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Decisão sobre rádio digital é da sociedade, não dos empresários

“Estamos dando o caminho para que as empresas, com seus técnicos e com apoio valiosíssimo da Anatel e do Ministério das Comunicações, possam concluir por um sistema que vai poder atender a necessidade brasileira”. Com este discurso, Hélio Costa despediu-se do Ministério das Comunicações em 30 de março, anunciando a publicação de uma portaria que instituiu o Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBDR).

A ênfase nas empresas de comunicação como únicos atores a serem considerados no processo, presente na fala do ex-ministro, é o principal motivo que levou diversas entidades da sociedade a divulgarem uma Carta Aberta (ler aqui http://www.intervozes.org.br/sala-de-imprensa/agenda/20100430_cartaradiodigital.pdf) pedindo participação de toda a sociedade e maior controle social sobre o processo.

Além disso, a instituição do SBDR por meio de uma Portaria Ministerial, e não de um Decreto (como foi com a TV digital), demonstra como o tema não está recebendo a devida importância dentro do governo. Uma mudança desta magnitude, em um veículo da importância do rádio, que está presente em 88,9% dos lares brasileiros, não pode ficar restrita apenas ao Ministério das Comunicações. O tema envolve, necessariamente, políticas de desenvolvimento tecnológico, educacionais e, claro, culturais. Entre outras.

A fala do ex-ministro em sua despedida apenas ratifica a preocupação dos movimentos sociais com um processo açodado e sem participação social de implantação do rádio digital.

Se não houver uma ampla participação da sociedade, serão as emissoras comerciais que decidirão o melhor padrão ou sistema. O melhor para elas. Essa, porém, é uma decisão que cabe à toda sociedade e não apenas aos empresários de comunicação.

Ano eleitoral prejudica debates com a sociedade

É sabido que os poderes Executivo e Legislativo federal praticamente param em ano de eleições presidenciais. Apenas assuntos de grande interesse eleitoral são discutidos. Menos ainda são os votados. Isso significa que será muito difícil promover debates e audiências públicas este ano, o que torna qualquer decisão em 2010 autoritária e distante dos interesses da sociedade.

Não devemos incorrer no mesmo erro que aconteceu com a TV Digital. A existência de uma ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), que questiona o decreto da TV Digital (5.820 de 2006), é uma prova de que essas questões precisam der discutidas com profundidade, pois trata-se da criação de um novo serviço de comunicação eletrônica de massas, não uma mera atualização tecnológica.

O que diz a portaria

Muito pouco. A portaria tem o mérito de criar oficialmente o Sistema Brasileiro de Rádio Digital, reivindicação de alguns movimentos sociais. Mas simplesmente não indica quais serão os meios para implementar a política.

A primeira parte da portaria é muito similar ao Decreto 4.901/03 que instituiu o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), estabelecendo diretrizes que, apesar de positivas, são genéricas e pouco práticas. E fica por aí. Não define instâncias, cronograma, método, muito menos envolve outras áreas do governo.

O conjunto de entidades da sociedade civil já aponta nesta direção: que o debate sobre o padrão de rádio digital passe pelo Congresso Nacional, e que tenha como resultado uma nova lei.

Testes com apenas dois padrões estrangeiros

Na história das comunicações, não são raros momentos de padronização de determinados serviços com base em uma tecnologia específica. Foi assim com a internet (IP), com a TV digital (ISDB) e agora será com o rádio.

No Brasil, foram testadas apenas duas normas de rádio digital: o HD Radio (também conhecido como IBOC), padrão proprietário da empresa estadunidense iBiquity , e o DRM (Digital Radio Mondiale), de origem europeia, cujos testes estão sendo realizados em escala muito inferior ao IBOC e sequer foram concluídos.

Entretanto, além de existirem outros padrões, alguns com potencialidades técnicas interessantes, outros com experiência em diversos países, o debate se restringiu àqueles dois padrões e envolveu apenas emissoras e técnicos, não chegando de fato à população.

Decisão apressada: TV digital ainda não se tornou realidade

Uma decisão precoce pode acarretar em baixa penetração do serviço, reduzido interesse da população e ausência de políticas públicas no sentido de maximizar a inclusão digital e os serviços públicos. São os mesmos alertas feitos em 2005 e 2006, durante a escolha do padrão de televisão digital.

Quatro anos após o Brasil ter batido o martelo em relação ao padrão japonês de TV, o serviço não chegou às casas dos brasileiros. É a reprise do mesmo filme, só que agora com o rádio.

Listamos, abaixo, alguns motivos para o governo brasileiro não apressar a escolha do padrão de rádio digital, antes da realização de debates junto à sociedade e estimular a pesquisa nacional:

1 – Apenas dois padrões foram testados

Os testes do rádio digital obedeceram ao interesse das emissoras. A partir de 2005, estações realizam experimentos com o HD Radio, o preferido dos empresários da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). No mesmo ano, a extinta estatal Radiobrás promoveu experimentos com o DRM, tecnologia desenvolvida a partir de um consórcio de empresas públicas de comunicação da Europa. E ficou nisto.

Entretanto, existem outras normas internacionais que não foram testadas, como o DAB (presente na Inglaterra e Portugal, entre outros), o FMeXtra (EUA, Holanda e Bélgica), o DMB (Coreia e França) e o ISDB-TSB ou NISDB-T (adaptação do padrão japonês de TV digital para radiodifusão sonora).

2 – Mudança no Ministério não é fator determinante

Não se pode utilizar a saída de Hélio Costa do Ministério das Comunicações, que deixou a função para concorrer a um cargo eletivo em seu estado, como motivo para apressar a definição sobre o padrão de rádio. Se o mesmo ocorrer, será uma herança maldita para a sociedade, já que não há maturidade técnica e política para tal decisão.

Apressar uma decisão desta magnitude em um momento de transição é uma irresponsabilidade. A TV digital não se tornou realidade após quatro anos, e o mesmo poderá ocorrer com o rádio. . Afinal, as pesquisas para a digitalização do rádio caminham lentamente em todo o mundo .

3 – Adoção será automática, sem aprimoramentos tecnológicos

Ambos os padrões favoritos são pacotes prontos e não há perspectiva concreta de melhoramentos em suas funcionalidades. O HD Radio tem dono: a empresa estadunidense iBiquity. Já o DRM foi desenvolvido por um grupo composto por empresas públicas de comunicação da Europa, como Radio França Internacional (RFI), Deutsche Welle e BBC World Service, mas tem patentes de empresas privadas como Sony e Fraunhofer.

Este último grupo aponta a possibilidade de mudanças a fim de atender a realidade brasileira, consideravelmente diferente da europeia. Contudo, ainda não foram sinalizadas quais seriam estas melhorias, como aconteceu com a TV Digital, em que o ISDB japonês sofreu uma evolução, passando a utilizar a codificação MPEG-4 e a interatividade Ginga, desenvolvida no Brasil, pelas universidades PUC-Rio e UFPB.

Existem avaliações, inclusive, apontando que as pesquisas desenvolvidas no Brasil, as quais resultaram no Ginga, seriam suficientes para que um padrão de rádio digital nacional partisse de um patamar bem avançado.

4 – Não há compatibilidade com a TV digital brasileira

Convergência é a palavra de ordem das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Um serviço, se isolado dos demais, tende ao insucesso. Para que os investimentos em uma plataforma digital de rádio não sejam em vão, é importante que ocorram estudos e adaptações que permitam a interoperabilidade do padrão de rádio digital com a TV Digital brasileira e outros serviços digitais.

5 – TV Digital ainda não decolou

Em 2006, o governo brasileiro bateu o martelo em torno do padrão japonês de TV digital. Na época, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, prometeu uma rápida transição e a venda de conversores a baixos preços (cerca de 100 dólares). Mas, o que se vê são poucos e caros receptores à venda e uma baixa adesão por parte das pequenas e médias emissoras. Além disso, há um desrespeito da regra de multiprogramação, a qual só é permitida às emissoras públicas. Já existem grupos de comunicação utilizando seus novos canais exclusivamente para vender produtos e horários a terceiros.

6 – Não se está estimulando a P&D nacionais

A criação de consórcios nacionais para a preparação de um Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) incentivou pesquisas universitárias na área e possibilitou uma melhor avaliação dos padrões estrangeiros.

A adoção do SBTVD genuinamente nacional seria o ideal, já que era o mais adequado à realidade brasileira, porém um padrão estrangeiro foi escolhido. Mas, como estas pesquisas resultaram em inovações tecnológicas, parte delas foi incorporada ao ISDB, aprimorando-o.

Com o rádio digital, uma nova pesquisa poderia ser feita, mobilizando o campo acadêmico, desenvolvendo tecnologia nacional e atendendo às necessidades da sociedade.

7 – Nenhum dos padrões de Rádio Digital apresenta experiência consolidada no mundo

Os padrões estrangeiros favoritos não apresentam experiência suficiente para determinar uma escolha confiável. Um histórico de sucessos e problemas é essencial para avaliar uma opção. O Brasil não deve servir como campo de testes de nenhuma tecnologia estrangeira.

8 – Adotar dois padrões distintos é irresponsabilidade

Foi levantada a possibilidade de o Brasil adotar dois padrões de rádio digital: um para ondas curtas e outro para a faixa de frequências onde atualmente estão as emissoras AM e FM.

Esta atitude geraria insegurança entre os usuários e entre a indústria, que enfrentaria dificuldades em definir prioridades de investimento.

9 – Rádios comunitárias não participaram do processo

Somente emissoras de grande porte, em sua maioria privadas, participaram dos testes do rádio digital. As estações comunitárias foram preteridas neste processo, o que pode acarretar na adoção de um padrão que não atenda a seus anseios.

Pagamento de royalties para empresas detentoras do padrão e alto custo dos equipamentos de transmissão são fatores que devem ser levados em conta na decisão do governo. Se isto não ocorrer, as rádios comunitárias serão as principais prejudicadas com a digitalização, e, por consequência, a população, na medida em que será impedida de transmitir e receber informações.

10 –Novas concessões para um novo serviço

O Rádio Digital deve ser encarado como um novo serviço de radiodifusão e não como uma atualização tecnológica. A digitalização permite um melhor aproveitamento do espectro eletromagnético. A multiplicação de canais de frequência é a oportunidade para novos atores participarem das comunicações de massa.

Para o cumprimento da complementaridade constitucional, estas novas concessões seriam divididas de acordo com o critério da Conferência de Comunicação entre estações públicas (40%), privadas (40%) e estatais (20%).

O Rádio digital não pode reforçar o atual latifúndio eletrônico. Ao contrário, deve servir para mudar essa realidade.

* Arthur William e Bráulio Ribeiro são membros do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Xenofobias e outras fobias

Por meio de notas oficiais, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileiras de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) comunicaram que estavam representando separadamente junto à Procuradora Geral da República contra o Grupo Ongoing de Portugal e o portal Terra Networks do Brasil, por violação do artigo 222 da Constituição que estabelece o limite de 30% para o capital estrangeiro em empresas de comunicação social (aqui a nota da ANJ, aqui a da Abert).

O caso começa mal: nenhum dos veículos que noticiou a representação deu-se ao trabalho de ouvir as empresas denunciadas. As corporações de mídia usam os veículos afiliados sem respeitar os procedimentos jornalísticos elementares, teoricamente válidos em todas as situações. As brigas entre empresas de comunicação não podem ser regidas por éticas diferentes das recomendadas nos manuais.

A estratégia de comunicação do Grupo Ongoing ao anunciar a compra dos tablóides cariocas O Dia, Meia Hora e Campeão não foi falha, foi incompetente. Uma empáfia aristocrática levou o grupo apresentar-se como português e exibir os seus feitos e ativos em Portugal. Não devia.

Mesmo indicando a identidade brasileira da principal acionista ficou evidente não apenas a nacionalidade, mas o estilo de um grupo financeiro agressivo, geralmente hostil, sem vínculos com a tradição jornalística e apenas um enorme apetite para tornar-se hegemônico na comunidade lusófona.

Em nada

Por outro lado, não se pode embarcar na canoa "a mídia é nossa" sem lembrar dados históricos recentes e relevantes. A alteração do artigo 222 da Carta Magna (aprovada em 2002) para permitir a entrada de 30% de capital estrangeiro em nossas empresas de comunicação deu-se a partir da reivindicação dos lobbies corporativos nacionais. Desde meados dos anos 1990 estava a mídia brasileira flagrantemente descapitalizada, com a língua de fora, aflita, pedindo penico.

Temendo demissões em massa, as entidades profissionais não se opuseram à presença de recursos alienígenas nas empresas de mídia, mesmo porque a legislação já vinha sendo burlada: empresas arrendavam/vendiam suas sedes/parques gráficos a empresas estrangeiras aliviando assim a sede de recursos. Este Observatório tratou do assunto extensamente e ao identificar alguns artifícios então em voga (justamente para convencer os legisladores da necessidade de rever o 222) viu-se punido pelo portal onde estava hospedado (ver, neste OI, "Mídia treinada pela inflação não sabe como combatê-la", "Projeto Folha chega ao fim" e "Os barões da Limeira" e "Sejamos livres").

Esta recaída nacionalista é extemporânea, não fica bem em corporações que defendem tão valentemente a competição e as leis do mercado. Ao fazer tal afirmação este observador não pretende atenuar as suspeitas que levantou anteriormente sobre as façanhas financeiras do grupo d´além-mar (ver "O Dia merece uma telenovela").

Nossa mídia precisa de um Dunga com a sua obsessão por coerência. Caso não exista um cabeçudo disponível seria aconselhável aferrar-se à matéria prima essencial no processo de comunicação: a transparência. Este acesso xenófobo contra o grupo Ongoing ("vai levando"?) lembra a cruzada do senador João Calmon investindo contra a Rede Globo por causa da parceria com o grupo Time-Life. Deu em nada. Serviu apenas para empurrar o grupo Diários Associados para o fundo do poço.

Revisão, rejuvenescimento

Se as empresas de mídia apregoam a inevitabilidade do processo tecnológico de convergência de conteúdos deveriam tomar a iniciativa de sugerir um marco regulatório para a mídia eletrônica. Esta é a hora para ordenar a bagunça da modernidade, limpar o terreno e evitar colisões e confusões como esta contra o portal Terra.

Pergunta-se: a mídia não aceita marcos regulatórios com receio de serem transformados em mecanismos de controle? Então, deixem vigorar a Lei da Selva e esqueçam os grandes e pequenos predadores que andam por aí lambendo os beiços.

Antes de se converterem em fósseis, procurem saber como foi instituída a Federal Communications Commission (FCC) e como evoluiu desde junho de 1934, quando o presidente americano Franklin Delano Roosevelt a criou.

A autorregulação é necessária, será bem-vinda, mas, convenhamos, é cosmética: nossa mídia precisa com urgência de uma temporada num spa para rever-se, rejuvenescer e revitalizar-se. Frágil e espertinha – como ficou visível no negócio com o governo para aprovar o 3º PNDH –, dá dó.

Leia também – Sobre o 222 no OI, 13 anos atrás

O que diz o artigo 222
Emenda propõe suprimir artigo 222
Que venha a Time! Para acabar com o 222 – Alberto Dines
As últimas do Projeto Folha: parceria estrangeira – A.D.
Artigo 222, a peneira – Mauro Malin [rolar a página]
Quem será o dono? – Carlos Tautz [rolar a página]
Folha-Time: jornalismo 3S em versão brasileira (novo drible no Artigo 222) – Imprensa em Questão
Mais uma burla ao Artigo 222 – Alberto Dines
Enquanto isso, a PEC 455/97 foi arquivada. E a mídia nem reparou. – Alberto Dines
Emenda ao Artigo 222 – Entre Aspas [rolar a página]
Crise nos jornais: sombras e esperança – M.M.
O capital estrangeiro, de novo – Eugenio Bucci [Entre Aspas]
Novo 222 já está velho – A.D.
A votação que mudou o artigo 222 – Interesse Público

Os avanços e as insuficiências do PNBL

O governo publicou no último dia 14 o Decreto 7.175, que institui o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). A meta principal do Programa é assegurar o acesso à internet em alta velocidade a cerca de 39 milhões de domicílios até 2014. O decreto traz uma série de avanços importantes. Talvez o mais representativo seja o papel indutor dado ao Estado, especialmente com a retomada da Telebrás como protagonista do setor. Mas peca pela omissão de questões fulcrais para fazer com que esta nova tecnologia sirva de fato à promoção da comunicação como um direito humano para todos os brasileiros e todas as brasileiras.

O PNBL está formatado para ser um conjunto de ações que visa à massificação da banda larga, estabelecendo como meta mais do que triplicar os atuais 11,8 milhões de lares conectados atualmente. O mérito do Programa está em assumir que o mercado é incapaz de assegurar o alcance desta meta. No entanto, tal ampliação, no Programa, não assume o objetivo central que vem norteando as políticas de diversos países: a universalização deste serviço. Sem este horizonte, corre-se o risco de que esta tecnologia torne-se um elemento qualificador da desigualdade existente em nosso país.

Para atingir as metas do PNBL, o governo federal promete atuar para baratear a oferta de banda larga a partir do fomento ao desenvolvimento de um mercado apoiado em pequenos e médios provedores. O principal instrumento seria o uso da Telebrás como fornecedora de dados no atacado. A empresa negociará a preços mais baixos do que os praticados pelas grandes detentoras de infraestrutura (em sua maioria, operadoras de telefonia) e exigirá, em troca, que o serviço chegue na casa do cidadão a um preço máximo para uma dada velocidade. A previsão é que o valor fique entre R$ 35 e R$ 25, a depender do nível de isenção de impostos concedido.

Para pessoas que não têm renda suficiente para comprar pacotes nesta faixa de preço, estuda-se uma espécie de “banda larga popular”, que poderia custar entre R$ 15 e R$ 10. No entanto, ela teria velocidade de 512 Kbps e limitações do volume de dados. A redução de custos neste caso seria possibilitada por uma forte redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).

Para dotar a Telebrás de condições para cumprir este novo papel, será criada uma Rede Nacional aproveitando a infraestrutura de propriedade de empresas públicas, como Petrobrás, Furnas, Eletronorte e Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). O uso das fibras da Eletronet, alvo de denúncias de jornalões paulistas, foi abandonado. Segundo o governo, pelo fato do investimento na melhoria desta rede ser equivalente ao de uma nova. A opção foi pela expansão da Rede Nacional, que deve acumular 30 mil Km de fibras óticas e chegar à Brasília e a outras 25 capitais em 2014. Uma extensão feita por linhas de rádio vai possibilitar a cobertura de um raio de 100 Km de cada ponto da rede.

A intenção deste modelo é acabar com o gargalo dos backbones e backhauls (grandes e médios troncos por onde passam os dados) das concessionárias, cujo tráfego é oferecido a preços altíssimos aos pequenos e médios provedores para miná-los na concorrência com os pacotes das próprias operadoras. Por isso, a lógica de fixação de um preço máximo a ser garantido pelos provedores que comprarem dados da Telebrás é bastante positiva. A expansão e a capilaridade da rede também, pois delas dependem parte importante do sucesso do PNBL.

No entanto, um aspecto medular ainda a ser equalizado é a oferta do serviço de internet em alta velocidade diretamente pelo governo federal, ou pelo Poder Público em geral. O decreto prevê, no Artigo 4º, inciso IV, esta possibilidade “apenas e tão somente em localidades onde inexista oferta adequada” dos serviços. O Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID) será o responsável por identificar estas áreas.

Esta formulação é restritiva. A Constituição Federal diz, em seu Artigo 21, que “compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”. Não há, portanto, por que um decreto limitar a ação direta do Estado se esta é uma diretriz da nossa Carta Magna.

Apesar da redação limitadora, o conceito de “localidades onde inexista oferta adequada” ainda permite uma abertura para traçar um planejamento com vistas à oferta própria da banda larga pela União. O uso deste expediente deve ser entendido como pilar do Programa, pois não há qualquer perspectiva de que a universalização da banda larga possa ser feita pelo mercado.

Segundo dados do Ministério das Comunicações, compilados no documento “Brasil em Alta Velocidade”(veja aqui), há um “gap de acesso” no Brasil (domicílios que estão em condições geográficas ou de renda incapazes de atrair a oferta do serviço) de 55,7% dos lares. Diagnóstico apresentado pelo próprio governo mostra como o custo da banda larga representa 4,5% das despesas de uma família. Desta forma, é improvável que as operadoras comerciais, mesmo com preços subsidiados por isenções ou pela Telebrás, consigam chegar a uma parcela importante da população brasileira.

A tentativa de oferecer o serviço a R$ 10 é importante. Porém, a velocidade escolhida (512 Kbps) e a admissão de limites no volume de dados que podem ser carregados são condicionantes preocupantes. O governo argumenta que tal combinação é a possível, e que ela já seria uma evolução frente ao quadro atual, já que boa parte dos brasileiros possui conexões com velocidade de 256 Kbps. Independente desta constatação, o PNBL deve tratar a banda larga como parte de um direito, devendo o acesso a ela ser garantido de forma isonômica.

Qual seria a saída, já que o mercado não será o vetor de universalização do acesso a este serviço? Discutir uma solução mágica e imediata é temerário. Mas é possível visualizar um caminho mais ambicioso do que o explicitado no Decreto 7.175. A Telebrás deveria capitanear uma infraestrutura estatal que contaria com o backbone feito a partir de sua Rede Nacional, com backhauls sustentados pelos governos estaduais com o último quilômetro (mecanismos para fazer chegar a banda larga na casa do cidadão) mantidos por esses ou por prefeituras. Ou até mesmo pelo governo federal, quando necessário. Este sistema deveria buscar a oferta gratuita sempre que possível. Quando não fosse viável, disponibilizaria o serviço a um custo muito baixo e a taxas de velocidade a serem ampliadas gradualmente.

Regulação: separação estrutural e regime público

O governo também pretende qualificar a concorrência por meio da aprovação de regras incidentes sobre as grandes operadoras. Entre elas estão a regulamentação do compartilhamento das redes (conhecido também como unbundling) e a definição do modelo de custos do tráfego de dados. O primeiro vai coibir as concessionárias na fixação de preços abusivos para o tráfego de dados que comercializam. Este é um grande obstáculo hoje para os pequenos e médios provedores e mesmo para estados e prefeituras que têm programas de inclusão digital. O segundo compreende o cálculo sobre quanto custa o tráfego de dados por uma dada infraestrutura. Este mecanismo é condição para que a agência reguladora, Anatel, possa fiscalizar se o preço cobrado é justo ou não. Ambas já deveriam ter sido regulamentadas pela Anatel há anos, mas, por conta da fragilidade e falta de vontade política da Agência, ainda não o foram.

Para garantir os objetivos do PNBL, de aumento da competição e redução dos preços, estas medidas são importantes, mas insuficientes. Uma saída mais efetiva seria a adoção do modelo de separação estrutural entre os detentores da infraestrutura e os prestadores do serviço. Nele, não poderia haver uma empresa que detivesse a rede e prestasse o serviço. Quem optasse pelo negócio da venda de tráfego no atacado buscaria comercializar para o maior número de operadores. Já quem oferta o serviço teria mais alternativas de fornecedores de dados. Ele já é utilizado no Reino Unido, Itália, Nova Zelândia e Suécia.

Contudo, a implantação de nenhuma destas medidas será efetiva se o serviço não passar a ser prestado em regime público. Este, segundo a Lei Geral de Telecomunicações (9.472/97), é um enquadramento jurídico que deve ser aplicado àqueles serviços considerados essenciais, “de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar” (Art. 64). Tal definição não se adequa à internet em alta velocidade?

O regime público é condição para que o Estado tenha condições de assegurar obrigações de universalização, qualidade, velocidade e continuidade, bem como o controle das tarifas. Para além da discussão sobre universalização já colocada, faz-se necessário discutir a qualidade, especialmente a velocidade. Segundo dados do governo federal, a internet no Brasil é lenta: 33% das conexões têm somente até 256 kbps e apenas 1% das conexões são superiores a 8Mbps.

Como o modelo preconizado pelo PNBL se apóia fortemente na oferta pelo mercado, atribuir esta responsabilidade aos prestadores privados sem determinar regras efetivas que garantam a boa prestação do serviço pode ser um tiro no pé. É importante lembrar que as operadoras de Telecom são campeãs de reclamações no Procon. Também é bom recordar a pane recente da Telefónica em São Paulo, que deixou a cidade sem telefone e sem internet por dias.

Gestão da política

A gestão do Programa ficará a cargo do Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID). A opção é interessante, dá um caráter interministerial e coloca o núcleo da condução do PNBL dentro da Presidência da República. Junto ao Comitê, o governo anunciou a criação de um Fórum Brasil Digital, com a presença de representantes do poder público, associações representativas das operadoras comerciais do setor e entidades da sociedade civil. A iniciativa é importante.

Preocupa o fato de não haver qualquer menção a ela no Decreto 7.175. O Fórum não pode ser uma instância informal, mas um órgão institucionalizado. Para além disso, é necessário fazer uma reflexão sobre sua composição. A sociedade civil deve ter participação majoritária, já que reúne, de diversas formas, os sujeitos do direito a ser assegurado por meio das ações do PNBL. Uma presença excessiva das operadoras privadas traz o risco de captura do FBD, ao permitir a elas regulem seu próprio negócio.

Para além do acesso

Outra melhoria importante a ser feita no Programa é o equilíbrio entre suas várias dimensões. Corretamente, ele encara o problema do acesso com foco na infraestrutura para permitir uma oferta mais acessível. Mas a democratização da internet não se esgota no simples acesso à ela. Diferente de outros meios, a internet permite uma interação maior. Por isso, tão importante quanto é a política para a produção e circulação de conteúdos que garanta instrumentos à população para poder entrar no mundo digital não apenas como consumidores, mas como sujeitos da Rede Mundial de Computadores.

Esta discussão está prevista dentro de um grupo temático a ser criado no CGPID, sob coordenação dos ministérios da Educação e da Cultura. Este último já vem discutindo uma política de conteúdos digitais. Este tema precisa entrar no debate público, para que não seja tratado como uma segunda etapa do PNBL, mas como um eixo cuja implantação comece já no curto prazo.

Deve fazer parte do esforço do Programa o Marco Civil em elaboração no âmbito do Ministério da Justiça. O processo é rico, pelo seu caráter colaborativo. No site culturadigital.br/marcocivil, o anteprojeto de lei é debatido com qualquer cidadão que participar da comunidade. A dinâmica pode ser um exemplo de procedimentos a ser adotado nas outras discussões do PNBL.

* Jonas Valente é jornalista. Membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB (Lapcom).

A superinteratividade contemporânea

E-mails para a produção, telefonemas para o locutor, votação para a melhor música, para a melhor banda, para o melhor álbum, para o melhor cantor. Escolha do participante que sai do show de televisão, animador que apresenta maior diversão em 15 segundos, a menina mais bonita, sugestão de temas, vídeos pela internet, opinião via celular. Pautas do leitor, espaço para comentário de notícias, promoções, blog de fotos on-line para compartilhamento de experiências de turismo. Isso tudo e muito mais.

São tantos os espaços para a dita participação popular nos meios de comunicação que o ouvinte, telespectador ou leitor nem sabe mais como dar conta de tanta interatividade. É esse montante de ferramentas e recursos buscados pelos programadores que está enterrando o que poderia ser um instrumento de inclusão na comunicação social.

Esse processo em nada se diferencia de outro já muito conhecido pelos estudiosos da comunicação: a proliferação demasiada de determinados espaços acaba por apagá-los por si mesmos. Pode-se considerar tal fenômeno, claramente, em relação aos outdoors. Já não há espaços de visibilidade claros dentro da maioria dos ambientes urbanos, mas sim, uma diversidade de cores, formas e mensagens que passam despercebidas e simplesmente acabam por gerar a tão conhecida poluição visual.

Novos rumos democratizadores

Vivencia-se um momento de poluição interativa, pode-se dizer. Em busca de entrar em um novo modelo de comunicação, propagado, grosso modo, como o formato que mais traz audiência atualmente, os comunicadores em geral, e principalmente as empresas de comunicação como um todo, promovem o uso da mídia como canal interativo.

Pergunta-se, no entanto, que interatividade é essa? Quem está realmente interessado em saber qual a banda mais votada da semana? Ou os sufrágios midiáticos, intrinsecamente representam alguma modificação na comercialização dos produtos culturais, servindo como pesquisa implícita sobre gostos momentâneos do público?

É preciso deixar claro que não é essa a interatividade pretendida por quem a entende como fomentadora de cidadania, no sentido de permitir a construção de uma mídia pluralista. A intensidade de reação do público em relação ao que é ofertado diretamente pelas empresas de mídia não contribui em nada para a criação de espaços plurais – ao fazer uma ligação ou enviar um e-mail para qualquer tipo de escolha, o sujeito tem postos diante de si apenas caminhos já prontos, sem possibilidades de mudar o que lhe foi ofertado, sem chances de criar novos rumos, democratizadores, para a comunicação de massa.

Do discurso à ação

Enquanto a população se acostuma a ouvir um programa de rádio interativo e a interagir com TV e jornal, seja via internet ou telefone, os canais de retorno mais comuns atualmente, entende-se que está se perdendo o verdadeiro potencial do interativo, que haveria em uma programação aberta à construção conjunta.

Pensar caminhos para que o interativo não seja mera reação é uma tarefa árdua, porém importante e de interesse público. É certo que a personalização de conteúdos será cada vez maior, tendo em vista as tendências individualistas dos tempos modernos, e isso certamente será feito pelas vias comerciais. No entanto, trabalhar conteúdos de forma que representem a expressão plural de comunidades, utilizando-os para agrupar e não individualizar os sujeitos, é um princípio que deve morar no ideal dos estudiosos brasileiros, para que a democratização da comunicação não seja apenas discurso e possa também ser ação.

 

* Valério Brittos é professor titular do Programa de Pós-Graduação da Unisinos e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela FACOM – UFBA. Ana Maria Rosa é mestranda em Comunicação na Unisinos.

A mágica da TV

O Brasil é um dos poucos grandes países do mundo cuja TV não apresenta sequer um programa de debates políticos em suas redes nacionais. Continuamos seguindo o modelo descrito por Bourdieu: uma TV que mostra o irrelevante para esconder o que interessa.

A meu ver, quem melhor definiu a manipulação televisiva foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Ele a comparou ao mágico que, no palco, chama atenção para uma de suas mãos agitando um lenço enquanto com a outra, disfarçadamente, tira as moedas (ou a pomba) da manga. A TV, para ele, faz a mesma coisa. Destaca o supérfluo para esconder o essencial. Isso é todo dia. Mas, no Brasil, quando tem seleção de futebol no meio chega as raias do insuportável.

Na última semana, a entrevista do técnico Dunga contando as razões que o levaram a chamar este ou aquele jogador para a seleção ocupou horas e horas das diversas programações. Sem falar nos comentários abalizados dos diversos especialistas. Não que num país como nosso a convocação do escrete não seja importante. Mas tudo deveria ter um certo limite. Afinal quanta coisa muito mais relevante para sociedade não poderia estar sendo mostrada naqueles horários, sem que o público deixasse de saber quais os craques que irão representar o Brasil na África do Sul. Dou um exemplo.

Manhã de quarta-feira, 12 de maio. Na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, milhares de trabalhadores rurais vindos de todos os cantos do país se reúnem para dar início à 16a. edição do Grito da Terra Brasil, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Em seguida fazem um protesto contra a bancada ruralista em frente ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e encaminham uma pauta com mais de duzentas reivindicações ao presidente Lula. À tarde se concentram em frente ao Ministério do Trabalho e depois vão ao Congresso Nacional, onde encerram a manifestação.

Na pauta dos trabalhadores rurais está o combate ao trabalho escravo e a revisão do Código Florestal que permite o uso do FGTS para compra de imóveis rurais. À noite o Jornal Nacional, o único informativo da maioria da população brasileira, dedicou exatos 15 segundos ao assunto. O seu apresentador disse o seguinte: “Trabalhadores rurais foram hoje a Brasília para a Manifestação do Grito da Terra. Na Esplanada dos Ministérios, eles pediram mais recursos para a agricultura familiar e a reforma agrária. Foram recebidos pelo presidente Lula, que prometeu mais dinheiro para o setor”. E só. Nada sobre os ruralistas, o trabalho escravo e o Código Florestal.

Um dia antes, no mesmo jornal, o técnico Dunga sentou-se na bancada, ao lado dos apresentadores, e discorreu sobre suas decisões por nada menos do que seis minutos e 54 segundos. E para os dias seguintes eram prometidas reportagens especiais com cada um dos 23 jogadores por ele convocados. O supérfluo – a mão que balança o lenço – segue firme no ar, com o futebol recebendo generosos espaços para longas entrevistas, amplas discussões e análises aprofundadas, acompanhadas de replays, tira-teimas, gráficos e alentadas estatísticas. Você já imaginou o que seria deste país se todo esse empenho fosse dedicado também ao essencial? Se o Grito da Terra Brasil servisse de gancho (como se diz no jargão jornalístico) para análises da questão fundiária com o mesmo tempo e a mesma tecnologia destinadas ao futebol?

O Brasil é um dos poucos grandes países do mundo (em tamanho e importância política) cuja televisão não apresenta sequer um programa de debates políticos em suas redes nacionais. Há algumas entrevistas, poucas e mal ajambradas do tipo Roda Viva e Canal Livre. Debate que é bom, nada. Continuamos seguindo direitinho o modelo descrito por Bourdieu: uma televisão que esconde, mostrando. Mostra o irrelevante para esconder o que interessa.

 

*Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).