Arquivo da categoria: Análises

Rio de Janeiro, agosto de 2008

Agosto ofereceu dois exemplos claros de como o autoritarismo ainda dá as cartas no Rio de Janeiro. No dia 5, terça-feira, foram destruídos dois outdoors com críticas à política de extermínio do governador Sérgio Cabral (PMDB), cuja polícia matou 1.330 pessoas em 2007, índice que a coloca como a polícia que mais mata do mundo. Dois dias depois, 7 de agosto, militares da ativa e da reserva, ao lado de civis, reuniram cerca de mil pessoas no Clube Militar para rechaçar o debate sobre a punição contra os torturadores da ditadura de 1964 – orientada pela CIA para garantir os interesses das corporações dos EUA no Brasil.

Os outdoors censurados continham um desenho assinado pelo artista gráfico Carlos Latuff, que retrata uma mãe negra, a segurar o filho morto no colo. Ela chora, desesperada. Seu filho é uma criança negra, vestida com uniforme da escola e, atrás dos dois, está um policial branco com um fuzil recém-disparado. Ao fundo, um caveirão, carro blindado da polícia, invade uma favela e dispara a esmo. A ilustração vinha acompanhada de duas frases: “Candelária, Vigário Geral, Baixada, Alemão, Acari, Providência… Estamos mais seguros?” e “Infeliz é a sociedade que assiste passivamente sua juventude ser assassinada”.

Essa imagem foi caprichosamente pintada com tinta branca até desaparecer. E não foi uma ação simples. Devido à altura do outdoor, foi preciso mobilizar pelo menos um veículo com carroceria e uma escada de grande porte. Como há uma câmera de vigilância da CET-Rio em frente ao cartaz atacado na Av. Presidente Vargas, basta a polícia querer para que os criminosos sejam identificados.

Apesar de inegável, o fato jornalístico foi deliberadamente ignorado pelas corporações de mídia. Entre os veículos de papel, apenas uma colunista deu a noticia num jornalão. Na televisão, só o jornalismo da TV Brasil se interessou. Uma das características do fascismo, como se sabe, é o emprego de modernos aparatos de propaganda e censura para suprimir a oposição política e promover seus próprios valores.

Exatamente assim funcionou a ditadura civil-militar no Brasil, entre 1964 e 1985. Com o apoio entusiasmado da Rede Globo e os mesmos veículos de comunicação que hoje silenciam diante da censura aos outdoors, o Estado autoritário pôde encobrir seqüestros, torturas, homicídios e ocultações de cadáver. Um clima revivido neste cinzento 7 de agosto, durante seminário promovido pelo Clube Militar.

Em sua intervenção, o general da reserva Sérgio Augusto de Avelar Coutinho afirmou que os militares evitaram, em 1964, “um golpe populista de inspiração desconhecida, liderado pelo presidente de então e seu cunhado, governador do Rio Grande do Sul”. E concluiu como quem faz um alerta: “Há um processo socialista revolucionário em curso”. Os militares consideram o general Coutinho o maior especialista em Gramsci do Brasil e um grande conhecedor de Marx. Ele é assessor de uma empresa privada chamada Teixeira Nunes Comércio Exterior e Indústria e já foi agraciado com a medalha Legião de Honra, dos Estados Unidos.

Em seguida foi a vez de Antonio José Ribas Paiva, diretor da UDR, conferencista do Exército e pecuarista, criador de gado nelore. Foi o mais histérico dos três palestrantes. Sua fala exacerbou a paranóia do general Coutinho, tanto pelo conteúdo quanto pelos gestos agressivos. “Nos meus 59 anos nunca vi ditadura do crime como essa. Nós não temos segurança do direito. Portanto, o Brasil não é um país democrático”, disse.

Sobre a iniciativa de punir os torturadores, comentou: “Estão trabalhando para que a sociedade volte a se dividir, contra a paz social. Dividir a sociedade para explorar seus recursos e manter a sociedade na pobreza.” Disse ainda, sem citar a fonte, que “esses senhores [do governo Lula] foram desvelados pela imprensa internacional por associação ao tráfico. Nós temos um governo que apóia as Farc e 80% da cocaína tem procedência nas Farc. E não adianta o primeiro mandatário negar (aplausos) porque ele fundou o Foro de São Paulo, organizado por 48 movimentos terroristas”. Em seguida, passou a descrever que São Paulo teve um dia de ataques terroristas do ETA e do IRA, porque “a esquerda radical se sentiu ameaçada por algum motivo”. Nesse momento, alguns ouvintes palpitavam “o impeachment do Lula, claro”, numa referência à tentativa frustrada da OAB-SP de depor o presidente da República.

Por fim, quando os ânimos já estavam bem exaltados, falou o ministro do STF durante a ditadura, Waldemar Zveiter: “Que o senhor ministro da Justiça ou desapeie do cavalo ou monte direito, porque, senão, nós vamos tirá-lo de lá!”, uma clara ameaça ao ministro da Justiça Tarso Genro (PT), poucos dias depois que este proclamou o óbvio: quem torturou deve ser punido. E por temer pela correlação de forças, o presidente da República o desautorizou.

Os dois exemplos de agosto mostram que a truculência ainda manda no Rio de Janeiro. A polícia do governador mata mais de mil pessoas num ano e não há liberdade para crítica nos meios de comunicação de massa. Agentes do Estado torturam e não se pode levantar o debate sobre suas punições. Se é assim, então que sejam coerentes e reivindiquem claramente o Estado de Exceção! E depois enfrentem as conseqüências.

* Marcelo Salles é jornalista, editor do blog Fazendo Media e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

O clamor pela conferência de comunicação

Diante da encarniçada resistência de setores do governo Lula em realizar a almejada Conferência Nacional de Comunicação, os arrojados baianos decidiram "chutar o pau da barraca". De 14 a 16 de agosto, em Salvador, cerca de 400 delegados eleitos e observadores de várias partes do estado realizaram a 1ª Conferência de Comunicação Social da Bahia. Como afirma Maurício Thuswohl, da Agência Carta Maior, o evento "já faz parte da história da luta pela democratização da mídia no Brasil" e serviu de forte impulso para dobrar as relutâncias no interior do governo federal.

A "Carta da Bahia", aprovada na ocasião, apresenta várias propostas para democratizar os meios de comunicação e será encaminhada ao presidente Lula. "Sem a prática da livre produção social de conteúdo nas escolas, portais da internet, salas virtuais, jornais, revistas, cinemas, rádios e televisões, isto é, sem a democracia na comunicação, não nos produziremos como seres sociais políticos – cidadãos e cidadãs – capazes de pensar coletivamente e dialogar com os nossos representantes nas esferas e instâncias do Estado brasileiro", adverte o documento.

Monopólios de minorias privilegiadas

Numa perspectiva emancipadora, a Carta da Bahia também faz duras críticas à ditadura midiática no país. "Se nos for garantido o direito à comunicação, iremos assim quebrando paulatinamente os monopólios de minorias privilegiadas sobre os meios de comunicação de massa e combatendo os impérios oligárquicos regionais vinculados à propriedade privada sobre a terra e os meios de produção". Como parte deste esforço pela ampliação da democracia, na qual a democratização da mídia é parte indispensável, os participantes aprovaram por consenso a urgência da realização da Conferência Nacional de Comunicação, com etapas prévias em todos os estados brasileiros.

Ficou patente que só com muita pressão social e articulação política esse objetivo será alcançado. Afinal, as nove famílias que controlam mais de 80% dos meios de comunicação no país não irão abrir mão do seu monstruoso poder. "Com muito dinheiro, influência no Congresso Nacional e no Judiciário e donas de um poder de penetração no imaginário nacional capaz de fazer e destruir reputações (e governos) em poucos dias, essas empresas, ao menos por enquanto, encontram-se imunes às transformações democráticas que ocorrem no país", diz Thuswohl. Elas não aceitam "efetuar qualquer mudança nas atuais regras do jogo, dos quais são beneficiárias históricas".

"Questão de correlação de forças"

A derrota da ditadura midiática, como revelou o jornalista Carlos Tibúrcio, assessor especial da Presidência da República, depende da pressão social. Não será enfrentada pelo governo Lula. "É uma questão de correlação de forças. Enfrentar essa batalha depende de ousadia, como aqui da Bahia, mas depende, sobretudo, do acúmulo de forças", alegou. Neste sentido, o encontro baiano, assim como a petição que já circula exigindo a conferência nacional e o recente Fórum de Mídia Livre, são passos decisivos na luta contra a mídia hegemônica e seus agentes no governo. Serve de reforço aos que têm coragem e de alerta aos que se intimidam diante da oligarquia midiática.

O encontro baiano comprovou que é plenamente possível realizar uma conferência nacional, que respeite a diversidade de opiniões e atores sociais e aponte os caminhos para maior pluralidade informativa no país. Neste sentido, o governo da Bahia deu uma lição a Brasília, realizando uma parceria respeitosa com os movimentos sociais engajados na luta pela democratização da mídia. Para Robinson Almeida, secretário de comunicação de Jacques Wagner, "os historiadores, no futuro, irão registrar o que aconteceu no estado em agosto de 2008". Sem dúvida, a conferência baiana ajudou a quebrar o tabu de que a mídia hegemônica é intocável e está acima da sociedade.

* Altamiro Borges é jornalista.

Liberdade de expressão: Notícias de uma greve particular

Em audiência de conciliação no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da capital, realizada no dia 13 de agosto, um acordo entre as entidades representativas da polícia civil do estado de São Paulo e o governo suspendeu a greve da categoria até quarta-feira, dia 20, quando a administração deverá apresentar propostas de solução para o impasse.

A paralisação, que durou somente sete horas (das 8h às 15h do mesmo dia 13), seria resultado da ausência de diálogo do governo sobre diversas demandas da categoria, como reajustes salariais, eleição direta para a cargo de delegado-geral e transferência de postos de trabalho somente pela vontade do policial ou promoção, e não por determinação de superiores.

A mediação do conflito pelo Poder Judiciário tem benefícios evidentes, como sistematizar e tornar mais precisas as propostas de ambos os lados, orientar para o acordo, além de estimular o diálogo, antes inexistente. No entanto, mesmo que “judicializar” o conflito o torne “oficialmente público”, seu confinamento a uma sala do TRT inevitavelmente afasta – ainda mais –do debate a sociedade civil interessada.

Violação de direitos

Dizemos “ainda mais” porque não só na quinta-feira (14/08) – quando a delegada Bárbara Travassos, plantonista do 1º Distrito Policial de Diadema, foi impedida pelo delegado seccional da cidade, Ivaney Cayres de Souza, de estampar em sua roupa adesivos “pró-greve” –, mas especialmente no dia 2 de agosto, um “vídeo-protesto” das entidades representativas da polícia civil sobre a paralisação teve sua veiculação em TV proibida por decisão judicial, sob o fundamento de que causaria pânico na população.

De fato, a liberdade de expressão (como todos os direitos) não é uma garantia absoluta. As hipóteses de seu abuso estão contidas no art. 16, I da Lei de Imprensa (causar “alarma social”) e no parágrafo 4º do art. 13 do Pacto de San José da Costa Rica (colocar em risco a “segurança nacional” ou a “ordem pública”). E, no caso de greve, o uso da liberdade de expressão para “persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve” está condicionado ao “emprego de meios pacíficos” e a não “violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem' (art. 6º da Lei 7.783/89).

Porém, no conflito entre o aventado abuso da liberdade de expressão pela possível provocação de “perturbação da ordem pública ou alarma social” e o direito fundamental da entidade de comunicar sua insatisfação em relação à ausência de diálogo com o governo do Estado (art. 13 do Pacto de San José da Costa Rica; art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos; art. 5º, incisos IX e XIV da Constituição Federal de 1988), deve prevalecer este último, visto que os danos ao debate democrático e à livre circulação de idéias na esfera pública, causados pela proibição da expressão e do fomento de um debate público sobre temas de suma importância à sociedade, são claramente maior violação de direitos fundamentais do que aquele gerado pela (deveras improvável) possibilidade da ocorrência de um alarma social.

Espaço aberto e gratuito

Em contrário, a veiculação do vídeo (ver aqui), que contém três informações claras e importantes – como dificuldade ou ausência de diálogo das entidades de classe com o governo do Estado, baixos salários da polícia civil e possibilidade de greve –, mais provavelmente geraria um aumento do debate e da conscientização da opinião pública a respeito desses problemas do que uma perturbação da ordem ou alarma social.

Enfim, o que esse caso revela são duas importantes questões a serem enfrentadas pelos defensores da liberdade de expressão, dos direitos da comunicação e do aumento da participação e da qualidade do debate público no Brasil: primeiramente, o fenômeno da “judicialização da política” não pode operar por uma supressão do debate, proibindo sua veiculação na grande mídia e tornando-o assunto somente de experts do Judiciário e de representantes legais das partes diretamente envolvidas. Isso configura claramente uma violação de direitos de comunicação da sociedade civil interessada.

Em segundo lugar, a específica proibição do vídeo revela a necessidade (e urgência) da existência de um espaço aberto, publicamente regulamentado e gratuito na televisão brasileira para a livre manifestação de cidadãos e entidades de classe que queiram fomentar debates públicos a respeito de questões relevantes à sociedade (sujeitos, obviamente, aos limites da liberdade de expressão e dos direitos de comunicação).

Enfraquecimento do debate público

Isso, possivelmente, levará a um gradativo uso comedido e ponderado da liberdade de expressão dos interessados, que não precisarão pagar grandes quantias para fomentar um debate na mídia (noticiou-se que as entidades representativas da polícia civil teriam gasto R$ 300 mil para veicular o vídeo em horários comerciais da Record, Bandeirantes e Globo), ou criar vídeos ou imagens com o apelo visual do referido, ainda que não se tenha configurado um excesso da liberdade de expressão.

Esses relatos e considerações sobre o caso da paralisação da polícia civil demonstram como o Estado e a mídia televisiva ainda parecem trabalhar numa lógica de enfraquecimento do debate público sobre questões relevantes à sociedade, o que é suficiente para podermos afirmar: estamos diante de “notícias de uma greve particular”.

* Vitor Souza Lima Blotta é advogado, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e mestrando em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da USP

Imprensa em MG: O empastelamento do Novo Jornal

O dia 14 de agosto de 2008, véspera do feriado religioso dedicado à padroeira de Minas Gerais, bem que poderia entrar para a história como o marco inicial da censura oficial à internet no Estado. Às três da tarde, acessei o site do Novo Jornal, única publicação diária mineira que publica notícias contrárias ao governo Aécio Neves. Em vez da página habitual, lia-se ali, em letras garrafais sobre o desenho de uma lente daquele tipo usado por Sherlock Holmes, o seguinte:

“Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Esta página foi suspensa por medida cautelar judicial e o conteúdo do site é objeto de apuração por indícios de prática de crimes. Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos.”

Dei a notícia, logo em seguida, em páginas de comentários dos sites Observatório da Imprensa e Comunique-se e nos blogs Tamos com Raiva, Fernando Massote e Luis Nassif, para ver qual seria a reação. Não foi bem uma surpresa, quando verifiquei, até o momento em que escrevo este artigo, que foi nenhuma. Se fosse uma censura à internet na China…

Luis Nassif vem-se destacando, nos últimos meses, pela análise destrutiva ao jornalismo tipo "assassinato de reputação" praticado pela revista Veja. Qual teria sido a reação a um empastelamento da principal revista da Editora Abril, por causa de notícias tidas como ofensivas, injuriosas ou caluniosas? Para o empastelamento virtual do Novo Jornal, as justificativas, destacadas pelo jornal O Tempo de sexta-feira (15/8, pág. 8) foram: “Acusado de calúnia, site 'Novo Jornal' sai da Internet. De acordo com Ministério Público, site difama autoridades estaduais e federais.”

Esse jornal pertence ao empresário e ex-deputado federal tucano (por 16 anos) Vitório Medioli, um italiano naturalizado brasileiro que chegou a Minas atraído pelos empreendimentos da Fiat no estado, e que hoje transporta os carros zero produzidos pela Fiat Automóveis para concessionárias do Brasil todo e de alguns países latino-americanos. É um aliado fiel do governador Aécio Neves e seu jornal foi o único a dar a notícia (pelo menos entre aqueles que pesquisei na internet).

Por coincidência, em julho passado, o Novo Jornal publicou denúncia envolvendo uma empresa do grupo Fiat e uma empresa do governo mineiro, a Codemig. Na véspera do empastelamento, ele voltou ao assunto, informando que o Ministério Público Estadual estaria apurando a denúncia. Ou seja, atirou no que viu, acertou no que não viu.

As exceções

O Tempo parece ter se limitado a ouvir o Ministério Público Estadual (embora afirme que procurou o dono do Novo Jornal, mas este não quis falar; eu procurei e não o achei), não buscando o contraditório em outras fontes, conforme as práticas do bom jornalismo. Talvez o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Aloísio Moraes Martins, que foi um dos donos de um jornal alternativo na época da ditadura, o De Fato, tivesse o que falar. Mas o sindicato parece que só soube do ocorrido à noite, quando pôs em seu site uma informação apressada, para não passar por omisso. Informou apenas, em grandes letras:

“A Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público Estadual tirou do ar hoje, dia 14 de agosto, o site www.novojornal.com.br. Justificativa do MPE: 'Esta página foi suspensa por medida cautelar judicial e o conteúdo do site é objeto de apuração por indício de prática de crimes'.”

Mais sucinto, impossível.

O Tempo, em reportagem assinada por Renata Freitas, diz que o a exibição do site do Novo Jornal foi suspensa na tarde de quinta-feira (14)) pela "Operação Anonymus", organizada em conjunto entre a Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos e a Polícia Militar. “A equipe cumpriu mandados de busca e apreensão no escritório do site que está sendo investigado por indícios de práticas de crimes, dentre eles, o de não ter identificação pelo responsável pelas notícias veiculadas. O processo corre sob sigilo judiciário.” (Meio ridículo o nome da operação, mas isso é o de menos.)

Diz ainda a reportagem que a promotoria recebeu representação criminal reclamando que desde 2007 o site “publicava matérias atentatórias à honra de autoridades públicas federais e estaduais. As matérias publicadas incluíam ataques ao procurador geral de Justiça, Jarbas Soares Junior, e principalmente ao governador Aécio Neves (PSDB)”.

Como se lembram, em novembro de 2007, o ex-vice-governador mineiro Walfrido dos Mares Guia se viu apanhado em denúncias de envolvimento com Marcos Valério, o operador do mensalão, e acabou pedindo demissão do Ministério das Relações Institucionais. O Novo Jornal, na imprensa mineira, à exceção do Tamos com Raiva e do blog do Fernando Massote, foi o único que destacou esse envolvimento. E não arrefeceu depois disso.

Canal de denúncia

Voltando a O Tempo. De acordo com o Ministério Público, diz o jornal, "instaurado o Procedimento Investigatório Criminal, constatou-se que não há identificação do responsável pelo site – que se intitula jornal, fato que fere frontalmente a Constituição Federal que prevê que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, além da Lei de Imprensa, que se aplica à internet".

Eu já havia criticado isso, em comentário no Observatório da Imprensa, em fevereiro de 2007. Preocupava-me não a falta do nome de um responsável, pois era fácil descobri-lo (tanto que o dono, Marco Aurélio Flores Carone, responde a alguns processos por causa do Novo Jornal), e isso não é impeditivo, em qualquer democracia verdadeira, para a existência de um jornal. “Ele teria mais credibilidade se quem escreve ali mostrasse a cara”, eu disse, comentando uma informação de Ivan Moraes.

Na época, o Novo Jornal dizia que o Conselho de Administração da Cemig havia decidido que a estatal participaria da RME Minas Energia Participações S/A, que teria assumido o pagamento da dívida do Grupo Globo. Não acho, eu acrescentei no meu comentário, "que o diretor do Novo Jornal precise se esconder, se estiver escrevendo com base em documentos e fatos e em opiniões bem fundamentadas, pois a Constituição lhe garante o direito de opinar. Não precisamos ainda mudar para Londres como fez o primeiro jornalista brasileiro, lá nos primórdios do século XIX, quando combatia sei lá o quê".

Pois é, pelo andar da carruagem, vamos ter que mudar para Pasárgada, como queria fazer Manuel Bandeira, pois lá somos amigos do rei…

Mas como se deu o empastelamento do Novo Jornal? Revela O Tempo:

“A promotoria ingressou com medida cautelar para impedir o funcionamento da página da internet enquanto ela estiver sob apuração, e obteve o domínio e exibição de página-aviso do Ministério Público Estadual (PME). Também houve a busca e apreensão de computadores.”

E não quer parar por aí. Quem quiser denunciar este artigo, tem como, ainda de acordo com o jornal de Medioli:

“A promotoria disse, ainda, que abriu um canal de denúncia, através do e-mail crimedigital@mp.mg.gov.br.”

Espero que não façam, pois eu não teria recursos financeiros para me defender. A justiça é cara e demorada.

Pernas para o ar…

O governo de Minas parece que tinha muita pressa para resolver essa questão com o Novo Jornal. Segundo O Tempo, “a Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos foi criada em Belo Horizonte em 16 de julho deste ano. Com o crescente número de crimes praticados por usuários da rede, o MPE decidiu pela sua implantação. A promotoria atua como um órgão de suporte aos promotores de Justiça que atuam na área criminal e agiliza o atendimento às vítimas”.

E acrescenta, citando uma fonte identificada como Vanessa Fusco: “A estratégia é agir proativamente no enfrentamento desse tipo de crime, que vem crescendo principalmente com a chegada da banda larga às cidades do interior". E conclui: "Um projeto de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB) prevê a tipificação da conduta dos crimes praticados na internet.”

Ah, Eduardo Azeredo! Aquele que era governador quando Walfrido dos Mares Guia era vice. Aquele do "mensalão mineiro". Faz sentido.

Mas por que não esperar que o presidente Lula, amigo e aliado de Aécio Neves na campanha para eleger o próximo prefeito de Belo Horizonte, sancione a lei de Azeredo, antes de fechar o Novo Jornal, com base numa lei da ditadura? Por que a pressa? Será que Lula não vai entrar nessa? É isso? Oh, dúvida!

Mas de uma coisa tenho certeza. A data escolhida para o massacre de São Bartolomeu… ops, do Novo Jornal, não poderia ser melhor. Véspera de um feriadão, pernas para o ar que ninguém é de ferro. E na segunda-feira, quando o pessoal voltar ao batente, é assunto velho, estará tudo esquecido. Eu mesmo, para redigir este artigo, telefonei para muita gente, inclusive o presidente do Sindicato de Jornalistas, e não consegui falar com ninguém. Deve ter acontecido a mesma coisa, na quinta (14), com a esforçada repórter de O Tempo.

* José de Souza Castro é jornalista de Belo Horizonte.

Publicidade estatal: O preço do silêncio

O que já era quase um lugar comum nas redações ganhou características de evidência irrefutável a partir da publicação do informe “O Preço do Silêncio” (em inglês e espanhol), com base numa pesquisa feita pela Associação de Direitos Civis da Argentina, com financiamento da Open Society, a ONG do megainvestidor George Soros.

O trabalho de quase 250 páginas investigou casos de uso da publicidade estatal para influenciar o noticiário da imprensa em sete países latino-americanos (Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Honduras, Peru e Uruguai) durante um período de três anos, a partir de 2004.

E os resultados são, no mínimo, preocupantes. Na Argentina, o governo de Nestor Kirchner aumentou em 600% a publicidade oficial em jornais das principais cidades do país. Na Costa Rica, as verbas públicas para defender a aprovação de um Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos geraram um escândalo que acabou levando à renúncia do vice-presidente Kevin Casas, em 2007.

O informe lista um rosário de casos em que o dinheiro dos contribuintes foi usado para influenciar o noticiário da imprensa. Os recursos variam desde o corte dos anúncios oficiais como forma de pressão econômica, o mais comum de todos os expedientes usados pelas autoridades, até o pagamento de suborno por meio dos famosos envelopes pardos, em Honduras, uma velha tradição neste país centro-americano.

Embora o Brasil não tenha sido investigado pelos autores do documento, nós também não escapamos desta sina, quase tão antiga quanto a história política do continente. Aqui os gastos anuais do governo com publicidade ultrapassam 1 bilhão de reais, mantendo a tendência de alta iniciada na administração Fernando Henrique Cardoso, em 2001.

Cerca de 60% das verbas publicitárias do governo brasileiro são administradas por empresas estatais e a televisão leva a fatia mais gorda, com nada menos que 62% do total geral. A TV Globo fica com cerca de 390 milhões de reais por ano (60% da verba destinada às televisões).

O informe “O Preço do Silêncio” coloca sob a lupa num problema que geralmente é mantido na sombra e só aparece nas páginas dos jornais quando empresas jornalísticas se sentem afetadas ou discriminadas.

Não é novidade que os governos e empresas usam as verbas publicitárias para amansar ou domesticar a imprensa, há muito tempo. Mas também não é segredo que jornais e alguns jornalistas são cúmplices nesta operação, porque ela garante a sobrevivência de muitos veículos de comunicação.

No interior e em cidades pequenas, pode-se dizer que são raríssimos os casos em que jornais, rádios e emissoras de TV sobreviveriam mais que uma semana sem verbas de prefeituras e/ou governos estaduais.

Se a imprensa fosse mais transparente em sua contabilidade seria possível ter uma idéia real de sua dependência do governo de turno, não apenas em matéria de publicidade, mas também em dívidas com o INSS, Imposto de Renda e outros impostos e taxas oficiais.

Os jornais têm toda a razão ao protestar contra o uso de verbas publicitárias como arma de pressão dos governos, não importa a sua orientação ideológica ou política. Mas se o protesto é baseado em princípios éticos e morais, os jornais, rádios, emissoras de TV e agora também a internet deveriam abrir mão do dinheiro público, como sugeriu recentemente o ex-repórter e editor da Folha de S.Paulo, Alon Feuerwerker, no seu blog pessoal.

Mas até agora nenhum órgão da imprensa resolveu ir tão longe em seu compromisso com a independência editorial.

* Carlos Castilho é jornalista e está cursando pós graduação em Mídia e Conhecimento no EGC/UFSC.