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Pela liberdade na Internet

Na internet, a liberdade de criação de conteúdos alimenta, e é alimentada, pela liberdade de criação de novos formatos midiáticos, de novos programas, de novas tecnologias, de novas redes sociais. A liberdade é a base da criação do conhecimento. E ela está na base do desenvolvimento e da sobrevivência da internet.

A internet é uma rede de redes, sempre em construção e coletiva. Ela é o palco de uma nova cultura humanista que coloca, pela primeira vez, a humanidade perante ela mesma ao oferecer oportunidades reais de comunicação entre os povos. E não falamos do futuro. Estamos falando do presente. Uma realidade com desigualdades regionais, mas planetária em seu crescimento. O uso dos computadores e das redes são hoje incontornáveis, oferecendo oportunidades de trabalho, de educação e de lazer a milhares de brasileiros.

Vejam o impacto das redes sociais, dos software livres, do e-mail, da Web, dos fóruns de discussão, dos telefones celulares cada vez mais integrados à internet. O que vemos na rede é, efetivamente, troca, colaboração, sociabilidade, produção de informação, ebulição cultural.

A internet requalificou as práticas colaborativas, reunificou as artes e as ciências, superando uma divisão erguida no mundo mecânico da era industrial. A internet representa, ainda que sempre em potência, a mais nova expressão da liberdade humana. E nós brasileiros sabemos muito bem disso. A internet oferece uma oportunidade ímpar a países periféricos e emergentes na nova sociedade da informação.

Mesmo com todas as desigualdades sociais, nós, brasileiros, somo usuários criativos e expressivos na rede. Basta ver os números (IBOPE/NetRatikng): somos mais de 22 milhões de usuários, em crescimento a cada mês; somos os usuários que mais ficam on-line no mundo: mais de 22h em média por mês. E notem que as categorias que mais crescem são, justamente, "educação e carreira", ou seja, acesso à sites educacionais e profissionais. Devemos assim, estimular o uso e a democratização da internet no Brasil.

Necessitamos fazer crescer a rede, e não travá-la. Precisamos dar acesso a todos os brasileiros e estimulá-los a produzir conhecimento, cultura, e com isso poder melhorar suas condições de existência. Um projeto de Lei do Senado brasileiro quer bloquear as práticas criativas e atacar a internet, enrijecendo todas as convenções do direito autoral.

O substitutivo do Senador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso à internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável criminoso. É o reino da suspeita, do medo e da quebra da neutralidade da rede. Caso o projeto Substitutivo do Senador Azeredo seja aprovado, milhares de internautas serão transformados, de um dia para outro, em criminosos. Dezenas de atividades criativas serão consideradas criminosas pelo artigo 285-B do projeto em questão. Esse projeto é uma séria ameaça à diversidade da rede, às possibilidades recombinantes, além de instaurar o medo e a vigilância.

Se, como diz o projeto de lei, é crime "obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando exigida", não podemos mais fazer nada na rede. O simples ato de acessar um site já seria um crime por "cópia sem pedir autorização" na memória "viva" (RAM) temporária do computador. Deveríamos considerar todos os browsers ilegais por criarem caches de páginas sem pedir autorização, e sem mesmo avisar aos mais comum dos usuários que eles estão copiando. Citar um trecho de uma matéria de um jornal ou outra publicação on-line em um blog, também seria crime.

O projeto, se aprovado, colocaria a prática do "blogging" na ilegalidade, bem como as máquinas de busca, já que elas copiam trechos de sites e blogs sem pedir autorização de ninguém! Se formos aplicar uma lei como essa as universidades, teríamos que considerar a ciência como uma atividade criminosa já que ela progride ao "transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado", "sem pedir a autorização dos autores" (citamos, mas não pedimos autorização aos autores para citá-los). Se levarmos o projeto de lei a sério, devemos nos perguntar como poderíamos pensar, criar e difundir conhecimento sem sermos criminosos.

O conhecimento só se dá de forma coletiva e compartilhada. Todo conhecimento se produz coletivamente: estimulado pelos livros que lemos, pelas palestras que assistimos, pelas idéias que nos foram dadas por nossos professores e amigos… Como podemos criar algo que não tenha, de uma forma ou de outra, surgido ou sido transferido por algum "dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular"? Defendemos a liberdade, a inteligência e a troca livre e responsável.

Não defendemos o plágio, a cópia indevida ou o roubo de obras. Defendemos a necessidade de garantir a liberdade de troca, o crescimento da criatividade e a expansão do conhecimento no Brasil. Experiências com Software Livres e Creative Commons já demonstraram que isso é possível. Devemos estimular a colaboração e enriquecimento cultural, não o plágio, o roubo e a cópia improdutiva e estagnante. E a internet é um importante instrumento nesse sentido. Mas esse projeto coloca tudo no mesmo saco. Uso criativo, com respeito ao outro, passa, na internet, a ser considerado crime.

Projetos como esses prestam um desserviço à sociedade e à cultura brasileiras, travam o desenvolvimento humano e colocam o país definitivamente para debaixo do tapete da história da sociedade da informação no século 21. Por estas razões nós, pesquisadores e professores universitários apelamos aos congressistas brasileiros que rejeitem o projeto Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo ao projeto de Lei da Câmara 89/2003, e Projetos de Lei do Senado n. 137/2000, e n. 76/2000, pois atenta contra a liberdade, a criatividade, a privacidade e a disseminação de conhecimento na internet brasileira.

* André Lemos é Professor Associado da Faculdade de Comunicação da UFBA, pesquisador 1 do CNPq.
** Sérgio Amadeu da Silveira é professor do Mestrado da Faculdade Cásper Líbero, ativista do software livre.

‘Cobertura adversária’ no Congresso Nacional

Não há dúvida de que existem problemas graves com alguns de nossos representantes eleitos para o Congresso Nacional. Número significativo de deputados e senadores tem estado freqüentemente envolvido em atividades ilícitas e/ou eticamente condenáveis. A mídia tem sido instrumento importante na revelação pública de muitos desses casos. Procedimentos de investigação ou processos legais contra parlamentares tramitam tanto nas comissões de ética do próprio Congresso como nas instâncias competentes do judiciário.

Uma das questões não resolvidas que envolvem eticamente (ou legalmente?) os parlamentares tem a ver com a auto-outorga de concessões do serviço público de radiodifusão a si mesmos, prática que eterniza o chamado "coronelismo eletrônico". Este tema tem sido objeto de pesquisa e denúncia de nossa parte há vários anos [ver "Rádios comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)" e "Concessionários de radiodifusão no Congresso Nacional: ilegalidade e impedimento"]

É, no entanto, forçoso reconhecer que a cobertura política que é feita diariamente das atividades no Congresso Nacional se caracteriza por salientar quase que exclusivamente aspectos negativos do Poder Legislativo e de seus integrantes. E, algumas vezes, de forma preconceituosa ou revelando profundo desconhecimento da importância e da riqueza das culturas regionais brasileiras.

São João

Qualquer brasileiro com razoável nível de informação sabe que as festas juninas de São João – dia 24 de junho – estão para a cultura e a tradição do Nordeste como o Natal está para o resto do país ou, por exemplo, o "Thanksgiving" está para os Estados Unidos. Alguns estados nordestinos literalmente param neste período. Este ano, como o São João caiu numa terça feira (24), desde a sexta feira anterior (dia 20) havia um clima de alegria no ar e, nas cidades coloridas e ornamentadas, só se falava em ir para Caruaru (PE) ou Campina Grande (PB) onde acontecem as principais festas populares. As estradas estavam lotadas e vivia-se um "clima" de Copa do Mundo.

Neste tipo de circunstância, qual seria o comportamento a se esperar de um deputado ou senador nordestino? Que ele permanecesse em Brasília ou que ele estivesse junto à sua base eleitoral participando da principal festa popular da região? Em circunstância semelhante, o que esperar de qualquer parlamentar em qualquer outro país de democracia representativa?

A cobertura política que, em boa parte, se faz do Congresso Nacional reduz o trabalho de representação popular de senadores e deputados à sua presença nas sessões de votação em plenário. Mesmo as importantes atividades nas comissões – à exceção das CPIs – são, geralmente, desconsideradas como trabalho. As viagens de parlamentares aos seus estados são normalmente tratadas como "falta" indevida ao trabalho.

Discurso adversário

Tudo isso vem a propósito de matéria opinativa veiculada no Jornal da Band na terça-feira (24/6), dia de São João. Os parlamentares (sobretudo os nordestinos) que viajaram para os seus estados foram acusados de receber o salário sem trabalhar; de participarem das festividades de São João por motivos "eleitoreiros" e de impedirem as votações de temas relevantes no Congresso. E mais: foi feita uma projeção de "esvaziamento" do Congresso e, portanto, de "afastamento do trabalho", com as desculpas das campanhas eleitorais e das festas juninas.

As imagens que fizeram "fundo" para a matéria foram os corredores do Congresso decorados de bandeirinhas, os plenários da Câmara e do Senado vazios e as danças das festas juninas.

Transcrevo abaixo a íntegra da matéria opinativa:

"Apresentadora: O Congresso se enfeitou para a noite de São João, mas deputados e senadores participam de festas juninas longe de Brasília. E mesmo sem trabalhar, os parlamentares vão receber o salário normalmente.

Repórter: Congresso todo enfeitado no melhor estilo junino, mas nem sinal dos pares para o arrasta-pé. Deputados e senadores, principalmente os nordestinos, preferiram festejar o São João do jeito eleitoreiro, que dá mais votos e prestígio político, junto às bases.
Na Câmara, o presidente da Casa bem que tentou. Mandou telegramas convocando os deputados, em vão, quase ninguém veio.

Presidente da Câmara/Arlindo Chinaglia: Eu respeito às tradições, mas evidentemente que aqui nós vamos tratar de assuntos, todos eles relevantes para o país.

Repórter: E nessa quem dançou foi falta de votação. Com o recesso branco projetos importantes ficam mais tempo parados. Aqui no Senado, por exemplo, o projeto que reduz a maioridade penal está pronto para ser votado há mais de um ano.
E agora, até o fim das eleições municipais, o Congresso deve permanecer vazio. As festas juninas, o recesso parlamentar e as campanhas eleitorais são as desculpas para o afastamento do trabalho. O presidente do Senado, nordestino, nem veio a Brasília, já está em Natal para os festejos e liberou todos os senadores para fazer o mesmo.

Senador Heráclito Fortes (DEM-PI): Nós não precisamos sair de Brasília para procurar quadrilha, pular fogueira e nem pisar em brasas. Aqui tem tudo."

Volto a recorrer aqui a texto clássico da professora Maria do Carmo Campello de Souza, já falecida, publicado há 20 anos ("A Nova República brasileira: sob a espada de Dâmocles", in Democratizando o Brasil, organizado por Alfred Stepan, Paz e Terra, 1988). O texto está mais atual do que nunca e vale a longa citação:

"A intervenção da imprensa, rádio e televisão no processo político brasileiro requer um estudo lingüístico sistemático sobre o `discurso adversário´ em relação à democracia expresso pelos meios de comunicação. (…) os meios de comunicação tem tido uma participação extremamente acentuada na extensão do processo de system blame (culpar o sistema ou fazer uma avaliação negativa do sistema democrático ou da democracia). Deve-se assinalar o papel exercido pelos meios de comunicação na formação da imagem pública do regime, sobretudo no que se refere à acentuação de um aspecto sempre presente na cultura política do país – a desconfiança arraigada em relação à política e aos políticos – que pode reforçar a descrença sobre a própria estrutura de representação partidária-parlamentar (pp. 586-7). (…)

O teor exclusivamente denunciatório de grande parte das informações acaba por estabelecer junto à sociedade (…) uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos. (…) A despeito da evidente responsabilidade que cabe à imensa maioria da classe política pelo desenrolar sombrio do processo político brasileiro, os meios de comunicação a apresentam de modo homogeneizado e, em comparação com os dardos de sua crítica, poupam outros setores (…). Tem-se muitas vezes a impressão de que corrupção, cinismo e desmandos são monopólio dos políticos, dos partidos ou do Congresso (…)." (pp.588-9, passim).

Já não seria hora de a grande mídia rever seus critérios de cobertura política opinativa, sobretudo em relação ao Congresso Nacional, e tentar evitar que tenhamos "uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos"?

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

TV digital: Como construir um avião em vôo

Caminante no hay camino/ El camino se hace al caminar… [Antonio Machado, poeta espanhol (1875-1939)]

Embora o processo de implantação da TV digital nos países europeus e nos EUA já tenha completado 10 anos, no Brasil pode-se dizer que recém dá seus primeiros passos com a chegada da TVD a São Paulo, em 2 de dezembro de 2007, e que ainda se encontra em fase de testes. Em capitais como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o processo de implantação já começou; nas capitais do Sul do país está previsto para o final de 2008 e nas demais deverá estender-se até 2009. De acordo com entrevista do ministro das Comunicações Helio Costa (25/6/2008) ao programa Bom Dia ministro, as capitais que desejarem antecipar a chegada da TVD deverão formalizar o pedido diretamente ao Ministério das Comunicações.

Mas as discussões sobre a escolha do padrão tecnológico tiveram início no final dos anos 1990 e, no começo do século 21, o governo Lula estimulou a cerca de 1.200 pesquisadores de universidades públicas, privadas e instituições de P&D a desenvolverem projetos tecnológicos para a TV digital brasileira.

A escolha do padrão japonês, em 2006, garantiu robustez, mobilidade, portabilidade, multiprogramação, uso dos modelos standard e/ou alta definição, interatividade em diferentes níveis, sistema aberto (não pago), interoperabilidade, troca de conhecimento entre japoneses e brasileiros, entre outros benefícios para o país. Entre eles, o projeto de interoperabilidade desenvolvido pelo midlleware Ginga, que permite que uma caixa conversora do sinal digital para uma TV analógica possa entender a linguagem tecnológica e ser usada nos diferentes padrões existentes para TV digital, como o europeu, o norte-americano ou o nipo-brasileiro, conhecido como ISDB-T (International Standard of Digital Broadcasting – terrestrial).

Outros itens contam a favor do modelo híbrido escolhido pelo governo brasileiro. Entre eles, a melhor compressão de vídeos, que torna possível transmitir o sinal simultaneamente em alta definição, em definição standard, móvel e também para celular de forma totalmente gratuita. Ainda assim, o modelo foi alvo de várias críticas que defendiam o uso de outros padrões para o país ou mesmo a criação de um padrão made in Brazil que demandaria mais alguns anos de estudos e testes.

Esclarecer as diferenças

Escolhido o modelo japonês e feitos os primeiros testes e ajustes em São Paulo [cidade com grande número de edifícios, durante mais de 40 anos a TV analógica conseguiu atingir com bom sinal apenas 15% da capital paulista. De acordo com estudos do Instituto Mackenzie (2008), em seus poucos meses de existência a TV digital chega com bom sinal a 85% dos lares de São Paulo. Os 15% restantes estão localizados em regiões distantes e se encontram em fase de ajuste], a TV digital começa a chegar a outras capitais, como um bebê que dá seus primeiros passos. No entanto, alguns pesquisadores e empresários ainda continuam criticando a implantação do projeto, "denunciando" publicamente que a TVD paulista não ultrapassou a casa do 1% de audiência em seus poucos meses de audiência.

Ora, esquecem os críticos a história da TV no Brasil. Ao trazer a TV analógica para o país no início da década de 1950, Assis Chateaubriand também foi chamado de visionário, louco e muitos consideraram que o projeto estava fadado ao fracasso. Em 1950, para quem não recorda, o empresário trouxe câmeras e técnicos norte-americanos para treinar os brasileiros, num período em que ainda não existia gravação de programas e tudo era produzido ao vivo; comprou 200 equipamentos de TV, espalhou-os no centro de São Paulo e inaugurou a TV brasileira, que tinha programação pensada (e roteirizada) apenas para o dia lançamento.

De lá para cá, a TV brasileira cresceu muito, conquistou sua própria linguagem e, embora exista concentração dos meios de comunicação no país, não é possível deixar de observar que possuímos uma das melhores qualidades em programação de conteúdos do mundo. No caso da TVD, trata-se de um produto novo. É preciso fazer uma grande campanha nacional esclarecendo quais as diferenças entre a TV digital e a TV analógica e as vantagens de se adquirir um conversor com canal de retorno, que tenha um preço acessível e possa ser comprado em prestações para não pesar no orçamento familiar.

Produção de conteúdos

A escolha do modelo tecnológico trouxe em seu bojo uma outra discussão: a necessidade de desenvolver projetos de conteúdos para a TV digital que tenham como características a interatividade, a multiprogramação, a acessibilidade, a portabilidade e a convergência tecnológica. Ou seja, trata-se da possibilidade de construir e desenvolver conteúdos que possam ser usados em diferentes plataformas digitais, como a TV, o rádio e o cinema digital, os celulares, videojogos, computadores e palms, i-pjosdireitoaco, ao mesmo tempo ou em separado.

Isso significa a possibilidade de produzir uma gama de conteúdos digitais para diferentes plataformas nunca antes pensada no país, que é um dos maiores produtores de conteúdos audiovisuais analógicos. Afinal, está terminando o tempo em que os conteúdos e diferentes gêneros eram produzidos para cada mídia em separado e apenas pelas empresas de comunicação que monopolizavam (e ainda monopolizam) o setor.

Em tempos de tecnologias digitais, os conteúdos podem produzidos por diferentes atores postados em internet, podendo ser vistos em computadores, TV digital, i-pjosdireitoaco e celulares. Os conteúdos digitais também podem ser usados em diferentes plataformas, desde que respeitadas as linguagens de cada equipamento – e não apenas copiados, como fazem algumas empresas ao reproduzirem seus canais de TV na internet ou os jornais na internet.

Nesse sentido, a proposta do governo brasileiro de criar o Centro Nacional de Excelência em Produção de Conteúdos Digitais Interativos e Interoperáveis, coordenado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), é inovadora e segue a decisão do encontro do E-LAC em 2008. No encontro de 26 países latino-americanos e caribenhos para definir os rumos da Sociedade da Informação até 2010, realizado em El Salvador (2008), a delegação brasileira apresentou a proposta de criação de um centro regional de produção de conteúdos digitais, assim como o estímulo à criação de centros nacionais em cada país.

Projetos não-centralizados

A proposta, aceita por unanimidade, levou em conta o papel da indústria de conteúdos e de entretenimento no cenário mundial. Os 26 países decidiram tornarem-se produtores de conteúdos, e não somente consumidores, como vinha ocorrendo até então, pois os estudos internacionais mostram que a América Latina produz apenas 7% dos conteúdos consumidos mundialmente.

Desde março, estão acontecendo reuniões interministeriais que envolvem representantes do MCT, do MEC, Ibict, Ministério da Cultura, da Saúde, Desenvolvimento Agrário, Planejamento, Indústria e Comércio, Rede Nacional de Pesquisa (RNP) e Casa Civil, entre outros. Esses representantes estão definindo os parâmetros e critérios que deverão nortear o estímulo à produção de conteúdos digitais para diferentes plataformas digitais. Isso significa estimular a produção e desenvolvimento de projetos em parceria por diferentes atores sociais, como a academia, os produtores independentes, pequenas empresas, institutos de P&D e terceiro setor.

Para desenvolver uma proposta, os interessados desenvolvem projetos de conteúdo para uma ou mais plataformas digitais que contenham itens como acessibilidade, usabilidade, portabilidade, interatividade e mobilidade. Além disso, projetos inter-regionais serão valorizados, estimulando, por exemplo, que as universidades mais desenvolvidas, colaborem com universidades menores, sem centralizar projetos em uma ou outra instituição. Quanto à temática, serão aceitos projetos de conteúdos voltados para educação, cultura, entretenimento, saúde, justiça, trabalho, comércio, meio ambiente etc. Espera-se que o Comitê Gestor do Centro Nacional de Produção de Conteúdos Digitais possa ser nomeado no começo do segundo semestre e os editais convidando para execução de projetos de conteúdos digitais em todo o país possam ser publicados antes do final de 2008.

O mais completo

A grande vantagem do uso da TV digital em países emergentes, como o Brasil, é a possibilidade de inclusão social que ela permite, já que o país possui mais de 95% de televisores analógicos e o governo federal começou a desenvolver uma política de barateamento da caixa conversora – similar às das TVs por assinatura ou a um DVD. A população poderá adquirir o equipamento em várias prestações. Trata-se de uma política similar à desenvolvida para estimular a compra de computadores, que possibilitou a venda de 10 milhões de equipamentos em 2008.

Muita gente pergunta quais outros motivos – além da inclusão digital e do preço acessível – levariam o consumidor a adquirir a caixa conversora com canal de retorno?

Vários motivos podem ser apontados.

Em primeiro lugar, as pessoas já conhecem o seu aparelho de TV analógico, de uso doméstico. Isso significa que já há uma intimidade com a máquina – e a caixa conversora é similar a um aparelho para receber TV por assinatura ou a um DVD. Assim, não haveria grandes modificações ou choque tecnológico, até porque os primeiros controles remotos têm funções bastante básicas para não confundir os consumidores, atendendo aos critérios de acessibilidade para aqueles que ainda não estão familiarizados com as tecnologias digitais.

Em segundo lugar, a TV pode ser usada de forma coletiva e compartilhada. Enquanto o computador estimula a individualidade, a TV promove a parceria, a socialização dos conhecimentos e das informações, se pensarmos do ponto de vista das pessoas que estão em casa. Um bom exemplo é o de uma pessoa que deseja fazer um curso de educação à distância (EaD): ela poderá estudar sozinha e/ou acompanhada através da TV digital ou sozinha no computador. Pela primeira vez, existe a oportunidade das pessoas de uma mesma família aprenderem coletivamente e compartilhar saberes e experiências de mundo.

Em terceiro lugar, é possível apontar a significativa melhora na imagem da TV digital – seja através do uso do sinal analógico com caixa conversora, do modelo standard ou de alta definição –, pois ele é fundamental para estudos que exijam detalhamento de imagens, profundidade ou terceira dimensão. Tais tecnologias ampliam as oportunidades de desenvolvimento de projetos de EaD voltados para a educação técnica/ profissionalizante, assim como para tele-medicina, só para citar dois casos.

A TV digital – através do uso do midlleware Ginga, incorporado à caixa conversora – permite uma grande revolução tecnológica. Essa revolução vai além do fato do Ginga ser uma tecnologia made in Brazil que vem servindo de referência para outros países, como os europeus e os EUA. Mais do que isso: permite a interoperabilidade entre os diferentes padrões; ou seja, eles podem "falar" entre si, não sendo restritivos, como os sistemas DVD existentes no mundo. Além disso, o uso do canal de retorno estimula a interatividade entre o campo da produção e da recepção, mudando radicalmente a relação entre os que produzem conteúdos e aqueles que até então apenas recebiam silenciosamente esses conteúdos. Como se não bastasse, o Ginga oferece interface com internet e também interface gráfica. Em outras palavras, é o mais completo middleware entre os sistemas existentes e funciona em código aberto.

Inclusão social

Muitos se perguntam se isso vai ocorrer já no primeiro ano da TV digital brasileira. Creio que não; é preciso dar tempo ao tempo, já que a tecnologia está sendo criada, desenvolvida "no caminho". E recordar Antonio Machado, quando escreveu "caminante no hay camino; el camino se hace al caminar". Mais do que isso, é preciso levar em consideração que tampouco existe experiência acumulada em interatividade total em países como Inglaterra e EUA, que possuem pelo menos 10 anos de pesquisa e trabalhos em TVD.

Isso significa que não teremos interatividade na TV digital brasileira?

Sim, teremos interatividade, mas também significa que temos de dar tempo ao tempo. E ao invés de apenas criticar os projetos do governo, precisamos encontrar posições proativas que ajudem a construir a TV digital brasileira, entre elas:

1. Apoiar projetos nacionais como o Ginga;

2. Estimular o desenvolvimento de uma nova geração de produtores de conteúdos, agora voltados para o mercado digital em suas diferentes plataformas, através do Centro Nacional de Excelência em Produção de Conteúdos Digitais Interativos e Interoperáveis;

3. Repensar os programas universitários de graduação e de pós-graduação estimulando a transdisciplinaridade e o trabalho conjunto entre professores e pesquisadores de diferentes áreas para pensar as plataformas digitais e a convergência tecnológica;

4. Desenvolver uma grande campanha nacional sobre os benefícios da TVD e da aquisição da caixa conversora, explicando aos consumidores a diferença entre caixa conversora simplificada, que não permite interatividade mas melhora a imagem, e a caixa conversora com canal de retorno, que permite multiprogramação e vários níveis de interatividade, como a local (só é possível baixar programas) e total (aquela que permite interagir online com outros atores sociais e com a produção dos programas realizados ao vivo);

5. Enfim, tratar a TV digital e as novas plataformas digitais como política pública de inclusão social, desenvolvimento tecnológico e futuros conteúdos de exportação.

* Cosette Castro é doutora em Comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona, professora do Mestrado em TVD na UNESP, prêmio Luiz Beltrão/Intercom – 2008 na categoria Liderança Emergente, autora de Mídias Digitais, Convergência Tecnológica e Inclusão Social(Paulinas, 2005), Por que os Reality Shows Conquistam as Audiências?(Paulus, 2006) e Comunicação Digital, Educação, Tecnologia e Novos Comportamentos (Paulinas, 2008, no prelo)

Um Código de Ética para os donos da mídia

Os jornalistas dispõem, agora, de um novo Código de Ética, um documento balizador de posturas (e contra as imposturas) que resultou de um processo rico, envolvendo a Fenaj, os Sindicatos e a sociedade, incorporada a partir de uma consulta pública.

Nada no Código surpreende porque, em princípio, ele apenas atualizou princípios e valores que os jornalistas de caráter, boa índole, éticos sempre respeitaram, mas era importante que isso fosse feito. A atividade tem reunido cada vez mais profissionais (alguns nem tanto, vamos admitir) e, com isso, é preciso dar um norte, indicar explicitamente o que se espera desta categoria, claramente definida (artigo 3) como uma atividade de natureza social.

Há dois destaques a fazer, no entanto, porque refletem situações ainda controvertidas no exercício profissional no Brasil. O primeiro deles diz respeito ao respeito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão que, segundo o artigo 6, VIII, deveriam ser respeitadas . A pergunta óbvia é: tem sido? O caso Nardoni é exemplar para dar conta da falta de limites dos jornalistas (e veículos) que confundem notícia com escândalo, sensacionalismo no pior sentido. O segundo deles refere-se ao jogo duplo (e portanto não ético) de muitos colegas que atuam na imprensa , acumulam a função de jornalistas (trabalham num veículo) e de assessores, empregados, prestadores de serviços em organizações (públicas, privadas, ONGs) e que fazem cobertura de seus patrões e clientes. Os ombudsmen da Folha de S. Paulo, ao longo do tempo, têm denunciado esta dupla jornada e o jornal têm, justamente, dado cartão vermelho para os que agem desta forma.

Mas, resolvido o Código de Ética para os jornalistas, fica faltando um outro, também essencial: o Código de Ética para os donos da mídia, que continuam cometendo abusos de toda ordem, estabelecendo relações promíscuas com o poder político e econômico, sonegando informações relevantes de interesse público, estressando os jornalistas nas redações (haja assédio moral!), para não falar de casos mais dramáticos de utilização indevida da imprensa para negócios excusos.

Não mereceriam o enquadramento em código de ética, os monopólios da comunicação? Não é obscena a manipulação da audiência em prol de interesses empresariais? Não é anti-ética a concessão de canais de TV e emissoras de rádio em nosso País? Podemos continuar convivendo com "laranjas" de políticos, como temos assistido recorrentemente, inclusive freqüentando CPIs? Não é imoral termos emissoras de TV que compram campeonatos de futebol com exclusividade e não exibem os jogos? É ético o espetáculo idiota do Big Brother, que dá lucros formidáveis, ao mesmo tempo em que dissemina comportamentos sociais inadequados? É ético chutar a Santa? São éticas as transmissões dos camarotes dos carnavais com propaganda cínica da indústria de bebidas e até de laboratórios farmacêuticos? A apologia da violência, o sensacionalismo barato não mereciam um enquadramento ético? É ética a parceria entre veículos e anunciantes, quando os produtos que vendem contribuem para a insustentabilidade, para o consumo não consciente, para a auto-medicação, para tornar obesas as nossas crianças? Que ética tem a disputa Sky x Abril que privilegia apenas os interesses comerciais e joga o assinante para escanteio?

Os donos da mídia precisam urgentemente de um Código de Ética,  a ser definido pela própria sociedade, porque a sua ética particular anda em farrapos.  Evidentemente, defendem, com unhas e dentes (mas sobretudo com os bolsos), uma visão singular de liberdade de expressão, aquela que preserva os seus interesses e privilégios, colocando-se sempre acima de qualquer suspeita (mas são suspeitíssimos). Aquela liberdade de expressão que mascara a relação com a indústria de bebidas, agências de propaganda, entidades de auto-regulamentação (bela piada, não?) em favor do lucro obtido pelo estímulo ao pileque?

Vamos admitir que existam exceções, e elas existem mesmo, mas o ranking efetivamente ético da mídia é integrado por poucos veículos, se a gente for levar o conceito de ética realmente a sério.

Certamente, Hipólito da Costa, nosso pioneiro há 200 anos, não deve estar satisfeito com o rumo que a imprensa tomou e com os compromissos espúrios assumidos ao longo deste tempo.

Uma mídia livre, independente, ética é absolutamente necessária.  A ética é uma postura que deriva do caráter, de uma visão moderna do interesse público, de cidadania, de responsabilidade social autêntica (não a responsabilidade social hipócrita dos fabricantes do tabaco, de armas, agrotóxicos, bebidas e outros produtos nocivos menos votados). Esta ética que, na mídia, anda faltando, mesmo para as melhores famílias.

Infelizmente, por causa disso, apenas jornalistas éticos não conseguem produzir uma comunicação mais ética em nosso País. Pelo menos que a gente faça a nossa parte. Cada um na sua.

* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.

A TV Globo e o feitiço da cidadania

O jornalismo imita a arte. Tal como no filme “O feitiço do tempo", em que um repórter parte para fazer a cobertura de uma festa e, por algum motivo inexplicável, passa a acordar no mesmo dia, nossa grande mídia parece estar condenada a uma eterna repetição. O tempo passou. A nação reencontrou o caminho da democracia, mas, para boa parte do campo jornalístico, a reconciliação política é algo da ordem do impensável. Perpassada por um caldo de cultura que não admite que a arena do jogo político não comporte mais golpes, nega-se a cumprir sua função fundamental: expressar, com a maior diversidade possível, a complexidade social. Ao não fazê-lo, cerceia o que seria seu fundamento: a liberdade de expressão assegurada no texto constitucional. Torna-se o seu contrário: um obstáculo à efetivação da cidadania.

Quem acompanha a história da imprensa brasileira sabe de suas conexões com interesses dominantes na sociedade fracionada. Conhece, e bem, como são editados fatos e discursos. Tem noção aguda de que a autonomia relativa de uma redação encontra seus limites nos interesses do patronato. Franklin Martins e Helena Chagas estão aí como “respaldos de provas robustas”, “evidências empíricas que valem seu sal” como demonstrou, de forma brilhante, Bernardo Kucinski em seu último artigo para Carta Maior.

É de autoria do jornalista Paulo Francis a máxima segundo a qual “a história é monótona, a cada minuto nasce um leitor idiota”. Parece que, pelo que temos visto nos últimos anos, a suposta idiotia de leitores e telespectadores é algo datado, sem sinalização concreta nos dias atuais. Ainda assim, convém ficar atento a certas “espertezas" que podem custar caro ao campo democrático-popular. Quando isso ocorre, a direita comemora com blocos editorializados no Jornal Nacional. E, claro, a nau dos insensatos ainda chama de bom jornalismo o que não passa de desabrida propaganda ideológica.

Está faltando pouco para que as últimas edições do JN tenham fundo musical. Afinal são comemorativas e o regozijo com uma suposta falha do adversário é conhecido do torcedor brasileiro. Se servir para ocultar novos estudos que comprovam os avanços do atual governo, melhor ainda. Saímos do campo futebolístico e adentramos a arena da luta de classes. Com a elegância da boa resolução visual e o capricho nas chamadas.

Recentemente, o frenesi com um suposto dossiê elaborado na Casa Civil não durou nem duas semanas. Ante as flagrante falhas de roteiro, foi substituído pelo “caso VarigLog" que, previsto para ocupar páginas e telas por alguns meses, durou alguma horas de depoimento no Senado.Um resultado inesperado para aqueles que, desde 2006, não se conformam com um fenômeno inédito: uma desgaste político, já consolidado no imaginário do eleitorado urbano, não se desdobrou em derrota eleitoral. E pior, à reeleição seguiu-se uma impressionante recomposição simbólica do governo.

O enredo agora é o “retorno da inflação" e seu impacto sobre o núcleo pobre da novela diariamente apresentada por William Bonner e Fátima Bernardes. Em tom solene, o casal anunciou na edição de ontem que "O IPCA de 15 de junho ficou acima do esperado: 0,9%. O índice mede a inflação de quem ganha até 40 salários mínimos. Nos últimos 12 meses, a alta foi de 5,89%. Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para os mais pobres, foi de 6,64%." O depoimento de uma empregada doméstica serviu como reforço dramático e calculado ingrediente de desinformação funcional: “Ivonete Alcântara, que ganha R$ 620 por mês, conhece bem essa realidade”. “O que a gente comprava no início do ano, hoje só dá para comprar a metade”

Sejamos francos, só mesmo sendo muito ingênuo para cair no “conto dos dossiês”. Qualquer pessoa, com um mínimo de bom senso, farejaria de longe a óbvia “trampa”. É o velho jornalismo que, como poucos, sabe servir à direita autoritária e suas lideranças renovadas, habituadas ao jogo em que podem tudo perder, menos os interesses e privilégios. Personagens que se apresentam como novos, ávidos por instaurar um " marco zero" assustador.

Uma imprensa que ignora o princípio da publicidade, não permite à cidadania controlar a informação. Mais que desinformar, avoca para si uma função que não lhe pertence, pretendendo tomar decisões vinculantes para o conjunto da sociedade. Um parlamento midiático, formado por editores tucano- lacerdistas,respaldados por seguidos pronunciamentos de ministros do STF a lhes prometerem sustentação legal em sua aventura.

Ainda mais, e isso é o muito relevante, desde 2006 há vários dossiês sendo escondidos no noticiário global. O primeiro veio do Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio). Para desespero dos expoentes da Teoria da Dependência, que agora elegeram a UDN como modelo: o nível de pobreza caiu 19,18% nos três primeiros anos do governo Lula, o maior recuo em dez anos. Somemos a isso a retomada do emprego, estagnada há uma década, segundo Marcelo Néri, coordenador da pesquisa.

Mas o que mais impressionava no “dossiê” a ser ocultado vinha a seguir: “‘Os pobres e ricos tiveram ganhos expressivos de renda’”, dizia Néri, coordenador da pesquisa. 50% dos mais pobres aumentaram sua renda em 8,5%, enquanto os 10% mais ricos, depois de cinco anos de perdas, tiveram ganhos de cerca 6%. A classe média teve um crescimento um pouco menor, de 5,5% da renda."Era esse o governo que privilegiou banqueiros? Com a palavra os editores de economia. Aqueles que deveriam sempre se pautar por evidências empíricas que valem o sal de todo mês.

Passados dois anos, outros "dossiês" continuam sendo discretamente ocultados sob a forma de breves registros, a serem apagados, rapidamente, no dia seguinte à publicação: A taxa de desemprego, anunciada pelo IBGE, caiu para 7,9%, o segundo menor percentual já registrado pela série histórica do Instituto, desde 2002. Certamente há como neutralizar esse "escândalo". O menor número de desocupados só aumenta os riscos de uma inflação de demanda. Para tudo, dirá um bom editor, há um antídoto farsesco.

Outros “dossiês" dão conta de que o volume de crédito cresceu 32% em um ano; que a Previdência tem maior valor médio de benefícios pagos desde 2001; que a desigualdade de renda do trabalho no Brasil, medida pelo Índice de Gini, teve queda de 7%, entre o quarto trimestre de 2002 e o primeiro de 2008.

Mas o direcionamento do noticiário dos conglomerados deve repetir à exaustão, o que a bancada do JN anunciou como o único fato relevante: "Os alimentos foram de novo os vilões da inflação. O arroz subiu 17,09%. Alta também no preço da batata, tomate, macarrão, carne e pão francês. “O que aumentou é o que o pobre come”, disse uma consumidora”.

Pelo visto, a cobertura jornalística continuará não se ocupando com as análises de políticas públicas, mostrando o que é viável ou não. A telecracia continuará impedindo a discussão política que se impõe. O importante é, através de clara sonegação, informativa continuar trabalhando com velhos e novos fantasmas. Será muito difícil para a imprensa fugir de sua própria danação.

Em “O Feitiço do Tempo", o personagem só pode seguir em frente na vida, se mudar seu caráter. Aqui, justiça seja feita às evidências, a arte não imita o jornalismo.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.