo haverá a violação da norma constitucional que impõe a realização da publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos em termos educativo, informativo ou de orientação social, vedando-se a utilização de nomes, símbolos e imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. A par da violação à referida norma, poderá ocorrer ofensa à Lei de Improbidade Administrativa, na medida em que recursos públicos oriundos dos contribuintes destinados à operação da televisão educativa servirão ao custeio da atividade promocional do governante. Daí porque, em ocorrendo desvios na gestão da emissora, deve ser promovida ação judicial para a apuração da responsabilidade das pessoas envolvidas.

Além dissso, do ponto de vista do direito positivo, faz-se necessária a revisão do conceito de televisão educativa, eis que desatualizado diante do processo de evolução histórico-social. O Decreto-lei nº 236/67 dispõe que a "televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates" (art. 13).

Por óbvio, não é possível limitar o papel educativo de uma emissora de televisão à veiculação de "aulas, conferências, palestras e debates", sob pena de comprometer a própria finalidade educacional. Daí porque tal regra há de ser revisada para garantir a autonomia à emissora de televisão para definir os meios pelos quais atenderá ao conteúdo educacional.

E mais, defende-se que as televisões educativas no âmbito da radiodifusão não devem se restringir às universidades, tal como ocorre no modelo dos serviços de TV a cabo. Pelo contrário, é imprescindível estender a faculdade de prestação de serviços às instituições de ensino superior. Em que pese a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tratar, de modo diferenciado, as duas entidades, não existe razão jurídica que justifique a exclusão delas do sistema de radiodifusão público. Em outras palavras, a finalidade educacional, mediante a atividade de televisão por radiodifusão, pode ser atendida tanto pelas universidades quanto pelas instituições de ensino superior.

Direitos fundamentais

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados sugere a adoção da obrigatoriedade da vinculação das emissoras com fins educativos a instituições de ensino. É um caminho, porém não suficiente para garantir a sua respectiva autonomia em face dos governos. Nada impede que, apesar de vinculada a uma instituição de ensino, a televisão educativa sirva aos propósitos políticos do governante.

Talvez a solução passe pela definição clara da finalidade da televisão educativa e a aplicação de sanção de cancelamento do ato de outorga, se desviada desse fim. Outra alternativa é prever como hipótese de perda do mandato eletivo o abuso nos meios de comunicação social. No período eleitoral, já há essa previsão para fins de proteção da normalidade e legitimidade do pleito na Lei Complementar nº 64/90 (art. 22); falta estender a sanção para alcançar todo o período de exercício do cargo público. Outra possibilidade para evitar o caciquismo político é prever a hipótese de perda do mandato de deputados e senadores para aqueles que possuírem direta ou indiretamente estações de rádio e televisão.

O enraizamento da democracia na sociedade brasileira depende do combate à excessiva interferência política sobre os meios de comunicação, evitando-se a sobreposição do interesse pessoal acima do interesse republicano.

Por outro lado, quanto à televisão comercial, observe-se que no sistema privado há maior autonomia privada das emissoras de televisão quanto à execução dos aludidos direitos em função de sua liberdade de radiodifusão e, conseqüentemente, sua liberdade de programação. Os princípios constitucionais catalogados no art. 221 da CF, relacionados à produção e à programação das emissoras de rádio e televisão, consistem em manifestação especial dos direitos fundamentais à liberdade de expressão artística, à educação, à cultura e à informação jornalística, livre iniciativa e dignidade da pessoa humana, o que será visto mais à frente em item específico.

Pluralismo democrático

A televisão privada é aquela de titularidade dos agentes econômicos que oferecem uma programação voltada para o atendimento de sua finalidade lucrativa.

Atualmente, já prevalece a lógica de mercado no sistema de radiodifusão privado, porém a doutrina e a jurisprudência tratam, ainda, como serviço público privativo do Estado. Um conceito só se justifica se ele refletir a realidade dos fatos e do direito. Mostra-se inadequado insistir na manutenção da utilização de uma noção clássica, sendo que as realidades constitucional, social e tecnológica apontam para a necessária atualização de seu sentido.

Assim, o conceito do passado deve ser transformado e adaptado, conforme as circunstâncias do presente, com vistas à regulação setorial que produzirá efeitos para o futuro. De um lado, possibilita-se a sua permanência (no âmbito dos sistemas de radiodifusão estatal e público); de outro lado, viabiliza-se a sua mudança (com o seu afastamento do sistema de radiodifusão privado).

Por sua vez, o eixo de estruturação dos três sistemas de radiodifusão consiste na liberdade de comunicação. Esta manifesta-se de modo especial no campo da comunicação social (arts. 220 a 224, da CF); no entanto, não se confunde com a liberdade de comunicação pessoal ou de âmbito coletivo (art. 5.o, IX, CF). Com efeito, é sintomático que o princípio da complementaridade esteja contemplado no capítulo constitucional dedicado à Comunicação Social. Portanto, em virtude disso, os "sistemas de comunicação de massa" atuam como mecanismos de realização das liberdades comunicativas asseguradas aos cidadãos e à sociedade. Tais liberdades servem tanto à autodeterminação individual quanto à autodeterminação democrática do povo brasileiro. Daí a imprescindibilidade da pluralidade das fontes de informação em um país proclamado como Estado Democrático de Direito em garantia da livre formação da opinião pública.

Enfim, o serviço de televisão é uma atividade que deve ser compartilhada entre o Estado, a sociedade e o mercado, de modo a possibilitar a realização dos direitos fundamentais à informação, à cultura, à educação, entre outros. O pluralismo democrático na comunicação social somente será garantido mediante a estruturação policêntrica dos sistemas de radiodifusão, assegurando-se a existência de emissoras de televisão públicas, estatais e privadas.

Algumas das dúvidas sobre a fusão da Oi com a Brasil Telecom

A operação para a fusão entre Brasil Telecom e Oi é um evento cercado de informações não-oficiais, de declarações em off e de muitas dúvidas. Quando um ministro finalmente tenta dar uma informação oficial, como fez Hélio Costa, é logo desmentido pelas empresas e repreendido pelo governo. O governo, que por um lado é apontado pela grande imprensa como o grande fomentador do negócio, não se pronunciou. O BNDES, que parece ser o pilar financeiro da operação, não detalha as diretrizes que está seguindo. As empresas confirmam, oficialmente, apenas conversas. Então, para contribuir para o debate, sugerimos uma relação de perguntas a serem feitas às autoridades responsáveis por permitir ou não a fusão, aos fundos de pensão, ao BNDES e aos acionistas das duas empresas.

A lista é longa, mas se justifica pela complexidade da operação. Vale lembrar que na tarde desta quinta, 31, o presidente Lula recebe a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, para tirar as dúvidas sobre a operação.

1) Qual o interesse público que pode ser atendido com a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi?

Se a resposta for: "Estamos criando uma grande empresa nacional", pergunta-se:

2) Por que uma grande empresa nacional é algo que precisa do apoio do governo para ser criada?

3) O que esta grande empresa nacional fará em benefício do interesse público?

4) Esta grande empresa nacional expandirá sua área de atuação para outros mercados, tornando-se uma multinacional, trazendo divisas para o país?

5) Nesse caso, que oportunidades de negócio existem hoje no mundo para esta empresa?

6) E se esta empresa desistir por qualquer razão de atuar fora do país, o que fará o Estado brasileiro?

7) A empresa nacional ajudará o usuário a ter mais competição? Como? A grande empresa nacional competirá com a Telefônica no Estado de São Paulo e com a Embratel na longa distância?

8) Serão colocadas obrigações específicas a esta grande empresa nacional em relação à universalização dos serviços de banda larga e de telefonia?

9) Se sim, estas obrigações não a tornarão menos competitiva em relação à Telefônica e à Embratel?

10) A Telefônica e a Embratel também serão obrigadas a atuar na área da grande empresa nacional, ampliando a competição?

11) Nesse caso, alguém já perguntou se Telefônica e Embratel aceitam novas obrigações de universalização ou competição?

12) Se, então, a grande empresa nacional será uma forte multinacional e contribuirá para a universalização da banda larga, o que garante que os dois acionistas privados manterão os interesses públicos acima dos interesses privados?

Provavelmente a resposta aqui será: "os fundos de pensão e o BNDES terão acordo de acionistas que garantirá que os interesses públicos estarão acima dos interesses privados".

13) Então quer dizer que cabe aos fundos de pensão a defesa dos interesses públicos do Estado? Mas os fundos de pensão são instrumentos de Estado ou entidades privadas?

14) Os fundos de pensão têm responsabilidades, antes de tudo, com seus cotistas. E se o interesse dos cotistas não for o mesmo dos interesses do Estado?

15) E o que garante que o acordo de acionistas, base de todo o projeto de uma grande empresa nacional, será mantido pelo tempo que perdurar a concessão da grande empresa nacional?

16) Então, uma mudança na presidência do BNDES, ou na gestão dos fundos de pensão, pode levar a uma mudança no acordo de acionistas da grande empresa nacional? Ou ainda, o acordo de acionistas pode ser mudado a qualquer tempo?

17) Então, mudando o acordo de acionistas, os objetivos de uma grande empresa nacional podem ser mudados?

18) E, mudado o acordo de acionistas, a grande empresa nacional pode ser vendida para um grupo estrangeiro?

Se a resposta à pergunta 1 for: "O interesse público por trás da fusão é garantir que Oi e Brasil Telecom tenham condições de competir com Telefônica e Embratel, controladas por multinacionais da Espanha e México, respectivamente", cabe perguntar:

19) Os balanços da Oi e da Brasil Telecom estão ruins?

20) A Telefônica está competindo de maneira agressiva no mercado da Oi e da Brasil Telecom?

21) A Embratel está ameaçando o mercado da Brasil Telecom e da Oi?

22) A Oi e a Brasil Telecom estão tentando competir na área da Telefônica e não estão conseguindo?

Se a resposta à pergunta 1 for: "O interesse público por trás da operação é dar um alternativa de saída para os investimentos dos fundos de pensão e para o Citibank na Brasil Telecom", cabe perguntar:

23) E por que os fundos de pensão e o BNDES optaram por passar de uma posição de controle que têm hoje na Brasil Telecom e na Oi por uma posição minoritária?

24) Os fundos de pensão receberão algum pagamento para deixarem de ser controladores das empresas?

25) Por que o governo deve mudar a legislação para permitir aos fundos de pensão e ao Citibank terem uma opção de saída para seus investimentos?

26) Quem mais será beneficiado pela mudança de legislação para permitir a fusão?

27) Os grupos GP e Opportunity terão benefícios com essa operação de fusão?

28) Alguma parte do que os grupos GP e Opportunity receberão sairá dos recursos dos fundos de pensão ou do BNDES?

29) Se sim, qual o benefício para o BNDES de financiar a operação? Qual o benefício para os fundos de pensão?

30) Para fazer o acordo de fusão, os fundos de pensão precisarão negociar com o Opportunity?

31) Esta negociação significará que alguma ação na Justiça contra Daniel Dantas será retirada?

32) O que os fundos de pensão receberão de Daniel Dantas em troca de um acordo Judicial?

33) De que maneira o interesse público, sobretudo os interesses dos acionistas minoritários da Brasil Telecom, pode prevalecer em um acordo judicial com Daniel Dantas?

34) Quer dizer que as acusações que pesaram contra o Opportunity de fraude, desvio de recursos, enriquecimento ilícito, espionagem, corrupção, podem ser esquecidas em troca de um acordo que viabilize a criação de uma grande empresa nacional?

35) Por que a negociação para a criação de uma grande empresa nacional precisa passar por um acordo com o Opportunity?

36) Por que não processar o Opportunity por tudo o que se pensa que ele fez de errado e, uma vez decidido na Justiça, avaliar o cenário?

Se a resposta à pergunta 1 é: "O interesse público por trás da fusão é a oportunidade de corrigir os eventuais equívocos da privatização e voltar a dar ao Estado e ao capital nacional voz ativa no jogo nacional e internacional das telecomunicações", pergunta-se:

37) Será aproveitada a oportunidade então para corrigir outros pontos que não tiveram sucesso, como impor o compartilhamento de redes para o surgimento de novos competidores?

38) Nesse caso, a grande empresa nacional será obrigada a abrir a sua rede a novas empresas competidoras?

39) A grande empresa nacional terá obrigações de investir em desenvolvimento de tecnologia e pesquisa no Brasil?

40) A nova grande empresa nacional comprará equipamentos brasileiros? Há fabricantes nacionais de equipamentos que possam atender às demandas da grande empresa nacional?

41) Se tiver que investir em pesquisa e comprar equipamentos brasileiros, esta grande empresa nacional será competitiva em relação à Telefônica e Embratel?

42) O modelo atual de telecomunicações foi estabelecido na Lei Geral de Telecomunicações. De que forma o governo estabelecerá uma nova política? Por lei? Decreto? Ato da Anatel?

43) O Congresso, que elaborou o atual modelo, será consultado, já que a Lei Geral de Telecomunicações foi aprovada pelo Congresso?

Se a resposta à pergunta 1 for: "O interesse público está em acomodar vários interesses, já que a Telefônica e a TIM poderão se fundir e a Embratel poderá comprar a Net"

44) Qual o benefício de permitir uma fusão entre Telefônica e TIM?

45) Se é a Lei do Cabo quem impede que a Embratel assuma o controle da Net, o que é que a mudança na legislação para permitir a fusão entre Brasil Telecom e Oi tem a ver com a Lei do Cabo?

46) Por que o governo não exige uma golden share na nova empresa?

47) Por que o governo não estimula a criação de uma grande empresa nacional sem controladores, com capital pulverizado em bolsa?

48) Uma empresa nacional com capital pulverizado, sem controladores, não estaria muito mais blindada contra as variações de interesse de seus acionistas controladores?

49) Para fazer a mudança na legislação e permitir a fusão entre Oi e Brasil Telecom, caberá ao presidente da República a decisão política. A decisão política está tomada ou a sociedade, por meio do Congresso e de consultas públicas, será consultada?

50) A Lei Geral de Telecomunicações estabelece duas diretrizes que norteiam o atual modelo de telecomunicações: universalização e competição. Se a Anatel avaliar que nenhuma destas diretrizes está sendo fomentada com a fusão, a mudança na regulamentação para permitir a operação será feita mesmo assim? Ou o governo estabelecerá novas diretrizes?

51) Se o Cade constatar que existe concentração de mercado com a eventual fusão, o governo voltará atrás em relação à mudança na regulamentação ou o interesse de criar uma grande empresa nacional justifica a concentração?

52) Para avaliar uma eventual mudança no Plano Geral de Outorgas, o Conselho Consultivo da Anatel terá que ser consultado. A Lei Geral de Telecomunicações prevê que o conselho consultivo tenha representantes das prestadoras de serviços de telecomunicações (dois). Quem escolhe estes representantes é o governo. O governo escolherá representantes que não tenham conflito de interesse ao avaliarem uma mudança na regulamentação que permita a fusão?

* Rubens Glasberg é presidente da Converge Comunicações, empresa responsável pelas publicações especialidas Tela Viva, Tele Time e Pay TV. O presente texto foi publicado em forma de editorial no site da Tele Time – www.teletime.com.br

O ‘jornalismo esgoto’ da revista Veja: estilo neocon, política e negócios

O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja.  Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.

Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças.

O primeiro, são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo.

O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década..

A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.

O estilo neocon

De um lado, há fenômenos gerais, que modificaram profundamente a imprensa mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos “neocons” americanos foi adotada por parte da imprensa brasileira, como se fosse a última moda.

Durante todos os anos 90, Veja havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte. Quando o estilo “neocon” ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à revista radicalizar seu próprio estilo.

Um segundo fenômeno desse período foi a identificação de uma profunda antipatia da chamada classe média mídiatica em relação ao governo Lula, fruto dos escândalos do “mensalão”, do deslumbramento inicial dos petistas que ascenderam ao poder, agravado por um forte preconceito de classe. Esse sentimento combinava com a catarse proporcionada pelo estilo “neocon”. Outros colunistas utilizaram com talento – como Arnaldo Jabor -, nenhum com a fúria grosseira com que Veja enveredou pelos novos caminhos jornalísticos.

O jornalismo e os negócios

Outro fenômeno recorrente – esse ainda nos anos 90 — foi o da terceirização das denúncias e o uso de notas como ferramenta para disputas empresariais e jurídicas.

A marketinização da notícia, a falta de estrutura e de talento para a reportagem tornaram muitos jornalistas meros receptadores de dossiês preparados por lobistas.

Ao longo de toda a década, esse tipo de jogo criou uma promiscuidade perigosa entre jornalistas e lobistas. Havia um círculo férreo, que afetou em muitos as revistas semanais. E um personagem que passou a cumprir, nas redações, o papel sujo antes desempenhado pelos repórteres policiais: os chamados repórteres de dossiês.

Consistia no seguinte:

O lobista procurava o repórter com um dossiê que interessava para seus negócios.

O jornalista levava a matéria à direção, e, com a repercussão da denúncia, ganhava status profissional.

Com esse status ele ganhava liberdade para novas denúncias. E aí passava a entrar no mundo de interesses do lobista.

O caso mais exemplar ocorreu na própria Veja, com o lobista APS (Alexandre Paes Santos).

Durante muito tempo abasteceu a revista com escândalos. Tempos depois, a Policia Federal deu uma batida em seu escritório e apreendeu uma agenda com telefones de muitos políticos. Resultou em uma capa escandalosa na própria Veja em 24 de janeiro de 2001 (clique aqui) em que se acusavam desde assessores do Ministro da Saúde José Serra de tentar achacar o presidente da Novartis, até o banqueiro Daniel Dantas e o empresário Nelson Tanure de atuarem através do lobista.

Na edição seguinte, todos os envolvidos na capa enviaram cartas negando os episódios mencionados. As cartas foram publicadas sem que fossem contestadas.

O que a matéria deixou de relatar é que, na agenda do lobista, aparecia o nome de uma editora da revista – a mesma que publicara as maiores denúncias fornecidas por ele. A informação acabou vazando através do Correio Braziliense, em matéria dos repórteres Ugo Brafa e Ricardo Leopoldo.

A editora foi demitida no dia 9 de novembro, mas só após o escândalo ter se tornado público.

Antes disso, em 27 de junho de 2001(clique aqui) Veja produziu uma capa com a transcrição de grampos envolvendo Nelson Tanure. Um dos “grampeados” era o jornalista Ricardo Boechat. O grampo chegou à revista através de lobistas e custou o emprego de Boechat, apesar do grampo não ter revelado nenhuma irregularidade de sua parte.

Graças ao escândalo, o editor responsável pela matéria ganhou prestígio profissional na editora e foi nomeado diretor da revista Exame. Tempos depois foi afastado, após a Abril ter descoberto que a revista passou a ser utilizada para notas que não seguiam critérios estritamente jornalísticos.

Um dos boxes da matéria falava sobre as relações entre jornalismo e judiciário.

O box refletia, com exatidão, as relações que, anos depois, juntariam Dantas e a revista, sob nova direção: notas plantadas servindo como ferramenta para guerras empresariais, policiais e disputas jurídicas.

Fusão Oi/BrT: uma boa iniciativa que pode se transformar em negociata

Para um negócio que envolve bilhões de dólares e um dos setores mais dinâmicos da economia contemporânea não serve o tratamento de múltipla escolha do tipo “você é a favor ou contra, sim ou não”. A responsabilidade pede uma análise mais sutil, destacando os pontos positivos e negativos envolvidos.

Assim ocorre com a anunciada fusão entre Oi (ex-Telemar) e Brasil Telecom.

O legado tucano

Em primeiro lugar, a fusão deveria ser precedida do reconhecimento, por parte do governo Lula, de que o processo de privatização da Telebrás, e a conseqüente construção da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), foi não apenas equivocado como privou o Brasil de deter uma grande operadora de telecomunicações que, a exemplo da mexicana Telmex, poderia estar disputando o mercado internacional.

Um ano antes da LGT, os Estados Unidos aprovaram o seu Telecommunications Act, pondo fim à política das baby bells, com o objetivo de criar grandes operadoras que pudessem disputar o mercado global com europeus e japoneses. No Brasil, para agraciar empresários locais e agradar ao capital estrangeiro, optou-se por um fatiamento da antiga Telebras que criou empresas sem escala para concorrer com seus rivais transnacionais.

Assumir essa crítica é a condição básica para deixar claro que a fusão entre Oi e Brasil Telecom está inserida numa nova política para as comunicações e não se trata de mera negociação de ativos.

Tal política também deve rever o princípio liberal da concorrência. É cada vez mais óbvio que, do ponto de vista da infra-estrutura, só existe concorrência em alguns nichos residenciais de alto poder aquisitivo e para o atendimento ao setor empresarial. No resto, o cenário é de monopólio. Daí a enorme responsabilidade de um processo que vai fundir as duas empresas detentoras deste monopólio em 26 dos 27 estados brasileiros. Por isso, é fundamental lembrar que embora o Estado já seja o principal acionista das duas empresas (através do BB, do BNDES e dos fundos de pensão), ambas jamais tiveram políticas que visassem garantir a universalização de fato do “velho” telefone fixo (18 linhas instaladas para cada 100 habitantes) e, principalmente, da Internet (apenas 6% de residências com banda larga).

A fusão entre Oi e Brasil Telecom deve fazer surgir uma empresa comprometida com a inclusão digital, especialmente daqueles que não podem ter acesso às novas tecnologias através do mercado. Assim, a nova empresa deve ser obrigada a praticar o unbundling de seus backhauls e garantir a neutralidade de suas redes. Quem sabe até mesmo uma política de discriminação positiva, que ofereça vantagens na interconexão para redes comunitárias sem fins lucrativos.

A nova empresa também deve possuir uma política de compras associada ao desenvolvimento de ciência e tecnologia nacionais. Torna-se possível reconstruir o complexo de C&T que envolvia o CPqD, universidades e empresas nacionais. Vale lembrar que o Brasil já teve posição de destaque na produção de fibra óptica e centrais digitais, por exemplo.

Para que a nova empresa possa cumprir essas funções é necessário que o Estado mantenha sua posição acionária de destaque, dando a ela compromissos sociais semelhantes àqueles que a Petrobras possui. Mas, para evitar críticas de uma suposta re-estatização, o governo tem acenado justamente com o contrário: a diluição de sua presença na nova empresa.

Quem vai se beneficiar

E aqui é que começam os riscos de uma negociata. Se o governo pretende “desinvestir” (opção que considero equivocada), pelo menos é preciso saber como. O Banco do Brasil, o BNDES e os fundos de pensão (especialmente a Previ) possuem capital investido nestas empresas e não podemos correr o risco de vê-los serem passados a iniciativa privada em condições desvantajosas. Especialmente no caso dos fundos de pensão, onde é o futuro de trabalhadores que está em jogo.

Por sua vez, quem será beneficiado diretamente com a diluição da participação do Estado? Segundo a grande imprensa, seriam os dois maiores acionistas privados da Oi, Carlos Jereissati e a construtora Andrade Gutierrez. Esta última foi a maior financiadora da campanha eleitoral de Lula em 2006 e trabalhou a favor do aporte de R$ 5 milhões da Oi na Gamecorp, empresa onde um dos acionistas é filho do presidente Lula. Para piorar, comenta-se que o BNDES pode investir recursos para que os sócios privados aumentem sua participação na nova empresa. Ora, isso não faz nenhum sentido e recursos do BNDES devem ser usados apenas para financiar a expansão da empresa. Por isso, cabe ficar atendo para saber de que forma se dará essa anunciada diluição do capital do Estado na nova empresa e quais serão os beneficiados.

Uma nova Ambev?

Rubens Glasberg, da Converge Comunicações, tem alertado para o risco de repetirmos o que ocorreu com a fusão entre Brahma e Antártica, originando a empresa Ambev. Na época, alegou-se que o problema concorrencial de termos uma gigante que controle mais de 2/3 do mercado de cervejas era contrabalançado pela necessidade do Brasil possuir um player global no mercado de bebidas. A defesa da Ambev era banhada em um discurso nacionalista. Quatro anos depois, contudo, os três banqueiros brasileiros que controlavam a Ambev venderam-na para a belga Interbrew em nome de uma participação conjunta de 25%.

No caso da fusão entre Oi e Brasil Telecom, os supostos futuros acionistas majoritários são um dono de shopping centers e uma construtora. O que os impediria de participar da fusão, receber recursos do BNDES, valorizar seus ativos e depois vender a empresa para uma gigante transnacional das telecomunicações?

Uma das pré-condições para a criação da nova empresa deve ser, portanto, uma golden share que dê ao governo o poder de evitar sua venda para o capital estrangeiro.

Daniel Dantas

Mesmo à revelia da legislação do setor, o banqueiro Daniel Dantas é acionista tanto da Oi quanto da Brasil Telecom. Nesta última, onde foi controlador, ele criou um emaranhado acionário que ainda hoje os demais acionistas (fundos de pensão e CitiBank) penam para destrinchar. Dada a presença nefasta de Dantas no cenário político e econômico brasileiro dos últimos anos, deve ser ponto de honra do processo de criação da nova empresa que o banqueiro não seja beneficiado em hipótese alguma. Deixar que a fusão garanta ganhos à Daniel Dantas seria ferir de morte qualquer resquício de uma operação limpa e correta, que vise o bem do país.

Fusão é conseqüência, não causa

Por tudo isso, a postura correta do governo seria enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional que afirme uma nova política para as telecomunicações brasileiras e que insira, em seu interior, o papel da empresa resultante da fusão entre Oi e Brasil Telecom. Somente depois de consolidada essa política é que a fusão deveria ser feita.

Simplesmente produzir um Decreto Presidencial que altere o Plano Geral de Outorgas (PGO), permitindo a fusão de Oi e Brasil Telecom, sem que se discuta publicamente a que política esta fusão servirá, pode ser mais um caso tipicamente brasileiro, onde a defesa de uma boa idéia é colocada a serviço de uma negociata.

* Conselheiro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social