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Mudança no fuso horário: quando a submissão vira irresponsabilidade

A submissão do Congresso Nacional e do Governo Federal ao poder das Organizações Globo parece não ter limites. O absurdo da vez é a aprovação pelo Senado (há duas semanas) e a sanção do presidente Lula (na última quinta-feira) da lei que altera o fuso horário nos estados da Região Norte. Com isso, a diferença do horário do Acre e de 46 municípios do Amazonas em relação ao de Brasília cairá de duas para uma hora. Já o Pará ficará todo com o mesmo fuso horário de Brasília. A mudança passa a valer em 60 dias.

A lei, de autoria do senador Tião Viana (PT-AC), foi aprovada no Senado dias após a entrada em vigor dos dispositivos da Portaria 1.220/07 que determinam que as emissoras de TV adaptem suas transmissões aos diferentes fusos horários vigentes no país em função da classificação indicativa dos programas. Regras estas, vale dizer, existentes em qualquer país civilizado.

A justificativa do senador, de que a intenção da alteração é “facilitar o transporte aéreo e a integração com o sistema financeiro nacional”, não passa de embuste. Como diria Mino Carta, é de conhecimento até do mundo mineral que o projeto foi aprovado para que a Globo não tenha que adaptar sua grade de programação nestas regiões ao que determina a Portaria 1.220. Países de dimensões continentais como o nosso (EUA, Canadá, China, Rússia e Austrália) possuem inclusive um número maior de fusos horários do que o Brasil, e este nunca foi um problema para a integração destas nações.

Tudo pela novela

O “problema” da emissora não era sequer tão grande assim. Bastava adequar o conteúdo da chamada “novela das oito” para que esta pudesse ser transmitida as 19h (estaria sendo exibida às 21h pelo horário de Brasília, como hoje acontece). Outras redes nacionais de televisão, como já noticiado pelo Observatório do Direito à Comunicação, possuem hoje uma grade de programação que lhes permite transmitir simultaneamente em todo o país, ou podem adaptá-la sem grandes esforços.

A Globo, entretanto, decidiu criar uma programação “própria” para os estados com fuso diferente de Brasília, onde não mais se transmitiria ao vivo os jogos de futebol realizados no meio da semana. Como responsável pela desagradável mudança – afinal, ninguém quer ver as partidas em VT -, a Globo apontou justamente a classificação indicativa. Não disse, contudo, o mais importante: que transmissões esportivas – assim como telejornais – não passam por classificação e podem ser transmitidos em qualquer horário. A decisão de não transmitir os jogos foi exclusivamente da empresa. Chantagem de grande impacto nos parlamentares, pelo menos naqueles que votaram sabendo do que se tratava a matéria em pauta. 

Mas para que adaptar a programação se, afinal, é bem mais fácil, rápido e econômico para a empresa mudar o fuso horário destas regiões? O Ombuds PE, que faz o monitoramento permanente da mídia, referindo-se ao fato, lembrou com propriedade a anedota do prefeito que, para instalar uma caixa d’água num lugar inadequado, cogitou revogar a lei da gravidade. Com a diferença que, no caso em questão, Congresso e Governo Federal foram até o fim.
 
Constava da versão original do PL a realização de plebiscito popular para permitir uma decisão soberana de seus habitantes em relação à alteração. A proposta, entretanto, foi suprimida na última versão do projeto, aprovado na típica 'calada da noite', sem qualquer aviso prévio, entrando na pauta como se fosse matéria de segurança nacional.

Irresponsabilidade

A mudança irá afetar de que maneira as populações dessas regiões? Para essa questão – a mais relevante, é evidente – não há respostas. Não se trata, a priori, de ser contra possíveis alterações no fuso horário destas regiões. Trata-se, sim, de afirmar que sem amplo debate não é possível dimensionar seu impacto, tornando a sanção do projeto pelo Presidente da República ato da mais profunda irresponsabilidade.

A necessidade óbvia de que algo dessa natureza passe por discussão com a comunidade científica – pois trará impactos do ponto de vista biológico, social e econômico – foi desconsiderada. Negou-se, ainda, a importância de se analisar exemplos recentes como o que causou prejuízos aos habitantes de Portugal, que foi obrigado a retornar ao seu fuso horário original após tê-lo alterado em 1992 (quando de seu ingresso na União Européia).

Congresso e governo também desconsideraram o potencial aumento no consumo de energia ocasionado pela mudança. Estes estados da federação, vale lembrar, não promovem o chamado “horário de verão”, já que estudos evidenciam – e o governo sabe disso, claro – que adiantar em uma hora o relógio nestas regiões não promoveria a economia de energia, mas sim aumentaria seu consumo.

As questões vão além: geógrafos e médicos especialistas em saúde pública ouvidos pelo Observatório do Direito à Comunicação apontam prováveis impactos no metabolismo da população dessas regiões, em especial nas crianças, com possíveis resultados negativos, como a perda de rendimento nas atividades escolares. Com a sanção da medida, parcela substancial destas comunidades terá suas primeiras atividades do dia ainda no escuro, com alterações biológicas que podem provocar diferentes transtornos de saúde, ocasionando, por exemplo, aumento no consumo de medicamentos estimulantes e relaxantes.

Tudo isso foi ignorado pelos parlamentares e por Lula, em nome da novela das oito.

A irresponsabilidade e submissão dos que participaram da aprovação e sanção desta lei, por sorte, pode ser parcialmente amenizada por algo muito mais poderoso que a Globo: a natureza. Em uma região marcada pelo ritmo da floresta e do Equador, a vida continuará correndo segundo as exatas 12 horas em que o sol ilumina o céu todos os dias do ano. Sim, caros senadores, caro presidente: quem acorda os brasileiros da Região Norte é o sol, não o Bom Dia Brasil. A diferença é que agora estas crianças, no que diz respeito aos seus direitos, valem oficialmente uma hora a menos.

Multidões integradas ao espetáculo

Há 14 anos, em artigo para a revista Imagens, então publicada pela Unicamp, usei pela primeira vez a expressão "fator Leo Minosa". Recorri a ela para designar um efeito específico que as coberturas sensacionalistas podem causar na audiência: o de promover a aglomeração de multidões nos locais onde um crime ou uma tragédia aconteceram – ou onde um assassinato é apurado, debatido ou julgado. Agora, nesta semana, "folheando" a internet, encontrei outra vez essa mesma expressão, desta vez invocada por outros que não eu, a propósito da intensa mobilização popular em torno da morte da menina Isabella Nardoni – fatalidade sobre a qual o leitor já está mais do que informado.

Surpreendido pelo reaparecimento do fator Leo Minosa, volto eu também a ele. Não porque haja algo que me caiba falar sobre o assassinato de uma garotinha de 5 anos de idade, mas pelo que o episódio reitera sobre o estatuto das multidões, grandes ou pequenas, em sociedades integradas por meios de comunicação de massa, eletrônicos ou não. É curioso observar como a internet – que, ao menos em tese, contribuiria para dissolver a antiga categoria da massa em múltiplos agrupamentos menores, cada qual com sua predileção – não revoga as marcas e as leis naturais mais profundas da comunicação… de massa. A despeito de tantas inovações, ainda somos, ao menos em parte, uma sociedade regida por velhos padrões de comunicação – e o sensacionalismo é uma afirmação enfática dessa verdade incômoda.

Embora as novas possibilidades tecnológicas da internet tenham acentuado a autonomia individual e propiciado o fracionamento do público numa gama virtualmente infinita de temáticas e focos de interesse, as massas, as velhas massas, às vezes voltam a ganhar a cena pública, exatamente como há 15, 30, há 60 anos. Como para avisar que não morreram. É o que o fator Leo Minosa nos mostra.

A condução do circo

Esse nome, Leo Minosa, vem do personagem de um filme clássico de Billy Wilder, lançado nos Estados Unidos em 1951, A Montanha dos Sete Abutres (The Big Carnival). O próprio Wilder assina o roteiro, em parceria com Lesser Samuels e Walter Newman. Kirk Douglas interpreta Charles Tatum, um repórter sem escrúpulos que, já em declínio, consegue um posto de repórter num jornalzinho da pequena cidade de Albuquerque, no Novo México. Mesmo ali, no seu pequeno fim de mundo, ela espera que surja uma grande história para projetá-lo nacionalmente e elevá-lo ao estrelato da imprensa. Sua chance de ouro aparece quando, num lugarejo ali perto, um jovem fica preso dentro de uma caverna, com as pernas soterradas por um desmoronamento. O jovem passa bem, mas só se conseguirá safar se alguém retirar as pedras que pesam sobre suas pernas.

A caverna fica numa montanha considerada sagrada pelos indígenas e já há os que acreditam que o rapaz ficou preso ali porque os espíritos queriam vingar-se dele. Tatum logo reconhece o imenso potencial sensacionalista da situação. Habilidoso, o jornalista consegue retardar o resgate e, em questão de dois dias, a história se converte em comoção continental.

O xerife local começa a ver vantagens na exposição do caso e se alia a Tatum. Repórteres de todos os cantos do país chegam à Montanha dos Sete Abutres. Com eles vem a multidão sedenta de sensações, pronta para seguir de perto os lances mais emocionantes. Tatum conduz seu circo de modo calculado, submetendo a seus planos o destino do rapaz aprisionado. O nome do rapaz é Leo Minosa (vivido por Richard Benedict) e o show está apenas começando.

Fazer acontecer

Voltemos ao Brasil dos nossos dias. As imagens de centenas de manifestantes no meio da rua cantando "Parabéns a você" para Isabella no dia em que ela completaria 6 anos, com bolo de aniversário e tudo, trazem de volta, com exatidão, a trama de Billy Wilder. Não que exista um cérebro maquiavélico regendo a seqüência das revelações. Não que exista alguém à beira da morte, como Leo Minosa. Hoje, o que temos é a lógica automática do espetáculo conduzindo o reality show a céu aberto. Não há maestro, mas há, sim, uma partitura sendo executada.

De sua parte, a multidão não foi atraída pelo suspense de saber se uma pobre alma soterrada sobreviverá ou não, mas, movida pela fome aparentemente sagrada de justiça, grita para apressar o desfecho da novela. Ela reivindica o clímax a que julga ter direito. O que agoniza em praça pública não é mais a vítima da violência, mas a reputação dos suspeitos. As massas querem sangue – físico ou moral, tanto faz. Elas não amam ninguém – não amam Isabella nem amavam Leo Minosa. Elas amam alucinadamente o êxtase das tragédias.

Ao lado disso, ou acima disso, amam a sensação de ser aceitas no espetáculo, um amor infantil. Seguram o bolo para Isabella diante das câmeras com a mesma convicção com que abrem um cartaz onde se lê "me filma, Galvão" num estádio de futebol. Num caso, expressam-se com lágrimas. No outro, às gargalhadas. A finalidade é a mesma.

Charles Tatum sabia disso muito bem: a presença da platéia eleva a dramaticidade do sensacionalismo, mas é preciso ter os elementos certos para invocá-la e chamá-la à cena. As multidões, nesse caso, não conduzem a história (com H maiúsculo ou minúsculo, tanto faz): entram como figurantes nos roteiros automáticos. Figurantes essenciais, mas figurantes.

Há algo de perturbador na constatação, como se ela retirasse dos comuns do povo a condição de tomar a iniciativa, de fazer acontecer ou, como diz o refrão, de "fazer a hora". Não obstante, muitas vezes é disso mesmo que se trata. Onde muitos vêem "protagonismo" das massas, há somente isto, o fator Leo Minosa.

A morte súbita da Lei de Imprensa

O Brasil está sem Lei de Imprensa. O Supremo, sem esperar pelo Congresso, revogou 20 de seus 27 artigos, entre os quais três dos mais importantes – 20, 21 e 23, que punem crimes de injúria, calúnia e difamação. Essa foi a principal vitória da poderosa campanha dos donos da mídia contra a Lei de Imprensa, apoiados por alguns jornalistas de sua confiança e até por entidades que dizem defender a liberdade de imprensa.

A campanha é tão pesada que o senador Expedito Filho (PR-RR) retirou seu projeto de lei que ampliava as penas da Lei de Imprensa para crimes contra a honra praticados pela internet. Sentiu-se intimidado pela acusação de “atentar contra” a liberdade. Este é mote da campanha: taxar de “atentado contra a liberdade de imprensa” qualquer tentativa de enquadrar os abusos da mídia. Mesmo abusos contra a honra. É a extensão das teses neoliberais para a esfera da moral.

Sabemos que uma única manchete acusatória, mesmo falsa, destrói a mais sólida reputação, de pessoas, de empresas e até de marcas. Imaginem isso repetido 10, 20 vezes, um mês inteiro? Chama-se a essa estratégia editorial de “jornalismo de campanha”. A vítima é esmagada, tenha ou não cometido alguma malfeitoria. É condenada sumariamente pelas regras da mídia, não pelas regras da Justiça, que pressupõem a presunção da inocência, a prova da verdade, o contraditório e o direito de defesa. Assim foram as campanhas midiáticas do Estadão contra o Bolsa Família, da Veja contra Zé Dirceu, da Folha contra a Força Sindical. O objetivo é demolir reputações, não necessariamente informar a verdade e denunciar crime ou irregularidade, funções legítimas e insubstituíveis da imprensa.

O “jornalismo de campanha” surgiu há mais de 150 anos, quando a introdução das rotativas obrigou os novos “barões” da mídia a vender muito mais jornais para compensar os custos. A famosa rede Hearst de jornais lançou muitas campanhas, inclusive contra os abusos das ferrovias. Assim também legitimou a imprensa como porta-voz dos interesses da sociedade. Nascia ali o “poder midiático”, a percepção dos donos de jornais de que podiam influir no destino de pessoas, partidos, instituições e do próprio país.

Quando a Folha defendeu as Diretas Já, nos anos 1980, causa nobre e de interesse geral, elevou o status do jornal. Também defendem interesses gerais as campanhas do Estadão pela recuperação do Rio Tietê, pela preservação da Mata Atlântica, assim como a corajosa série de reportagens de fevereiro contra “Os matadores do 18º”. O jornal sacudiu a cúpula da Polícia Militar amedrontada frente ao poder de uma quadrilha de exterminadores, formada por policiais do 18º Batalhão da Capital, suspeita de executar o coronel da PM José Hermínio Rodrigues, que os estava investigando.

A mais típica campanha dos últimos meses foi a d’O Globo, em dezembro, contra o Estatuto da Criança e do Adolescente. Foram dez grandes reportagens, todas com chamadas na primeira página, algumas de página inteira e fotos de seis colunas. O objetivo verdadeiro estava oculto, mas todos os títulos e todo o tratamento eram direcionados para induzir o leitor a apoiar a redução da maioridade penal. Por exemplo: “Dos menores infratores, 80% fogem sem cumprir a pena”.

O Estadão lançou uma forte campanha em fevereiro contra a devastação da Amazônia. Foram nove grandes matérias, muitas delas com fotos gritantes e chamadas de seis colunas na primeira página. Mas o alvo das denúncias era mais o poder público do que os grupos econômicos que enriquecem com a extração ilegal de madeira e as queimadas para plantio de monoculturas, como a soja. Há muitas campanhas de jornais contra políticas públicas e contra leis, como essa pela derrubada da Lei de Imprensa, ou denunciando omissões do Estado. Mas poucas contra os abusos do poder econômico. Imaginem hoje uma campanha do Estadão ou da Folha contra as tarifas extorsivas dos pedágios em São Paulo? Nem pensar, depois que esses jornais entraram com tudo nas campanhas pela privatização das rodovias.

Há também campanhas de jornais para chantagear e intimidar. Era assim que Assis Chateaubriand pressionava o conde Matarazzo a dar dinheiro para o Museu de Arte de São Paulo e ao mesmo tempo intimidava os demais empresários. Como o gângster que manda dar uma surra no lojista que se recusa a pagar proteção, para intimidar os outros lojistas.

A campanha contra a Lei de Imprensa foi deflagrada depois que a Igreja Universal procurou os tribunais para se defender contra matérias publicadas pela Folha que considerava difamatórias e caluniosas. A Folha passou a acusar a Igreja Universal de “litigância de má-fé”, por abrir ações judiciais simultâneas em diversas partes do país. O Código Penal diz que existe litigância de má-fé quando uma das partes “altera a verdade dos fatos”, ou “procede de modo temerário durante o processo”. Isso pode se aplicar quase como uma luva à própria Folha, quando a reportagem de Elvira Lobato diz, sem se limitar aos fatos, que “uma hipótese é que os dízimos dos fiéis sejam esquentados em paraísos fiscais”. Uma coisa é suspeitar de uma irregularidade e investigá-la; outra é dar a uma suspeita o caráter de fato.

Esquentar dinheiro é crime. Ao lançar essa ilação, sem provas, a Folha pode ter cometido crimes de calúnia (acusar indevidamente alguém de cometer um crime capitulado em lei) e de difamação. Cabe à Justiça julgar se a Folha cometeu esses crimes. O jornal alega que a Igreja Universal quer intimidá-lo. Pode até ser verdade. Mas o jornal, por sua vez, não está intimidando a Justiça ao insistir em tratar em suas páginas de um litígio em que é parte interessada e ainda está sub judice?

Ilações pesadas também foram lançadas repetidamente contra Paulo Pereira da Silva, o deputado Paulinho (PDT-SP), e a Força Sindical, sempre sem provas de que algum crime foi cometido. Apenas ilações. Por que a Folha pode repetir uma ilação depois da outra contra a Força Sindical, e a Força Sindical não pode abrir processos, um atrás do outro, contra o jornal?

Um dos argumentos falaciosos contra a Lei de Imprensa é que este é o país em que mais se processam jornalistas. Isso acontece porque o Brasil é o país em que os jornalistas mais caluniam e difamam. Acusar virou padrão do nosso jornalismo de denúncia. Às vezes, simplesmente xingam, o que se chama crime de injúria. Leiam este parágrafo típico desse padrão de linguagem. Diz o jornalista sobre Paulo Pereira: “A central presidida por Paulinho mistura política retrógrada com a negação da política”. Até aí é um juízo de valor que o jornalista tem o direito de expressar. Mas logo em seguida ele parte para o insulto: “Este pequeno Lula paraguaio agora anuncia entre palavrões que vai entupir o Judiciário de ações contra jornalistas da Folha….” Numa única frase o jornalista insultou Lula, ao usá-lo como referência negativa, e os paraguaios, que não têm nada a ver com a história. E insultou o próprio Paulo Pereira.

São esses os jornalistas que querem imunidade. Alegam que para crimes de injúria, calúnia e difamação basta o Código Penal. Mas como diz o jurista Miguel Reale, na própria Folha, “o ataque à honra difundido em veículo de comunicação social alcança número indeterminado de pessoas, o que não sucede em difamação lançada em uma sala ou por carta”. O jurista Walter Ceneviva também opina na Folha que o direito comum não se ajusta aos problemas civis e penais da comunicação social.

Outro jurista, Victor Gabriel Rodriguez, mostrou também na Folha que os jornalistas foram engambelados pelos patrões e acabaram dando um tiro no pé. A Lei de Imprensa dá mais direitos de defesa ao jornalista – inclusive defesa prévia, que evita o julgamento. “No equilíbrio entre direitos individuais e liberdade de informação, o menor dos males é a Lei de Imprensa,” diz.

* A Revista do Brasil pode ser acessada no endereço eletrônico http://www.revistadobrasil.net/

Os tropeços estruturais da TV Brasil

A medida provisória que autorizou a criação da TV Brasil fixou os princípios sobre os quais ela deveria atuar. Isso nos dá força para avaliar os primeiros tropeços.

As opções jurídico-institucionais não deverão ajudar a instituição prevista, por razões estruturais, independentemente da vontade dos gestores.

A opção por uma empresa pública, em vez de uma fundação pública de direito privado, vetada na legislação federal, subordina essa empresa a um ministério, no caso, a Secom.

Melhor seria tê-la subordinado ao Ministério da Cultura ou da Educação, cujas finalidades coincidem com a missão da TV pública em muitos aspectos. Subordiná-la à Secom é condicionar o coelho ao regime prioritário de cenouras temperadas pelos interesses de propaganda do Planalto.

Outro erro, o Conselho Administrativo, com poder de nomear, dar diretrizes de gestão e autorizar despesas, cujos componentes são ministros do governo, política e moralmente atrelados à vontade da administração. Como poderão gerir com isenção?

Já o Conselho Curador, reclamado pela sociedade e relativamente representativo dela, só será escolhido pela sociedade em sua segunda representação. Esse primeiro conselho nem sempre representa pessoas dos meios de comunicação pública, intelectuais ou técnicos e produtores do setor.

Esse conselho não tem, como o da Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, o poder de nomear o presidente-executivo -aliás, não tem nenhum poder de gestão administrativa e financeira. Tem, é verdade, o poder de demitir a diretoria executiva, mas isso o torna um conselho de crise, e não um conselho de construção.

Além desses problemas, a presidência executiva conflita estruturalmente com a superintendência, responsável pela programação. No caso da TV Brasil, Tereza Cruvinel veio da televisão privada e, embora de grande competência profissional, tem a cultura da informação de mercado, da televisão de espetáculo. Felizmente, vestiu a camisa da TV pública e tem consciência de que a estrutura da EBC pode e deve ser aperfeiçoada.

Já o superintendente, Orlando Senna, de grande experiência pessoal em comunicação, representa o pensamento do MinC consolidado no conceito de TV pública. Deverá superar a visão de política de cultura do ministério pela de cultura pública. A nomeação de uma responsável pelo jornalismo que também é da TV de mercado e que ainda por cima é casada com um funcionário de comunicação da Secom não tem implicações técnicas nem mesmo profissionais, mas cria um curto circuito político.

A demissão recente de Luiz Lobo ainda não pode ser atribuída à estrutura da instituição. Contrato de trabalho é composição jurídica bilateral.

Não temos ainda elementos para avaliar as prepotências em jogo. Felizmente, o Conselho Curador foi acionado – e isso é bom.

Fundamental é a grade de programação: seu conteúdo, sua capacidade inovadora, sua qualidade, isto é: independência, criatividade, representatividade regional, pluralismo, interatividade da programação e abertura às fontes de criação disponíveis. 

Há 35 anos a televisão pública persegue uma programação de qualidade, capaz de servir e de interessar o telespectador. Isso significa fazer uma televisão diferente da de mercado.

Há um sério problema de audiência não resolvido nas TVs públicas. E a questão não se resolverá nunca enquanto se buscar para o impasse o modelo da televisão comercial. Somos covardes diante dela e de seus Ibopes. Em vez de ousarmos nos limites da linguagem e dos conteúdos, buscamos a pátina erudita para cobrir a enganação do espetáculo.

É verdade que já acertamos na programação infantil e quando abrimos os grandes temas ao debate, como conseguimos no "Roda Viva", quando insistimos na MPB e na música erudita, pássaros sem ninho na televisão brasileira.

Acertamos quando ousamos, na dramaturgia e na literatura, mas isso é muito raro.

Erramos no jornalismo, ao apresentar o espetáculo da notícia, e não a compreensão dos acontecimentos, e, sobretudo, quando nos deixamos seduzir pela notícia oficial.

Acertamos quando perguntamos a Nietzsche o que ele pensa da amizade.

TV pública só se justifica se acertar sua programação, em parceria com o público e os criadores. Mas, para isso, é indispensável uma estrutura jurídica que favoreça a intenção e uma gestão que possibilite essa realização.   

* Jorge da Cunha Lima jornalista e escritor, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e vice-presidente do Itaú Cultural.

Desafios e oportunidades para a convergência e mobilização social

A convergência digital tem sido um tema recorrente nos debates sobre comunicação. Incorporá-la como um tema articulador segue ainda como um desafio pouco discutido. Neste sentido, as atividades realizadas no fisl9.0, nona edição do Fórum Internacional de Software Livre revelam possibilidades de amarrar questões até então desconexas na construção de uma agenda fundamental para disputar hegemonia no século XXI.

Uma das grandes dificuldades do movimento de comunicação é a falta de uma base social. Sem dúvida, só é possível defender um ponto de vista como o que aqui será exposto, dentro de um contexto novo, tanto em relação às possibilidades proporcionadas pelas tecnologias digitais, quanto por novas trocas sociais decorrentes dela, aliadas a um conjunto de ações do poder público e da sociedade civil que interligam princípios como emancipação, autonomia, participação popular e cultura livre.

É impressionante sentir a força criativa e inovadora de grupos organizados em torno de temas como cultura digital, economia solidária e tecnologias livres. A articulação para que pontos de cultura se transformem em encubadoras de outras relações de trabalho, que telecentros passem a atuar como produtores de cultura digital, que desenvolvedores de tecnologias livres construam soluções técnicas e ambientes para a existência dessa imensa rede de coletivos é inspiradora e precisa estar contemplada nos debates do movimento de comunicação. O caminho inverso é igualmente importante, sendo necessário, portanto, a convergência radical. De tecnologias, práticas e pessoas.

Claro que o presente é monopolizado, concentrado, unilateral, e não há qualquer possibilidade de abandonar temas analógicos em pauta na conjuntura. Mas é igualmente urgente perceber a força e a potencialidade que os temas de inclusão digital, cultura livre e articulação de redes possuem. De fato, o futuro aponta para uma disputa da hegemonia na rede e os riscos de que toda essa potência de energia se disperse é grande. Só para citar um exemplo, a globo.com foi um dos patrocinadores do fisl9.0. Em seu estande, além de brindes diversos, um simpático cartaz exibia a frase: nós precisamos do seu talento. As grandes corporações de mídia já perceberam os ganhos financeiros e ideológicos de se juntar à turma do software livre. Seduzem técnicos em computação que aos poucos começavam a se envolver com o debate político que está por trás do desenvolvimento de uma tecnologia livre.

Outro público que precisa estar articulado é o de agitadores culturais. Empolgados com a produção e possibilidades de troca de seus conteúdos, até falam sobre ideologia dominante, monopólio e a rede como uma alternativa de difusão, mas esquecem que para se fazer uma disputa na rede, é necessário ganhar batalhas importantes como a universalização do acesso à banda larga e a concretização de experiências de rede wi mesh e wi fi. Essa percepção é facilmente construída a partir de debates da comunicação que trazem à tona as intenções das operadoras de telefonia em suas negociatas com o governo e apontam para um risco enorme de privatização do espectro eletromagnético pós período de 10 anos da implantação da TV Digital.

A inclusão digital e, fundamentalmente, a existência de telecentros comunitários é outra chave importantíssima para aprofundar relações e convergir pautas. Estes espaços articulam práticas de gestão democrática e participação popular, alternativas de geração de renda que passam pela economia solidária, programas de governo eletrônico que relacionam saúde, direitos humanos, questões de gênero, raça e opção sexual. Envolvem uma juventude sedenta por cultura digital e começam, aos poucos, a se articular com rádios comunitárias, quando não improvisam rádios postes, livres e outras possibilidades via web. Muitos deles começam a se articular em rede, assim como os pontos de cultura. Entre as propostas que perpassam essa imensa rede está a formação em multimídia, aumentando o potencial de produção cultural do país. Também extraordinário ver o envolvimento desses novos produtores com formas diferentes de lidar com o direito autoral, desbravando-se em creative commons e outras formas mais radicais de cessão de direitos como o copy left.

A articulação de pessoas, coletivos e redes envolvidas com a comunicação digital é urgente e passa pela construção de um novo ativismo. Um ativismo que entenda a importância da regulação para o pleno exercício da liberdade em oposição à ditadura de mercado, que se aproprie das tecnologias livres para potencializar a articulação em rede, que potencialize ao máximo a troca de experiências e de material, que se organize em defesa da universalização da banda larga e que radicalize o enfrentamento às grandes corporações. Iniciativas interessantes tem surgido neste sentido. É preciso convergir. Urgente e radicalmente. 

* Carolina Ribeiro é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social