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PMDB, DEM, milícias e a mídia

As relações entre os chefões da imprensa e os partidos PMDB e DEM devem ser muito profícuas. Essa é a única explicação para que essas siglas ainda não tenha ido parar nas manchetes. Há denúncias formalizadas pelo Ministério Público e investigações da Polícia Federal que comprovam a participação vereadores, deputados estaduais, um prefeito e um ex-governador (e presidente do PMDB no RJ) dessas duas siglas em esquemas de lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando, evasão de divisas, corrupção ativa e formação de quadrilha armada. Um deles responde até pelo assassinato do inspetor de polícia Félix dos Santos Tostes, acusado de chefiar milícia em Rio das Pedras.

  • Anthony Garotinho, ex-governador e presidente do PMDB no Rio de Janeiro;
  • Alvaro Lins, deputado estadual (PMDB);
  • Jerônimo Guimarães, o Jerominho (vereador, PMDB);
  • Núbia Cozzolino (prefeita de Magé, RJ, PMDB);
  • Nadinho de Rio das Pedras (vereador, DEM);
  • Natalino Guimarães (deputado estadual, DEM).

Quinta-feira, 29 de maio. O ex-governador do Rio, Antonhy Garotinho, é denunciado pelo Ministério Público e o ex-chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins, é preso pela Polícia Federal. São acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha armada. Garotinho é presidente do PMDB no estado e Lins é deputado estadual pelo mesmo partido. O Globo dedicou 6 páginas ao tema e destacou 25 repórteres para a cobertura. Entretanto… Em nenhum dos 11 títulos nas seis páginas aparece a sigla PMDB. E em apenas um dos 14 subtítulos, o da última página da série de matérias, vemos a legenda. No dia seguinte foram 9 títulos e 12 subtítulos, sem que a sigla PMDB aparecesse em nenhum deles.

Notas esparsas nos jornais desta terça-feira (3/6) sinalizam com o aumento desta lista. De acordo com a coluna do Ancelmo Góis, "autoridades do Rio identificaram dois políticos cariocas – um vereador e um deputado – que têm ligações com a milícia que domina a Favela do Batan, aquela onde dois repórteres de "O Dia" foram torturados". Na coluna de Merval Pereira é citado o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB), que estaria envolvido com o esquema de Álvaro Lins. Essas duas colunas são publicadas pelo jornal O Globo. No JB, a coluna da Anna Ramalho anota frase do deputado federal Marcelo Itagiba, também do PMDB fluminense: "As milícias são uma boa idéia… que não deram certo".

Houvesse jornalismo de verdade no Rio de Janeiro, o público já teria sido informado, com o devido destaque, que o partido do prefeito da cidade, César Maia (DEM), e o partido do governador do estado, Sérgio Cabral (PMDB), estão implicados em crimes da maior gravidade. César Maia, vale lembrar, sempre considerou que as "milícias" eram um mal menor. Chegou a chamá-las de "autodefesas comunitárias", num elogio ao modelo de segurança colombiano, que por sua vez é bastante enaltecido pela imprensa brasileira. Os telejornais têm evitado mencionar esses partidos e os jornais não os levam para as manchetes. Quem estudou comunicação sabe que a maioria dos leitores de jornal só lê os títulos e os subtítulos e, quando muito, o primeiro parágrafo. É importante registrar que, em 2005, por muito menos o PT foi esculhambado em manchetes de jornal e em fartas reportagens de rádio e televisão. As corporações de mídia destacaram seus melhores repórteres para investigar cada detalhe do partido, que foi rotulado de "mensaleiro" pra baixo. O mesmo PT que ainda não teve coragem de enfrentar o oligopólio que controla os meios de comunicação no país.

Com esse tipo de divulgação restrita, as corporações de mídia matam dois coelhos com uma canetada só: preservam seus interesses político-financeiros (incluindo a verba publicitária), e agridem a imagem do setor público como um todo, ao fazer parecer que todos os políticos são iguais. Assim, reforçam a falsa idéia de que "público é ruim, atrasado, corrupto" e "privado é bom, moderno, dinâmico".

Realinhamento da cobertura

O Jornal Nacional desta segunda-feira (2/6) divulgou com entusiasmo a operação cinematográfica da polícia na favela da Rocinha. Segundo a Secretaria de Segurança, foram apreendidas 2,5 toneladas de maconha, retiradas por um helicóptero, "que fez várias viagens" até remover toda a erva. Ao tratar do crime cometido contra a equipe do jornal O DIA, o telejornal evitou o termo "tortura", substituído por "agressão", e preferiu creditar os espancamentos, choques elétricos e sufocamentos com saco plástico a "milicianos", embora a própria SeSeg tenha admitido que policiais participaram da ação criminosa. Só no final da matéria um texto surgia explicando que as "milícias" são compostas por policiais e ex-policiais.

Desse modo, nota-se um realinhamento gradual da cobertura segundo os parâmetros do governo estadual. Embora nunca tenha abandonado completamente este eixo, a cobertura da TV Globo, assim como a dos demais veículos da mídia hegemônica, adotaram por 48h uma incomum postura crítica em relação à violência policial. Os jornais de hoje mostram que apenas O DIA mantém essa posição firme, enquanto os demais a atenuam bastante.

É fundamental registrar que geralmente as denúncias de violência policial são ignoradas pelas corporações de mídia, que parecem só ter despertado para sua existência após a sessão de tortura contra uma repórter, um fotógrafo e um motorista do diário carioca.

Quando o repórter alternativo Brad Will foi assassinado pela polícia mexicana, em Oaxaca, 2006, a imprensa não registrou, o que denota a existência de duas categorias de jornalista na avaliação das corporações. Quando brasileiros pobres, moradores de favelas, denunciam tapas na cara, espancamentos, e execuções sumárias cometidas por policiais, os diretores dos jornais não levam a sério e oferecem apenas notinhas de rodapé, quando muito, pois a regra é a omissão, o que revela a existência de duas categorias de seres humanos, novamente na avaliação das empresas capitalistas.

Lembro quando dezenas de entidades e duas centenas de pessoas assinaram, em novembro passado, o manifesto contra as políticas de extermínio do governador Sérgio Cabral. O Globo deu a notícia no final do primeiro caderno, escondida entre os obituários, sem nenhuma chamada na capa. Se a cobertura jornalística desse conta da verdadeira dimensão do envolvimento de policiais com a criminalidade no Rio, talvez os índices de violência em nosso estado não fossem tão assustadoramente elevados.

Marcelo Salles é Jornalista, editor do blog Fazendo Media e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Beijo gay não devia incomodar ninguém

Na quarta-feira (28/5) a atriz Lilia Cabral declarou em entrevista à Folha Online que o dilema de ter ou não ter um beijo gay no último capítulo da novela Duas Caras já lhe "encheu o saco". Completou dizendo que "essa história (do beijo) torna tudo muito pequeno. O beijo é na intimidade. Acho que o que vale é a capacidade de se encontrar em outra pessoa e ser feliz. Isso tem muito mais valor humano do que simplesmente essa história de ter ou não beijo gay".

Se, por um lado, Lilia Cabral elege a intimidade como o lugar do beijo, por outro ela ignora o valor sócio-cultural da sua representação. A alcova pode ser um dos lugares que escolhemos para demonstrar nosso amor e nosso afeto, mas é o olhar do outro que confere a esse afeto valores positivos – que nos motiva a continuar a expressá-los – ou negativos – que nos causam acanhamento, interdição e dor.

A alteridade diz que "todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, a existência do `eu-individual´ só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro – a própria sociedade diferente do indivíduo). Dessa forma, eu apenas existo a partir do outro, da visão do outro, o que me permite também compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo".

"Princípios de qualidade"

Quando Ayrton Senna flamulava a bandeira do Brasil após suas vitórias, nos emocionávamos porque nos reconhecíamos nele, elevados a um lugar que almejávamos na visão do outro, nesse caso, o mundo inteiro. Agimos assim quando um atleta olímpico nos leva ao pódio, ou quando "somos reconhecidos" – em um caminho psíquico inverso – nos romances, filmes e novelas. Nenhum deles nos faria sentido se não pudéssemos encontrar ali uma identificação possível. Perderiam sua emoção, seu encanto, sua audiência.

Desta forma, todos desejam se reconhecer na TV, no cinema, na arte; todos querem ser acolhidos no espelho público do simbólico, no grande olhar do outro, seja na representação da sua paixão, do seu sofrimento, dos seus sonhos e conquistas.

No entanto, a proibição pela emissora na questão da exibição de um beijo entre pessoas que representam outros milhões verdadeiros nas suas legítimas aspirações, além da declaração de uma de suas representantes condenando esse tipo de afeto a uma obscura "intimidade", confronta a idéia de uma sociedade baseada na alteridade onde, como diz Frei Betto, "só existe generosidade na medida em que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então, sou capaz de entrar em relação com ele pela única via possível porque, se tirar essa via, caio no colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou – a via do amor, se quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se quisermos usar uma expressão moral".

A emissora justifica sua censura declarando temer "prejuízos institucionais e comerciais" – como reportado por Daniel de Castro na Folha (11/05/2008) – e que a exibição da cena fere "princípios de qualidade" da emissora. Diz ainda que pode "chocar" a audiência.

Proposta da alteridade

Chocante é constatar a fraqueza ética de pessoas e instituições que se dizem chocadas com uma manifestação de afeto que elas mesmas legitimam somente para uma parte da população. Contudo, permitem a si mesmas distrair com cenas de violência descarada, exposição e grafismo sexuais apelativos, consumismo, escárnio do próximo e comportamentos vis. Uma fraqueza tão parcial pode ser alegada para justificar tal objeção? Um véu que esconde o temor de algo tão autêntico, verossímil e digno que sua simples admissão pode abrir definitivamente as comportas de uma grande represa criada por séculos de negação?

O filme de Ang Lee O segredo de Brokeback Mountain não fez concessão alguma ao que a sociedade supostamente estava ou não preparada para ver. O diretor usou sensibilidade e talento para mostrar uma história de amor universal que contempla todos, revelando que "a experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar" e que "devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única".

Assim, relacionar-se com o outro reconhecendo a legitimidade da sua expressão é a base de uma co-presença ética. José Roberto Goldim diz que a proposta da alteridade "rompe com a perspectiva autonomista e individual para remetê-la a uma visão de rede social. Deixa de ter sentido a máxima `a minha liberdade termina quando começa a dos outros´, sendo substituída pela proposta de que a minha liberdade é garantida pela liberdade dos outros".

Mesquinhez e fraqueza ética

Por outro lado, quando uma emissora comercial representa em uma obra de ficção a existência de certas entidades como, por exemplo, o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, não o faz de forma gratuita. A recusa em fazê-lo soaria como um indesejável atestado de atraso, falta de visão e esterilidade criativa. Então, em contraponto, deve haver uma responsabilidade maior que se sobreponha a interesses econômicos, por exemplo. Uma responsabilidade que se sobreponha ao simples argumento da tolerância, sobre a qual diz Saramago:

"Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas, da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância."

É por isso que o beijo gay, ou a sua discussão, não devia encher o saco de ninguém. Não basta tolerá-lo na alcova escura destinada ao medo e à feiúra. É necessário perceber a sua beleza, sob o sol e à luz porque é a beleza possível do outro, que não se recusa a celebrar a nossa.

A lenda grega diz que Narciso causou muita dor aos seus admiradores porque reservava somente para si próprio o amor e a beleza. Acabou sucumbindo à morte triste e solitária em um lago de desespero. Mas se queremos ser belos, merecedores de justiça e amor, devemos desvendar nossa beleza despindo-a de seu egoísmo narcisista, onde só o nosso beijo é legítimo e belo, e assimilar a beleza do outro, para que não sucumbamos a um poço profundo de mesquinhez e indefensável fraqueza ética.

Lúcio Antunes é empresário de Belo Horizonte.

Todos de olho na TV paga

Se até hoje o setor de TV por assinatura era sempre olhado como o patinho feito entre os serviços de telecomunicações, a verdade é que agora esse é o patinho mais cobiçado no mercado. Mais cobiçado e menos compreendido, e talvez por isso, onde haja maior risco de atropelos inadvertidos por parte de quem regula e legisla.

Tamanho interesse pela indústria de TV paga se deve ao fato de ser este um setor que cresce a taxas consistentemente expressivas, de mais de 15% ao ano, que está impulsionando a concorrência na banda larga e na telefonia fixa, que lidera o movimento de digitalização da TV brasileira e que é a cada dia uma forma mais relevante aos conteúdos audiovisuais, chegando a cerca de 5,5 milhões de lares.

Isso desperta o interesse dos concorrentes diretos (empresas de telecomunicações, que querem competir com os mesmos serviços), desperta o interesse dos órgãos de defesa do consumidor (que querem a garantia dos direitos do crescente número de usuários), das empresas de radiodifusão (que olham para a expansão desse mercado e vêem pulverização de audiência) e dos produtores de conteúdo (que querem ser distribuídos por esta plataforma em expansão). São todos interesses justos e legítimos.

No entanto, alguns dos esforços recentes destinados a ajustar as regras do mercado de TV paga estão colidindo, diretamente, com a estrutura de negócios existente e que tem sido a razão dos resultados expressivos apontados. Destacamos dois destes pontos de colisão. Nos dois casos, há unanimidade de posição por parte dos operadores de TV paga: a questão das cotas de programação, em debate no âmbito do PL 29/2007, na Câmara; e a questão do ponto extra, em debate no âmbito da Anatel e também no Congresso.

Ponto extra

Em relação ao ponto extra, o que se busca é uma mudança na forma como o mercado atualmente trabalha para se atender a um pleito dos órgãos de defesa do consumidor e do Ministério Público. Fala-se da não-cobrança pelo ponto adicional, com o argumento de que "não custa nada", já que o assinante já pagou pelo ponto principal.

Esse argumento não é correto. Inserir um único ponto na rede de uma operação de TV por assinatura custa. Custa porque um ponto é uma porta de entrada de ruídos e interferência. É preciso manter a rede preparada para isso e manter a qualidade do sinal. Também os equipamentos envolvidos têm custos individuais e custos de royalties permanentes, no caso de redes endereçáveis. E ainda é preciso dar treinamento e manter a equipe que vai instalar e dar suporte ao serviço.

As redes coaxiais não são como redes de telefone convencionais. Ligar uma batedeira na casa de um assinante gera um ruído na rede que pode tirar do ar o serviço de outro assinante se não houver o devido cuidado. A tecnologia, enfim, não é a mesma do par trançado.

E se não bastasse tudo isso, o ponto extra é um serviço que as empresas oferecem a seus assinantes, e as empresas devem ter a liberdade de cobrar por isso ou dar de graça se assim decidirem. Tanto é que esse serviço de ponto adicional representa cerca de 10% das receitas dos operadores de TV paga, ou mais em alguns casos. O impacto do fim da cobrança no mercado está estimado em algo como R$ 700 milhões ao ano, o que é muito para uma indústria de R$ 5,5 bilhões de faturamento. Em um serviço com liberdade de preços, é fácil saber quem vai pagar a conta.

Programação

O outro ponto em que se busca mudar as regras atuais diz respeito às cotas de programação na TV por assinatura, e aqui estamos falando especificamente do PL 29/2007. Nesse caso, a justificativa do projeto é sólida: desenvolver o mercado audiovisual nacional, algo com que todos concordam. O debate não está no objetivo final, mas na forma de se fazer. O caminho proposto até aqui prevê abertura de espaço a conteúdos nacionais na programação e também nos canais existentes. Faria todo sentido, se estivéssemos falando de um serviço público e naturalmente concentrado. Em um serviço privado que vende justamente a multiplicidade de canais e conteúdos, parece ser um caminho inviável, porque a lógica estabelecida do mercado é outra.

Mais simples seria garantir espaço a canais nacionais nos line-ups das operadoras e dar ao setor de produção e programação todos os recursos e incentivos para que os conteúdos fossem criados e novos canais desenvolvidos.

Essa discussão está, contudo, prejudicada pela polarização de posições. Os operadores e programadores de TV paga deram um passo diplomaticamente desastroso com a campanha setorial contra o PL 29/2007, mas não é por isso que devem ser desconsiderados.

Sem dúvida, produtores, empresas de telecomunicações e radiodifusores têm seus interesses legítimos. Mas é preciso lembrar que em um projeto que muda justamente as regras do mercado de TV paga, o interlocutor que não pode nunca faltar à mesa é quem já está no mercado e vive desse negócio há quase duas décadas.

A barriga do ano e as contradições do jornalismo

No final da tarde de terça-feira (20/5) fui surpreendido com telefonema de pessoa de minha família, em Minas Gerais, preocupada em saber se eu estaria viajando ou se estava em Brasília. Estava em Brasília, por quê? "Acabamos de ouvir na rádio Itatiaia de Belo Horizonte que um avião de passageiros havia se chocado com um prédio nas proximidades do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, provocando grande incêndio. Como você sempre viaja, queríamos ter certeza de que não estaria entre as vítimas de mais esse acidente aéreo."

Depois do telefonema, tomei conhecimento de que o canal GloboNews, da operadora de TV a cabo NET, havia interrompido a transmissão ao vivo de depoimentos na CPI dos cartões para "informar" que um avião da empresa Pantanal acabara de cair sobre um prédio na Zona Sul de São Paulo, próximo ao aeroporto de Congonhas. Durante mais de cinco minutos, a GloboNews mostrou imagens de fumaça sobre a cidade e do incêndio que teria sido provocado pelo choque de um avião com o prédio. 

Numa inversão da lógica que tem presidido a análise do fluxo das notícias, quase simultaneamente a GloboNews pautou os principais sites online – UOL, Folha OnLine, Terra, iG, Estadão – que passaram a "informar", em manchete, sobre a queda do avião e sobre o incêndio. A partir daí, a "informação" passou também a ser transmitida por emissoras de rádio em todo o país.

Aos poucos foram aparecendo os desmentidos: da Infraero, da Pantanal e da própria Central Globo de Comunicação que, em comunicado, informou:

"A respeito do incêndio ocorrido hoje à tarde em São Paulo, a GloboNews, como um canal de noticias 24 horas, pôs no ar imagens do fogo assim que as captou. Como é normal em canais de notícias, apurou as informações simultaneamente à transmissão das imagens. A primeira informação sobre a causa do incêndio recebida pela Globo News foi a de que um avião teria se chocado com um prédio na região do Campo Belo, Zona Sul de São Paulo. Naquele momento bombeiros e Infraero ainda não tinham informação sobre o ocorrido. As equipes da própria Globo News constataram que não havia ocorrido queda de avião e desde então esclareceu que se tratava de um incêndio em um prédio comercial. Poucos minutos depois o Corpo de Bombeiros confirmou tratar-se de um incêndio em uma loja de colchões."

Não havia acidente. Nenhum avião havia se chocado com qualquer prédio. Na verdade, tratava-se de um incêndio em loja de colchões no bairro paulistano de Moema.

Há vinte meses

Foi impossível não lembrar de uma outra situação envolvendo o jornalismo das Organizações Globo. Esta última ocorrida em 29 de setembro de 2006, quando um jato Legacy derrubou o Boeing que fazia o vôo Gol 1907, de Manaus para Brasília, matando mais de 150 pessoas.

Naquela época, ao contrário de outras emissoras de TV e sites na internet, a TV Globo demorou a noticiar o acidente que ocorreu antes do Jornal Nacional. Como estávamos às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais de 2006, houve uma grande polêmica em torno do assunto. A Globo sempre alegou que não poderia ter dado a notícia sem primeiro checar os fatos. A emissora temia as eventuais repercussões que uma notícia dessas – não confirmada – poderia causar na vida de milhares de pessoas.

Agora a GloboNews deu a "informação" falsa sobre o "acidente". Sites e emissoras de rádio reproduziram a "informação" e só depois se deram ao trabalho de checar para ver se era verdadeira. Não era.

Deixo a meu eventual leitor as devidas conclusões sobre a qualidade e a responsabilidade do jornalismo que continua a ser praticado no Brasil. 

Globonews derruba avião

Vinte de maio de 2008. Esse dia, certamente, entrará para a história da imprensa nativa como a data em que a GloboNews produziu a mais "volumosa barriga" do jornalismo brasileiro. Uma barriga pedagógica, pois modelada por um "q" de qualidade desprovido de qualquer compromisso com apuração do que é divulgado. Um relato de como se produz o que o telespectador "deve saber". Um instantâneo de como a ética corporativa trabalha com o conceito de responsabilidade social.

Por volta de 17h, a emissora anunciava que: “interrompemos a transmissão da CPI dos Cartões Corporativos para mostrarmos imagens ao vivo de São Paulo. Acaba de chegar a informação de que um avião da empresa aérea Pantanal caiu em cima de um prédio comercial na Zona Sul de São Paulo". Ao apontar a Infraero como fonte, foi desmentida de imediato. É tênue a fronteira que separa o fascínio espetacular do lodaçal patético do testemunho desqualificado.

Um incêndio em um depósito de colchões, em Campo Belo, bairro de classe média de São Paulo, foi apresentado, durante cinco minutos, como um desastre aéreo. Mostrando imagens de fumaça, a emissora informava que uma aeronave da empresa Pantanal havia caído próximo a Congonhas. Foi o suficiente para que dois portais (IG e Terra), além de emissoras de rádio, no curso do mimetismo midiático, reproduzissem, sem citar fontes, a falsa notícia.

A que atribuir tal açodamento? Ao processo taylorista instalado na dinâmica do campo jornalístico? É possível. Isso é compatível com o modus operandi de uma indústria que concebe a informação como bem simbólico mercantil.

Como checar as informações e publicá-las dentro de um padrão de bom senso e confiabilidade, quando o critério de eficiência é dado pela velocidade da divulgação? Quando o objetivo é furar o concorrente, dando a notícia em primeira mão, direto, ao vivo, instantaneamente. Continuar o bombardeio informativo, em tempo contínuo, dispensa até mesmo o profissional qualificado: basta uma testemunha que produza o "efeito do real". Alguém que já não controle mais o produto final da produção simbólica, visto que dela participa como mero legitimador.

Como destaca Ignacio Ramonet "o jornalista está literalmente asfixiado, ele desaba sob uma avalanche de dados, de relatórios, de dossiês- mais ou menos interessantes- que o mobilizam, o ocupam, saturam seu tempo e, tal como chamarizes, o distraem do essencial. Por cúmulo, isto incentiva ainda sua preguiça, pois não precisa mais buscar a informação. Ela chega por si mesma a ele."

Por certo, a barriga dos repórteres e editores da telinha deve também ser analisada nas próprias condições materiais de produção da informação em "tempo real". Mas será que isso nos exime de examinar o caráter ideológico e político inerente à atividade jornalística. No caso brasileiro, não cabe falar em um "script" que está no substrato das coberturas?

Nossa grande imprensa pode ser considerada um serviço público que, de forma isenta, faz a mediação dos "fatos que falam por si", cabendo ao público o livre discernimento? Ou prevalece a orientação editorial de que há que se preservar a estabilidade democrática salvo o surgimento de “fatos novos e comprometedores"?

Não estaria aí, na perfeita sintonia com o pensamento de quem lhes emprega, o descuido que levou uma aeronave a colidir com colchões? Interromper uma construção midiática que se mostra sem fôlego ( “dossiê") para reativar outra (“caos aéreo") nada mais é que estabelecer a agenda que interdita o real debate político. Algo que cai do céu para uma oposição que vive seu vazio programático de forma melancólica.

Terá sido por acaso que, alertado por um assessor, o deputado Antônio Carlos Pannunzio( PSDB-SP), interrompeu a sessão da CPI dos Cartões para, como destaca José Dirceu em seu blog, fazer uma "comunicação bastante grave e muito triste" aos seus pares e lamentar o "caos no tráfego aéreo"? Ou será que o parlamentar tucano, em boa hora, alugou a barriga global?

Em comunicado sobre o episódio, a Central Globo de Comunicação afirmou que: "A respeito do incêndio ocorrido hoje à tarde em São Paulo, a Globo News, como um canal de noticias 24 horas, pôs no ar imagens do fogo assim que as captou. Como é normal em canais de notícias, apurou as informações simultaneamente à transmissão das imagens. A primeira informação sobre a causa do incêndio recebida pela Globo News foi a de que um avião teria se chocado com um prédio na região do Campo Belo, Zona Sul de São Paulo.

“Naquele momento bombeiros e Infraero ainda não tinham informação sobre o ocorrido. As equipes da própria Globo News constataram que não havia ocorrido queda de avião e desde então esclareceu que se tratava de um incêndio em um prédio comercial. Poucos minutos depois o Corpo de Bombeiros confirmou tratar-se de um incêndio em uma loja de colchões".

O Portal IMPRENSA registra que mesmo após o Alto Comando das Organizações esclarecer que "embora a Globo News tenha publicado esta primeira informação, a TV Globo não fez qualquer menção ao possível acidente aéreo", o engano ainda permanecia em vídeo no site do canal por assinatura, ainda que a informação já estivesse desmentida. Minutos depois, ele foi retirado”.

Diante do naufrágio, a família Marinho fez o que achou mais acertado. Tirou o "q" de qualidade da barriga e seguiu solene para a próxima “exploração de hipótese". É assim que o monopólio compreende a democracia. Como uma possibilidade de pequenos arranjos e grandes negócios.