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A luta das mulheres por outra comunicação

Nesta quinta-feira, o movimento feminista dará um passo importante em sua luta pela igualdade de gênero no Brasil. No bojo das atividades do mês de março, quando celebramos o Dia Internacional de Luta das Mulheres, terá início em São Paulo o seminário nacional “O Controle Social da Imagem da Mulher na Mídia”, cujo objetivo principal é articular, por todo o país, uma rede de monitoramento do conteúdo veiculado pelos grandes meios de comunicação. A idéia é que, a partir deste acompanhamento, o movimento tenha elementos para provocar mudanças concretas na mídia nacional, há tanto tempo reivindicadas pelas feministas.  

A ausência da imagem e da voz de um Brasil plural, multicultural e multi-étnico faz com que a maioria das brasileiras não se reconheça na TV. São constantes na grade de programação a banalização do sexo e da violência; a fragilidade e subalternidade reforçadas como coisa natural; a maternidade e o casamento como única fonte de realização; a produção, espetacularização e interpretação da “realidade” segundo uma visão única e conservadora; e o modelo inalcançável e impositivo de beleza vendido pela publicidade, que também nos trata como uma mercadoria a ser comercializada.

Cotidianamente, temos nossa auto-estima rebaixada por este modelo irreal de mulher que a televisão projeta em nosso inconsciente. Da mesma forma, a TV interfere no imaginário coletivo, perpetuando um mundo habitado pela desigualdade de gênero em vez de produzir imagens que proponham novas possibilidades nas relações humanas. Onde estão as lésbicas, as negras, as indígenas, as mulheres com deficiência, as trabalhadoras rurais, as sindicalistas?

É um universo complexo, no qual as entidades voltadas à promoção da igualdade de gênero começam a se aprofundar. Brasil afora, são diversas as iniciativas de ONGs e redes que buscam pautar o tema da comunicação na agenda do movimento feminista. Destacam-se, neste sentido, os diversos seminários já promovidos pelo Instituto Patrícia Galvão; as atividades de formação e monitoramento das mulheres pernambucanas; as ações na Justiça tocadas pela organização Themis, do Rio Grande do Sul; o direito de resposta obtido pelo Intervozes e outras organizações contra o programa “Tardes Quentes”, do apresentador João Kleber; entre tantas outras.

Exigindo uma representação adequada

Bebendo destas fontes, em março de 2007, o movimento de mulheres de São Paulo entrou nesta briga. Articuladas, elas encaminharam ao Ministério Público Federal (MPF) uma representação contra diversas violações de direitos das mulheres cometidas pelas emissoras de TV, solicitando um direito de resposta coletivo. Partia-se do princípio que, como concessionárias públicas exploradoras do serviço de radiodifusão, as emissoras têm o dever de respeitarem a diversidade e a pluralidade, assim como funcionarem com base no interesse público.

No dia 23 de abril, uma concorrida audiência pública colocou representantes dos movimentos feministas, de mulheres e das emissoras de TV frente a frente, num diálogo nunca antes estabelecido de tal maneira. Sem surpresas, as emissoras revelaram grande arrogância e recusaram-se a modificar o conteúdo de sua programação de forma a garantir, na tela, uma representação mais democrática da diversidade das mulheres.

A luta, no entanto, não terminou ali. Deste processo surgiu a Articulação Mulher & Mídia, uma frente de várias entidades feministas que, desde então, tem promovido palestras, debates e ações de controle social da imagem da mulher veiculada nos meios de comunicação. Sua organização em torno do tema levou à aprovação, na II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, de um eixo específico sobre comunicação e cultura democráticas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM).

Um programa feminista para a comunicação

As resoluções II Conferência demonstram que as mulheres querem exercer participação central, ativa e constante na luta pela democratização do acesso à mídia, pela definição de critérios transparentes para outorga e renovação de concessões e pelo desenvolvimento de mecanismos de controle social do conteúdo veiculado na TV.

Todas sabem que a democratização da mídia em nosso país poderia ainda ajudar a desenvolver os demais eixos do Plano Nacional. As políticas públicas necessárias para a saúde, a educação, a cultura, o combate à violência e a toda forma de discriminação e para a ampliação do espaço político da mulher poderiam ter grandes avanços com uma televisão que representasse a diversidade e a pluralidade de visões e fosse um espaço acessível às mulheres.

O seminário que começa nesta quinta-feira responde justamente a esta demanda: despertar a consciência das mulheres para a questão da mídia e, a partir daí, diante da formação de uma rede, inaugurar um processo de capacitação e reflexão mais profunda, para uma ação mais uniforme e conseqüente das mulheres no campo da comunicação.

Num ano que promete marcar o campo com a realização da I Conferência Nacional de Comunicação, as mulheres e sua luta pelo controle social da mídia serão aliadas de primeira hora de todos e todas que reivindicam uma televisão pública de qualidade, baseada no princípio do interesse público e na compreensão da comunicação como um direito humano. Que sejam bem-vindas a esta batalha todas essas companheiras!

Acompanhe o seminário pelo endereço www.mulheremidia.org.br

Bia Barbosa é jornalista, integrante do Intervozes e da Articulação Mulher & Mídia, e empreendedora social da Ashoka.

Desmistificar a imagem da mulher na mídia é nosso desafio

O dia 8 de março se aproxima e mais uma vez saímos às ruas para reafirmar nossas bandeiras de luta em defesa da igualdade. Olhar para o passado nos fortalece e nos dá coragem para continuarmos nossa batalha em busca de avanços e conquistas para o combate de diversos tipos de preconceitos, estereótipos e discriminações que ainda persistem no cotidiano das relações sociais.

A discussão da participação e representação das mulheres nos espaços públicos vem tomando maiores proporções. A realização de conferências – entre elas a Conferência Nacional de Comunicação, confirmada pelo presidente Lula durante o FSM 2009 (que ocorrerá no mês de dezembro, em Brasília) – nos dará a oportunidade de refletir e interferir na imagem que a mídia constrói das mulheres. É fundamental a discussão do tema no interior da CUT e o envolvimento do conjunto do movimento social nas conferências preparatórias municipais e estaduais.

Diariamente, a televisão, que detém grande influência na população, transmite e reafirma a existência de um único “padrão” de mulher brasileira, esquecendo a diversidade racial e cultural de nosso país. As grades de programação estão repletas de conteúdos que banalizam o sexo, a violência, a fragilidade e a subalternidade, reforçadas como coisa natural. Colocando a maternidade e o casamento como única fonte de realização pessoal. Onde estão as mulheres de diferentes raças e culturas? Onde está a diversidade e a pluralidade que compõem o nosso país, ou seja, as mulheres de “verdade” que acordam todo dia para enfrentar duplas jornadas de trabalho e, na maioria das vezes, nem tão bem sucedidas e nem tão bem remuneradas como as da novela das oito?

Precisamos ter a clareza do valor que a democratização dos meios de comunicação e a participação em políticas públicas como saúde, educação, cultura têm nesse processo. Por elas perpassam avanços em temas fundamentais como o combate à violência e toda forma de discriminação da mulher.

Nesse mês, será realizado, em São Paulo, o Seminário "O Controle Social da Imagem da Mulher na Mídia", outro momento importante nessa luta, que enfocará a questão do não reconhecimento das mulheres na mídia. Nossa tarefa é diagnosticar e desmistificar essa imagem que não corresponde à realidade. É fundamental qualificar nossa intervenção baseada em uma visão crítica dos fatos para que o interesse pelo controle social por meio dos movimentos sindicais e sociais seja despertado.

Por uma democrática Lei de Imprensa

O Supremo Tribunal Federal deve julgar neste mês de março o processo que alega inconstitucionalidade da atual Lei de Imprensa. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) defende a revogação dos artigos considerados autoritários e inconstitucionais, mas também defende a manutenção dos demais artigos, até que o Congresso Nacional resgate sua dívida com a sociedade e vote um novo texto democrático para regrar as relações da sociedade com os veículos de imprensa e, em especial, os seus profissionais.

Pronto para ser incluído na pauta de votação em plenário da Câmara dos Deputados, o projeto de uma nova legislação para a imprensa vem sendo sistematicamente "esquecido" pelo Parlamento brasileiro há quase 12 anos. Na omissão do Congresso Nacional, o STF suspendeu, no início do ano passado, liminarmente, vários artigos da lei nº 5.250/1967.

Historicamente, a Fenaj tem defendido a revogação dessa lei, com dispositivos que a tornam um autêntico "entulho autoritário", como apreensão de jornais e prisão para jornalistas, e a sua substituição por uma nova e democrática legislação, cujo conteúdo está expresso no substitutivo do ex-deputado Vilmar Rocha ao projeto de lei nº 3.232/1992, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em 14 de agosto de 1997.

Do ponto de vista da luta pela democratização da comunicação, temos a convicção de que a aprovação desse substitutivo corresponderia a uma conquista importante para a sociedade e para a autonomia de trabalho aos jornalistas. A proposta traz inovações como rito sumário e fixação de prazos para direito de resposta, determinação de que a resposta tenha de ser veiculada no mesmo espaço onde ocorreu a ofensa, pluralidade de versões em matéria controversa, obrigatoriedade do serviço de atendimento ao público, não-impedimento de veiculação de publicidade ou matéria paga, identificação dos reais controladores dos veículos de comunicação e conversão das penas de cerceamento da liberdade para os delitos de imprensa em prestação de serviços à comunidade.

Do comportamento de alguns setores que sempre se opuseram a qualquer regulamentação para a imprensa depreende-se que, havendo condições de impedir a tramitação de uma lei para a imprensa, essa continuará a ser a conduta adotada. Tornando isso difícil ou impossível, a linha de atuação desses setores será sempre no sentido de reduzir as obrigações e os deveres que qualquer legislação venha a impor. Destoa desse comportamento a posição editorial da Folha, divulgada no início do ano passado, em defesa de uma Lei de Imprensa.

Diante da crescente demanda da sociedade em relação à mídia, segmentos contrários à legislação têm enfrentado limites para produzir uma argumentação em defesa da pura e simples inexistência de regras democráticas para as práticas sociais da mídia. Outro dado a ser considerado é que, na medida em que transcorre o tempo, aumentam as exigências e as demandas da sociedade e as condições institucionais para sustentá-las. Ou seja, com o passar do tempo, aquilo que atualmente está no substitutivo de Vilmar Rocha – e que foi negociado pelos setores diretamente envolvidos no debate – provavelmente não será suficiente para a sociedade.

A própria Fenaj tem contribuições para o aperfeiçoamento da matéria, como mecanismos de restrição à litigância de má-fé e que coíbam a "falsidade não-nominativa", que é a possibilidade de que sejam reparadas – por meio da ação do Ministério Público, provocado ou por conta própria – falsidades veiculadas pelos veículos de comunicação que não atinjam direta e especificamente a alguém. Ou, ainda, a inclusão da cláusula de consciência, numa acepção ampla e que de fato ampare o jornalista. É claro que a aprovação de emendas ou de um novo texto na Câmara implica o seu retorno ao Senado, onde haverá novas votações, com um retardamento de todo o processo.

Tal circunstância só reforça a interpretação de que, sem uma solução amparada em ampla base de consenso, o direito de a sociedade ter uma Lei de Imprensa atualizada continuará sendo obstaculizado e adiado. Faz parte da tradição jurídica brasileira e elaboração de legislação específica para a imprensa. A luta pela revogação da lei atual não pode confundir-se com as propostas de lei nenhuma. Possibilidade que não interessa aos jornalistas e, em especial, à sociedade em geral.

Uma legislação assentada em bases democráticas canaliza as relações do cidadão com a imprensa, tornando-se instrumento de defesa da liberdade de imprensa e de um jornalismo ético e socialmente responsável.

Sérgio Murillo de Andrade , 47, jornalista, professor do curso de jornalismo da Ielusc (Instituto de Ensino Luterano de Santa Catarina), é presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) desde 2004.

As mídias e os espaços educativos: qual relação?

Precisamos avançar em relação ao discurso de que as mídias precisam entrar nos espaços educativos e estes precisam acompanhar o cenário de centralidade da comunicação nos dias de hoje. Este acompanhamento, em geral, diz respeito à adoção de disciplinas ou programas que levem para os educandos não apenas as mídias enquanto instrumentos, mas também a nova forma de construção do pensamento e do conhecimento que a centralidade da comunicação – aliada ao avanço das novas tecnologias – traz como desafios para a escola e para os espaços de educação não-escolar.

A verdade é que as mídias já invadiram os espaços educativos. É necessário avaliarmos de que forma elas os ocupam. É preciso desnaturalizar, desfragmentar e historicizar a presença das mídias (e da lógica comunicacional) nestes espaços. Só assim conseguiremos pensar a chegada destes meios (e de todo o lastro que eles carregam) nestes ambientes de maneira consequente. Trata-se, basicamente, de exercer a crítica sobre um processo que já está em curso.

Desnaturalizar é preciso, porque, sim, vivemos em um mundo midiático e midiatizado, mas se não pensarmos de que forma queremos que a educação aborde este mundo e se insira nele, corremos o risco de promover uma formação que o reproduz, o conduz e não o vê com postura analítica e crítica, buscando intervir em seus rumos.

Desfragmentar é preciso, porque não é suficiente fazer a crítica dos conteúdos e produzir mídias alternativas – ou, no caso da educação escolar, mídias escolares. É necessário avançar para o debate da estrutura das comunicações e das políticas que estão em jogo (e em construção, no caso do Brasil).

Historicizar é preciso para dar conta das outras duas necessidades: contextualizando e pensando a intervenção da mídia nos sujeitos e na relação dos meios de comunicação e da cultura comunicacional com as demais matrizes de cultura. Desta forma, podemos chegar a uma análise completa do objeto em questão.

É preciso pontuar que a ênfase do discurso do “atraso” em relação aos novos meios e formas de comunicação é sempre na escola. No entanto – e é preciso pesquisar estes dados – hoje em dia, são cada vez mais numerosos os programas informais e projetos de ONGs e movimentos que trabalham a questão das mídias, especialmente com crianças e adolescentes.

Nestes espaços – e também nas escolas – são múltiplas as formas de presença dos instrumentos de mídia. E muito mais variadas são as maneiras de interpretar a sua determinação no nosso modo de vida atual.

Uma nova cultura, comunicacional

Aí, vocês vão me perguntar: mas os meios de comunicação sempre foram usados na escola? Foram e são especialmente utilizados como instrumentos de educação popular. Sim, mas a grande diferença em relação aos dias de hoje é que estas mídias deixaram de ser apenas suportes. Com o advento da internet e das novas tecnologias, e a popularização (ainda que inconclusa, em função do grande número de excluídos digitais no país) do microcomputador e dos celulares, a relação com a comunicação mudou.

Mudou a forma que construímos o pensamento e o conhecimento. A comunicação segue tendo sua materialidade nos meios, mas age fundamentalmente na subjetividade das pessoas. As mídias são uma nova instituição de socialização, que é tão central na formação dos sujeitos contemporâneos quanto a escola, a família, o trabalho, a religião, etc.

O fato é que, por ocuparem esta centralidade, os meios e a mídia (entendida enquanto esta nova matriz de cultura) entraram na escola e nos espaços educativos de forma “natural”. Afinal de contas, é dever da educação acompanhar estas tendências, e formar indivíduos preparados para lidar com a contemporaneidade e com o mundo cada vez mais interconectado, computadorizado, eletrônico e de linguagens cada vez mais cifradas por novos códigos que este cenário traz à cena.

Pois bem. A escola e os ambientes educativos em geral precisam formar indivíduos capazes de entender, interpretar e dialogar com esta realidade. No entanto, de que maneira a comunicação está entrando nos espaços educativos? Vou buscar fazer um breve (e necessariamente incompleto) arrazoado a partir de algumas formas que conheci ou presenciei ou mesmo apliquei, enquanto metodologia, com grupos de jovens estudantes ou participantes de projetos.

Mídias na educação: que relação?

Uma primeira abordagem para a presença das mídias na educação seria aquela mais funcionalista, das tecnologias no ambiente educativo (ou na sala de aula), que está situada no campo da didática. Consiste, basicamente, no uso de mídias para melhorar a performance do educador. Encontra variações, como, por exemplo, a educação à distância.

Uma outra possibilidade é a da chamada alfabetização digital, cujo nome denota o que vem a ser: a formação na linguagem dos computadores e softwares.

Uma corrente de pensamento conhecida como pedagogia da comunicação é uma terceira possibilidade de interpretar a relação entre comunicação e educação. Mais ampla, esta relação estaria no âmbito de ambas enquanto processos de socialização. Concebe a educação como processo comunicativo e a comunicação como processo educativo, explorando campos mais teóricos da questão e propondo uma relação dialógica entre educador e educando. Na realidade, um modo de ver a relação entre educação e comunicação, que pode ser entendido como fundamentação dos demais que listarei a seguir.

A educomunicação é, certamente, um dos conceitos mais difundidos entre todas estas concepções da relação entre mídia e educação. Não vem ao caso aqui explorar seu surgimento e sua trajetória, mas apenas buscar entender de que maneira associa as duas áreas, inclusive gerando uma nova nomenclatura, que terminou sendo aplicada a todo tipo de reflexão sobre a sua união enquanto um terceiro campo.

Os estudiosos apontam que ele não se trata de educação, tampouco de comunicação, mas de um terceiro processo, que se dá nos chamados ambientes educomunicativos. Reúne a produção participativa de mídia – ou educação para a mídia, que entende que a produção de comunicação oferece uma visão do processo e um entendimento mais crítico da mídia – e a leitura crítica das mídias.

Trata-se, grosso modo, da formação da consciência para a ação, entendendo a mídia como um objeto a ser analisado criticamente e também como instrumento para a ação política. Neste campo, estão as conhecidas mídias escolares, como jornais de escola, rádios, etc. Em São Paulo, um exemplo clássico é o projeto Educom.rádio, que, entre 2001 e 2004, realizou em todas as escolas de ensino fundamental da capital uma capacitação para o uso da linguagem radiofônica e de equipamentos de rádio.

Ainda é possível uma outra chave de leitura: a da educação crítica para a mídia. Esta consiste na produção participativa da mídia aliada à leitura crítica. A diferença é que aqui entra o ingrediente de pensar politicamente a comunicação e sua relação com as demais instituições e matrizes de cultura.

Seria a formação da consciência comunicativa na ação midiática. Um exemplo é a Revista Viração, iniciativa de uma ONG de São Paulo, que é produzida por jovens e que – entre outros temas – discute a questão da comunicação como direito, da democratização dos meios de comunicação, do software livre e de tantas outras questões políticas da área, como a classificação indicativa das obras audiovisuais, tema intimamente relacionado ao direito das crianças e adolescentes.

Além da leitura crítica, há uma visão de que, produzindo comunicação, os jovens estão se contrapondo a um cenário de concentração e monopólio dos meios, produzindo comunicação alternativa. Ou seja, esta vertente encampa a leitura crítica dos conteúdos (veiculados pelas mídias), da estrutura (do cenário das comunicações, monopólios, concentração dos meios) e das políticas de comunicação.

Criticar e avançar

Estas linhas, correntes de pensamento ou chaves de leitura não se relacionam hierarquicamente. Mas se relacionam. E ainda deixam muitas brechas. Ou seja, não dão conta de todo o espectro de possibilidades da relação entre a educação e este mundo de mídia em que vivemos.

Mas nos oferecem um mosaico. E ele nos aponta que, na realidade, as relações teóricas e práticas entre educação e comunicação, mídias e escola, meios e espaços educativos ainda estão em construção. Mais do que isso, estão em disputa. Minha sugestão é de que reflitamos. Exerçamos a crítica. Desnaturalizemos e desfragmentemos estes vínculos e pensemos como deve ser esta educação midiática ou comunicacional.

Esta atitude diz respeito a investigar como deve ser uma educação que responda aos desafios de uma contemporaneidade híbrida, mesclada e inconclusa. Eis um papel que deve ser exercido por nós, educadores, pesquisadores e comunicadores. Pois o risco é nos tornarmos – e formarmos – meros reprodutores.

Michelle Prazeres é jornalista, doutoranda em Educação pela FE-USP. Assessora de comunicação da ONG Ação Educativa e da Associação Brasileira de ONGs – ABONG.

Rádios comunitárias em liberdade condicional

A proposta de descriminalização da radiodifusão sem licença enviada pelo governo ao Congresso provocou a grita de muitos daqueles que cotidianamente arvoram-se defensores da liberdade de expressão. A reação – pouco surpreendente – evidencia o que já era óbvio: esses setores não defendem a ampla liberdade de expressão, mas sim a manutenção de um privilégio concedido a eles por meio de um perverso arranjo político e institucional, que mantém a maior parte da população alijada de qualquer possibilidade de exercício dessa liberdade.

Esse arranjo é conseqüência da maneira como se administra o espectro radioelétrico. A idéia de que é necessário regular o acesso às freqüências está baseada em premissas razoáveis: o espectro é um bem escasso, não há lugar para todos, portanto licenças são necessárias. Do contrário, as transmissões podem sofrer interferências incontroláveis e impera a lei da selva. Como se trata de um bem público, cabe ao Estado alocar as freqüências por meio de concessões. Parece haver lógica nesse raciocínio, mas se, por questões técnicas, o governo é quem diz quem transmite e quem não transmite, as regras de administração desse gargalo tornaram-se um aspecto chave para determinar quem tem voz no espaço público.

O problema é que essas regras de administração não são baseadas apenas em critérios técnicos, mas também em critérios políticos e econômicos – até porque não há critérios técnicos que por si só sejam suficientes para determinar quem deve ocupar tal espaço. Como não há espaço para todos e cabe ao governo dizer quem pode falar, a decisão de quem usa o espectro (e em que condições) é necessariamente uma interferência dos governos na liberdade de expressão. Controlar o espectro é controlar a possibilidade de se expressar. Ou, como aponta o acadêmico norte-americano Eli Noam, “um esquema de licenciamento, independentemente da forma como é concebido, é uma séria restrição à expressão”.

A restrição à liberdade na prática

Se qualquer licenciamento já significa restrição à expressão, o sistema brasileiro torna as coisas bem piores para alguns setores – em especial as rádios comunitárias. Em qualquer localidade do país, por exemplo, há espaço para cerca de 40 rádios comerciais, mas apenas 1 freqüência reservada às rádios comunitárias. Enquanto estas têm o limite de 25W de potência, uma rádio como a Transamérica FM transmite em São Paulo com 400kW – 16 mil vezes mais.

O problema já começa na tentativa de se regularizar. Rádios comunitárias chegam a esperar mais de 10 anos por uma licença. Pior: no processo de análise, o Ministério das Comunicações sabidamente não segue a ordem de recebimento dos pedidos. Já foi denunciada mais de uma vez a existência de um sistema informatizado que recebe os pleitos de parlamentares e políticos influentes e que gera alteração na ordem de edição dos avisos de habilitação (como são chamados os editais de convocação para determinada localidade). Desde que a prática da radiodifusão comunitária foi legalizada, em 1998, já houve cerca de 20 mil pedidos de autorização de rádios comunitárias. Até o início deste ano, 3.652 autorizações haviam sido concedidas. Dados de 2007 do Ministério das Comunicações apontavam 7.559 processos arquivados e 3.536 indeferidos. O restante ainda tramita.

O processo de renovação das rádios comerciais, por sua vez, também é demorado – estudo da Câmara dos Deputados mostra que em média ele leva 7,5 anos. Mas enquanto os processos não são analisados, garante-se uma licença precária com a qual a rádio funciona normalmente. Às vezes, a demora na análise do processo ultrapassa os 10 anos que valeriam a outorga. Neste caso, a rádio é obrigada a entrar com um novo pedido, e o Ministério das Comunicações simplesmente arquiva o pedido antigo. Assim, o sistema brasileiro consegue a proeza de permitir, legalmente, que uma rádio comercial passe todo o tempo de outorga sem que seu processo de renovação seja analisado.

Mas é na fiscalização que o arranjo institucional é mais restritivo à liberdade de expressão. Rádios comerciais operam freqüentemente de forma irregular sem que sejam incomodadas pela fiscalização, com o agravante de que, muitas vezes, brechas na legislação não permitem que essas irregularidades sejam classificadas como ilegais. Em São Paulo, por exemplo, 36 das 39 rádios que operam em FM têm outorgas vencidas; 22 das 39 têm permissões para outros municípios, mas operam com sua antena na Avenida Paulista. O grupo Bandeirantes, ávido combatente das rádios não legalizadas, controla reconhecidamente seis rádios na capital paulista, sendo que a legislação estabelece o limite de uma freqüência por localidade. Tudo isso acontece por leniência do poder público, que permite que rádios sejam arrendadas, outorgas estejam em nome de parentes dos verdadeiros titulares e permissões para um município sejam utilizadas em outro. Tudo dentro da lei, é claro.

Enquanto isso, para aqueles que não conseguem ultrapassar as barreiras impostas à legalização, a fiscalização é rigorosa. Nos últimos cinco anos, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fechou 6.716 rádios. Comparado com as 3.652 autorizações dadas em 10 anos para rádios comunitárias e o baixo número de novas licenças comerciais, o número sugere que se está criando um déficit nas rádios em operação; em pouco tempo o país vai estar “devendo” rádios. Como se não bastasse, esses fechamentos se dão em geral de forma bastante violenta. Entre os diversos relatos estão o da Polícia Federal ameaçando cegos que mantinham uma rádio em Minas Gerais e de uma senhora no Piauí que morreu de infarto por conta da truculência policial. É comum o envolvimento da polícia civil e militar nas operações. A última novidade foi a participação do BOPE no fechamento de rádios no Rio de Janeiro.

Operações truculentas, contudo, são apenas a primeira parte do processo. Segundo dados apurados por Dagmar Camargo, da ConRad-RS, junto à Polícia Federal, entre 1998 e 2005, foram 9.864 ativistas enquadrados em inquéritos criminais com base no artigo 183, da Lei 9.472/97, que estabelece 2 a 4 anos de prisão como pena para prática 'clandestina' de telecomunicações sem licença. Um número um pouco menor foi enquadrado no artigo 70 da Lei 4.117/62, que estabelece 1 a 2 anos de prisão como pena para a “instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos”.

O crime que esses cidadãos cometeram foi praticar a desobediência civil a esse sistema restritivo à liberdade de expressão. Ao se analisar esse conjunto de dados, fica claro que o alto número de rádios transmitindo sem licença no país não é fruto do 'instinto criminoso' dos praticantes de radiodifusão, mas da desadequação (aqui quase um eufemismo) do sistema às reais necessidades da sociedade.

Por que a criminalização não faz sentido

Equipamentos são recolhidos, rádios que não ameaçam a nada nem ninguém são fechadas, cidadãos são condenados. A troco de quê? Quem ou o que eles ameaçam? Pelos princípios do direito penal, considera-se crime o ato ilícito que gere lesão a bem jurídico protegido, com imputação objetiva. Na grande maioria das vezes, não só não há lesão a bem jurídico protegido (o que justificaria a tipificação criminal), como não há sequer danos causados (o que justificaria o ilícito civil).

Às rádios não autorizadas não interessa entrar em freqüências ocupadas por rádios comerciais, já que isso faria com que elas mesmas não fossem escutadas. Alguns dirão que elas colocam em risco a aviação. Radiodifusão não autorizada de fato pode causar interferência em sistemas de comunicação, assim como a radiodifusão autorizada – há registros, por exemplo, da rádio Globo interferindo em aeroporto do Rio de Janeiro. Mas não há um registro sequer de acidentes aéreos que tenham sido causados por conta de interferência deste tipo.

A precaução é importante, mas não pode ser usada como argumento para justificar todas as restrições impostas. Há hoje uma enorme desproporção entre a energia posta no fechamento de rádios e os reais (ou inexistentes) riscos que essas rádios estão causando. O último exemplo evidente disso foi o fechamento da Rádio Muda, na Universidade de Campinas, que operava em baixa potência e cumpria ao mesmo tempo um papel de rádio livre e de radio comunitária, combinando experimentação e prestação de serviço.

A descriminalização, portanto, vem desfazer duas distorções. Em primeiro lugar, o fato de que na grande maioria das vezes não existe efetivamente lesão a bem jurídico protegido na prática da radiodifusão não autorizada – nos casos em que há, a proposta do Executivo mantém a criminalização. Em segundo lugar, o fato de que a criminalização representa a penalização de quem busca exercer o direito à liberdade de expressão, hoje garantido para muito poucos. No momento em que se mantém a criminalização da prática de radiodifusão sem autorização, privilegia-se o investimento da força do Estado na repressão à liberdade de expressão em vez de colocá-la em prol desse direito humano.

É certo que, independentemente da questão da descriminalização, há uma série de medidas que poderiam ser tomadas para avançar na garantia da ampla liberdade de expressão. Algumas delas passam pela necessidade de regulamentar o sistema público de radiodifusão, a fim de se assegurar a complementaridade dos sistemas estatal, privado e público prevista na Constituição Federal, por meio de reserva de mais espectro especialmente para mídias comunitárias. Nos Estados Unidos, por exemplo, além de se garantir 25% do espectro para o sistema público (naquele país associado ao sistema estatal), fez-se no último ano a opção de garantir às rádios comunitárias o direito de pleitear qualquer espaço livre no espectro. A lógica, bem diferente da que impera aqui, é que não faz sentido haver demanda reprimida por transmissão se há condições técnicas para que todos transmitam. No Brasil, mesmo que a parte comercial do espectro esteja subutilizada, o conjunto de emissoras comunitárias não têm direito a mais que uma freqüência por localidade.

Outras ações demandariam mudanças na Lei 9.612/98 (que regulamenta a radiodifusão comunitária), especialmente com vistas a acabar com os limites de potência e alcance hoje impostos, flexibilizar as restrições ao financiamento e também ampliar o número de freqüências disponível por localidade.

Um terceiro conjunto de medidas não demanda nenhuma alteração legal, mas passa por mudanças internas ao Ministério das Comunicações para viabilizar a agilização na análise das manifestações de interesse (pedido oficial pela autorização) e a publicação dos avisos de habilitação. O fato de o ministério não ter viabilizado essas mudanças até agora demonstra que há pouca vontade política de transformar essa situação.

Por onde ir

O projeto do Executivo tem sim problemas, mas eles não são fruto da idéia da descriminalização. Os erros do projeto vêm da tentativa de tornar mais rigorosas as sanções civis previstas na lei de radiodifusão comunitária em um projeto de lei que tem outro objeto. Ao misturar as bolas, o projeto aumenta o rigor com as comunitárias – autorizadas e não autorizadas – sem que preveja o mesmo tipo de tratamento para as comerciais, com ou sem outorga.

Nesse sentido, o projeto reforça a desigualdade no tratamento e acentua a proteção do Estado brasileiro ao sistema comercial. Isso se torna mais grave pelo fato de que, ao tratar da descriminalização, o texto não faz distinção entre as rádios não autorizadas com fins comunitários e aquelas que praticam proselitismo religioso ou político ou mesmo as que funcionam com fins comerciais sem licença. Essas considerações não tiram, contudo, o mérito central do projeto: trazer para a agenda legislativa a pauta da descriminalização da radiodifusão sem autorização. É preciso garantir, no trâmite legislativo, que essas questões problemáticas sejam modificadas.

Essa, no entanto, é apenas uma das questões represadas na agenda de democratização da comunicação no Brasil. A liberdade de expressão é um valor essencial, e ela só será efetivamente garantida se valer para todos os cidadãos da mesma forma, independentemente de poder político ou econômico. É preciso construir regulação e políticas públicas que criem condições equânimes de exercício dessa liberdade. De outra forma, a liberdade de alguns seguirá impedindo o exercício da liberdade por muitos outros. Enquanto esse sistema político e administrativo se mantiver assim, a liberdade das rádios comunitárias é uma liberdade condicional. Elas seguem condenadas a viver na marginalidade, com direito, no máximo, a liberdade vigiada se mantiverem bom comportamento.