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O direito de criticar o modelo

A pergunta da hora é… Como conciliar crítica dos meios de comunicação com liberdade de expressão? É que no debate forjado nos últimos meses pelos grandes jornais e revistas do país não vemos espaço para a crítica ao seu modelo de fazer jornalismo.

Não demora muito e ficará estabelecida a percepção de que somente a grande imprensa pode chamar a si o direito de julgar entre o que é crítica legítima aos meios de comunicação e o que não passa de ataque à liberdade de expressão e, no extremo, de disfarçada defesa do controle social da mídia. Ou seja, a liberdade de imprensa passa a ser tutelada exclusivamente por aqueles que defendem a sua "não tutela", seja pelo Estado, seja por outros atores sociais.

Seguindo esta linha de pensamento, podemos inferir que, mesmo sem ser explicitada, a grande imprensa passa a ser de fato a única dona desta preciosa liberdade. E é aqui que o perigo mora. Isto porque a crítica à imprensa, ou a qualquer outra instituição, atividade profissional ou o que seja, encontra amplo respaldo em nosso ordenamento democrático.

A quem interessa interditar o debate?

Por que podemos criticar o sistema educacional do país, e não os meios de comunicação?

Por que podemos criticar o sistema de saúde, e não a imprensa?

Por que podemos criticar os governantes, os parlamentares e os que operam o sistema judiciário, mas não os veículos de comunicação?

Por que nos é permitido debater os modelos econômicos mais adequados ao desenvolvimento do Brasil e devemos nos fechar em copas ante qualquer debate sobre os modelos informativos vigentes no país?

Questionar nosso sistema de comunicação, analisar criteriosamente suas propostas, criticar o tipo de entretenimento que nos é oferecido e, ainda mais, propor mudanças saudáveis para sua gestão, está muito longe de configurar cerceamento à liberdade de qualquer pessoa ou de qualquer instituição. Precisamos admitir que a liberdade de opinar é de todos e a ninguém é concedido o direito de se apropriar deste direito em detrimento dos demais. Menos ainda deveriam se considerar privilegiados enquanto se autodefinem como guardiães profissionais do direito de expressão.

Por que não debatemos a questão do monopólio dos meios midiáticos no Brasil? A quem interessa interditar o debate? Não sabemos, então, que quanto maior a concentração da propriedade dos meios de comunicação, menor é a possibilidade de que se veiculem expressões múltiplas e plurais nos meios de comunicação?

Poucos falam, muitos se calam

Na medida em que as universidades, as organizações não-governamentais, os sindicatos e outros atores sociais tenham acesso a frequências de rádio e de televisão, será dado o passo inicial para se combater de forma eficiente a formação de novos monopólios no negócio chamado comunicação.

Outro tema que merece ser debatido é o que trata da publicidade governamental. Há que se buscar critérios claros e transparentes sobre o que merece constar como atividade oficial, paga com dinheiro de nossos impostos. É óbvio que é necessário que o governo divulgue suas ações. Mas existe uma distância abissal entre divulgar uma campanha de vacinação infantil e divulgar números favoráveis da economia em período eleitoral. A publicidade governamental não pode ser simplesmente guiada por critérios de êxito comercial, pois isto aprofunda ainda mais as assimetrias ora existentes e que favorecem amplamente os grandes anunciantes em detrimento da utilização de outros meios.

Como o leitor pode ver, não faltam temas para azeitar uma pauta de debates que envolva a sociedade como um todo e que tem tudo a ver com a presente questão de liberdade de expressão, onde uns poucos dizem o que isso significa e outros tantos não

* Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo. têm nem mesmo a quem dizer o que isso não significa. Simples assim.

Legalidade e legitimidade da Resoluçao 24 (Anvisa)

As crianças brasileiras, como apontam recentes estudos, estão ingerindo mais calorias do que o organismo necessita. O Brasil ultrapassou os Estados Unidos em termos de obesidade infantil. Nada menos de 22% das crianças entre 2 e 5 anos apresentam sobrepeso. O controle sobre o que se come só é possível com informações claras e adequadas sobre os alimentos. Em 2005, a OMS (Organização Mundial da Saúde) destaca que a comercialização de alimentos não saudáveis à população infantil é fator que contribui decisivamente para o aumento de níveis de obesidade na fase adulta

Recentemente, no dia 15 de junho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 24/2010, por meio da qual, seguindo a preocupação de vários países (Canadá, Suécia, Inglaterra), estabelece critérios e exigências informativas para oferta e publicidade de alimentos considerados com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional. A resolução confere especial atenção às publicidades dirigidas às crianças, com o objetivo de coibir “práticas excessivas que levem o público infantil a padrões de consumo incompatíveis com a saúde e que violem seu direito à alimentação adequada” (art. 2º).

Todavia, noticia-se que a Advocacia Geral da União, dias após a edição da referida resolução, encaminhou recomendação à Anvisa para suspender o ato, sob o argumento de que há necessidade de lei específica, aprovada pelo Congresso Nacional, para regulamentar o tema.

Tal recomendação, além de contrariar os mais legítimos interesses da sociedade, carece de fundamento jurídico. A defesa do consumidor pelo Estado se justifica pela sua fragilidade no mercado de consumo. Nem mesmo os economistas continuam a afirmar que o consumidor é o ‘rei do mercado’, significando que todo o ciclo de fabricação e produção de produtos deveria ter o foco nas necessidades e desejos reais do consumidor.

Nas últimas décadas, o que se observa é um continuo aumento da vulnerabilidade do consumidor nas mais diversas relações estabelecidas com os empresários. Essa fragilidade do consumidor é facilmente percebida, seja no momento da contratação, quando o adquirente do produto simplesmente adere a instrumento já elaborado pelo fornecedor (contrato de adesão), seja quando o consumidor é seduzido ou mal informado pelas publicidades de produtos ou serviços.

As publicidades, a cada dia, informam menos e, em proporção inversa, se utilizam de métodos sofisticados de marketing, o que resulta em alto potencial de indução a erro do destinatário da mensagem e, até mesmo, na criação da necessidade e desejo de compra de bens e serviços supérfluos ou com pouca utilidade real.

A vulnerabilidade do consumidor evidencia-se em face das técnicas atuais dos publicitários. Informar sobre as características do produto e do serviço não é, há muito tempo, o intuito das campanhas publicitárias. A publicidade deixou para um plano secundário a informação sobre as características do produto ou serviço. O objetivo é criar desejos, seduzir, convencer o consumidor de que, sem o último modelo do aparelho celular, ele não será mais o mesmo.

Estamos na era do neuromarketing, de pesquisas que rastream o cérebro humano, por meio de Ressonância Magnética Funcional, para estudar as reações do consumidor diante de imagens, sons e cheiros, de modo a seduzi-lo a comprar, adquirir mais e mais produtos. Martin Linstrom, um dos grandes expoentes do neuromarketing, resume que se trata simplesmente do casamento da ciência com o marketing. De acordo com o autor, é a chave para compreender a “lógica de consumo”, ou seja, “os pensamentos, sentimentos e desejos subconsicentes que impulsionam as decisões de compra que tomamos em todos os dias de nossas vidas” (A lógica do consumo, p. 13).

Fica impossível, nesse contexto, falar em soberania do consumidor, “rei do mercado”, ou qualquer outra expressão que denote força do consumidor. Embora a fragilidade do consumidor possa ser percebida em todas as fases de aproximação com o produto, não há dúvida de que a publicidade é o ponto mais sensível.

Daí a especial importância que as leis brasileiras, particularmente o Código de Defesa do Consumidor, conferem à oferta e publicidade de produtos e serviços. Além do princípio da boa-fé objetiva, que exige conduta leal e transparente do fornecedor, diversos dispositivos da Lei 8.078/90 estabelecem o dever de informar de modo claro e adequado sobre todas as características do produto, principalmente sobre os riscos que apresentam à saúde do consumidor (art. 6º, I e II, art. 8 º, parágrafo único, art. 9º, art. 31, art. 37) .

A questão da informação sobre riscos de produtos, aí incluídos os alimentos, é levada tão a sério pelo Código de Defesa do Consumidor que a lei considera “produto defeituoso” aquele que não é acompanhado de informações adequadas (art. 12), ensejando a responsabilidade civil do fabricante.

A Resolução nº 24 da Anvisa, ao explicitar e detalhar as informações que devem acompanhar a comercialização de alimentos, visando à proteção da saúde do consumidor, ao contrario do que se alega, não inova no mundo jurídico, não estabelece novas obrigações para os fornecedores: o dever de informar, reitere-se, foi instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, lei aprovada pelo Congresso Nacional. Não tem sentido, portanto, falar em ofensa ao princípio constitucional da legalidade.

*Promotor de justiça, professor universitário, mestre em Direito Público (UnB), doutor em Direito Civil (UERJ)

Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa: anacronias de nossos tempos

“Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia”, coletânea de artigos do professor Venício A. de Lima lançada recentemente pela Editora Publisher, é a síntese mais bem acabada do debate vigente no Brasil neste início de século quando o assunto é regulação e políticas de comunicação.

Os artigos reunidos no livro foram originalmente publicados pelo site Observatório de Imprensa, projeto voltado para o acompanhamento e a discussão da atividade da mídia no país. Fogem, portanto, do formato tradicional das contribuições teóricas, evitando o “hermetismo” típico do gênero e contribuindo de forma generosa com a abertura do debate público sobre o tema. Embora academicamente densos, os textos apresentam um panorama bastante claro – e por isso acessível aos não-especialistas – da forma como os proprietários dos grandes meios de comunicação nacionais recorrem ao princípio jurídico da liberdade de expressão para evitar qualquer forma de incidência da sociedade sobre suas atividades, garantindo um ambiente altamente desregulado cuja marca essencial é a ausência de instrumentos de controle público.

Tal discurso se apóia, entre outros aspectos, na confusão estabelecida entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa – com variáveis como liberdade de expressão artística, liberdade de criação, liberdade de anúncio, liberdade jornalística, entre outros. Como aponta o autor de forma inequívoca, é rotineiro encontrar não só a utilização das duas expressões – liberdade de expressão e liberdade de imprensa – como equivalentes, mas também o deslocamento da liberdade de expressão do indivíduo para a "sociedade" e, desta, implicitamente, para os "jornais", sejam eles impressos ou audiovisuais.

A mesma lógica que busca confundir o direito fundamental à expressão com o direito das empresas privadas que atuam no setor das comunicações materializa-se, de forma ainda mais radical, na tentativa de forjar a aceitação – como se costume jurídico fosse – da "liberdade de expressão comercial" como um direito humano. Mas, como aponta Lima, a liberdade de expressão comercial, ao transformar em equivalentes dois tipos totalmente distintos de informação – a publicitária e a jornalística – “apropriou-se, sem mais, da idéia de liberdade de expressão como se a mídia, anunciantes e agências de publicidade fossem os legítimos representantes do direito individual e coletivo contra a 'censura' e a 'sanha regulatória' exercidas pelo o Estado”.

Não há, portanto, confusão que resista à boa-fé intelectual, especialmente após a leitura de “Liberdade de Expressão X liberdade de Imprensa”.

Lima vai inclusive à origem política e filosófica da liberdade de expressão, jogando por terra a afirmação de que os autores geralmente invocados pelos grandes empresários de mídia do país – como John Stuart Mill e John Milton – referendariam a tese da “sanha regulatória” do Estado brasileiro neste início de século. Pelo contrário: nos alerta Venício Lima que em Sobre a Liberdade (On Liberty), ensaio rotineiramente invocado como um dos pilares da defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, Mill aponta o perigo da “tirania da maioria”, na qual a sociedade – e não o governo – poderia passar a fazer as vezes do tirano. Mill, assim, já sinalizava os riscos para a representação e o respeito à diversidade social, por meio da apropriação privilegiada – e, portanto, desigual – dos meios de comunicação de massa (no caso, os jornais).

Da análise de casos concretos descritos e comentados em “Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa” não há outra conclusão possível: no Brasil, o princípio jurídico da liberdade de expressão foi capturado pelos proprietários dos meios de comunicação, que impõe uma interpretação deturpada de seu significado original. Os donos da mídia ressignificam este direito humano fundamental de forma a esvaziá-lo e tentam a todo custo, estabelecer como hegemônica a visão de que sua efetivação só se dará com a ausência absoluta de instrumentos que regulem a atividade midiática e imponham restrições a seus interesses econômicos. Assim, a ameaça à liberdade – em particular à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa – tem sido identificada no espaço público como vinda exclusivamente do Estado, mesmo que estejamos vivendo em um Estado de Direito, no (pleno) funcionamento das instituições democráticas.

Foi apoiada nessa pretensa confusão conceitual que se moveram, nos últimos anos, as disputas políticas sobre os modelos regulatórios no campo das comunicações, nos quais os coronéis da mídia brasileira têm obtido amplo sucesso. O resultado dessa hegemonia é claro: no Brasil, a estratégia discursiva empresarial – simultaneamente política e jurídica – prevaleceu e o marco regulatório nacional se moveu historicamente à mercê de interesses privados, ora nacionais, ora internacionais. Como comprovam de forma categórica os diversos relatos da história regulatória dos serviços de comunicação, a circulação de informação, à exceção de períodos episódicos, sempre foi controlada por monopólios e oligopólios privados. Seus proprietários mantiveram, e ainda mantêm, influência decisiva na vida política nacional, perpetuando, no plano normativo, um ambiente altamente favorável à maximização de seus lucros e a defesa de interesses políticos determinados.

A sanha antirregulação do empresariado brasileiro é tamanha que as reformas que combatem não são, nem ao menos, estruturais. Em geral, são medidas que pouco alterariam o status quo e que há muito foram implementadas em democracias liberais, sempre ancoradas no direito à liberdade de expressão. No Brasil, inversamente, tais diretrizes regulatórias não prosperam apoiadas justamente na idéia de que tal liberdade, para que seja garantida em sua plenitude, deve ser compreendida como a abstenção absoluta do Estado na dinâmica econômica do setor. É, por certo, uma das anacronias dos nossos tempos.

“Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa” desnuda a hipocrisia discursiva dos coronéis da mídia brasileira. E, afirmo sem medo de errar, tratar-se da melhor síntese do debate político-jurídico vigente no campo das comunicações neste início de século XXI.

* Diogo Moyses é radialista, mestre em Direito pela Universidade de São Paulo e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Dezesseis anos, três decretos e nada muda

Esta não será a primeira vez – e, certamente, nem a última – que se evoca a falta de memória crônica de que nós, os brasileiros, padecemos desde sempre. Em relação às promessas pré-eleitorais ou oficiais que envolvem a formulação de políticas públicas, nem se fala. A distância entre o que se anuncia e o que realmente se faz é imensurável.

Há, no entanto, uma outra esfera a que se presta ainda menos atenção. Refiro-me às "intenções" expressas em decretos que criam comissões e/ou grupos de trabalho para elaborar propostas que nunca se materializam ou, quando se materializam, nunca são implementadas. E, com isso, o tempo passa, muda-se o governo e "tudo permanece como dantes no quartel de Abrantes".

Três decretos

Na quarta-feira (21/7), o presidente Lula assinou decreto criando uma comissão interministerial para "elaborar estudos e apresentar propostas de revisão do marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiofusão". A comissão será integrada por representantes da Casa Civil, dos Ministérios das Comunicações e da Fazenda, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e da Advocacia Geral da União. Representantes de órgãos e entidades da administração federal, estadual e municipal, além de entidades privadas, poderão ser convidados a participar das reuniões. O artigo 6º do decreto diz que "a Comissão Interministerial encerrará seus trabalhos com a apresentação, ao Presidente da República, de relatório final", mas não estabelece qualquer prazo para que isso ocorra [ver íntegra do decreto].

O ministro Franklin Martins, da Secom, declarou que "a idéia é deixar para o próximo governo propostas que permitam avançar numa área crucial e enfrentar os desafios e oportunidades abertos pela era digital na comunicação e pela convergência de mídias" [cf. Blog do Planalto].

O que não se disse, mas está escrito no artigo 8º do próprio decreto, é que o atual revoga um anterior, assinado pelo mesmo presidente Lula há pouco mais de quatro anos, com, basicamente, a mesma finalidade. O decreto de 17 de janeiro de 2006 criava uma "Comissão Interministerial para elaborar anteprojeto de lei de regulamentação dos artigos 221 e 222 da Constituição e da organização e exploração dos serviços de comunicação social eletrônica" [ver íntegra do decreto].

Que se saiba tal comissão nunca se reuniu.

Acredite se quiser: o decreto de 17 de janeiro de 2006, por sua vez, já revogava outro decreto, assinado também pelo presidente Lula nove meses antes, em 26 de abril de 2005, que criava um "Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de elaborar anteprojeto de lei de regulamentação dos artigos 221 e 222 da Constituição e da organização e exploração dos serviços de comunicação social eletrônica". Vale dizer, tinha as mesmas finalidades [ver íntegra do decreto].

O artigo 3º rezava que "o Grupo de Trabalho deverá apresentar às Câmaras de Política Cultural e de Política de Infra-Estrutura do Conselho de Governo relatório e proposta do anteprojeto de lei (…), no prazo de cento e oitenta dias contados da publicação da portaria de designação de seus membros, prorrogável por mais noventa dias".

Que se saiba tal grupo de trabalho nunca se reuniu.

Antes do primeiro decreto

O decreto de abril de 2005, por sua vez, surgiu diante das resistências dos grandes empresários da radiodifusão e do audiovisual em relação à intenção (sim, apenas intenção, porque nunca se chegou a divulgar um projeto oficial) do Ministério da Cultura de transformar a Ancine em Ancinav. Essa transformação, como se sabe, nunca aconteceu.

Naquela época escrevi em texto otimista neste Observatório:

"As notícias nos dão conta de que, em reunião onde estavam presentes pelo menos oito de seus ministros, além do líder do governo no Senado Federal, na quinta-feira (13/1/2005), o presidente da República determinou que se prepare um projeto de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGC) e que se transforme a Ancinav apenas em agência de fomento e fiscalização".

A justificativa era de que a Ancinav – ou que outro nome viesse a ter quando finalmente criada – deveria ser uma agência reguladora das comunicações funcionando dentro de um amplo marco regulatório.

A rigor, desde o plano de governo do candidato Lula, em 2002, a necessidade de se criar, imediatamente após a posse, um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, a ser amplamente discutida com a sociedade, foi sugestão majoritária por parte daqueles chamados a colaborar na sua elaboração. O tema, no entanto, não apareceu na versão final do plano de governo tornado público.

[Qualquer semelhança com o que já aconteceu com o primeiro programa de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral pela candidata Dilma Roussef, neste ano de 2010, não é mera coincidência.]

Antes ainda, nos tempos de Fernando Henrique Cardoso, o ministro Sérgio Motta, no início do primeiro governo, já falava – oficialmente – na elaboração de um "marco regulatório" para as comunicações brasileiras. Pelo menos seis pré-projetos de uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa chegaram a circular nos bastidores do governo antes do falecimento do ex-ministro.

Posteriormente, ao tempo do ministro Pimenta da Veiga, uma nova versão do pré-projeto chegou a ser colocada em consulta pública pelo Ministério das Comunicações. Não deu em nada.

O tempo passa e…

Afinal, que forças poderosas são essas que continuam a impedir até mesmo a elaboração de uma proposta de marco regulatório para uma "área crucial"?

Do primeiro governo de FHC até hoje são quase 16 anos! Daqui a pouco mais de cinco meses o presidente será outro, o governo será outro. E como disse o ministro Franklin Martins, ficará para o próximo governo – seja ele qual for – cuidar de eventuais "propostas que permitam avançar numa área crucial". Em outras palavras, fazer o que até agora não se fez, isto é, elaborar, pelo menos, um projeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional que crie um marco regulatório para as comunicações no Brasil.

Quem viver – e tiver memória – verá.

A calúnia golpista da SIP contra o presidente Lula

Os jornais de hoje (17) estampam declaração do presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa, Alejandro Aguirre, afirmando que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “não pode ser chamado de democrático”. O ataque se estende aos demais países da região que são administrados por partidos de esquerda. Esses governos, de acordo com o dirigente da SIP, “se beneficiam de eleições livres para destruir as instituições democráticas”.

Certamente é importante, para os leitores, conhecer a história dessa entidade antes de julgar a credibilidade das declarações de seu principal dirigente. Fundada nos Estados Unidos em 1946, a SIP teve papel fundamental durante a Guerra Fria. Empenhou-se com afinco a etiquetar como “antidemocráticos” os governos latino-americanos que não se alinhavam com a Casa Branca. Constituiu-se em peça decisiva da guerra psicológica que antecedeu os levantes militares no continente entre os anos 60 e 80.

Orgulha-se de reunir 1,3 mil publicações das Américas, com 40 milhões de leitores. Entre seus membros mais destacados, por exemplo, está o diário chileno El Mercurio, comprometido até a medula com a derrubada do presidente constitucional Salvador Allende, em 1973, e a ditadura do general Augusto Pinochet

Outros jornais filiados são os argentinos La Nación e El Clarín, apoiadores de primeira hora do golpe sanguinário de 1976, liderado por Jorge Videla. Aliás, suspeita-se que a dona desse último periódico recebeu como recompensa um casal de bebês roubado de seus pais desaparecidos.

A lista é interminável. O vetusto diário da família Mesquita, Estado de S.Paulo, também foi militante estridente das fileiras anticonstitucionais, clamando e aplaudindo, em 1964, complô contra o presidente João Goulart. Mas não foi atitude solitária: outros grupos brasileiros de comunicação, quase todos também inscritos na SIP, seguiram a mesma trilha golpista.

Os feitos dessa organização, entretanto, não são registros de um passado longínquo. Ou é possível esquecer a histeria da imprensa venezuelana, em abril de 2002, no apoio ao golpe contra o presidente Hugo Chávez? Naquela oportunidade, a SIP não deixou por menos: a maioria de seus filiados foi cúmplice da subversão oligárquica em Caracas.

Uma trajetória dessas é para deixar até o mais crédulo com as barbas de molho. Qual a autoridade dos dirigentes dessa agremiação para falar em democracia, com sua biografia banhada na lama e no sangue? O que fazem é se aproveitar dos espaços públicos sobre os quais exercem propriedade privada para conspirar, agredir e manipular.

Ainda mais quando apelam à calúnia. A imensa maioria dos veículos de imprensa no Brasil dedica-se à desabusada oposição contra o presidente Lula e seu partido. Nenhuma publicação dessas foi fechada ou censurada por iniciativa de governo. Circulam livremente, apesar de muitos terem atravessado o Rubicão que separa o jornalismo da propaganda política, violando as mais comezinhas regras de equilíbrio editorial.

As palavras do presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa, dessa forma, devem ser compreendidas através do código genético de Aguirre e seus pares. Hoje, como antes, atacam os governos progressistas porque desejam sua desestabilização e derrocada. Insatisfeitos com os resultados e as perspectivas eleitorais de aliados políticos, tratam de vitaminá-los com factóides de seu velho arsenal.

A história do presidente Lula, afinal, é de absoluto respeito à Constituição e à democracia. O mesmo não pode ser dito da SIP, cujas impressões digitais estão gravadas na história dos golpes e ditaduras que infelicitaram a América Latina.

*Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi.