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Atenas, a ANJ e a liberdade

Na comemoração dos seus 30 anos, a Associação Nacional de Jornais, ANJ, divulgou 31 casos que considera de “violação à liberdade de imprensa”, ocorridos no país ao longo dos últimos três meses: dezesseis se referem a decisões judiciais de Primeira Instância e outros, por exemplo, dizem respeito à “proposta” feita pelo Ministro da Defesa de mudança no princípio constitucional do sigilo da fonte e ao “projeto de lei” enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional “para punir jornalistas”. Da lista consta ainda a criação do blog da Petrobras.

Nada de novo. Apesar de dizer que defende o Estado de Direito, a ANJ não aceita que cidadãos ou entidades que se considerem prejudicados pela ação de jornais recorram à Justiça; também não aceita que sejam feitas “propostas” ou que “projetos de lei” que considera contra seus interesses tramitem no Congresso Nacional. Além disso, a ANJ, apesar de dizer defender a liberdade de expressão, considera a criação de blogs de fontes públicas uma “violação à liberdade de imprensa”.

No dia dos seus 30 anos a ANJ publicou também, sob o título “Pela Liberdade”, artigo assinado por sua presidente em diversos jornais brasileiros. O texto omite as verdadeiras razões que levaram à criação da ANJ (cf. texto de Alberto Dines, “ANJ, 30 anos: Para celebrar é preciso contar a verdade”), e reafirma a velha posição de que “o governo” é a ameaça número um à sociedade democrática e que cabe aos jornais a defesa da democracia e do interesse público.

A presidente da associação dos donos dos jornais afirma no “Pela Liberdade” que “a tensão entre jornais e governos é inevitável e existe mesmo nas democracias mais consolidadas. Não é fácil erigir a maturidade para administrar esta convivência tensa por natureza – especialmente quando, como é o caso brasileiro, também está em curso o amadurecimento das próprias instituições, em parte forçado pelos jornais, que são vitais na exposição pública das vísceras do organismo político”. Até aí, nada de novo.

Atenas, a deusa grega
A novidade no “Pela Liberdade” foi a dupla citação da deusa da mitologia grega Atenas (Minerva, para os romanos) no contexto de uma guerra – a guerra de Tróia.

Primeiro, evoca-se Atenas pelo grau de “sofisticação” da atual luta pela liberdade de expressão. Está lá: “a luta pela liberdade de expressão agora é muito mais sofisticada e por isso mesmo exige muito mais prontidão e obsessão analítica, num esforço cotidiano e discreto, mas poderoso, como o papel desempenhado por Atena, de apoio e proteção aos guerreiros gregos na luta contra Tróia”.

E segundo, compara-se o papel da ANJ ao longo dos últimos 30 anos com aquele de “coadjuvante” desempenhado por Atenas e, por conseqüência, os jornais com guerreiros em luta: “Nestes 30 anos, a ANJ tem desempenhado seu papel de coadjuvante imprescindível, como o de Atena na defesa dos guerreiros em Tróia”.

Quem era Atenas?
Atenas (ou Minerva) é mais conhecida pelo seu famoso voto de desempate no julgamento de Orestes. Como se sabe, Orestes havia matado sua própria mãe para vingar a morte de seu pai. Apolo fez a defesa de Orestes, reafirmando a posição patriarcal. O voto dos jurados deu empate e coube a Atenas o desempate que foi favorável a Orestes (daí a expressão “voto de Minerva”). Orestes e os princípios patriarcais foram os vencedores.

Já o comportamento de Atenas como estrategista durante a guerra de Tróia foi eticamente condenável. Numa das situações mais conhecidas, no auge da guerra, para proteger seu favorito Aquiles que duelava contra Heitor, Atenas fez com que o herói troiano acreditasse que seu irmão estava ao seu lado com o porta-lança. Depois de ter atirado a última lança, no entanto, Heitor se deu conta que estava sozinho. Ele havia sido enganado por Atenas.

Para Atenas não interessava a questão ética ou moral. Quando se tratava de “manobras enganadoras”, este era o terreno onde ela se saia bem. O que importava era se sua ação estratégica era efetiva.

Qual liberdade?
Diante da inédita evocação da deusa Atenas, do cenário de guerra e dos jornais como guerreiros, antecipa-se que a “luta” da ANJ “Pela Liberdade” será cada vez mais ativa e mais “efetiva”.

Como nunca tivemos qualquer regulação sobre a propriedade cruzada dos meios de comunicação, alguns dos maiores e mais poderosos grupos de mídia do país são, ao mesmo tempo, controladores da mídia impressa e da mídia eletrônica. Isso torna a ANJ capaz de articular a atuação das diferentes associações representativas dos (mesmos) empresários de mídia, seja de jornais, de revistas ou de radiodifusão.

Diante de tudo isso, talvez, na comemoração dos 30 anos da ANJ, o cidadão comum devesse questionar: quando a ANJ defende “a liberdade”, de quem é a liberdade que está sendo defendida? Contra que tipo de restrições? E a favor de quem?

*Venício Lima é Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília – NEMP – UNB

 

Domingo de batalha feroz entre Globo e Record

A guerra de trincheiras entre as redes de TV Globo e Record viveu mais uma batalha feroz, com ataques demolidores de parte a parte. As duas emissoras concorrentes se engalfinham desde terça-feira, quando a Globo abriu as hostilidades. Na noite deste domingo (16) os combates chegaram ao paroxismo, misturando de cambulhada religião, política e acusações contra a rival.

Foi um domingo de troca de acusações pesadas. Não o primeiro, sem dúvida, mas talvez o mais destemperado de um confronto que já se prolonga há anos na telinha.

O bispo se defende em entrevista

A Record levou ao ar um programa de uma hora, defendendo seu proprietário, o bispo Edir Macedo, da acusação de ser "chefe de uma quadrilha". O programa da Record foi uma "resposta aos ataques", segundo o apresentador Marcos Hummel. A Record está em campanha, com centro nos templos da Universal, pregando o boicote à Rede Globo.

O ponto central foi uma longa entrevista com o próprio bispo fundador da Igreja Universal, gravada nos Estados Unidos. Foi a primeira entrevista de Edir Macedo desde 2007 – em outro episódio de enfrentamento com a Globo.

A entrevista mostra Edir Macedo em plano fechado. Ele tira os óculos e pede ao telespectador que olhe nos seus olhos e "veja se há tristeza, angústia, desespero". Cita Jesus. E destaca a afirmação "Ninguém chuta cachorro morto".

O bispo se diz "intrigado" com os produtores do Ministério Público Federal de São Paulo, que o acusam de "chefe de quadrilha". "Por que o Ministério Público estadual, por que não o Ministério Público Federal veio fazer esses… questionamentos?"

"Antes eles tinham medo que eu fosse candidato à Presidência da República e hoje eles têm medo que a Record se posicione em primeiro lugar", disse o fundador da Universal e dono da Rede Record.

A Globo contraataca

A Globo contraatacou em seguida. Em dez minutos do Fantástico, repisou pelo sexto dia consecutivo as denúncias contra a Igreja Universal e seu fundador. Destacou denúncias de que o dinheiro arrecadado junto aos fiéis é desviado e mostrou ex-seguidores da Universal que disseram ter sido lesados.

O programa da Globo levou ao ar entrevistas com pessoas que disseram ter doado até R$ 100 mil para a igreja. A reportagem mostrou também uma casa em Campos do Jordão (SP) com doze suítes e elevador panorâmico avaliada em R$ 10 milhões, como propriedade da Universal e prova de seu caráter de "quadrilha".

A reportagem cita constantemente o Ministério Público e pela Polícia Civil de São Paulo. Acusa as fraudes na Igreja Universal de datarem de pelo menos 10 anos, movimentarem R$ 1,4 bilhão por ano em dízimos coletados em 4,5 mil templos em 1,5 mil cidades do país.

Guerra, religião… e política

O uso de referências militares ajusta-se ao conflito por vários motivos, além do encarniçamento. É uma guerra de de posições, com cada facção entrincheirada em seus bunkers, submetendo o inimigo a um incessante bombardeio de saturação. Suja, lamacenta, penosa, lembra as cenas da 1ª Guerra Mundial, descritas por Erik Maria Remarke no clássico Nada de novo no front.

O confronto lembra também os casos clássicos, estudados desde Sun Tse, de um exército poderoso e estabelecido, que se depara com um inimigo em crescimento, que se vê desafiado por uma potência emergente. A Globo é o velho império, posto em xeque pelo atrevimento da Record.

A conotação religiosa da disputa é ostensivamente assumida pelos dois lados. A Globo abraça a causa do catolicismo, predominante desde sempre no país, mas em continuado declínio. Pinta a Igreja Universal como uma seita de fanáticos. A Record assume sem rodeios o vínculo com a Universal, exibe seus templos repletos de fiéis, praticantes e aguerridos.

Há ainda uma conexão política no conflito, que não aflora abertamente na polêmica mas fica clara no conjunto da programação das duas rivais. A Globo radicaliza o compromisso com a corrente midiática predominante, que fustiga sem cessar o governo Lula e trabalha pela vitória do PSDB na eleição presidencial de 2010. Mantém uma aliança com a mídia escrita, em especial O Estado de S. Paulo. A Record mantém uma aliança tácita com Lula e trabalha habilmente com a imensa popularidade presidencial. Abriga jornalistas dissidentes do pensamento único midiático, como Paulo Henrique Amorim e Luiz Carlos Azenha.

Efeitos pedagógicos

O fato é que nesta semana o enfrentamento fugiu do controle. Dois lados não há trégua, quartel ou limite. A imagem tradicional, como espaço de cândido entretenimento, fica consideravelmente arranhada. Até para o telespectador mais desatento revela-se a face de outra TV, interesseira e manipuladora.

De alguma forma, penosa e malcheirosa, essa revelação deve estar produzindo efeitos pedagógicos na multidão dos telespectadores brasileiros. O mais hipnotizante dos meios de comunicação, de repente, expõe em público ao menos uma parte dos seus bastidores.

É como se dois mágicos, prestidigitadores de múltiplos recursos, subitamente se pusessem a delatar, no palco, os truques um do outro. Quebra-se a magia, desmorona o glamour. A platéia, atônita, descobre o que antes lhe ocultavam. Enquanto entretenimento, o espetáculo já não é talvez tão divertido. Mas enquanto aprendizado, ensina um bocado.

Globo X Record: uma guerra privada com armas públicas

Não há mocinhos em nenhum dos lados da recente briga entre a TV Globo e a Rede Record de Televisão. Também não há mentiras nos ataques de uma contra a outra: os Marinho sempre tiveram uma relação espúria com o poder e a Record, uma interação promíscua com a Igreja Universal do Reino de Deus. Mas o problema central nessa guerra é que estão guerreando com armas alheias. Estão guerreando com armas públicas.

É ingenuidade de pouco eco crer que não existem interesses econômicos e ideológicos guiando os grandes grupos de comunicação do país. A comunicação de massa tem papel estratégico na organização social e criação de valores e a informação também sofre diversos tipos de manipulações, das mais explícitas – edições de texto/imagens, escolha das fontes, qualificações – às mais sutis – o que é silenciado, o “tom” sobre o informado, as relações de uma notícias com outra, a ordem de apresentação.

É por isso que a luta pela democratização da comunicação não se restringe à criação de normas de conduta ao jornalismo hoje praticado, buscando a isenção e objetividade. Essa luta tem de visar a possibilidade de multiplicação de vozes, a multiplicação do que é informado e como é informado, permitindo ao cidadão obter mais dados sobre uma determinada realidade para que, com eles, forme seu juízo. Com o monopólio ou oligopólio da informação, restringem-se as versões da realidade, orientando visões de mundo.

Qual o problema, então, com a recente disputa entre a Rede Globo e a Rede Record? Esta última está expondo a milhões de telespectadores informações que antes só eram conhecidas de um grupo restrito sobre a tenebrosa história da maior emissora do país. A Globo, por sua vez, ataca o sistema nervoso da segunda maior emissora, os incontáveis problemas da Igreja Universal do Reino de Deus. O conflito quebra um tácito pacto de não agressão entre os poderosos, e mais informações são disponibilizadas ao público. Quando dois gigantes brigam, os pequenos podem tirar proveito, imagina-se.

Só que esta “guerra” escancara de uma forma sem precedentes uma prática ilegal e imoral: os interesses privados estão sendo defendidos com armas públicas, as concessões de TV entregues aos Marinho e a Edir Macedo. Ao lançarem mão destas “armas”, comprometem a função social dos meios de comunicação e, mais, infringem normas de utilização de uma concessão pública de radiodifusão.

Diferentemente de um jornal impresso, que é privado e responde atualmente somente às leis dos códigos Civil e Penal (já que não existe mais a Lei de Imprensa…), as emissoras de televisão operam por meio de concessões públicas e, como tais, estão obrigadas a cumprir determinações legais para o seu funcionamento. Não podem fazer o que bem entender com a sua programação, uma vez que só possuem o direito de chegar aos lares de praticamente todos os brasileiros porque o Estado brasileiro, em nome do povo, as tornou concessionárias públicas de radiodifusão.

Portanto, não importa quem tem razão nessa guerra privada entre Globo e Record. As duas cometem um gravíssimo erro ao utilizar a arena pública da radiodifusão de forma privilegiada para travarem as batalhas privadas que lhes interessam. A Rede Globo, caminhando por mais anos nessa estrada, tem mais expertise. Seus interesses são mais bem travestidos de “notícias” relevantes apresentadas à sociedade nos seus telejornais. A Record peca por um amadorismo tacanho, com a edição de “reportagens” em que nem sequer se preocupam em fazer a clássica divisão da objetividade aparente entre “opinião” e “informação”.

Mas não importa o nível de sofisticação de cada uma delas. A disputa Globo x Record é a mais recente e nítida apropriação do público pelo privado.

Em tempo: nestes mesmos dias de “guerra” entre as duas maiores emissoras de TV do país, os representantes dos empresários da área de comunicação se retiraram da comissão organizadora da I Conferência Nacional de Comunicação. A Conferência, prevista para ocorrer no final desse ano, visa a ser um amplo espaço de debate e deliberação sobre temas da área, incluindo as formas de concessão e renovação de espectros de radiodifusão, conteúdo e programação, publicidade etc.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) foi uma das entidades que se retiraram do processo. Mais do que isso, foi a entidade que liderou o movimento de esvaziamento da Conferência pelo empresariado.

A Rede Globo e a Rede Record são associadas da Abert. Estão, portanto, do mesmo lado quando a tarefa é sufocar a justa reivindicação do direito de a sociedade brasileira discutir a comunicação.

Malandro é o gato que já nasce de bigode…

* Rodolfo Vianna é jornalista e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Ruína de Yeda e omissão da imprensa

Os leitores dos jornalões editados em São Paulo e Rio de Janeiro já conhecem com muitos detalhes cada falcatrua cometida no Senado Federal. Até os pecadilhos dos parlamentares, coisas consideradas (por eles próprios) "menores", como ceder passagens aéreas para familiares, vão logo parar nas manchetes – o último desses casos envolve o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). Se alguém perguntar aos leitores o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, porém, é provável que a resposta seja evasiva. De fato, a gestão Yeda Crusius (PSDB) à frente do governo gaúcho é uma tragédia de graves proporções e não está merecendo dos grandes jornais uma cobertura à altura do desastre – político e gerencial – em curso nos pampas.

É bem verdade que nos últimos dias, especialmente depois que o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF-RS), protocolou, em 5 de agosto, uma ação de improbidade administrativa na Justiça Federal de Santa Maria contra a governadora e outros oito réus, os jornalões do Rio e São Paulo decidiram dar uma colher de chá e publicaram reportagens sobre o assunto. Tudo muito insuficiente.

Sim, insuficiente, porque o descalabro começou antes mesmo de Yeda Crusius botar os pés no Palácio Piratini, em janeiro de 2007. Durante a campanha, a então candidata se indispôs com seu vice, Paulo Afonso Feijó (DEM), porque ele defendia as privatizações como saída para resolver os problemas financeiros do estado. Desautorizado, Feijó permaneceu na chapa, foi eleito e depois rompeu politicamente com Yeda. Ainda durante a campanha, o marqueteiro Chico Santa Rita abandou o comando da estratégia de marketing acusando a governadora de deixar de pagar os salários da sua equipe. Em seguida, já eleita, mas antes de tomar posse, Yeda pediu ao então governador Germano Rigotto (PMDB) que enviasse à Assembléia Legislativa um projeto para cortar despesas e aumentar o ICMS. Tal projeto foi derrubado em 29 de dezembro de 2006, em uma votação que teve como articulador político o vice-governador. Só que contra, e não a favor do projeto de Yeda…

Consequências eleitorais

A crise, permanente, se arrasta desde a campanha eleitoral de 2006. De lá para cá, Yeda jamais conseguiu momentos de tranquilidade política no Piratini. A grande imprensa do Sudeste vem noticiando tudo com muita discrição e sem contextualizar o problema. Aliás, um problemão. O ruinoso governo de Yeda de certa forma quebra a espinha dorsal do discurso tucano da "excelência da gestão", que deveria ser o diferencial da candidatura presidencial do partido em 2010. Pior ainda, no campo político, a governadora conseguiu se isolar de tal maneira que DEM e PMDB, tradicionais aliados do PSDB no estado, já pularam da canoa de Yeda. Se ela insistir em se candidatar à reeleição, qual será o palanque do presidenciável tucano em terras gaúchas? José Serra (ou Aécio Neves) estarão ao lado de Yeda, única governadora brasileira que tem taxa de rejeição superior à de aprovação? Difícil, a julgar pela defesa tímida que os próceres tucanos vêm fazendo do governo da correligionária gaúcha. E alguém leu análises sobre isto nos jornalões?

Boa parte das matérias, aliás, conseguiram inverter a questão, atribuindo ao PSOL uma importância que nem mesmo a deputada federal Luciana Genro (RS) poderia almejar. Sim, porque o desastre político do governo Yeda tem como protagonista a própria governadora, que em um raro espetáculo de inabilidade política conseguiu perder apoio de aliados tidos como muito fiéis, a exemplo do DEM e do PMDB. Definitivamente, não foram as denúncias da filha do ministro Tarso Genro que colocaram Yeda nas cordas, foi a própria governadora que preferiu se postar no corner. E isto também ficou de fora da cobertura dos jornalões sobre o caso.

Cobertura descontextualizada

A falta de contextualização vai além dos aspectos político-partidários. O Rio Grande do Sul vive uma crise estrutural há muito tempo, com problemas especialmente nas finanças do estado e na sua economia. O PIB gaúcho, que representava em 2008 quase 7% do nacional, permanece neste patamar há pelo menos 10 anos. Ao contrário da região Nordeste, altamente beneficiada pelo crescimento dos últimos anos, a economia do Rio Grande vive uma situação que já antes da crise econômica mundial beirava à estagnação.

A situação econômica do Estado deveria necessariamente aparecer nas matérias e reportagem sobre a crise do governo Yeda porque é parte explicativa dos problemas enfrentados pela governadora. De fato, a tentativa, talvez um tanto açodada, de zerar o déficit do Rio Grande em quatro anos foi uma das causas de boa parte dos problemas da governadora. Em casa que falta pão, como se sabe, todos gritam e ninguém tem razão.

Com a cobertura fragmentada e direcionada para os momentos mais espetaculares – as denúncias, o anúncio do processo, os rompimentos com os aliados –, a imprensa do eixo Rio-São Paulo acaba prestando um desserviço aos seus leitores, que ficam com a impressão de que Yeda Crusius é apenas uma vítima do radicalismo do PSOL ou da fúria do Ministério Público. Há uma ótima história para ser contada por trás de um governo ruinoso, mas a mídia parece não querer contar. Por preguiça ou por motivos obscuros. Em ambos os casos, perde o leitor.

* Luiz Antonio Magalhães é Editor Executivo do Observatório da Imprensa.

Sarney multimídia: Rasgando a fantasia

José Sarney e Silvio Berlusconi têm muita coisa em comum: adoram o poder e adoram controlar a mídia. Não contente em silenciar o Estadão com a ajuda de um desembargador muy amigo, 12 dias depois o presidente do Senado determinou a substituição da diretora de Comunicação da Casa, funcionária de carreira, por um assessor-confidente que o acompanha há algumas décadas.

Com isso Sarney passa a controlar diretamente a TV Senado, a Rádio e o jornal diário, o portal de informações e todo o relacionamento da Câmara Alta com os meios de comunicação, o que não é pouca coisa. O golpe de força foi ostensivo e Sarney não perdeu tempo para arranjar justificativas. A crise política chegou a tal ponto que seus protagonistas já não se preocupam com as aparências, o jogo pesado continua embora todos falem em acordos e "acordões".

José Sarney sempre tentou se apresentar como um conciliador, mesmo quando desempenhava a função de líder civil do regime militar. Agora rasgou a fantasia.

As continuadas agressões à liberdade de expressão, no lugar de acalmar os espíritos só os exacerbam. O país fica intranqüilo quando sua imprensa é ameaçada. Ela não pode ser culpada pelas infrações, prevaricações e alianças espúrias montadas nos porões do Senado. Não é difícil explicar a fúria de Sarney e aliados contra os meios de comunicação. Sarney pretendia encerrar sua carreira política como um grande estadista e vai ficar muito mal perante a história. Seus comparsas Collor de Mello e Renan Calheiros ficarão ainda pior, escorraçados que foram pelo trabalho dos jornalistas.

O mais curioso é que os três cavaleiros anti-mídia são coronéis da mídia em seus respectivos currais. Esta é uma aberração que poucos gostam de examinar.