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Publicidade estatal: O preço do silêncio

O que já era quase um lugar comum nas redações ganhou características de evidência irrefutável a partir da publicação do informe “O Preço do Silêncio” (em inglês e espanhol), com base numa pesquisa feita pela Associação de Direitos Civis da Argentina, com financiamento da Open Society, a ONG do megainvestidor George Soros.

O trabalho de quase 250 páginas investigou casos de uso da publicidade estatal para influenciar o noticiário da imprensa em sete países latino-americanos (Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Honduras, Peru e Uruguai) durante um período de três anos, a partir de 2004.

E os resultados são, no mínimo, preocupantes. Na Argentina, o governo de Nestor Kirchner aumentou em 600% a publicidade oficial em jornais das principais cidades do país. Na Costa Rica, as verbas públicas para defender a aprovação de um Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos geraram um escândalo que acabou levando à renúncia do vice-presidente Kevin Casas, em 2007.

O informe lista um rosário de casos em que o dinheiro dos contribuintes foi usado para influenciar o noticiário da imprensa. Os recursos variam desde o corte dos anúncios oficiais como forma de pressão econômica, o mais comum de todos os expedientes usados pelas autoridades, até o pagamento de suborno por meio dos famosos envelopes pardos, em Honduras, uma velha tradição neste país centro-americano.

Embora o Brasil não tenha sido investigado pelos autores do documento, nós também não escapamos desta sina, quase tão antiga quanto a história política do continente. Aqui os gastos anuais do governo com publicidade ultrapassam 1 bilhão de reais, mantendo a tendência de alta iniciada na administração Fernando Henrique Cardoso, em 2001.

Cerca de 60% das verbas publicitárias do governo brasileiro são administradas por empresas estatais e a televisão leva a fatia mais gorda, com nada menos que 62% do total geral. A TV Globo fica com cerca de 390 milhões de reais por ano (60% da verba destinada às televisões).

O informe “O Preço do Silêncio” coloca sob a lupa num problema que geralmente é mantido na sombra e só aparece nas páginas dos jornais quando empresas jornalísticas se sentem afetadas ou discriminadas.

Não é novidade que os governos e empresas usam as verbas publicitárias para amansar ou domesticar a imprensa, há muito tempo. Mas também não é segredo que jornais e alguns jornalistas são cúmplices nesta operação, porque ela garante a sobrevivência de muitos veículos de comunicação.

No interior e em cidades pequenas, pode-se dizer que são raríssimos os casos em que jornais, rádios e emissoras de TV sobreviveriam mais que uma semana sem verbas de prefeituras e/ou governos estaduais.

Se a imprensa fosse mais transparente em sua contabilidade seria possível ter uma idéia real de sua dependência do governo de turno, não apenas em matéria de publicidade, mas também em dívidas com o INSS, Imposto de Renda e outros impostos e taxas oficiais.

Os jornais têm toda a razão ao protestar contra o uso de verbas publicitárias como arma de pressão dos governos, não importa a sua orientação ideológica ou política. Mas se o protesto é baseado em princípios éticos e morais, os jornais, rádios, emissoras de TV e agora também a internet deveriam abrir mão do dinheiro público, como sugeriu recentemente o ex-repórter e editor da Folha de S.Paulo, Alon Feuerwerker, no seu blog pessoal.

Mas até agora nenhum órgão da imprensa resolveu ir tão longe em seu compromisso com a independência editorial.

* Carlos Castilho é jornalista e está cursando pós graduação em Mídia e Conhecimento no EGC/UFSC.

Azeredo: na contramão do processo de inovação tecnológica

O senador Eduardo Azeredo (PSDB –MG) transformou-se no cruzado do controle da internet ignorando, voluntária ou ingenuamente, que a liberdade de circulação e recombinação da informação está na base do processo de geração de conhecimento sobre o qual a nova economia digital.

Dito assim parece complicado e pretensioso, mas o fato é que a proposta do senador tucano, cujo nome está associado ao mensalão mineiro, revela uma teimosia em não informar-se sobre o que a internet representa no mundo atual. No ano passado, o político tucano esteve no centro de um debate sobre regulamentação da Web, que gerou muita informação sobre a rede mundial de computadores.

Mas ele aparentemente mostrou-se refratário aos novos conhecimentos, pois levou adiante o seu ímpeto regulatório. É claro que a internet não está imune ao crime e ao delito, porque obviamente ela não é e nunca será um colégio de freiras. O problema é que não se pode tentar regular um sistema novo usando regras e valores antigos.

Para criar um conjunto de condutas e valores capazes de coibir a delinqüência virtual (tipo pedofilia, roubo, difamação, chantagem, terrorismo etc) é necessário primeiro procurar entender a natureza do processo no qual estão inseridas a internet e a Web. Impor um modelo repressor idêntico ao usado para canais de comunicação como radio, televisão e cinema, é uma absurda perda de tempo e de energias, porque até os neófitos da rede sabem que será um fracasso.

Se eu fosse cínico recomendaria: aprovem o substitutivo Eduardo Azeredo porque não há a menor dúvida de que a lei será inócua e ficará enterrada nos porões do poder legislativo nacional. O problema é que agindo assim, estamos perdendo uma oportunidade única para ampliar a consciência das mudanças em curso no Brasil e no mundo.

A internet não é apenas um conjunto de computadores interligados entre si. Ela já é uma expressão do novo sistema de produção econômica e cultural gerado a partir de inovações tecnológicas como a computação e a digitalização, que por sua vez são o resultado de pressões dos agentes econômicos por processos mais rápidos e automatizdos, capazes de atender à demanda de uma população em crescimento acelerado.

Tentei nesta frase sintetizar grosseiramente todo o processo do qual a Web e a internet são parte. Neste processo, a rapidez de circulação e recombinação de informações é um componente essencial porque todos os sistemas usuais de regulamentação e certificação se mostram incapazes de acompanhar o ritmo frenético da digitalização.

As viagens espaciais teriam sido simplesmente inviáveis sem a computação porque as calculadoras analógicas não conseguiriam nunca processar dados na rapidez e volume necessário para operações, como por exemplo, a reentrada na atmosfera terrestre. Por outro lado, a indústria mundial teria entrado em colapso sem a automatização e robotização viabilizadas pela revolução digital.

O mundo moderno tornou-se complexo demais para que continuemos a usar sistemas e valores surgidos junto com a da revolução industrial. No contexto atual, a troca e conseqüente recombinação de informações, sejam elas em texto, áudio ou imagens precisa ser a mais ampla possível para que os conhecimentos sejam produzidos no ritmo exigido pela economia e pela sociedade contemporânea.

É por isto que a legislação vigente sobre direitos autorais e o próprio sistema de produção de leis tornam-se anacrônicos diante de sua incapacidade para acompanhar a inovação produzida por sistemas digitais em redes planetárias. Se não levarmos isto em conta, as propostas contidas no substitutivo em tramitação no Congresso Nacional serão tão inócuas como chover no molhado.

O debate sobre a regulamentação da internet necessita ser abordado noutras bases. A demanda regulatória existe e continuará a existir na sociedade do futuro. O que não dá, é tentarmos resolver um problema novo com ferramentas antigas. É o mesmo que usar o telégrafo na era do correio eletrônico.

Quando o ourives alemão Johannes Gutenberg inventou a impressão com tipos móveis em 1439 ele provocou um conjunto de mudanças que provocaram reações conservadoras muito parecidas com as embutidas no substitutivo do senador tucano[1].

P.S. Os professores André Lemos e Sergio Amadeu produziram uma petição ao Congresso Nacional para que o substitutivo do senador Eduardo Azeredo seja arquivado. Os interessados podem assinar o documento que contém uma contextualização ainda mais abrangente que a do post acima.

* Carlos Castilho é jornalista, professor, autor de livros e artigos sobre jornalismo online.


[1] Mais detalhes no livro O Contexto Dinâmico da Informação, de Kevin McGarry, especialmente na bibliografia citada no capítulo III.