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A voz dos donos

A fina flor do empresariado da mídia, algumas cabeças coroadas do jornalismo pátrio e convidados latino-americanos reuniram-se na segunda-feira (1/3), em São Paulo, no fórum "Democracia e liberdade de expressão", organizado pelo Instituto Millenium. A entidade, fundada em 2006, como informa a Folha de S.Paulo (2/3), tem entre seus mantenedores os empresários Roberto Civita, do Grupo Abril, e João Roberto Marinho, das Organizações Globo.

Afora os testemunhos dos jornalistas Adrián Ventura, do jornal argentino La Nación, do venezuelano Marcel Granier, dono do canal RCTV, e do equatoriano Carlos Vera sobre a situação da mídia em seus países, no evento o centro das atenções – e alvo das críticas – foi o chamado "controle social da mídia", expressão que provoca acessos de urticária nos proprietários de empresas de comunicação. O tema voltou à baila no Brasil a partir da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação e da divulgação da terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3).

Esses mesmos empresários – e os seus veículos – há tempos movimentam-se por intermédio de suas entidades de classe (ANJ, Abert e ANER) no sentido de interditar o debate sobre o direito à comunicação e o papel da mídia enquanto serviço público, cuja operação deve estar sujeita a um marco regulatório democraticamente construído e socialmente justo. Essa discussão passa ao largo da pauta prioritária dos veículos. Ocorre que, se questões como essas não estão nos veículos jornalísticos, então elas não estarão na agenda pública, então… elas não existem.

Da parte do governo, o ministro Hélio Costa, das Comunicações, presente ao encontro, apressou-se em garantir que o Executivo não aventa a hipótese de estimular o debate sobre o dito controle social. "Em nenhum momento isso foi discutido dentro do governo federal. Consideramos essa questão absolutamente intocável", afirmou, de acordo com o Estado de S.Paulo (2/3).

Da parte do partido do governo, o deputado Antonio Palocci (PT-SP), um dos coordenadores da campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff, sublinhou, segundo O Globo (2/3), que "vez ou outra aparece no governo e em outros setores a ideia de interferência estatal na qualidade da comunicação, como aconteceu no Plano Nacional de Direitos Humanos. Não quero condenar o PNDH, mas não concordo com a forma como foi colocada a questão da mídia – disse Palocci, antes de frisar que o Estado não pode dizer a maneira adequada de os jornais funcionarem".

Sem vontade

E tome confusão, porque o embaralhamento da discussão interessa sobremaneira àqueles que querem evitar o debate sobre o papel da mídia numa sociedade que se quer democrática. Um exemplo? Na bateria de críticas que se faz ao PNDH 3, em momento algum se esclarece que ali se propõe que o tal "controle social" deve ser exercido, sim, sobre os canais públicos de radiodifusão que operam sob regime de concessão. Não se trata, portanto, de "controlar" a pauta e a operação dos meios privados, como os jornais. Não se trata de censura, como a grande mídia gosta de repetir a torto e a direito. Trata-se de fazer cumprir a Constituição, observar de perto o comportamento da mídia, qualquer mídia, e disseminar as avaliações obtidas desse acompanhamento. Algo, aliás, que este Observatório faz há 14 anos.

Convém não esquecer que estão lá, no capítulo 5 da Constituição de 1998 – "Da Comunicação Social" –, a proibição de monopólios ou oligopólios dos meios de comunicação, os princípios educativos a ser observados na programação de rádio e TV, o estímulo à produção independente e a promoção da cultura regional, a regionalização da produção e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Por que a sociedade não tem o direito de controlar a observância desses princípios? Por que essas normas ainda não foram regulamentadas quase 22 anos depois da promulgação da Constituição? Por que não discutir abertamente a propriedade cruzada dos meios e as concessões de radiodifusão a parlamentares?

Enquanto não se clarear esse debate, e a grande mídia demonstra não ter vontade alguma disso, fica valendo apenas a voz dos donos. E isto não é o bastante.

O nascimento da Altercom

Por não terem seus interesses representados ou defendidos na atuação das associações atualmente existentes, empresários e empreendedores de mídia – revistas, jornais, livros, sítios e blogs – iniciaram nas conferências estaduais preparatórias e ao longo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), no final de 2009, entendimentos para a organização de uma entidade alternativa cujos objetivos e compromissos não são coincidentes com aqueles da grande mídia.

Agora, em seminário que contou com a presença de cerca de sessenta empresários e uma dezena de convidados especiais, realizado em São Paulo, no sábado (27/2), foi criada a Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação (Altercom). Uma Carta de Princípios e o estatuto da entidade estão sendo elaborados por uma comissão especial eleita no seminário e deverão ser divulgados em março.

Interesse de poucos

Na prática, as associações existentes, em particular a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), embora se apresentem publicamente como representantes do conjunto de jornais, revistas e concessionários do serviço público de radiodifusão, têm atuado, sobretudo, na defesa dos velhos interesses dos poucos atores dominantes na mídia brasileira – vale dizer, das Organizações Globo, dos grupos Folha, Estado e Abril e de seus parceiros.

Há, no entanto, uma nova realidade no setor de mídia que está a emergir a cada dia. Atravessamos um período de crise profunda no campo da grande mídia que abarca mudanças tecnológicas, a emergência de uma nova mídia e de novos modelos de negócio, com repercussões e conseqüências ainda não apreendidas ou compreendidas em todas as suas dimensões.

A maior novidade, certamente, é o papel que a nova mídia já demonstrou ser capaz de desempenhar nos processos eleitorais. O que havia acontecido de forma relativamente menos acentuada nas eleições presidenciais brasileiras de 2006, ganhou uma dimensão inédita na eleição de Barack Obama nos EUA, em 2008. A grande mídia, por óbvio, continua relevante, mas não tem mais, nem de longe, a importância na formação da opinião pública que atribuíamos a ela em passado recente.

O surgimento de uma entidade alternativa, representando empresários e empreendedores de comunicação – a Altercom – é, certamente, uma das expressões dessa nova realidade.

Liberdade de expressão de quem?

Uma das principais bandeiras que tem servido de referência para a atuação das atuais associações é a defesa do que chamam de liberdade de expressão, associada, sem mais, à liberdade de imprensa. Na prática, a liberdade de expressão que tem sido defendida se limita, historicamente, à expressão daqueles poucos – pessoas e/ou interesses – que têm acesso à grande mídia.

C. Edwin Baker, especialista na Primeira Emenda da Constituição dos EUA e professor da University of Pennsylvania, em seu livro Media Concentration and Democracy – Why Ownership Matters (Concentração na Mídia e Democracia – Por que a propriedade é importante), publicado em 2007 pela Cambridge University Press, defende vigorosamente o princípio da máxima dispersão da propriedade (maximum dispersal of ownership) [ver, neste Observatório, "Pela máxima dispersão da propriedade"]. Segundo ele, quanto maior for o número de "controladores" dos meios de comunicação, isto é, quanto mais estiver distribuído o poder de comunicar, melhor servida será a democracia. Na verdade, mais "controladores" significa a possibilidade do exercício da liberdade de expressão por um número maior de cidadãos.

O compromisso com a universalização da liberdade de expressão deverá ser uma das diferenças fundamentais na atuação da Altercom.

Novos públicos e o papel do Estado

Por outro lado, a Altercom deverá também atuar junto aos anunciantes públicos e privados, em importante trabalho educativo e de convencimento, sobre a crescente importância da nova mídia e/ou da mídia alternativa na formação de novos hábitos de "consumo" da própria mídia. Isso pode significar o surgimento de novos públicos "consumidores" e/ou o deslocamento/superposição de velhos e novos "consumidores" de comunicação.

Aqui há de se insistir no papel do Estado na regulação do mercado de mídia. Continua a existir, entre nós, uma evidente dificuldade na transição entre a defesa abstrata da liberdade de expressão e de sua efetivação através de medidas do Estado que promovam a democratização do direito de se comunicar. Prevalece ativa a ultrapassada posição do liberalismo clássico que considera o Estado sempre uma ameaça às liberdades individuais e não, muitas vezes, como promotor fundamental delas. Esse é o argumento do professor Owen Fiss, da Yale University, no seu fundamental e indispensável “A Ironia da Liberdade de Expressão – Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública” (Editora Renovar, 2005).

Não é só no Brasil

Coincidentemente, enquanto a Altercom estava sendo criada no Brasil, nos Estados Unidos, o Media Consortium – a rede da "mídia progressista e independente" – promovia um encontro para discutir problemas e perspectivas, em Nova York, nos dias 25 e 26 de fevereiro.

Duas militantes da "mídia progressista e independente", Tracy Van Slyke e Jessica Clark, acabam de lançar pela New Press, o livro “Beyond the Echo Chamber: Reshaping Politics Through Networked Progressive Media” (Para além da caixa de ressonância: redesenhando a política através das redes progressistas de mídia), que faz uma avaliação otimista da nova mídia como alternativa à mídia tradicional e corporativa (ver aqui).

Como se vê, não é só entre nós que empresários e empreendedores da nova mídia se organizam e lutam para ter seu papel reconhecido e articular sua luta pelo direito à comunicação numa sociedade mais justa e democrática.

O que se espera é que iniciativas como a Altercom prossigam na trilha iniciada na 1ª. Confecom e sinalizem novos tempos e novos rumos para a universalização da liberdade de expressão por meio da verdadeira democratização do mercado de mídia em nosso país.

* Venício A. de Lima é pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília – NEMP/UNB.

Alargando a banda

O governo federal vem desenvolvendo o Plano Nacional de Banda Larga a fim de universalizar e baratear o acesso dos brasileiros à internet, mas está enfrentado forte oposição das empresas de telecomunicação e agora surgem acusações de que haveria empresários e políticos beneficiados no processo. Não vou entrar nesse tipo de discussão. O que importa saber é qual o papel do Estado em uma questão como essa, que diz respeito a um serviço de utilidade pública – as telecomunicações. Como esses serviços são fundamentais para a sociedade, e em boa parte, monopolistas, no passado entendia-se que deviam ser realizados diretamente pelo Estado. Nos "30 anos neoliberais" (1979-2008), entendeu-se que deveriam ser privatizados e, em seguida, regulados. Especialmente os serviços de telecomunicação, porque haviam deixado de ser puramente monopolistas. Agora, no quadro de um governo crítico do neoliberalismo, surge o projeto de desenvolver um serviço de banda larga do Estado. Fará sentido uma iniciativa dessa natureza?

Não sei se a Telebrás – a empresa que se ocupará da banda larga – logrará cobrar apenas entre R$ 15 e R$ 35 por mês pelo acesso de internet rápida. Sem dúvida, além de fornecer seus serviços a organizações públicas terá que estabelecer todo um conjunto de relações com as empresas privadas do setor para chegar aos setores mais distantes. Dessa forma, a Telebrás poderá desempenhar um papel complementar na regulação do sistema de telecomunicações. E o Estado estará, assim, exercendo seu papel regulador de forma mais efetiva.

Isso não significa a volta ao Estado produtor. O Estado produtor é justificado em uma fase inicial do desenvolvimento de um país. Nós sabemos quão importante foi o papel de empresas estatais na área de siderurgia, da petroquímica, da construção aeronáutica, etc. A partir, porém, do momento em que o setor privado nacional passa a ter a capacidade técnica e a dispor de capital para assumir esses setores competitivos, o Estado deve se retirar. O mercado e a regulação geral do Estado exercida por meio da lei realizarão melhor o trabalho: com mais eficiência e menos corrupção.

Diferente é a situação das empresas que, ou são monopólios naturais ou são beneficiadas por rendas ricardianas, como é o caso da mineração, inclusive o petróleo, ou são empresas produzindo serviços de utilidade pública. Neste último caso o setor privado pode ter um papel importante, mas na condição de concessionário. A atividade é de tal forma importante e estratégica para a nação que esta, por meio dos seus representantes no Poder Legislativo, a torna responsabilidade do Estado – o qual, entretanto, poderá concedê-la à exploração do setor privado. Nesse caso, porém, o serviço de utilidade pública deverá se pautar pelas políticas definidas pelo governo democraticamente eleito e seus preços deverão ser determinados e fiscalizados nos termos estabelecidos por agência reguladora. O papel dessa não é o de definir políticas, mas o de fazer o papel do mercado que não existe: é garantir que os preços cobrados pelas empresas sejam próximos dos que existiriam se um mercado competitivo existisse.

Entretanto, a agência reguladora administrada por técnicos independentes não é a solução mágica para os serviços de utilidade pública. O papel de reproduzir o mercado é muito difícil. As manobras das empresas reguladas para escapar ou enganar a regulação são infinitas. E a literatura econômica sobre sua capacidade de capturar o regulador é antiga e respeitável. Foi especialmente desenvolvida por um economista ilustre da Universidade de Chicago, George Stigler.

Na falta de um mercado competitivo, a regulação é um second best – é uma boa alternativa, mas uma alternativa sempre imperfeita: está longe de garantir que um serviço de utilidade pública seja eficiente e barato. Os dirigentes da agência estão sempre sujeitos à captura. Por isso, é às vezes conveniente dar ao Estado instrumentos adicionais de regulação, como se está fazendo agora com a implementação do Plano Nacional de Banda Larga. A Telebrás e sua banda larga oferecerão um serviço que será também instrumental na regulação do setor. O fato de que as empresas do setor se oponham ao plano é uma indicação de que ele poderá ser efetivo em limitar lucros abusivos.

Mas surge então a pergunta inevitável: "E a corrupção que esse tipo de ação governamental pode ensejar?" Sempre que uma atividade não possa ser regulada de forma relativamente automática e impessoal pelo mercado, e o Estado precise regulá-la, surge a possibilidade da corrupção, porque as empresas envolvidas não hesitarão em tentar corromper os servidores públicos e porque, em casos mais raros, servidores aproveitarão a oportunidade para chantagear as empresas. Mas não é por isso que se deixará de tomar decisões – de governar. No caso do Plano Nacional de Banda Larga, o governo está tomando decisões que, em princípio, me parecem boas. As denúncias de tráfico de influência surgidas recentemente não invalidam o plano.

A força do capitalismo decorre do fato de que nele as atividades econômicas são reguladas pelo mercado. Mas o capitalismo é também uma forma de organizar a produção na qual a ganância e a corrupção estão sempre presentes. Por isso, quanto mais desenvolvida e mais complexa é uma sociedade, mais ela precisa de regulação, e, portanto, mais necessárias se tornam as decisões. Governar é tomar decisões – e essas poderão ser boas ou más, honestas ou corruptas, republicanas, voltadas para o interesse público, ou individualistas, orientadas apenas pelo interesse privado. Para evitar as decisões desonestas precisamos de polícia, de Ministério Público, de Poder Judiciário, de imprensa livre. Para termos políticos republicanos e boas decisões precisamos de cidadania ativa e de um Estado crescentemente democrático e transparente. Não é pela omissão, não é deixando de tomar decisões por medo da corrupção que um país será bem governado. A corrupção está sempre à nossa volta e não será fugindo dela, mas a enfrentando, que o País poderá avançar.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira é economista, cientista político, três vezes ministro (no governo Sarney e nos dois mandatos de Fernando Henrique), é desde 2005 professor emérito da FGV.

Saiu o Regulamento Chacrinha

Com um ano e seis meses de atraso, a ANATEL editou o que ela denomina de “Regulamento do Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado em Regime Público (PGMU), aprovado pelo Decreto no 4.769, de 27 de junho de 2003, alterado pelo Decreto n° 6.424,de 4 de abril de 2008”.

No post anterior – Regulamento "denorex" do backhaul ("parece mas não é") – ao comentar as manifestações do Conselho Diretor da ANATEL feitas à imprensa relativas à diferença entre um backhaul público e um backhaul privado e os impactos dessa classificação quanto à reversibilidade da rede, me referi à Consulta Pública n° 20/2009, pois as referências foram feitas ao PGMU II.

Todavia, a Consulta Pública instaurada para definir o Regulamento do PGMU II foi a de n° 10/2009, cujo texto pode ser acessado neste link .

De qualquer forma, as observações feitas a respeito de o Regulamento editado parecer normatizar a matéria e de fato deixar indefinidas diversas questões fundamentais e que não poderiam ter sido tratadas da forma displicente como foram permanecem.

Os principais aspectos a serem comentados sobre o que foi apresentado ao público e o que deveria ter sido e não foi por meio da Consulta Pública n° 10 e o que saiu na correspondente Resolução 539, de fevereiro de 2010 são os seguintes:

A) Não há dispositivo normativo deixando claro o que seja o backhaul. A resolução repete o conceito genérico do Decreto 6.424/2008, sem especificar quais são os elementos de rede, equipamentos etc … que compõem o backhaul. E esse aspecto é importante, pois como poderemos fiscalizar o que é o backhaul, o que trafega nessa rede – pacotes de dados ou voz – e, portanto, como poderemos garantir o que é reversível e o que não é?

B) A consulta pública 10 falava genericamente no art. 13 que a agência publicaria a tarifa de conexão a ser empregada pelas concessionárias ao comercializarem o acesso do backhaul. Entretanto, a Resolução 539/2010 já fala o seguinte:

“Art.13 Na comercialização da capacidade do backhaul a concessionária deve obedecer os critérios e condições estabelecidos no Regulamento de Exploração Industrial de Linha Dedicada (EILD), aprovado pela Resolução Anatel nº 402, de 27 de abril de 2005.

§1º Os valores de comercialização da capacidade do backhaul pela concessionária para interligação de rede de acesso de prestadoras de serviços de telecomunicações serão estabelecidos em Ato específico da Anatel.

§2º A oferta de EILD não se confunde com a comercialização da capacidade do backhaul e é regida por regulamentação específica editada pela Anatel.”

Ou seja, a ANATEL inovou quanto ao que deu publicidade na consulta pública e, pior, continua a deixar em aberto qual o valor de comercialização do backhaul.

C) Na consulta pública havia no art. 12 a previsão de que as concessionárias deveriam tornar disponível o acesso de no mínimo 50% da capacidade do backhaul para pelo menos duas empresas que não integrassem o seus respectivos grupos econômicos.

Porém, essa garantia foi retirada da norma, o que nos permite concluir que não há nenhuma obrigação para que as concessionárias ofertem o acesso à capacidade do backhaul à outras empresas que não estejam ligadas a seus grupos econômicos. Uai!? Mas esse não é o regulamento do backhaul? Não é aí que deveríamos encontrar tudo o que diz respeito a essa rede?

A desculpa esfarrapada, segundo declarações feitas à imprensa por membros do conselho diretor da ANATEL, é a de que esse tema deve estar previsto no futuro Plano Geral de Metas de Competição, que, surpreendentemente, de acordo com declarações do Conselheiro Jarbas Valente no 21° Encontro Tele.Síntese, ocorrido no último dia 23 de fevereiro, está sendo coordenado pelo servidor (iôiô) José Alexandre Bicalho – aquele que saiu da ANATEL para ABRAFIX em agosto de 2008 e em setembro de 2009 voltou para a ANATEL, como publiquei no blog, com manifestação do próprio Bicalho, conforme os seguintes posts: A volta do Bicalho e Resposta do Bicalho.

D) Mas o aspecto fundamental é o tal negócio (negócio messsssmo! nos dicionários = transação comercial e local onde ocorrem essas transações) do backhaul público e privado, confirmado pelo Conselheiro Jarbas Valente no evento da Tele.Síntese, ao responder uma pergunta feita por mim, no sentido de que o backhaul implantado com base no Decreto 6.424/2008 é reversível e corresponde ao que eles denominam de backhaul público, e que todo o backhaul anterior ao decreto será classificado de backhaul privado, em razão do que não será devolvido para a União ao final da concessão.

O presidente da Oi adicionou, ao responder outra pergunta minha sobre o backhaul: a rede do backhaul onde passar o STFC é pública a outra rede, onde passe o SCM – serviço prestado em regime privado – é privada e, portanto, não vai ser devolvida para a União ao final da concessão.

Então, perguntamos: Como será possível identificar o que é backhaul público e privado? Em qual norma da ANATEL está especificada essa diferença?

É claro que o objetivo da ANATEL é aquele do Chacrinha: Eu vim para confundir e não para explicar!

Todas as manobras que transbordam da Resolução 539/2010 são no sentido de minimizar os efeitos que a clandestina retirada da cláusula da reversibilidade do backhaul dos aditivos aos contratos de concessão causara, ou melhor, de o tiro ter saído pela culatra e o Judiciário ter imposto a reinclusão da cláusula. A preocupação agora é conseguir deixar de fora da reversibilidade o máximo possível.

Vejam o que ficou expresso nos arts. 12 e 25, do regulamento aprovado pela Resolução 539:

“Art. 12 A capacidade de backhaul, para fins de universalização, deve ser ofertada, preferencialmente, para a implementação de políticas públicas para as telecomunicações. (diferente do que constou na CP 10/2009)

Art. 25 O backhaul implantado para atendimento dos compromissos de universalização qualifica-se destacadamente dentre os bens de infraestrutura e equipamentos de comutação e transmissão reversíveis à União e deve integrar a Relação de Bens Reversíveis a que se refere o Regulamento de Controle de Bens Reversíveis, aprovado pela Resolução n° 447, de 19 de outubro de 2006”.

Ou seja, só vai ser reversível, como nos indicou o presidente da Oi, a rede utilizada para o STFC – único serviço sujeito às obrigações de universalização. E como o próprio Dr. Falco já disse no passado para a Teletime, só 1% da rede faz o tráfego do STFC:

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Fonte: Teletime:
[22/08/08] Concessionárias são contra banda larga em regime público – por Mariana Mazza

Reversibilidade do backhaul
Os executivos das empresas foram várias vezes questionados sobre a previsão de reversibilidade do backhaul usado para o provimento de banda larga. O assunto ainda é polêmico entre os membros do conselho consultivo e um eventual tratamento da banda larga como serviço público poderia garantir a reversibilidade, cuja legalidade, nas regras atuais, ainda motiva dúvidas entre alguns membros do grupo.

Nas respostas diretas aos conselheiros, os executivos optaram por não se comprometer.

Não responderam objetivamente se entendem que o backhaul é reversível ou não. Uma resposta mais objetiva veio do presidente da Oi após a reunião. "Vou devolver o que eu posso: as centrais, o fio de cobre… É isso", afirmou Falco. "A parte do Serviço de Comunicação Multimídia não está prevista para ser devolvida." Aos conselheiros, ele disse que se o STFC representa 1% do tráfego das redes mais modernas, e é isso o que ele irá devolver. Os 99% restantes ficam com a empresa. Os percentuais são ilustrativos e não representam a participação efetiva de cada serviço nas redes”.

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Fonte: Teletime:
[08/09/08]   Para Falco, banda larga pública implica estatizar redes privadas – por Ivone Santana

O presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, em entrevista à revista TELETIME de setembro, diz que a discussão em torno da criação de um serviço de banda larga tem que observar o princípio da liberdade de iniciativa das empresas. "Todo esse novo investimento (em rede banda larga) estou fazendo com dinheiro que saiu de um contrato equilibrado, e a rede é do acionista, não do governo. Não entendo por que o governo quer privatizar duas vezes a mesma rede, uma que é dele e outra que não é dele", afirma. Para o executivo, "a rede dele (do governo) ele privatizou e recebe de volta, a outra não, não é dele". Ele lembra que o governo pode tudo, mas dentro de algumas regras. "Se ele quiser dizer que a partir de hoje todas as redes de banda larga são de serviço público e, portanto, terão metas de universalização, significa que terá de indenizar todas as empresas que investiram em banda larga. O governo não pode entrar na rede dos outros e fazer política pública. Teria que comprar, quase reestatizar, as redes de banda larga em construção, indenizar, regulamentar, fazer um novo contrato equilibrado de tarifas, estabelecer as obrigações e reprivatizar. E como esta rede não é dele, começa fazendo uma grande indenização", diz o presidente da Oi.

Prejuízo e pressa
Sobre a hipótese de a fusão entre Oi e Brasil Telecom não acontecer, ele lembra que o prejuízo para a Oi será muito maior do que a multa de R$ 500 milhões prevista e os R$ 330 milhões já pagos pelo fim dos litígios judiciais. "Além disso, tem mais R$ 3,5 bilhões de ações da BrT já compradas", diz o executivo, lembrando que são ações que podem ser vendidas. Falco ressalta que se a Oi esperasse a mudança no PGO para fazer a proposta pela Brasil Telecom, "provavelmente estaríamos (refere-se à TELETIME) falando agora com a Telmex e com a Telefônica para descobrir qual das duas tinha comprado a Telemar e a BrT". O executivo explica que foi necessário "tomar um risco empresarial, com todos esses milhões, apostar as fichas de que o PGO vai mudar, pelo simples fato de que essa é a razão de viver. Se fizéssemos o contrário, se fôssemos mais conservadores, essa seria a razão de morrer; seríamos comprados". Ele faz ainda a pergunta, na hipótese de a mudança no PGO não sair e não houver a operação: "Quanto tempo você calcula para a Telmex e a Telefônica nos comprarem? Menos de dois minutos. Neste mundo é assim: se você não faz o primeiro movimento, fez o seu último". A revista TELETIME começa a circular no final desta semana

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O problema é que a rede que o Sr. Falco diz que é privada corresponde à antiga rede de troncos (art. 207, LGT), que foi apropriada pelas concessionárias, que não pagaram por ela na época dos leilões de privatização; essa infraestrutura é patrimônio indiscutivelmente público.

Comentando meu post anterior, técnico altamente qualificado e que trabalha até hoje no setor – o colega de grupo José Smolka – comentou o seguinte :

(…) Ocorre que, quando da promulgação da LGT, todas estas "redes de troncos" já tinham uma fatia significativa da sua capacidade alocada para o atendimento a serviços que não tinham nada a ver com o STFC. Exemplos significativos: interconexão dos nós de comutação de pacotes X.25 e Frame-Relay (RENPAC, BAHIAPAC, MINASPAC, etcPAC), distribuição de sinal de TV para afiliadas das grandes redes de broadcasting, circuitos ponto a ponto para transmissão de dados de alta capacidade (naquele tempo isto significava, geralmente, canais E1 a 2 Mbps) e entroncamento dos roteadores que formaram o núcleo inicial da Internet no Brasil.

Ou seja, já naquela época não dava para dizer que a "rede de troncos", ou backhaul, ou que nome queira-se dar a ela, fosse exclusiva para atendimento ao STFC, e já não dava para etiquetar os MUXes PDH e SDH e os enlaces de rádio e de fibra ótica, identificando-os: "este aqui é do STFC"; "este aqui não". Portanto esta não é uma questão nova! Apenas agora, quando apareceram outros serviços para competir com e, insh'Allah, um dia ofuscar o STFC, esta questão tornou-se crítica – pelo menos para aqueles (entre os quais eu não me incluo) que acreditam que o "patrimônio público" esteja sob ameaça.

Minha opinião é que, enquanto esta visão patrimonialista for dominante, e enquanto não se tenha uma definição decente do que seja o STFC (a atual – e a antiga também – expressa no parágrafo 1° do art. 1 do PGO é uma tautologia) o problema da reversibilidade do backhaul não terá solução satisfatória”. (…)

Ou seja, o tema do backhaul é de grande relevância, pois além de estar vinculado à universalização do STFC e acesso às redes de comunicação de dados, implica valioso patrimônio público implantado antes mesmo da privatização. Caberia, por conseguinte, a ANATEL tornar tudo muito claro, definindo os elementos da rede, o que é backhaul privado e público, tendo, antes, submetido todos os aspectos do tema à consulta pública, ao contrário do que fez.

Interessante a matéria do Teletime comentando o mesmo regulamento, com observações relativas ao caráter inovador do teor das regras aprovadas pela Resolução 539 comparado com o texto da Consulta Pública n° 10, de 2009.

É por essa e outras que defendemos o fim da Chacrinha na ANATEL!!! É por essas e outras que a sociedade está apoiando a retomada da Telebrás, conforme resultado de pesquisa on line – a lavada é de mais de 80%.

Queremos uma regulação que venha esclarecer e não confundir!

Novo Código de Ética dos Jornalistas e o mimetismo midiático

Você  já leu os jornais? Assistiu às notícias da TV? Ouviu as últimas na rádio? Surfou pela internet? Se já cumpriu esse ritual, talvez esteja sabendo tudo. Tudo do mesmo. Esse é um dos novos hits da modernidade: o mimetismo midiático. O final do século XX trouxe mudanças profundas e impactantes para o jornalismo e para o modo de fazer jornalístico. Submetido a uma lógica que resulta da sobreposição de constrangimentos técnicos, econômicos e sociais, o profissional está obrigado a produzir em larga escala, com custos menores e no mais curto espaço de tempo. Um dos resultados de toda essa conjunção é o que jornalista espanhol Ignacio Ramonet chama de mimetismo midiático. 

O mimetismo é aquela febre que se apodera repentinamente da mídia (confundindo todos os suportes), impelindo-a na mais absoluta urgência, a precipitar-se para cobrir um acontecimento (seja qual for) sob pretexto de que os outros meios de comunicação – e principalmente a mídia de referencia – lhe atribuam uma grande importância. Essa imitação delirante, levada ao extremo, provoca um efeito bola-de-neve e funciona como uma espécie de auto-intoxicação: quanto mais os meios de comunicação falam de um assunto, mais se persuadem, coletivamente, de que este assunto é indispensável, central, capital, e que é preciso dar-lhe ainda mais cobertura, consagrando-lhe mais tempo, mais recursos, mais jornalistas. Assim os diferentes meios de comunicação se auto-estimulam, superexcitam uns aos outros, multiplicam cada vez mais as ofertas e se deixam arrastar para a superinformação numa espécie de espiral vertiginosa, inebriante, até a náusea (RAMONET, 2001, p.20-21).

Derivado do grego, mimese quer dizer imitação. Mas a prática, comum no século XXI, entre profissionais e mídias, já fora apontada por outros estudiosos da comunicação. Pierre Bourdieu (1997, p.33) fala em “circulação circular” da informação: “[…] para fazer o programa do jornal televisivo do meio-dia é preciso ter visto as manchetes do 20 horas da véspera e os jornais da manhã e para fazer minhas manchetes do jornal da noite é preciso que tenha lido os jornais da manhã”.

Esse jogo de espelhos, consistentemente institucionalizado pelo modo industrial de se fazer jornalismo, vai redundar em sérias consequências. Sem entrar no mérito, uma vez que as mesmas ainda não foram suficientemente debatidas, não se pode negar um debate ético sobre vários aspectos.

Até  que ponto esse tipo de retroalimentação e reutilização do material do concorrente é lícita e contribui para a informação da sociedade?

Numa pesquisa sobre a produção de notícias para a internet, o professor Fábio Henrique Pereira, da Universidade de Brasília, flagra um novo perfil do profissional da notícia no século XXI: o “jornalista sentado”. Num estudo de campo sobre o assunto, revela:

Esse sistema de retroalimentação fica latente já na primeira visita à redação do CorreioWeb: TV sempre ligada em algum tipo de programação jornalística, rádio sintonizado na CBN local, consulta ao sites da Globo, do Estado de São Paulo, da BBC Brasil, etc. […] à medida que a prática de copiar e reutilizar o material do concorrente torna-se usual, os jornalistas vão se importando menos com isso. Para a empresa, a pirataria significa dividir a audiência do site com veículos que não pagaram pela cobertura de determinado evento, seja pela compra de informações, seja pela contratação de jornalistas. Isso afeta os lucros e inviabiliza a publicação de informações exclusivas pelo site. Mas para os jornalistas isso não faz tanta diferença. Responsável pela publicação de várias notas por dia, quase nunca assinadas, o jornalista não se identifica com o produto. Não há nenhum sentimento de posse pela matéria. Para ele, ser pirateado é uma prática lícita, desde que ele possa fazer o mesmo (PEREIRA, 2003). 

Esse tipo de procedimento vai resultar, na melhor das hipóteses, em desinformação. Na mesma pesquisa, Pereira chama a atenção para o seguinte fato:
 
No dia 13 de maio de 2003, uma fábrica de ‘merla’ (tipo de droga produzida com os restos do material utilizado para refinar cocaína) havia sido invadida pela polícia em um endereço denominado “QNP”. Logo, Fernando Carneiro e Giulliano Fernandes, seu coordenador, iniciaram um discussão para saber o local exato da quadra, se na cidade-satélite de Taguatinga ou na Ceilândia. Ao final da discussão, os dois jornalistas chegaram à conclusão de que a QNP localizava-se em Taguatinga. Não foi feito nenhum tipo de procedimento de checagem da informação, que foi ao ar logo em seguida. Minutos depois, Fernando recebeu um telefonema e um e-mail, ambos alertando o estagiário do erro e de que o endereço publicado ficava, na verdade, na Ceilândia. Nos casos em que o CorreioWeb comete algum tipo de erro, o procedimento padrão é colocar uma segunda nota no ar com o título de ‘Erramos”, remetendo o leitor para a informação incorreta publicada anteriormente. Mas nem sempre um erro pode ser retratado de forma eficiente. No exemplo anterior, da nota sobre a invasão de uma fábrica de merla, a matéria incorreta já havia sido lida, minutos mais tarde, pela rádio CBN. (PEREIRA, 2003). 

Outro exemplo flagrante aconteceu no dia 20 de maio de 2008.  Por volta das cinco da tarde, a GloboNews interrompeu sua programação para um plantão sobre um acidente aéreo: “interrompemos a transmissão da CPI dos Cartões Corporativos para mostrarmos imagens ao vivo de São Paulo. Acaba de chegar a informação de que um avião da empresa aérea Pantanal caiu em cima de um prédio comercial na Zona Sul de São Paulo”(CARONI, 2008).

O acidente era, na verdade, um incêndio em uma fábrica de colchões. Entretanto, bastaram cinco minutos de transmissão equivocada para que a falsa notícia fosse retransmitida por várias emissoras de rádio e alguns portais, entre eles o IG e o Terra.

A justificativa da Central Globo de Comunicação para a “barriga” foi a seguinte:

“A respeito do incêndio ocorrido hoje à tarde em São Paulo, a GloboNews, como um canal de noticias 24 horas, pôs no ar imagens do fogo assim que as captou. Como é normal em canais de notícias, apurou as informações simultaneamente à transmissão das imagens. A primeira informação sobre a causa do incêndio recebida pela GloboNews foi a de que um avião teria se chocado com um prédio na região do Campo Belo, Zona Sul de São Paulo. Naquele momento bombeiros e Infraero ainda não tinham informação sobre o ocorrido. As equipes da própria GloboNews constataram que não havia ocorrido queda de avião e desde então esclareceu que se tratava de um incêndio em um prédio comercial. Poucos minutos depois o Corpo de Bombeiros confirmou tratar-se de um incêndio em uma loja de colchões”.  

Ao que tudo indica, a falsa informação foi repassada à emissora por um morador da região, já traumatizado com outros acidentes. Entretanto, os produtores sequer apuraram a matéria antes que colocá-la no ar.

Se um profissional é obrigado a produzir mais num espaço de tempo menor para obedecer à lógica comercial das empresas; se lança mão desse mimetismo como forma de cumprir o que estabelece sua linha de produção, como um simples operário de um sistema de produção taylorizado (o que se acentuou, principalmente, depois da internet e dos grandes conglomerados de mídia); se publica notícias sem a devida apuração ou checagem, legitimando matérias incorretas ou até mesmo falsas; se se coloca como instrumento para o agendamento dos meios por produtores de notícia, está indo de encontro a pelo menos cinco pontos estabelecidos pelo Código de Ética:

Art. 2° –
[…] I- a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza jurídica – se pública, estatal ou privada – e da linha política de seus proprietários e/ou diretores.
II – a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público;
Art. 4º O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação.
Art. 6º É dever do jornalista:
[…] V- valorizar, honrar e dignificar a profissão;
[…] IX- respeitar o direito autoral e intelectual do jornalista em todas as suas formas;

Em 2000, nos Estados Unidos, o Comitee of Concerned Journalistis, entidade que discute a qualidade na imprensa americana, fez uma pesquisa acerca do noticiário sobre resultado das eleições presidenciais e chegou à conclusão de que o fato se transformou numa sucessão de erros pelo simples fato dos veículos terem usado uma única fonte de informação, que, por sua vez, era uma agência de notícias: “as principais redes americanas de TV anunciaram apressadamente a vitória de George Bush, no que foram acompanhadas por boa parte dos jornais impressos, que, em sucessivas edições extras, ora afirmavam o nome do vencedor, ora duvidavam da informação. Na origem de tantos equívocos estava o recurso a uma única fonte, a Voter News Service, à qual se conferia credibilidade automática “(MORETZSOHN, 2001). 

Obviamente não há como generalizar tal postura ou acontecimento, entretanto, o mimetismo midiático gera pelo menos três tipos de conseqüências: o declínio da veracidade da informação, a falta de polifonia na práxis do discurso jornalístico e o avanço sobre os direitos autorais. Uma equação que vai contribuir para a desvalorização da profissão e para o desrespeito ao receptor.

Se o profissional é capaz de publicar uma notícia que foi mimetizada de outro órgão de comunicação sem a devida checagem, não pode garantir nem que ela esteja correta e nem que seja verdadeira, isso sem falar naquilo que é omitido e, muitas vezes, por interesses de determinados grupos ou de razões espúrias. Não é possível desconhecer casos como os ocorridos recentemente nos Estados Unidos, com jornalistas respeitados e prestigiados como Dan Rather, da CBS, e Jack Kelley, do USA Today. 

[…] era un falsificador compulsivo, un "impostor en serie". […] Como por azar, siempre estaba en el lugar donde ocurrían los acontecimientos, de los que extraía historias excepcionales y apasionantes. En uno de sus reportajes decía haber sido testigo de un atentado en una pizzería de Jerusalén y describía a tres hombres que comían junto a él, cuyos cuerpos habían sido proyectados hacia arriba por la explosión, cayendo luego decapitados, mientras las cabezas rodaban sobre la calle…Su reportaje más grosero, aparecido el 10 de marzo de 2000, era sobre Cuba. Kelley había fotografiado a una empleada de hotel -Jacqueline- cuya fuga clandestina a bordo de un frágil esquife relataba con lujo de detalles, incluyendo la muerte de la desdichada, ahogada en el estrecho de la Florida. En realidad, la mujer -cuyo verdadero nombre era Yamilet Fernández- está viva actualmente y nunca ha corrido tal aventura. Otro periodista de USA Today, Blake Morrison, la entrevistó y pudo verificar que Kelley había mentido. Las revelaciones de esos fraudes, considerados como uno de los mayores escándalos del periodismo estadounidense, le costaron el puesto a la directora de la redacción, Karen Jurgensen, y a otros dos altos directivos: Brian Gallagher, su adjunto, y Hal Ritter, responsable de la información. Más recientemente, en plena campaña electoral, un nuevo sismo deontológico sacudió el mundo de los medios. Dan Rather, el presentador estrella del informativo televisivo de CBS y del prestigioso programa 60 minutos, reconoció haber difundido, sin verificarlos, falsos documentos para probar que el presidente Bush había gozado de ayuda para evitar ser enviado a la guerra de Vietnam. Rather anunció que abandonaba su puesto y se retiraba (RAMONET, 2005). 

Casos como esse não acontecem apenas nos Estados Unidos, são fenômeno mundial. Segundo Ramonet (1999, p.20-21), uma imitação que provoca um efeito bola de neve, ou seja, quanto mais os meios falam de um  assunto, “mais se persuadem, coletivamente, de que este assunto é indispensável, central, capital, e que é preciso dar-lhe cobertura, consagrando-lhe mais tempo, mais recursos, mais jornalistas”. Dois exemplos seriam a morte de Lady Diana e o caso Bill Clinton-Monica Lewinsky.

Aliás, com relação ao caso Lewinsky, a história é bastante peculiar. Tudo começou com um americano desconhecido – Matt Drudge –  que colocou no ar em seu site, The Drudge Report, o conteúdo das conversas entre Monica e uma amiga, Linda Tripp, onde a ex-estagiária da Casa Branca contava suas aventuras amorosas com Clinton. Seu site ficou entre os 100 primeiros entre milhões de acessos, inclusive da própria imprensa.

Mas, se há imitação, o mimetismo midiático desagua noutra vertente: a falta de polifonia do discurso jornalístico. Se há uma repetição contínua das notícias, onde fica o espaço para reflexão, para a crítica? No ritmo vertiginoso de produção imposto aos profissionais da comunicação, o discurso da mídia passa a ser monofônico. Não há espaço para o novo, as fontes e os pontos de vista são sempre os mesmos, não há emergência de novas ideologias.

No que diz respeito a esse aspecto é preciso atentar para o fato de que as notícias são o relato diário da história da humanidade e, elaboradas com a utilização do padrão industrializado que obriga, muitas vezes, à cópia, à imitação, certamente vão contar apenas parte da história, constituindo-se numa visão parcial, depurtada e, até mesmo, aniquiladora.

Se a informação que os meios de comunicação oferecem é, principalmente, a oferecida por outros, a descrição da realidade dependerá, em última instância, das fontes que têm poder para conseguir lugar nos meios, isto é, fundamentalmente organismos do Estado e grupos econômicos. Isso quer dizer que as fontes estabelecem as prioridades, as perspectivas e os enfoques da informação, condicionando o sentido das notícias a alguns mediadores jornalísticos que ficam subordinados a elas (NORIEGA apud KARAM, 2004, p.241). 

Finalmente, a questão dos direitos autorais. Com o mimetismo midiático, o que se vê é um avanço, um desrespeito aos direitos autorais. Na Declaração de Princípios da Federação Internacional de Jornalistas, datada de junho de 1986, o plágio na notícia, ou seja, o ato de copiar o essencial de obras alheias, dando-as como próprias, é considerado gravíssimo. Aliás, a Federação, considerada uma das maiores organizações de jornalistas do mundo, já publicou um informativo sobre o assunto, onde estabelece as bases de liberdade dos meios de comunicação na sociedade de informação, o que vem reforçar o que está dito no artigo 6° do Código do Ética, quando diz respeito ao fato de que é dever do jornalista valorizar, honrar e dignificar a profissão, além de respeitar o direito autoral e intelectual do jornalista em todas as suas formas.

A prática, concordam muitos autores, não é nova. Entretanto, foi acentuada a partir da do crescimento das megacorporações de comunicação, com a presença das mídias cruzadas e, principalmente, da internet  onde até mesmo a facilidade tecnológica favorece esse tipo de comportamento com o conhecido comando Ctlr+C / Ctlr +V.

Pergunta-se sobre o futuro dos jornalistas. Eles estão em vias de extinção. O sistema não quer mais saber deles. Poderia funcionar sem eles, ou digamos que ele consente em trabalhar com eles, confiando-lhes, porém, um papel secundário: o de funcionários na rede, como Charlot em Les temps moderns. Em outras palavras, rebaixando-os ao nível de retocadores de transmissões de agências. (ROMANET, 1999, p.45). 

*Luciene Tófoli é mestre em Letras e em Psicanálise, pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora substituta da Faculdade de Comunicação da UFJF. Autora do livro Ética no Jornalismo, da Editora Vozes, em 2008

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