Os tropeços estruturais da TV Brasil

A medida provisória que autorizou a criação da TV Brasil fixou os princípios sobre os quais ela deveria atuar. Isso nos dá força para avaliar os primeiros tropeços.

As opções jurídico-institucionais não deverão ajudar a instituição prevista, por razões estruturais, independentemente da vontade dos gestores.

A opção por uma empresa pública, em vez de uma fundação pública de direito privado, vetada na legislação federal, subordina essa empresa a um ministério, no caso, a Secom.

Melhor seria tê-la subordinado ao Ministério da Cultura ou da Educação, cujas finalidades coincidem com a missão da TV pública em muitos aspectos. Subordiná-la à Secom é condicionar o coelho ao regime prioritário de cenouras temperadas pelos interesses de propaganda do Planalto.

Outro erro, o Conselho Administrativo, com poder de nomear, dar diretrizes de gestão e autorizar despesas, cujos componentes são ministros do governo, política e moralmente atrelados à vontade da administração. Como poderão gerir com isenção?

Já o Conselho Curador, reclamado pela sociedade e relativamente representativo dela, só será escolhido pela sociedade em sua segunda representação. Esse primeiro conselho nem sempre representa pessoas dos meios de comunicação pública, intelectuais ou técnicos e produtores do setor.

Esse conselho não tem, como o da Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, o poder de nomear o presidente-executivo -aliás, não tem nenhum poder de gestão administrativa e financeira. Tem, é verdade, o poder de demitir a diretoria executiva, mas isso o torna um conselho de crise, e não um conselho de construção.

Além desses problemas, a presidência executiva conflita estruturalmente com a superintendência, responsável pela programação. No caso da TV Brasil, Tereza Cruvinel veio da televisão privada e, embora de grande competência profissional, tem a cultura da informação de mercado, da televisão de espetáculo. Felizmente, vestiu a camisa da TV pública e tem consciência de que a estrutura da EBC pode e deve ser aperfeiçoada.

Já o superintendente, Orlando Senna, de grande experiência pessoal em comunicação, representa o pensamento do MinC consolidado no conceito de TV pública. Deverá superar a visão de política de cultura do ministério pela de cultura pública. A nomeação de uma responsável pelo jornalismo que também é da TV de mercado e que ainda por cima é casada com um funcionário de comunicação da Secom não tem implicações técnicas nem mesmo profissionais, mas cria um curto circuito político.

A demissão recente de Luiz Lobo ainda não pode ser atribuída à estrutura da instituição. Contrato de trabalho é composição jurídica bilateral.

Não temos ainda elementos para avaliar as prepotências em jogo. Felizmente, o Conselho Curador foi acionado – e isso é bom.

Fundamental é a grade de programação: seu conteúdo, sua capacidade inovadora, sua qualidade, isto é: independência, criatividade, representatividade regional, pluralismo, interatividade da programação e abertura às fontes de criação disponíveis. 

Há 35 anos a televisão pública persegue uma programação de qualidade, capaz de servir e de interessar o telespectador. Isso significa fazer uma televisão diferente da de mercado.

Há um sério problema de audiência não resolvido nas TVs públicas. E a questão não se resolverá nunca enquanto se buscar para o impasse o modelo da televisão comercial. Somos covardes diante dela e de seus Ibopes. Em vez de ousarmos nos limites da linguagem e dos conteúdos, buscamos a pátina erudita para cobrir a enganação do espetáculo.

É verdade que já acertamos na programação infantil e quando abrimos os grandes temas ao debate, como conseguimos no "Roda Viva", quando insistimos na MPB e na música erudita, pássaros sem ninho na televisão brasileira.

Acertamos quando ousamos, na dramaturgia e na literatura, mas isso é muito raro.

Erramos no jornalismo, ao apresentar o espetáculo da notícia, e não a compreensão dos acontecimentos, e, sobretudo, quando nos deixamos seduzir pela notícia oficial.

Acertamos quando perguntamos a Nietzsche o que ele pensa da amizade.

TV pública só se justifica se acertar sua programação, em parceria com o público e os criadores. Mas, para isso, é indispensável uma estrutura jurídica que favoreça a intenção e uma gestão que possibilite essa realização.   

* Jorge da Cunha Lima jornalista e escritor, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e vice-presidente do Itaú Cultural.

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