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A TV Brasil em tempos de convergência tecnológica

Quando surge, na década de 1920, a radiodifusão é uma tecnologia a procura de uma utilidade econômica. Seu principal problema era financiamento. Alguns empreendimentos pioneiros, entre eles a British Broadcasting Corporation – BBC, criada por um consórcio de fabricantes de sistemas de radiotransmissão – imaginavam poder sobreviver e lucrar cobrando assinatura aos possíveis radio-ouvintes. A óbvia dificuldade técnica para controlar a adimplência dos assinantes levou esses projetos ao fracasso.


Então, entrou o Estado. Devido à pequena extensão territorial da maioria dos países capitalistas avançados da época, com reflexos diretos na ocupação e gestão das escassas radiofreqüências; às crises sociais e políticas que então abalavam o mundo; e ao permanente clima de guerra entre as grandes potências que acabaria desembocando no grande conflito de 1939, a radiodifusão era vista como um importantíssimo instrumento de propaganda político-ideológica, mobilização nacional e manutenção da coesão social.

Nos anos 1920 e 1930, quando a radiodifusão se consolidou como meio de informação, de cultura e de entretenimento, a democracia representativa liberal era uma exceção, não uma regra. Japão, Alemanha, Itália, os países do Leste europeu eram todos nazi-fascistas. Na jovem União Soviética, o Partido Comunista assumira o controle absoluto de todas as dimensões da vida pública. Ou seja, Estado e Governo tendiam a ser uma coisa só. O Judiciário, as Forças Armadas, a escola, a imprensa, sem falar do Legislativo que, em muitos casos, ainda funcionava formalmente, eram colocados a serviço de um projeto político, e de seu partido ou homens representativos, como se formassem um único, monolítico e poderoso bloco estatal de poder.

Não seria possível fazer-se, exceto para efeitos rituais, a clássica distinção entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, a partir da qual outras instituições do Estado ou a ele relacionadas podem também se organizar  autonomamente, em função de suas finalidades, arranjos político-sociais e cultura profissional.  Numa tal situação, seria natural que a radiodifusão também se tornasse instrumento não apenas do Estado, mas do Governo que controlava esse Estado.

Notáveis exceções à época eram os Estados Unidos e o Reino Unido. Lá, a radiodifusão viria a ter um desenvolvimento comercial tipicamente capitalista, financiando-se através da publicidade. Iria servir ao mercado.

No Reino Unido, o fracasso comercial da primeira BBC e os demais aspectos técnicos ou políticos que estavam levando à estatização da radiodifusão em todo o mundo acabariam conduzindo a uma intervenção governamental na emissora. Mas as condições políticas eram muito especiais. Explicitamente, o Reino Unido não desejava adotar um modelo similar ao que vinha se consolidando na Alemanha, na Itália ou na União Soviética. Numa democracia parlamentarista, onde os partidos se revezam no poder, o Judiciário é um ente independente, e a imprensa goza de ampla liberdade, a radiodifusão poderia vir a ser do Estado, mas nunca do Governo.

A BBC não foi constituída para servir ao primeiro-ministro de plantão. Por isto, gozava de grande autonomia política e administrativa. Porém, de dez em dez anos, o Parlamento aprova o seu programa de trabalho para a década seguinte, junto com as verbas necessárias: o orçamento depende diretamente de um imposto cobrado a todo cidadão britânico que possua um aparelho de TV. Atualmente, esta taxa é, mais ou menos, de R$ 50 por mês.

Assim, a cada década, o jogo político democrático determina o lugar da BBC no Estado e na sociedade. Logo, sua independência tem limites. Seu conselho administrativo é de livre nomeação pela Coroa, mas dificilmente os nomes indicados não terão sido levados ao rei ou rainha, pelas forças políticas hegemônicas em cada oportunidade. A BBC tornou-se uma instituição a serviço dos interesses imperiais britânicos, tanto quanto a Rádio de Berlim servia à Alemanha nazista, ou a Rádio de Moscou, ao movimento comunista internacional. Sua relativa autonomia, por outro lado, permitiu que fosse dirigida, durante 16 anos seguidos, por um super-burocrata, John Reith, que imprimiu-lhe sua marca e deixou-a dotada com uma forte burocracia weberiana, muito ciosa dos seus interesses e do seu espaço dentro do conjunto estatal. Tudo isso permitiu a consolidação desse modelo ímpar ao qual deu-se o conveniente nome de “radiodifusão pública”.

Somente depois da Segunda Guerra, o modelo chegou ao Japão (NHK), à Alemanha (ARD) e outros países, todos eles democracias parlamentares, onde o Poder Executivo é fraco, pois radica diretamente no legislativo. Os sistemas não-comerciais de radiodifusão tornaram-se assim uma outra instância do Estado a serviço do público, e não de interesses políticos circunstanciais, assim como também o são a escola, a Justiça ou as Forças Armadas.

A partir dos anos 1980, essa radiodifusão estatal entrou em crise. A “sociedade do espetáculo”, na feliz expressão de Guy Débord, desejava consumir uma televisão bem diferente daquela que lhe ofereciam as emissoras ditas públicas. As condições técnicas ou políticas que presidiram a fundação dessas emissoras, nos anos 1920, haviam ficado para trás. As condições políticas e culturais do mundo capitalista hoje em dia, apoiadas nas tecnologias digitais, na TV digital inclusive em terminais móveis, na difusão por cabo ou satélite e, sobretudo, na internet com todas as suas potencialidades (webrádio, IPTV, YouTube etc), modificaram completamente o cenário que um dia moldou a radiodifusão estatal.

Já desde os anos 50 do século passado, em todos os países, inclusive no Reino Unido, o mercado da radiodifusão (rádio e TV) veio sendo aberto a emissoras comerciais. Os Estados Unidos deixaram de ser os únicos a ostentar um sistema mercantil de rádio e TV.

Com a expansão dos sistemas de TV por assinatura, via cabo ou satélite, os velhos monopólios, e mesmo toda a radiodifusão atmosférica (ou “terrestre”), viram sua audiência ser erodida por centenas de novos canais comerciais dedicados a filmes, esportes, notícias, shows etc. Já são mais de 800 na Europa, transmitidos por cabo, satélite ou freqüências hertzianas, contra apenas 36 estatais, transmitidos ainda basicamente pela atmosfera. Nos maiores países europeus, a audiência da TV “pública” já caiu à metade, ou menos. Em muitos dos menores, já praticamente desapareceu. A pluralidade e a diversidade estão encontrando caminhos para se expressar que, para falar a verdade, inexistiam nos áureos tempos da velha radiodifusão estatal.

No Brasil, nos anos 1930, graças ao pioneirismo visionário de Edgard Roquette-Pinto, também se pensou em criar uma rádio em moldes públicos, sustentada pela assinatura dos radio-ouvintes. Fracassou, como nos demais lugares. Vindo a ditadura Vargas, o Governo constituiu uma poderosa emissora de rádio (a Rádio Nacional) que, durante duas décadas, viria a cumprir papel fundamental na construção da unidade nacional e na consolidação de uma cultura brasileira. A Rádio Nacional, ao contrário de suas equivalentes em outros países, não detinha nenhum monopólio.

A partir dos anos 1950, junto com o advento da televisão, o sistema brasileiro de radiodifusão tornou-se definitivamente comercial, primeiro sob a liderança da Rede Tupi e, depois, da Rede Globo. O Governo limitou-se a controlar as suas próprias emissoras que, por todos esses anos, sobreviveram desimportantes no cenário radiodifusor brasileiro. O Estado (não confundir com Governo) delegou à iniciativa privada, assim como nos Estados Unidos, o papel de principal protagonista da radiodifusão.

Agora, com 80 anos de atraso, o Governo resolveu anunciar a criação da TV Brasil, que seria uma BBC brasileira. Estaria, para isso, baseando-se numa suposta distinção entre “emissora estatal” e “emissora pública” que, em momento de pouca reflexão, a Constituinte de 1988 introduziu em nossa Carta Magna, como se qualquer instância estatal, sobretudo numa democracia, não fosse, por definição, pública.

Mas essa TV Brasil não será uma emissora sustentada por impostos cobrados diretamente ao público, como o são, até hoje, a britânica, a japonesa, a alemã etc – e isso faz muita diferença. Não herdará a tradição e influência política, educacional e cultural de uma BBC, NHK ou RTF, até poucos anos atrás detentoras quase exclusivas das audiências televisivas em seus respectivos países. Não integrará um Estado weberiano. E nem contará, à sua retaguarda, com o equilíbrio do jogo político parlamentarista, mas antes, num sistema presidencialista imperial, dificilmente deixará de ser, com o tempo, mais uma instância do Estado a serviço do Executivo.

A TV Brasil será pública e democrática se e quando o Estado brasileiro for, de fato, público e democrático. Mas mesmo nessa hipótese, considerando os dias de hoje, talvez fosse mais produtivo para a agenda democrática discutir e construir uma política e legislação que impulsionassem a universalização de sistemas interativos de comunicação social (tecnologias WiFi; amplas faixas de espectro aberto; universalização da banda-larga sobre uma infra-estrutura público-estatal etc.), no lugar de um sistema unidirecional de comunicação, como o é esta radiodifusão moldada nos tempos passados de centralização política.

Não vai demorar a muitos perceberem que a vontade, mesmo generosa, não tem consonância com o real. Uma vez disse o crítico Roberto Schwartz que, no Brasil, as “idéias estão fora do lugar”. Esqueceu de acrescentar: e do tempo. 

* Marcos Dantas é professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio e doutor em Engenharia de Produção. Foi secretário de Planejamento e Orçamento do Ministério das Comunicações, secretário de Educação a Distância do MEC e membro do Conselho Consultivo da Anatel.

Duas Caras se alinha a Ali Kamel e mostra Brasil sem racismo

A dramaturgia da Globo é como o Carnaval: provoca paixões e ódios com a mesma intensidade exacerbada. Mas as novelas e "minisséries" da emissora carioca, há que reconhecer, apaixonam pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo.

Essa receita de sucesso é baseada numa fórmula que transforma modelos em "atores" graças a uma edição e a um ritmo das cenas que minimizam a falta de intimidade da maioria amadora dos elencos globais com os palcos. Tudo isso, regado a orçamentos hollywoodianos, faz da dramaturgia global um dos produtos mais exportados pelo Brasil. 

Durante décadas a fio, essa dramaturgia de êxito – e de mentira – moldou a mentalidade nacional. A Globo está acostumada a vender todo tipo de comportamento – modismos, conceitos e até pré-conceitos – com seus folhetins encenados.

Mesmo sabendo disso tudo, fiquei surpreso na noite da última terça-feira (11/03) ao ver uma personagem da novela Duas Caras, a mulata e ex-BBB Juliana Alves (Gislaine), lendo um livro que denuncia a estratégia da emissora naquela trama. A moça estava lendo Não Somos Racistas, de Ali Kamel. 

Antes de você, leitor, criticar o fato de eu assistir a nada mais, nada menos do que a uma das estúpidas novelas que a tevê brasileira impõe a um público sequioso por lixo televisivo, e de dar seu depoimento de que jamais assistiria a tal porcaria, quero lembrá-lo de que ignorar uma arma de difusão de comportamentos e de mentalidades obtusas como é uma novela das oito da Globo não mudará o fato de que essa arma vem sendo muito efetiva no sentido de falsear a realidade nacional e imbecilizar as pessoas.

Enquanto se torce o nariz à mera possibilidade de levar a sério qualquer coisa que saia do Projac, a Globo vai fazendo a festa. Essa novela, por exemplo, a tal Duas Caras, vem fazendo um dos trabalhinhos mais sujos que já vi na vida. Às vezes fico me perguntando o que sente um favelado que vê uma novela na qual brancos ricos são habitués de favela chamada "Portelinha", a qual, à diferença de qualquer gueto como são as favelas, não abriga tráfico de drogas e adota padrões de organização comunitária quase nórdicos, com ruas limpas, casas bem cuidadas etc.

No Brasil fictício da Globo, brancos ricos estão doidos para se casar com favelados negros. Em Duas Caras, Barretinho (Dudu Azevedo) e Júlia (Débora Falabella), filhos do riquíssimo e ultra-racista advogado Barreto (Stênio Garcia), derretem-se, respectivamente, por Sabrina (Cris Vianna) e Evilásio Caó (Lázaro Ramos), e Claudius (Caco Ciocler) por Solange (Sheron Menezes).

No mentiroso folhetim da Globo, favelas têm mais brancos do que negros, e alguns negros são riquíssimos. Favelados pobres chegam a estudar nas mesmas universidades que brancos ricos. A mesma instituição abriga as negras da portelinha Gislaine e Solange, a perua Maria Eva (Letícia Spiller) e o negro mau-caráter Rudolf Stenzel (Diogo Almeida), que fala a favor de cotas para negros e sobre discriminação racial e, naturalmente, é cabalmente desmentido pela realidade dramatológica global.

A imagem – e a propaganda descarada – do livro de Ali Kamel tem um propósito. Negros e brancos de Duas Caras interagem de acordo com cada vírgula contida na odiosa obra do manda-chuva do jornalismo da Globo.

Na verdade, a sensação que tive foi a de uma pretendida afronta a quem se revolta com o cinismo de Não Somos Racistas. É como se a Globo dissesse: podem falar mal, mas nós temos a televisão que entra em 90% dos lares brasileiros a referendar nossa teoria sobre como amamos nossos irmãos negros. 

Eles (a elite branca e sua mídia) dizem que não são racistas. E, como prova, disseminam pelo mundo um país em que não se vê miséria, em que não se vê os indicadores sociais dramáticos dos negros ante os indicadores muito melhores dos brancos, ou os salários inferiores dos negros ante os dos brancos, ou a maior mortalidade infantil dos negros ante a muito menor dos brancos.

Eles são racistas, sim, porque tentam frear a luta por oportunidades iguais para os negros no mercado de trabalho e nas universidades afirmando descaradamente que essas oportunidades existem. Além de racistas, são mentirosos.

O ensino de Jornalismo entre a honestidade e o merchandising

Os alunos de uma disciplina do programa de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes entrevistaram, em 1997, o jornalista Fernando Salgado, que na época era o responsável pelo jornal “O Metalúrgico” do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Os pós-graduandos ficaram surpresos com a honestidade e veemência do editor do mencionado periódico sindical. Ele classificou a sua atividade como marketing ideológico e não como jornalismo, porque só lhe interessava o lado dos trabalhadores.

Essa lembrança vem a propósito da matéria de Henrique Costa, publicada no sitio do Observatório do Direito à Comunicação, Presença de empresas de mídia no curso de jornalismo da USP gera reação dos alunos. Os desdobramentos que podem ser extraídos do conteúdo e da edição dessa matéria são tão ricos quanto a posição clara e ética de Fernando Salgado e de sua obra sindical, apesar da oposição de comportamento dos dois profissionais.

Pela abertura do citado comentário, termo que aqui se usa na acepção dos estudos de gênero de Manuel Chaparro, é possível verificar que a pauta da referida matéria não foi pesquisada e que havia uma clara intenção de demonizar a “parceria” que foi explorada no texto. Uma das acusações que consta da costura dos argumentos é que as mídias alternativas não estão presentes na estrutura do curso de Jornalismo da ECA. Para demonstrar que não houve cuidado em contextualizar o tema, é preciso citar, como exemplo de que esse tipo de afirmação não é sustentável, a entrevista com o próprio Salgado. Ela faz parte do livro “Edição no Jornalismo Impresso” (Edicon/ECA-USP/NJC, 1998).

Faltou, também,  constar da matéria as tentativas feita pelo Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, nos últimos cinco anos, para reativar discussões importantes para a formação dos jornalistas, que teve em seu currículo, até meados da década de 80,  disciplinas como “Jornalismo Sindical”, “Jornalismo Comunitário” e “Folkcomunicação”.

Estudo de Caso

Atualmente a estrutura curricular do curso de Jornalismo da ECA optou por discutir Jornalismo e não Mídia, o que justifica a existência das disciplinas de Estudos de Caso (Jornalismo Televisionado, a Imprensa Diária, Jornalismo Radiofônico, Jornalismo Social, Jornalismo e Políticas Públicas, Imprensa Semanal).

Este detalhe, ponto fundamental na construção do currículo, não foi discutido na matéria, contrariando a prática jornalística que recomenda a apresentação de contextos claros e precisos para fornecer aos leitores a perspectiva que deu origem ao fato jornalístico. Pelo menos é isso que pregam os manuais e livros dedicados à argumentação.

A matéria, além de sonegar as origens históricas da colaboração das empresas e organizações (Folha de S. Paulo, Editora Globo, Abril, TV Globo, Andi e Anjos), dá às disciplinas uma dimensão que elas não têm na grade curricular.

Historicamente, a primeira experiência da relação empresa/escola, na ECA, aconteceu em 1987, quando a Folha cedeu o jornalista Cláudio Abramo para ministrar um curso que tratou de edição jornalística. Portanto, não se confirma a afirmação de crise de identidade alardeada pela matéria. Essa experiência, que já conta mais de 20 anos, está sendo aprimorada e é uma identidade da estrutura. O projeto que teve o menor tempo de planejamento foi o de Jornalismo Social, que começou a ser discutido no dia 04.08.2004 e foi ministrado pela primeira vez no segundo semestre de 2007, como curso de extensão gratuito e será disciplina optativa no segundo semestre de 2008.

Onde mora o problema?

Outro ponto não contemplado na matéria foi a informação de que as disciplinas optativas livres não fazem parte do núcleo duro da formação do aluno de jornalismo. A consulta à grade curricular, mesmo que feita superficialmente, demonstrará que esse tipo de disciplina corresponde a 11,22% do total da carga horária. As disciplinas mencionadas na matéria, são complementares e concorrem com mais de uma centena de disciplinas optativas da área de ciências humanas oferecidas aos alunos da Universidade . O cerne da construção do saber na área está na articulação de conteúdos das disciplinas obrigatórias, dispostas em um desenho curricular elaborado e fundamentado de acordo com parâmetros científicos. 

Atentando para princípios recomendados por César Coll, há um esforço para que esse desenho curricular se transforme em verdadeiro instrumento de trabalho e de indagação, que se consubstancia na oportunidade de os alunos criarem, exercitarem e exercerem a crítica em relação ao mercado e ao que lhes é ensinado. Em outras palavras, o aluno está em sintonia com a sua  formação crítica e tem nas disciplinas optativas o campo de verificação das teorias e, no feedback dessa verificação, as indagações que dão vida à teoria. Não se trata, pois, de uma via de mão única.

Este desenho significa que o currículo de Jornalismo da ECA não trabalha com a perspectiva de adestramento. Não tem fórmulas prontas porque não considera estático o mercado, na sua acepção ampla. E não entende o Jornalismo como mera mídia, mas como uma manifestação do direito fundamental do cidadão que será alimentada pelos seus egressos. Talvez esteja aí a grande diferença entre a formação proporcionada pelo curso de Jornalismo da ECA e algumas escolas cuja administração está voltada ao atendimento exclusivo das necessidades do mercado ou subordinada a princípios ideológicos reducionistas.

Uma organização curricular aberta e participativa, como a que foi brevemente descrita, só pode ser mantida quando o corpo docente rechaça a visão de ensino como forma de moldar mentes para a aceitação de conceitos com propósitos determinados. Os estudantes que contam com estruturas similares são incentivados a aprimorar a visão crítica da sociedade, do mercado e do capital, sem os filtros ideológicos que castram a capacidade de questionamento dos fatos. 

Outro equívoco que deve ser apontado na matéria é a imprecisão do acordo entre a instituição e as empresas e organizações. Não há uma parceria, no sentido amplo do termo. O que se faz é um convite onde a receptora (ECA) se mantém fiel à sua meta de formar jornalistas e a outra parte (empresas e organizações) concorda em ceder parte de sua capacidade produtiva para que os propósitos de ensino projetados sejam alcançados. É possível que existam dificuldades administrativas para a implementação de similar estrutura em cursos privados. As relações de lucro entre as duas entidades poderiam tornar a oferta de disciplinas optativas onerosa, e poderiam contrariar os projetos acadêmico e pedagógico  criados para atender principalmente às metas econômico-financeiras impostas pela instituição bancária que garante a manutenção da instituição de ensino.

Teoria da conspiração

A matéria contamina o leitor levando-o a acreditar na existência de uma conspiração que tem o curso de jornalismo da ECA como “parceiro” das grandes instituições de comunicação. Seria desgastante apresentar os fatos da história recente do país em que alunos e professores do curso de Jornalismo da ECA constam como atores na luta contra a ditadura e a favor das liberdades de informação e opinião, justamente porque faz parte do DNA dessa instituição a defesa intransigente da democracia e da pluralidade de opiniões.

Na angulação do tema, o autor da matéria poderia ter usado os instrumentos da própria USP para requerer o fechamento do curso, como foi sugerido em duas ocasiões do texto. É possível que a cruzada, encetada pelo autor, tivesse maior êxito se, por exemplo, recorresse  ao “Código de Ética” que, no preâmbulo, afirma que a “USP adota os princípios indissociáveis aprovados pela Associação Internacional de Universidades, convocada pela Unesco em 1950 e em 1998, a saber:1) o direito de buscar conhecimento por si mesmo e de persegui-lo até onde a procura da verdade possa conduzir;2) a tolerância em relação a opiniões divergentes e a liberdade em face de qualquer interferência política;3) a obrigação, enquanto instituição social, de promover, mediante o ensino e a pesquisa, os princípios de liberdade e justiça, dignidade humana e solidariedade, e de desenvolver ajuda mútua, material e moral, em nível internacional.”

Para não ferir o mencionado Código de Ética, outras ilações constantes do texto publicado não serão comentadas. Com sabedoria, a Universidade de São Paulo recomenda que “a relação com os demais profissionais da área deve basear-se no respeito mútuo e na independência profissional de cada um, buscando sempre o interesse profissional” (Art. 18)

José Coelho Sobrinho é coordenador do curso de Jornalismo da ECA-USP.

Nota do repórter Henrique Costa

É importante ressaltar que o foco da matéria é, sobretudo, as opiniões dos alunos, e delas se extraem as conclusões apresentadas. Não há, portanto, qualquer semelhança com marketing ideológico, neste caso.

Antes das ofensas, o professor Coelho deveria responder por quê afirmou à reportagem que são os professores os “responsáveis” por definir o programa da disciplina, quando os alunos e a própria Globo afirmam o contrário.


A matéria deixa explícito que os alunos não são obrigados a cursar as disciplinas.


Não faz sentido a afirmação de que o termo “parceria” é impreciso. Mesmo que consideremos a definição do professor Coelho, há um claro acordo no qual duas organizações se unem para um objetivo comum. Como se chama isso, se não uma parceria?


O professor Coelho sugere que este autor tenha, deliberadamente, atentado contra a história da instituição. Se o professor acredita que a crise da universidade não atinge a sua unidade, ou mesmo não existe crise, tenho liberdade para questionar.


É bom esclarecer que este autor não sugere em momento algum o fechamento do curso, mas apenas reproduz comentários de uma fonte claramente identificada.


Sobre o citado “Código de Ética” da USP, não há nada a se comentar, apenas que, enquanto universidade pública, seus encaminhamentos e objetivos estão passíveis ao questionamento de qualquer cidadão. Mas parece que nem mesmo a comunidade universitária tem tido acesso a esse debate.

Novos rumos para a imprensa alternativa

São Paulo. Dia 8 de março. Nas ruas do centro da cidade, militantes realizam uma marcha em comemoração ao dia internacional das mulheres.

Sem o mesmo agito, no Maksoud Plaza, hotel de luxo a uma quadra da Avenida Paulista, jornalistas (com predomínio absoluto dos homens) da imprensa alternativa (ou de esquerda como muitos preferem) passam o dia conversando, sem uma pauta pré-definida, sobre a situação da comunicação no país e no mundo.

O encontro, na avaliação do professor Bernardo Kucinski, autor de Jornalistas e Revolucionários – Nos tempos da Imprensa Alternativa e ex-funcionário da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, foi histórico. Disse ele que jamais participou de uma iniciativa como aquela em 40 anos de carreira jornalística.

No salão refrigerado, 42 jornalistas, professores ou simplesmente pessoas atuantes na área das comunicações, de diferentes regiões do Brasil, expuseram suas idéias e contaram seus casos, de vitórias e derrotas.

A concentração era de personalidades do eixo Rio Grande do Sul – São Paulo – Rio de Janeiro, com a exceção de Ermano Allegri, da Agência de Informação Frei Tito para América Latina (Adital), que destacou a importância de envolver outras regiões do país, especialmente do Norte e Nordeste, nas próximas conversas, reais e virtuais.

Ao fim, após intervenção do jornalista Altamiro Borges, do portal Vermelho, ficou acertado que o encontro resultaria na elaboração de um relato (realizado por Flávio Aguiar) a ser compartilhado entre todos os participantes. A partir desse relato, seria produzia uma carta, cujo destinatário não foi definido (pode ser o governo, o presidente ou a sociedade em geral). Também formou-se uma comissão executiva para pensar a próxima reunião, que deve ocorrer no Rio de Janeiro.

Esses foram os resultados concretos.

No ar, ficou a idéia de uma articulação institucional dos alternativos, como resultado da evolução do processo, a Associação Brasileira de Mídia Alternativa (Asbrama).  

Também muito se falou na necessidade de utilizar a internet para fortalecer a atividade de todos, e também na necessidade de aproximação com emissoras de rádio e TV. Outro tema que dominou o diálogo foi a formação dos jornalistas.  

Um encontro assim seria impensável anos atrás? 

Considerando o fato de as iniciativas feitas pelo Intervozes para articular a imprensa alternativa não terem avançado, a resposta é: sim. O coletivo realizou um seminário com grande público no Fórum Social Brasileiro, em Belo Horizonte, para justamente debater caminhos conjuntos para os veículos alternativos. Na seqüência, foram organizadas reuniões – algumas ocorreram -, montou-se uma lista de discussão, elencou-se ações objetivas, mas o esforço não apontou para convergências. 

O que mudou de lá para cá, na minha avaliação, é a expectativa que tinham todos esses veículos em relação ao governo Lula. Em sua maior parte, apoiadores do projeto de poder que levou o Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência, acreditavam que o governo desenvolveria algum programa para democratizar as verbas de publicidade, que engordam os cofres da imprensa e da mídia comercial. Isso não ocorreu, e boa parte dos veículos vivem à míngua, em xeque.  

A prova disso que digo é o fato de o encontro de sábado ter sido chamado pelo advogado Joaquim Palhares, um empresário comprometido com as causas sociais, petista histórico, que fez da Carta Maior a mais importante experiência recente de produção de jornalismo alternativo. Carta Maior não sobreviveu à falta de anunciantes e apoio e, no final do ano passado, desarticulou sua profissional redação, que contava com gente do primeiro time da comunicação brasileira.  

A derrocada de Carta Maior, que permanece no ar desfigurada de seu projeto de reportagens, é semelhante a de outras publicações. Allegri, na reunião, destacou que a Adital teria recursos suficientes para sobreviver por no máximo mais seis meses. Outras experiências encontram-se na mesma fronteira. 

Isso, no entanto, não fez com que o debate se concentrasse apenas em formas de garantir remuneração a esses projetos, mas esse tema tenha surgiu em vários momentos da discussão. É importante que isso seja debatido, mas é fundamental também que esse debate venha acompanhado da idéia de independência. Os veículos alternativos precisam, acima de tudo, de independência editorial.  

A agenda, a mídia e a democracia 

Essa difícil situação poderia engendrar um processo rancoroso. Por isso, surpreendeu-me que não tenha sido um encontro de exclusiva contraposição à grande imprensa (ou à mídia burguesa no jargão classista), o que seria até normal, considerando o clima de flaxflu que marca o debate contemporâneo. 

Ainda que essa contraposição – capitaneada nos últimos tempos por Paulo Henrique Amorim (contraditoriamente funcionário da TV Record, a que mais cresce no Brasil) e seu discurso simplificante – encontre partidários entre os alternativos, as bandeiras desfraldadas foram muitas e as abordagens múltiplas.  

Muito se falou na agenda. Ou seja, nos temas que são recorrentemente abordados e debatidos no espaço público por obra dos meios de comunicação. Da necessidade de se construir uma agenda alternativa.  

Acho esse um excelente debate, desde que venha no plural: construção de agendas. O resto é o velho choque de agenda que marca a relação entre mídia e poder, com pequenas variações. A construção de uma pauta alternativa, no entanto, é assuntos dos mais importantes. Mas essa pauta só irá emergir de um debate radicalmente crítico, não do choque de teses. Liberdade é a palavra-chave.  

Coube ao jornalista Cláudio Cerri a mais inovadora leitura sobre a crise da agenda neoliberal. Em sua avaliação, os veículos de comunicação privados não mais querem impor uma agenda para a sociedade, mas sim impedir que sua agenda superada seja varrida do mapa. 

“O que não é o mercado é corrupção”, sintetizou Cerri. O problema, no entanto, é o quanto essa agenda foi internalizada, em processos do estado brasileiro, por obra do próprio governo Lula, e seu pragmatismo. Nesse caso, não há choque de agendas, mas sim convergência de expectativas. E isso a imprensa alternativa deveria apontar. 

André Singer, que foi secretário de imprensa do governo Lula, falou da importância de um jornalismo de esquerda crítico e apartidário. Na sala, havia bons e nanicos exemplos disso. “A imprensa é conservadora mas não antidemocrática”, disse. 

A frase de Singer, além de desbancar a tese de golpismo, aponta para o futuro. Aos alternativos, resta serem democráticos e progressistas, contribuindo para que o debate público avance. Isso, num cenário de adensamento informativo, requer meios. Ou seja, é preciso ser grande. Alternativo não é sinônimo de nanico, não precisa ser. 

Internet, juventude e o discurso pós-moderno 

O encontro demonstrou que há, hoje, mais que ontem, uma disposição dos alternativos de abdicar de cacoetes discursivos que impedem a ampliação do debate e, conseqüentemente, limitam o papel desses meios no espaço público. Na era do estilhaçado, em que a realidade projeta-se através de um prisma de possibilidades, a unidade de ação (“frente ampla”) tornou-se old fashion. 

No sábado, a idéia de uma só voz foi substituída pelas pós-modernas ninfas: diversidade e pluralidade. Termos como colaboração, agregação e compartilhamento foram usados recorrentemente.  

Era um encontro de, sobretudo, homens com mais de 50 anos. A juventude, ali, aparecia com projeção, uma idéia, algo remoto. O discurso que se fez sobre os jovens demonstra total falta de contato de boa parte desses baluartes com a revolução que está em curso: a revolução da internet. 

Ainda que muitos tenham falado na importância da rede para o futuro de seus empreendimentos – muitos deles há muito tempo existem apenas no ciberespaço – percebe-se que poucos têm contato com o que se convencionou chamar de web 2.0.  

Em minha fala, único participante do encontro com menos de 30 anos, defendi que é preciso pensar o processo de formação da imprensa alternativa em duas vias: 1. sim, aproximar os jornalistas e veículos alternativos das escolas de comunicação e de outros espaços nos quais a juventude esteja produzindo informação; 2. Mas, fundamentalmente, é preciso aprender com os jovens. A imprensa alternativa precisa descer de seu pedestal e vir aprender a usar blogs, videocasts, podcasts, a interagir com o leitor, a desenvolver dinâmicas participativas, redes sociais, a usar twitter etc.  

Ao tomarem contato com esse outro mundo, os alternativos perceberão que a imprensa alternativa se processa numa miríade de pequenas experiências.  

É preciso agir sobre esse universo, pautá-lo, de forma interativa, aceitando que o mundo atual não prevê caminhos centralizados, que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) são filhas da anarquia, que são o resultado do esforço de gerações que raptaram os produtos da indústria bélica e deram a eles uso social, que isso tudo pode e deve estar ao alcance de todos (essa, a nossa grande bandeira). 

Vela a lista de participantes:  

Adalberto Marcondes (agência Envolverde), Altamiro Borges (Vermelho), André Singer (jornalista e cientista político – USP), Antônio Biondi (site o Brasil de Aloysio Biondi / Intervozes), Antônio Martins (Diplô Brasil). Bia Barbosa (Intervozes) Bernardo Kucinski (professor da ECA); Carlos Azevedo (Revista Retratos do Brasil); Celso Horta (ADCD Maior – http://www.abcdmaior.com.br/); Dario Pignotti (Ansa, Página 12 e Manifesto); Denise Tavares (professora PUC Campinas); Elma Bonés (Jornal Já); Enio Squeff (artista plástico e jornalista) ; Emiliano José (professor da UFBA). Ermano Alegri (Adital); Flávio Diegues (Diplô Brasil); Flávio Tavares (jornalista e professor aposentado da UNB); Flavio Aguiar (Carta Maior); Geraldo Canalli (jornalista e professor da UFRGS); Gilberto Maringoni (professor da Cásper Libero); Gustavo Gindre (Intervozes); Hamilton de Souza (PUC-SP); Inácio Neutzling (Revista IHU da Unisinus); Ivana Bentes (professora e diretora da Escola de Comunicação da UFRJ); João Pedro Dias (professor da UERJ), Joaquim Palhares (Carta Maior), Laurindo Leal Filho (Programa Ver TV e ECA-USP); Leonardo Sakamoto (Repórter Brasil); Luiz Carlos Azenha (Blog Vi o Mundo); Marco Antonio Araújo (jornalista); Marcos Dantas (professor de jornalismo da PUC-Rio); Mauro Santayana (jornalista); Neutair Abreu (mais conhecido como Santiago, chargista); Paulo Salvador (Revista do Brasil), Renato Rovai (pela Revista Fórum); Rodrigo Savazoni (Intervozes – Em Busca da Palavra Justa); Sérgio Gomes (Oboré); Sérgio Souto (Monitor Mercantil); Tadeu Arantes (jornal Diplô Brasil); Verena Glass (jornalista e colaboradora da Carta Maior).

Um estatuto da liberdade de imprensa

Histórica liminar do ministro Carlos Britto, referendada pelo Supremo Tribunal Federal, suspendeu a vigência de diversos artigos da Lei de Imprensa (lei nº 5.250/67). Há tempo, discute-se se os crimes contra a honra cometidos por meio de imprensa devem estar incluídos no Código Penal ou em lei especial. Essa última opção foi adotada pela comissão de advogados instituída pela OAB, sob a presidência do ministro Evandro Lins e Silva, para elaboração de um anteprojeto, em vista das peculiaridades que gravitam em torno do universo da comunicação social. O documento foi publicado no "Diário do Congresso Nacional" de 14 de agosto de 1991, seção II, p. 4.763.

Somente lei específica pode disciplinar adequadamente temas essenciais como: a) a responsabilidade civil e penal (relação de causalidade, autoria e participação); b) o que é legitimado pela Lei de Imprensa (art. 27) e não é justificado pelo Código Penal (art. 142), mais limitado ao estabelecer causas de exclusão do crime; c) o exercício dos direitos de resposta e retificação com peculiaridades próprias; d) os direitos, as garantias e os deveres inerentes a fundação, administração e funcionamento das empresas de jornalismo e radiodifusão; e) as concessões, permissões e autorizações para os serviços de radiodifusão de sons e imagens, bem como os casos de suspensão e cancelamento; f) a efetivação dos princípios constitucionais para a produção e programação das emissoras de rádio e televisão; g) a regra de balanceamento de bens para a aplicação do art. 220 da Constituição Federal, que declara a "plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social", porém determina, no mesmo dispositivo, observar os direitos da personalidade previstos no art. 5º, inciso X, e afirmados como invioláveis: a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Não se deve estranhar a proposta de uma lei especial, pois onde não há lei própria, há capítulos e disposições específicas aos crimes praticados por meio da imprensa, como sucede na Espanha. Na Itália, há capítulo próprio no Código Penal e a lei nº 47, de 8 de fevereiro de 1948. Em Portugal, a nova Lei de Imprensa (nº 64/2007) alterou o Estatuto do Jornalista, de 13 de janeiro de 1999. Na França vige, com muitas alterações, a Lei de Imprensa de 29 de julho de 1881.

No campo da permissividade do direito de crítica e de informação, a Lei de Imprensa agasalha a justificativa do interesse público, inadmissível para o crime comum. Como salientava o saudoso Serrano Neves, é da essência da política criticar e ser criticado pela imprensa, visando ao aprimoramento ético e administrativo dos governos. Aspectos da vida privada do homem público podem ser informados pela imprensa, pois se atende a um interesse coletivo.

Além dessas especificidades, há na atual Lei de Imprensa um tratamento mais benéfico no que tange ao direito de ação, pois o prazo decadencial é de três meses e, no crime comum, de seis. Também o prazo prescricional é altamente vantajoso: no direito comum a prescrição, por exemplo, da difamação, segundo a pena mínima, será de dois anos; na Lei de Imprensa, pelo dobro da pena concretizada, será de seis meses.

Argumenta-se que as penas previstas na Lei de Imprensa são superiores às do Código Penal. As penas mínimas são as mesmas em ambos os diplomas: na injúria, um mês de detenção; na difamação, três meses; na calúnia, seis meses. A pena máxima, de rara aplicação, é maior na Lei de Imprensa. Tal se justifica pela maior extensão da ofensa por jornal ou televisão, pois o ataque à honra difundido em veículo de comunicação social alcança número indeterminado de pessoas, o que não sucede em difamação lançada em uma sala ou por carta.

Há, sem dúvida, aspectos ditatoriais na Lei de Imprensa, como o poder de apreensão de jornais ou a incriminação de notícia relativa à segurança nacional, mas não se pode, sob pena de prejudicar a liberdade de imprensa, pretender que o universo da informação jornalística fique limitado ao campo do Código Penal, pois a liberdade de crítica será prejudicada.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama em favor de toda pessoa o direito às liberdades de opinião, de expressão e de procurar, receber e transmitir informações por qualquer meio e independentemente de fronteiras (art. XIX). Não é possível confinar essas generosas conquistas num repertório difuso dos crimes e das penas, sem as cláusulas que lhe garantam efetividade.

* Miguel Reale Júnior, 63, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso.

* René Ariel Dotti , 73, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da UFPR, foi relator do Anteprojeto de Lei de Imprensa encaminhado ao Congresso Nacional pela OAB (1991).