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“Mídia livre” e a publicidade oficial

O debate sobre as verbas públicas para a publicidade será um dos eixos temáticos do 1º Fórum de Mídia Livre, que ocorrerá na UFRJ em 14 e 15 de junho. O estado brasileiro sempre estimulou, com o dinheiro arrecadado dos tributos do povo, o nocivo processo de concentração dos meios de comunicação. Getúlio Vargas foi um dos poucos que desafiou os barões da mídia ao investir pesado na Rádio Nacional e ao bancar a publicidade para o jornal nacionalista Última Hora. Já o governo Lula, que criou certa expectativa de que estimularia a diversidade informativa, não teve coragem para enfrentar a ditadura midiática e se vergou diante das bravatas do "deus mercado".

Em 2006, o governo Lula e as empresas estatais desembolsaram R$ 1.015.773,83 – mais de um bilhão de reais – em publicidade. O recorde anterior de gastos se deu no governo FHC, em 2001, que torrou R$ 953,7 milhões em anúncios. A quase totalidade destes recursos beneficiou os nove grupos empresarias que controlam mais de 85% dos meios de comunicação no país. No caso de FHC, a "bondade" com o dinheiro público serviu para criar uma blindagem ao seu governo. Já para o presidente Lula, a ilusão da sedução foi efêmera e a verba oficial serviu para alimentar as cobras, com a mídia virando o "partido da direita" e pedindo a sua degola – o seu impeachment.

Veículos independentes à mingua

Do montante das verbas publicitárias no governo Lula, 62% foram para as emissoras privadas de televisão, 12% para as rádios, 9% para os jornais, 8% para as revistas, 1,5% para a internet, 1,5% para outdoors e 6% para outras mídias. Somente a onipotente TV Globo abocanhou mais de 60% dos recursos da televisão. Já os três principais jornalões do país (Folha, Estadão e Globo) ficaram com o grosso da verba publicitária do setor. A ditadura midiática, que prega o "estado mínimo" e critica os gastos públicos, iria à falência sem os recursos oficiais, como já reconheceu em artigo insuspeito o colunista Fernando Rodrigues, homem de confiança da famíglia Frias.

Enquanto os poderosos grupos privados mamam nas tetas do estado, os pequenos produtores de mídia e os movimentos sociais enfrentam um calvário para manter seus veículos. Publicações de qualidade correm o risco de fechar. É o caso da Adital, que faz uma das melhores coberturas da América Latina, segundo relata Ermanno Allegri. Já a Agência Carta Maior, que se notabilizou por suas reportagens e análises de fôlego, teve que dispensar boa parte de sua excelente equipe. A revista Fórum só se mantém graças ao heroísmo da redação. Sindicatos, entidades estudantis, associações de moradores e rádios comunitárias não têm recursos para difundir as suas idéias.

A "covardia" do governo Lula

No campo popular e democrático da mídia, há enorme decepção com o governo Lula – inclusive de históricos petistas. O adjetivo trivial é o de "covarde" diante da ditadura midiática. Ninguém agüenta mais percorrer os corredores burocráticos do governo para solicitar verbas publicitárias. A desculpa apresentada é dos critérios do mercado, da audiência e tiragem. Na prática, o governo incentiva a monopolização do setor com recursos públicos e castra a possibilidade de estímulo à diversidade e à pluralidade informativas. Repetindo: o governo Lula alimenta cobras!

Diante deste cenário angustiante, o 1º Fórum de Mídia Livre deve adotar uma postura incisiva de crítica ao uso nefasto da verba publicitária. Mais do que isto, deve apresentar propostas concretas no sentido de romper este cerco e de superar a lógica mercadológica. Não dá para vacilar neste terreno. Afinal, a publicidade oficial é oriunda dos tributos da sociedade. Ela deveria servir para incentivar e multiplicar as publicações independentes. Nada mais justo de que ela seja usada para fortalecer os veículos dos movimentos sociais e dos produtores alternativos.

É urgente mudar a legislação sobre o tema, o que só ocorrerá com forte pressão da sociedade. Na Europa, por exemplo, vários países adotaram leis de estímulo à diversidade informativa como forma de enterrar os vestígios do nazi-fascismo e de aprimorar a democracia. Uma parte da verba publicitária do estado é carimbada para apoiar veículos independentes e para conter o processo de monopolização capitalista do setor. Até nos EUA, país venerado pelos neoliberais, existem leis para evitar a propriedade cruzada e para financiar publicações independentes. O 1º Fórum de Mídia Livre, unido as energias, deve fazer chegar ao presidente Lula este apelo democrático!

Altarmiro Borges é jornalista e editora da revista Debate Sindical.

ECAD e direito autoral: A velha caixa-preta

Muito se fala hoje em pirataria e nos crimes de violação de direito autoral que vêm acontecendo no Brasil e no mundo. Infelizmente, temos várias formas de violação.

No Brasil, temos um escritório central que "supostamente" cuida dos valores arrecadados, vindos do nosso trabalho e da nossa dedicação artística.

Estamos há alguns anos utilizando este espaço democrático para esclarecer e denunciar alguns aspectos em relação ao polêmico Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – Ecad – e hoje temos comprovado algumas evidências publicadas pela imprensa.

Modificação do regulamento

Com falta de transparência e evidente manipulação dos valores devidos aos compositores, o escritório central passou a responder na justiça pelos seus atos.

Através do judiciário, procuramos recuperar o nosso patrimônio, que foi violado e manipulado.

Pressionado, o escritório central resolveu fazer campanha difamatória contra os compositores que estão reivindicando na justiça os seus direitos devidos, espalhando para toda a classe autoral um comunicado, no mínimo, criminoso. O Ecad alega que os compositores de trilhas querem seqüestrar o direito de toda a classe e que, se ganharem na justiça, todos ficariam sem receber por um ano (manobra covarde e inescrupulosa).

As trilhas sonoras de TV representam a maior fatia da arrecadação do Ecad, motivo pelo qual o órgão reduziu os valores a serem repassados, de 12/12 para 1/12.

(Ata 294ª Assembléia Geral do Ecad, 29 de abril de 2004 5.3) a) Posicionamento sobre reunião de trabalho […] a.1) As obras de background deverão passar a valer 1/12 e não mais 1/6, a partir da distribuição de julho. […] A ABRAMUS e a SBACEM […] votaram contra. Por maioria, foi aprovada a modificação do Regulamento de Distribuição com os votos das sociedades UBC, SICAM, AMAR e SOCINPRO […] a.3) Mantido o não pagamento de direitos conexos em obras audiovisuais, nos termos já definidos anteriormente, adotando-se os pareceres da área jurídica do Ecad e também da SOCINPRO, bem como o disposto no art. 5º, inciso IX, da Lei Autoral vigente. […] a. 5) A área de distribuição deverá estudar e sugerir […] um redutor para a TV Planilha😉

Até quando?

O Ecad vem manipulando estes valores desde 2001, sem a nossa autorização, reduzindo-os de 12/12 para 1/3, 1/6 e por último 1/12, fora o bloqueio dos direitos conexos, um direito protegido por lei.

A nossa reivindicação é que o Ecad pague pelo prejuízo, e não a classe autoral. Não violamos o direito de ninguém e, portanto, a dívida não é nossa. Se os critérios fossem determinados por nós, como o Ecad falsamente alega, certamente não haveria reclamações. Muito menos, haveria processos na justiça.

Aqui mesmo, neste Observatório, procurei alertar a classe autoral sobre a CPI de 1995 – que foi arquivada por motivos desconhecidos – com farta documentação e provas de tudo isso que vivemos hoje. Por isso, existe um movimento muito forte no sentido de desarquivar esta CPI.

Temos também a CPI de 2005, que o Ecad tentou manipular sem sucesso e cujas providências caíram na morosidade da nossa justiça.

Gostaria de saber quantas CPIs serão necessárias para que o direito dos autores seja efetivamente respeitado. Quando vamos poder viver do nosso trabalho e desfrutar dos nossos devidos valores econômicos e devida proteção? Até quando vamos colocar nossas músicas na gaveta por desacreditar na remuneração e respeito às mesmas? Quanto mais temos que pagar para que o nosso patrimônio seja preservado e reconhecido?

A fúria dos atingidos

Estamos convidando toda a classe para que participe dos debates e apresente suas opiniões. Não podemos mais conviver com a ausência do Poder Público nas regras e critérios utilizados nas assembléias do Ecad – o nosso patrimônio não esta seguro.

Não poderia deixar de agradecer e dar o meu apoio incondicional ao maestro Tim Rescala, o qual, em uma manifestação legítima publicada no jornal O Globo, levantou questões de extrema importância para a classe, despertando a fúria dos que foram atingidos diretamente.

Roberto Lopes Ferigato é músico, compositor, produtor fonográfico e editor em Jundiaí

Um não ao “bolsa-STFC”

O Senado aprovou projeto de Aloísio Mercadante (PT-SP) que visa modificar a lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), arrecadação de 1% da receita bruta das operadoras. O FUST foi previsto na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), criado por lei ordinária em 2000 e até hoje não teve um único centavo gasto. Estima-se que o governo já tenha arrecadado mais de R$ 6 bilhões com esse imposto.

O projeto do senador Mercadante está tramitando atualmente em uma comissão especial da Câmara dos Deputados e seu relator, deputado Paulo Lustosa (PMDB-SP), já anunciou mudanças na proposta inicial. Com isso, o projeto terá que voltar ao Senado depois de aprovado pela Câmara.

Mas, tanto a versão inicial de Mercadante quanto o relatório de Lustosa mantêm um equívoco gigantesco, que atende apenas aos interesses das operadoras de telefonia fixa (Brasil Telecom, Oi, Telefônica, CTBC e Sercomtel). Trata-se do trecho contigo no inciso I do caput do artigo 2° e no inciso I do parágrafo 1° deste mesmo artigo da lei original do FUST.

Os acertos

Quase a totalidade do projeto visa garantir que o Estado poderá apoiar projetos de universalização da banda larga, através de suas próprias iniciativas, de governos estaduais, prefeituras, ONGs e empresas privadas. Acertadamente dá destaque para a meta de disponibilizar banda larga em todas as escolas públicas brasileiras e reserva pelo menos 30% dos recursos para as regiões Norte e Nordeste.

O projeto prevê também a necessidade de prestação de contas e a obrigação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) outorgar licenças e frequências para que o poder público local possa prover o acesso gratuíto a Internet banda larga.

O equívoco

Contudo, logo em seu artigo 2° o projeto mantém, da lei original, um outro uso dos recursos do FUST, em total desacordo com o restante do próprio projeto. Trata-se da possibilidade da criação de um “bolsa telefonia fixa” (único serviço atualmente prestado em regime público), nos dizeres do presidente da Associação Brasileira das Concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), José Pauletti, em recente entrevista à Telesíntese. Com estes dois incisos, o projeto permite que o governo federal pague as contas de telefone fixo daquelas pessoas que não tiverem recursos para tal.

A Anatel prevê apenas para 2010 o modelo incremental de custos que lhe permitirá definir um limite para a cobrança de interconexão. Atualmente, cada empresa cobra o que quer e não é possível saber até que ponto estes valores são justificáveis ou não. E na mesma Câmara dos Deputados tramitam projetos de lei que visam acabar com a assinatura da telefonia fixa.

Enquanto isso, a proposta de Mercadante e o relatório de Lustosa simplesmente desconsideram todo esse processo e determinam que o governo pague, sem discutir, o preço cobrado pelas teles. Para as teles é um negócio fantástico.

Para a enorme maioria da população, as concessionárias de STFC surgem como a única opção para o acesso ao telefone fixo (portanto, um monopólio desprovido da concorrência). E agora, as teles ainda poderão usufruir de recursos públicos para lhes remunerar não o custo, mas o preço final.

Na prática, as teles continarão oferecendo o mesmo serviço, no mesmo valor atual. Se José puder pagar a conta, ótimo. Se João não puder, o Estado paga. De uma forma ou de outra, a tele recebe.

Como as teles vêm perdendo a cada dia que passa assinantes do telefone fixo (expulsos por conta dos valores excorchantes), as propostas tanto do senador quanto do deputado permitem conter a sangria do monopólio privado utilizando recursos públicos.

Ao invés disso, o projeto deveria manter seus acertos e se destinar exclusivamente à garantia da universalização do acesso banda larga a Internet, que, graças aos serviços de VoIP, também permite levar a telefonia fixa (a custos reduzidos) ao conjunto da população brasileira.

Gustavo Gindre é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, coordenador acadêmico do Nupef/RITS e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr)

200 anos de imprensa no Brasil: História de continuidade e de ruptura

Os 200 anos da imprensa no Brasil vêm sendo celebrados em todo o país. Comemora-se a primeira edição do Correio Braziliense por Hipólito José da Costa, em Londres. O mensário circulou de 1º de junho de 1808 a dezembro de 1822. No território nacional, a atividade ainda era proibida pela Coroa portuguesa. O Correio era lido "por portugueses que ali [Londres] residiam e por comerciantes ingleses que tinham correspondentes no Brasil e em Portugal" e, depois de três meses de viagem clandestina, pela aristocracia do poder no Brasil.

A marca Correio Braziliense foi negociada com a família de Hipólito da Costa por Assis Chateaubriand, à época embaixador do Brasil na Inglaterra (1957-1960). Quando Brasília foi inaugurada, em 1960, começou a circular um outro Correio Braziliense, agora como parte dos Diários e Emisssoras Associados, desde então o principal jornal do Distrito Federal.

Dificuldades da História

Historiadores nos ensinam que nada mais equivocado do que tentar compreender o passado usando as categorias do presente – e que história não necessariamente tem algo a ver com memória. Além disso, sempre é preciso estar alerta para a construção de uma história do passado que só existe na medida em que serve aos interesses de quem a conta no presente.

O mundo e o país de 1808, por óbvio, não são os mesmos de 2008. Ao longo destes dois séculos, o Brasil passou de Colônia a Império e a República. A imprensa – a opinião impressa de uma única pessoa – virou mídia de massa – grupos empresariais e profissionais especializados. Registrar todas essas mudanças no tempo e no espaço, e ainda o que elas significam, não é tarefa fácil.

Consideradas as dificuldades de se fazer história, arrisco-me a duas reflexões sobre a imprensa brasileira tomando como referência o Correio Braziliense de Hipólito da Costa: uma de continuidade e outra de ruptura.

Hipólito e o seu Correio

Nelson Werneck Sodré em sua pioneira A História da Imprensa no Brasil (Mauad Editora, 4ª. edição, 2004) considera que é "discutível" a inserção (do Correio) no conjunto da imprensa brasileira. Para ele, isso decorre "menos pelo fato de ser feito no exterior, o que aconteceu muitas vezes, do que pelo fato de não ter surgido e se mantido por força de condições internas, mas de condições externas".

Deixando, todavia, de lado a polêmica, as celebrações correntes têm apresentado o brasileiro Hipólito da Costa e o seu Correio como marco inicial da imprensa no país e como defensores da independência, do interesse nacional, da abolição da escravatura e da permanência de D. Pedro I no Brasil. Existe, no entanto, uma outra versão para os compromissos de Hipólito da Costa e de sua publicação.

Em seu livro 1808 (Editora Planeta, 8ª. reimpressão, abril de 2008), o jornalista Laurentino Gomes – referenciado em historiadores como Manuel Correia de Andrade, Manuel de Oliveira Lima, Roderick J. Barman, Magalhães Júnior e Wilson Martins – argumenta que Hipólito e seu jornal foram financiados pela Coroa portuguesa de 1812 a 1822, isto é, ao longo de 12 dos 14 anos em que o Correio foi publicado.Vale a longa citação:

"O mesmo Hipólito que defendia liberdade de expressão e idéias liberais acabaria, porém, inaugurando o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil. Por um acordo secreto, D. João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de um determinado número de exemplares do Correio Braziliense, com o objetivo de prevenir qualquer radicalização nas opiniões expressas no jornal. Segundo o historiador Barman, por esse acordo, negociado pelo embaixador português em Londres, D. Domingos de Souza Coutinho, a partir de 1812, Hipólito passou a receber uma pensão anual em troca de críticas amenas ao governo de D. João, que era um leitor assíduo dos artigos e editoriais da publicação. `O público nunca tomou conhecimento desse acordo´, afirma o historiador. De qualquer modo, Hipólito mostrava-se simpático à Coroa portuguesa antes mesmo de negociar o subsídio. `Ele sempre tratou D. João com profundo respeito, nunca questionando sua beneficência´, registrou Barman. O Correio Braziliense, que não apoiou a Independência brasileira, deixou de circular em dezembro de 1822. Hipólito foi nomeado pelo Imperador Pedro I agente diplomático do Brasil em Londres, cargo que envolvia o pagamento de uma nova pensão pelos cofres públicos" (pp.135-136).

Em outra passagem, Laurentino Gomes, após registrar a negativa de Hipólito da Costa em colaborar com os revolucionários pernambucanos de 1817, comenta:

"Num despacho oficial de Londres, o embaixador português, D. Domingos de Souza Coutinho, avalia os resultados do acordo (da Coroa com Hipólito): `Eu tenho-o contido em parte até aqui com a esperança da subscrição que pede. Eu não sei outro modo de o fazer (sic) calar´. O historiador Oliveira Lima, ao avaliar essa relação secreta, dizia que Hipólito José da Costa, `se não foi propriamente venal, não foi todavia incorruptível, pois se prestava a moderar seus arrancos de linguagem a troca de considerações, de distinções e mesmo de patrocínio oficial´" (pp. 290-291).

Essas informações mostram que o Correio Braziliense de Hipólito da Costa inaugura um tipo de vínculo que tem marcado a história da imprensa no Brasil desde sempre. Pesquisas contemporâneas, sobretudo no ambiente acadêmico, têm revelado que mesmo após as reformas "modernizadoras" da década de 1950, os principais jornais da cidade do Rio de Janeiro (à época, capital do país) continuaram "vinculados" ao Estado através de várias formas de financiamentos, isenções fiscais, empréstimos, subsídios e publicidade oficial.

Neste sentido, pelo menos parte de nossa imprensa não foge ao padrão de outras instituições brasileiras, já analisado por Roberto Schwarz no seu clássico sobre "as idéias fora do lugar". Liberal no discurso, a imprensa nega o liberalismo e seus principais valores na prática empresarial e jornalística.

Os leitores dos jornais

O Correio Braziliense circulava e era lido por um número reduzido de pessoas: comerciantes, altos funcionários da Coroa portuguesa e o círculo mais restrito do poder. Na verdade, Hipólito da Costa não escondia o que ele pensava sobre a maioria da população brasileira na sociedade escravista daquele primeiro quarto do século 19. Em uma das edições ele afirmava:

"Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis, mas ninguém aborrece mais do que nós sejam essas reformas feitas pelo povo. Reconhecemos as más conseqüências desse modo de reformar. Desejamos as reformas, mas feitas pelo governo, e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo" (Correio Braziliense, p. 573, VI, 1811; citado em Sodré, p. 33).

Não há dúvida, portanto, que a imprensa brasileira nasceu elitista. E foi a continuidade dessa característica que levou Bernardo Kucinski a afirmar, quase 190 anos depois, no final do século 20, que…

"…a elite dominante é ao mesmo tempo a fonte, a protagonista e a leitora das notícias [da imprensa]. Uma circularidade que exclui a massa da população da dimensão escrita do espaço público definido pelos meios de comunicação de massa" (Síndrome da Antena Parabólica, Editora Fund. Perseu Abramo, 1998).

Há, no entanto, evidências de que rupturas importantes estão ocorrendo. Após um longo período, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) anuncia o crescimento da circulação e do faturamento do setor. Os diários auditados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) tiveram 10,7% de crescimento na circulação em 2007 em relação a 2006.

Entre os 10 jornais de maior circulação em 2007 (cf. quadro abaixo), quatro são jornais populares que circulam no Rio de Janeiro (Extra e Meia Hora), em Belo Horizonte (Super Notícia) e em Porto Alegre (Diário Gaúcho). O Extra, do Rio de Janeiro, é o mais vendido.

Jornais de maior circulação em 2007

Título Editora Circulação
1. Folha de S.Paulo Empresa Folha da Manhã 302.595
2. O Globo Infoglobo Comunicações SA 280.329
3. Extra Infoglobo Comunicações SA 273.560
4. O Estado de S.Paulo S/A O Estado de S.Paulo 241.126
5. Super Notícia Sempre Editora S/A 238.611
6. Meia Hora Editora O Dia S/A 205.768
7. Zero Hora Zero Hora Editora Jornalística S/A 176.412
8. Diário Gaúcho Zero Hora Editora Jornalística S/A 155.328
9. Correio do Povo Empresa Jornalística Caldas Júnior 154.188
10. Lance! Arete Editorial S/A 112.625

       Fonte: ANJ

A exemplo do que já acontece com o acesso à internet (ver "Inclusão digital: A internet e os novos `formadores de opinião´), o aumento de circulação dos jornais populares também é uma conseqüência da expansão das classes C e D. Além disso, apesar de ainda existir espaço para casos policiais, os jornais populares se voltam hoje para pautas como serviço público, direito do consumidor, entretenimento, trabalho, saúde, transporte e educação. Estas são as exigências dos seus novos consumidores.

Vale ainda registrar que o jornal não-pago de maior circulação no país é a Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus, com cerca de 2,7 milhões de exemplares por semana.

Direito à comunicação

Como se vê, na história da imprensa no Brasil, há continuidades e há rupturas e nem tudo é exatamente como se celebra. Deve-se ter cuidado com as versões do passado sobre Hipólito da Costa e seu Correio. Por outro lado, há razões de sobra para celebrar a ruptura na circularidade que até recentemente excluía grande parte da nossa população do espaço público criado pela mídia impressa.

O que se espera é que a história dos próximos anos possa ser construída em torno de novas continuidades e rupturas que contribuam para a consolidação do direito à comunicação e de uma verdadeira democracia entre nós.

Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

200 anos da imprensa no Brasil: marco histórico a ser comemorado com luta

No dia 1º de junho comemora-se os 200 anos da imprensa no Brasil. Este marco ainda terá muitos eventos alusivos durante todo o ano. Mas esta comemoração não deve se restringir a festas e homenagens aos empresários de comunicação. Os trabalhadores que se dedicam a informar a sociedade têm que ser valorizados.

Anteriormente o Dia da Imprensa era comemorado em 10 de setembro, em alusão à primeira edição da Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808. O periódico expressava a visão oficial da corte portuguesa, que proibia a circulação de jornais e livros no Brasil para impedir o ingresso de idéias libertárias no país. Mas, em 1999 um projeto de lei reconheceu oficialmente que o pioneiro da imprensa brasileira foi o Correio Braziliense, lançado em 1º de junho de 1808.

Os 200 anos da imprensa brasileira são uma conquista da sociedade. Mas trazem, em seu histórico, principalmente a comemoração e preservação dos interesses privado-comerciais dos empresários. Seguramente, a convocação da Conferência Nacional de comunicação, a democratização da comunicação e a desconcentração da propriedade dos veículos no país merecerão – e esperamos que o mais breve possível – verdadeiras e festivas comemorações populares.

É necessário que, nas comemorações e registros desta data, a pauta dos trabalhadores da comunicação, em especial a os jornalistas, seja evidenciada. A defesa da liberdade de imprensa, mediada por uma nova e moderna legislação que regule as relações entre os veículos, os profissionais e a sociedade, é uma delas. Prova disso são as agressões físicas, verbais, casos de assédio e assassinatos de profissionais no exercício de suas funções.

Medidas de segurança aos jornalistas e equipes de reportagem na cobertura de pautas que ofereçam risco constituem outra reivindicação emergente dos jornalistas. Casos como a agressão recentemente sofrida por profissionais no Rio de Janeiro e Pernambuco, e o assassinato de Tim Lopes são provas disso.

As defesas de nossa regulamentação profissionais e da criação do Conselho Federal dos Jornalistas são, igualmente, motivos para que os jornalistas comemorem, com luta, estes históricos 200 anos de imprensa no Brasil. E é para saudar a categoria que, no nosso 33º Congresso Nacional, a realizar-se em São Paulo, em agosto, lançaremos a Comenda de Honra da FENAJ.