Arquivo da tag: Correio Braziliense

Legalidade e legitimidade da Resoluçao 24 (Anvisa)

As crianças brasileiras, como apontam recentes estudos, estão ingerindo mais calorias do que o organismo necessita. O Brasil ultrapassou os Estados Unidos em termos de obesidade infantil. Nada menos de 22% das crianças entre 2 e 5 anos apresentam sobrepeso. O controle sobre o que se come só é possível com informações claras e adequadas sobre os alimentos. Em 2005, a OMS (Organização Mundial da Saúde) destaca que a comercialização de alimentos não saudáveis à população infantil é fator que contribui decisivamente para o aumento de níveis de obesidade na fase adulta

Recentemente, no dia 15 de junho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 24/2010, por meio da qual, seguindo a preocupação de vários países (Canadá, Suécia, Inglaterra), estabelece critérios e exigências informativas para oferta e publicidade de alimentos considerados com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional. A resolução confere especial atenção às publicidades dirigidas às crianças, com o objetivo de coibir “práticas excessivas que levem o público infantil a padrões de consumo incompatíveis com a saúde e que violem seu direito à alimentação adequada” (art. 2º).

Todavia, noticia-se que a Advocacia Geral da União, dias após a edição da referida resolução, encaminhou recomendação à Anvisa para suspender o ato, sob o argumento de que há necessidade de lei específica, aprovada pelo Congresso Nacional, para regulamentar o tema.

Tal recomendação, além de contrariar os mais legítimos interesses da sociedade, carece de fundamento jurídico. A defesa do consumidor pelo Estado se justifica pela sua fragilidade no mercado de consumo. Nem mesmo os economistas continuam a afirmar que o consumidor é o ‘rei do mercado’, significando que todo o ciclo de fabricação e produção de produtos deveria ter o foco nas necessidades e desejos reais do consumidor.

Nas últimas décadas, o que se observa é um continuo aumento da vulnerabilidade do consumidor nas mais diversas relações estabelecidas com os empresários. Essa fragilidade do consumidor é facilmente percebida, seja no momento da contratação, quando o adquirente do produto simplesmente adere a instrumento já elaborado pelo fornecedor (contrato de adesão), seja quando o consumidor é seduzido ou mal informado pelas publicidades de produtos ou serviços.

As publicidades, a cada dia, informam menos e, em proporção inversa, se utilizam de métodos sofisticados de marketing, o que resulta em alto potencial de indução a erro do destinatário da mensagem e, até mesmo, na criação da necessidade e desejo de compra de bens e serviços supérfluos ou com pouca utilidade real.

A vulnerabilidade do consumidor evidencia-se em face das técnicas atuais dos publicitários. Informar sobre as características do produto e do serviço não é, há muito tempo, o intuito das campanhas publicitárias. A publicidade deixou para um plano secundário a informação sobre as características do produto ou serviço. O objetivo é criar desejos, seduzir, convencer o consumidor de que, sem o último modelo do aparelho celular, ele não será mais o mesmo.

Estamos na era do neuromarketing, de pesquisas que rastream o cérebro humano, por meio de Ressonância Magnética Funcional, para estudar as reações do consumidor diante de imagens, sons e cheiros, de modo a seduzi-lo a comprar, adquirir mais e mais produtos. Martin Linstrom, um dos grandes expoentes do neuromarketing, resume que se trata simplesmente do casamento da ciência com o marketing. De acordo com o autor, é a chave para compreender a “lógica de consumo”, ou seja, “os pensamentos, sentimentos e desejos subconsicentes que impulsionam as decisões de compra que tomamos em todos os dias de nossas vidas” (A lógica do consumo, p. 13).

Fica impossível, nesse contexto, falar em soberania do consumidor, “rei do mercado”, ou qualquer outra expressão que denote força do consumidor. Embora a fragilidade do consumidor possa ser percebida em todas as fases de aproximação com o produto, não há dúvida de que a publicidade é o ponto mais sensível.

Daí a especial importância que as leis brasileiras, particularmente o Código de Defesa do Consumidor, conferem à oferta e publicidade de produtos e serviços. Além do princípio da boa-fé objetiva, que exige conduta leal e transparente do fornecedor, diversos dispositivos da Lei 8.078/90 estabelecem o dever de informar de modo claro e adequado sobre todas as características do produto, principalmente sobre os riscos que apresentam à saúde do consumidor (art. 6º, I e II, art. 8 º, parágrafo único, art. 9º, art. 31, art. 37) .

A questão da informação sobre riscos de produtos, aí incluídos os alimentos, é levada tão a sério pelo Código de Defesa do Consumidor que a lei considera “produto defeituoso” aquele que não é acompanhado de informações adequadas (art. 12), ensejando a responsabilidade civil do fabricante.

A Resolução nº 24 da Anvisa, ao explicitar e detalhar as informações que devem acompanhar a comercialização de alimentos, visando à proteção da saúde do consumidor, ao contrario do que se alega, não inova no mundo jurídico, não estabelece novas obrigações para os fornecedores: o dever de informar, reitere-se, foi instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, lei aprovada pelo Congresso Nacional. Não tem sentido, portanto, falar em ofensa ao princípio constitucional da legalidade.

*Promotor de justiça, professor universitário, mestre em Direito Público (UnB), doutor em Direito Civil (UERJ)

Quem assiste gosta!

Gosto do primeiro sábado do mês. É quando escrevo este artigo para o Correio Braziliense, reencontrando leitores e interlocutores, comentando ora os temas da agenda social, ora o meu tema preferido: as comunicações no contexto planetário e a situação delas no Brasil. Abordo hoje dois aspectos: os dois anos de implantação da TV Pública e a Conferência Nacional de Comunicação, que acontece entre os dias 14 e 17 próximos.

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi criada em outubro de 2007 e, logo depois, em 2 de dezembro, entrava no ar a TV Brasil, a nossa TV Pública que devia ter sido criada há 50 anos, como as da Europa. Mas preferimos copiar os EUA e nossa televisão já nasceu comercial e reinou sozinha pelas décadas seguintes. Claro que a TV comercial tem sido exitosa no Brasil, dentro de sua natureza. Mas a seu lado deve existir a TV Publica, da sociedade e não do governo, para oferecer o que a lógica programação-audiência-publicidade-lucro não permite à TV comercial. É isso que vem fazendo a TV Brasil. E quem assiste, gosta, constatou pesquisa do Instituto Datafolha: 80% dos que assistem aprovam a programação. Quem não assiste, joga pedras.

Falemos dos portadores de deficiências — sensorial, física ou intelectual. São quase 20 milhões de brasileiros. Na TV Brasil temos o Jornal Visual, um noticiário exclusivo para os que não ouvem. Temos o Programa Especial, que discute com os próprios deficientes, famílias e especialistas as formas de convívio, as novidades médicas e o enfrentamento do preconceito. Temos o Assim Vivemos, belíssimos documentários sobre experiências de superação. O tema aparece em outros programas. Há alguns dias Papo de Mãe — programa em que Maria Kotscho e Renata Manreza tratam da criação de filhos — discutiu com profundidade e propriedade o tema da síndrome de Down. Ainda estão chegando e-mails de pais agradecidos.

Vamos a outros temas. Só na TV Brasil há um programa semanal de musica erudita. Um elitismo? Seria, se não houvesse na mesma grade uma vasta oferta de programas musicais, valorizando todos os gêneros populares. Samba na Gamboa, com Diogo Nogueira, é um sucesso que tem atraído os mais jovens, distanciados do gênero musical que melhor expressa nossa síntese cultural. Temos ainda o Segue o Som, a Bossa Sempre Nova, o Clube do Choro, gravado em Brasília, o Som na Rural, feito no Nordeste, entre outros títulos.

Em todo o mundo, a TV Publica define como sua missão contribuir para a formação do cidadão. Mas o cidadão começa a ser formado na infância. Por isso a TV Brasil oferece seis horas diárias de programação infantil da melhor qualidade. Alguns programas internacionais (sim, valorizamos o nacional sem ignorar o que há de bom lá fora), que só passam na TV por assinatura, são oferecidas aos sem-cabo na TV Pública. Poko e Sua Turma e Barney, por exemplo. Mas há brasilidade também: O Menino Maluquinho e A Turma do Pererê, produções próprias, o Castelo Rá-Tim-Bum ou Vila Sésamo, da TV Cultura.

Jornalismo todas as TVs oferecem, dizem os críticos. Onde está a diferença na TV Pública? Primeiro, pela inclusão, na pauta, de temas que não frequentam a agenda ditada pela mídia comercial. Depois, pela oferta de notícias em todos os estados do Brasil, enviadas pelas emissoras educativas e universitárias associadas. O Brasil não se resume aos escândalos políticos, às decisões político-governamentais de Brasília, ao noticiário econômico que emana sobretudo de São Paulo ou da indústria cultural que tem o Rio como capital. Os canais públicos devem expressar o Brasil vasto em profundo, no jornalismo e na programação cultural/educativa. Eu daria outros exemplos, mas o espaço do artigo acabou.

No dia 2, evocando os dois anos da TV Brasil, a EBC realizou seminário para dialogar com a sociedade sobre esses dois anos de implantação. Além da participação presencial, bastante representativa, foi grande a participação pela Internet, a partir de outros estados. Críticos, apoiadores e mesmo curiosos puderam discutir a implantação do sistema público de comunicação (rádio, TV e web). Não há mistério. Ele é atributo das democracias e, por isso, foi previsto pelos constituintes de 1988. Críticos muito duros foram convidados e aparecer, surpresos pelo convite. Isso é novo, exige maturidade.

Por fim, a conferência. O mundo, por várias razões, entre elas a revolução nas comunicações, não é o mesmo em que nascemos. Não é sequer o de 10 anos atrás. A regulação do sistema brasileiro de comunicações foi superada por essa revolução. Precisa ser passada a limpo pela Confecom, que começa no dia 14. Demonizá-la, como fazem alguns, é compactuar com a situação atual, divorciada da nova realidade.

*Presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

Há futuro para as TVs do Estado?

Entre as contradições contemporâneas, muito tem se debatido sobre o papel das tevês do Estado, o que alguns puristas ainda preferem chamar de tevês públicas. Se o conceito de público fosse estabelecido e consagrado pela sociedade brasileira, essa dúvida entre Estado e público não existiria. O Estado ainda tem a conotação de governo ou dos governos da hora.

Sobre as tevês do Estado recaem muitas e enormes exigências e atribuições legítimas. Mas o tema da forma de seu financiamento, permanentemente, gera debates acalorados que, em alguns países, resultaram numa evolução significativa dos modelos de maneira a assegurar a continuidade e relevância de seus papéis junto às sociedades às quais devem responder.

Em todo o mundo, vez por outra, há um intermitente questionamento sobre o papel e a razão de ser de uma TV pública. Muito recentemente a Espanha, que tem uma importante TV pública, a RTVE, eliminou a presença da publicidade tanto da exibição da programação quanto da composição orçamentária da instituição. A receita publicitária, que chegava a responder por quase 50% do orçamento (a parte restante advinha de recursos do governo), foi substituída por taxações na iniciativa privada desse segmento.

Neste momento, na França, ocorre algo semelhante, passando pela eliminação gradativa da publicidade tanto na programação como no orçamento. E a recomposição orçamentária se dará com novos impostos e taxas num caminho semelhante à BBC britânica.

Mas, mesmo diante dos novos canais de distribuição pelas mais diferentes possibilidades tecnológicas, o papel das tevês públicas ou de Estado está assegurado e tem a aceitação da sociedade. E que papel ainda poderia ser esse?

As tevês públicas também desenvolveram formas outras de distribuição contemplando as novas tecnologias. Mas a oferta qualitativa de conteúdos audiovisuais e a busca da experimentação qualificada de novos formatos e linguagens, em absoluta sintonia com os significados sociológicos e antropológicos dos diferentes países, garantem o seu papel no cenário televisivo ou audiovisual existente.

A TV digital brasileira pode trazer desafios para a área pública, mas, também, inúmeras possibilidades. Se a interatividade ainda não iniciada de fato na TV digital trará aplicativos e formatos mais ou menos previsíveis, no campo da área pública essas novas possibilidades podem tender ao infinito. Organismos e fontes de recursos públicos têm fomentado laboratórios de experimentação com formatos audiovisuais em multiplataforma, tanto no campo da arte digital quanto no da educação e no da ciência.

Os softwares a serem desenvolvidos a partir da tecnologia mãe parecem-se com as leis complementares da Constituição. Temos o macro, mas o micro ainda há que desenvolver. E há que se ter treinamento, formação de mão de obra para além das arcaicas e retrógradas convenções trabalhistas que impedem, quase sempre, as esferas de atuação pública. E que país pode não fazer frente a essa profunda revolução audiovisual e midiática?

O desafio ainda impera no Brasil. Os modelos de produção, de exibição e de financiamento ainda carecem da atenção adequada. Ainda somos experimentadores de possibilidades nessas áreas, mas sem nenhuma consistência conclusiva.

Óbvia é a atuação em múltiplas plataformas. Tão óbvia quanto a necessidade de reformulação dos modelos caducos de produção que utilizam mal os recursos humanos e financeiros. As múltiplas plataformas exigem novos modelos de produção, novas formações profissionais também múltiplas e que passam, obrigatoriamente, por uma nova educação digital, tão obrigatória quanto dramaticamente necessária.

Nossa educação ainda é analógica. Mas como a realidade sempre supera a legislação ou a formalidade, a alfabetização digital já está nas ruas. E o audiovisual, público ou privado, saiu em busca de dar fundamentação ao que já não dá mais pra segurar.

Ainda não é tão óbvia a questão do financiamento que ainda, no Brasil, não encontrou proposta adequada e que garanta o enfrentamento do presente e um posicionamento adequado em relação ao futuro, que é daqui a pouco. Ao lado do aquecimento global, o pensamento e a produção digital ocupa o cenário nesta primeira década de século. De onde não há volta ao passado.

*  Mauro Alves Garcia é Diretor de Projetos Especiais da Fundação Padre Anchieta — TV Cultura

YouTube volta, mas sem vídeo de Cicarelli

Durou apenas três dias o bloqueio ao site de vídeos YouTube, o mais acessado no mundo todo. No início da tarde de ontem, o desembargador Ênio Santarelli Zuliani, do Tribunal de Justiça de São Paulo, mandou que as operadoras telefônicas desbloqueassem o acesso ao site até que o mérito da questão seja analisado por três desembargadores. O pedido de bloqueio foi feito por advogados da modelo e apresentadora Daniela Cicarelli e do namorado, Tato Malzoni, flagrados fazendo sexo numa praia da Espanha. Desde que foi concedida a primeira decisão judicial, houve uma confusão em torno do despacho. Segundoo TJ, inicialmente era para bloquear o vídeo com imagens picantes da modelo. No entanto, por um erro de interpretação do juiz Lincon Antônio Andrade de Moura, que redigiu o ofício encaminhado às operadoras, constava no documento a ordem de bloquear o site. Com o novo despacho, determinado o desbloqueio, a Brasil Telecom e Telefónica, que juntas atendem mais de 50% dos usuários brasileiros, liberaram o acesso ao YouTube ontem no início da tarde. As demais empresas, como a Telemar e Vésper, ainda nem haviam efetuado o bloqueio.

A trapalhada do juiz despertou a ira de internautas (leiaabaixo). Apesar da liberação, o novo despacho do desembargador deixa claro que pode haver novo bloqueio. 'Não está excluída a imposição de medidas drásticas, como bloqueio preventivo, de trinta dias ou mais, até que o YouTube providencie a instalação de software com poder para moderar asimagens cuja divulgação foi proibida', diz nota de Zuliani. Mas o controle de sites como o YouTube, em que os internautas postam cerca de 35 mil vídeos por dia, é muito difícil.

Segundo o advogado Renato Opice Blum, especialista em direito na internet, seria mais fácil banir o portal inteiropor conta das restrições técnicas. As empresas terão de informar à Justiça eventuais dificuldades para restringir o vídeo. Sistema de busca A dificuldade de fiscalização, sobretudo no YouTube, que é um site interativo, ocorre porque o vídeo de Cicarelli pode ser inserido na página com osmais variados termos, que não mencionem o nome da modelo ou o local em que foram gravadas as cenas picantes.

Esse artifício vem sendo usado para driblar os filtros, que buscam palavras-chaves para barrar o acesso ao conteúdo. Nas lan houses (estabelecimentos que permitem acesso público à internet) de Brasília, o banimento do YouTube causou indignação e prejuízo. Numa loja que funciona no Pátio Brasil, nos três dias em que o site de vídeo não pôde ser acessado, os internautas desapareceram. 'Muita gente entrava, acessava o computador e saía imediatamente', conta o proprietárioda casa, Felipe Porto. Ele tem duas lan houses com 26 computadores. 'Muita gente ainda reclamou comigo achando que a lan tem alguma coisa a ver com isso', conta Porto.

Em um cybercafé do Sudoeste, os internautas perguntavam se era possível o acesso ao YouTube antes de entrar. Para explicar aos internautas o que estava acontecendo com o portal de vídeos, a dona do estabelecimento, Iáscara Souto, afixou recortes de jornais para os usuários lerem. Para o advogado Pedro Morais, da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a decisão judicial caracteriza censura prévia porqueo bloqueio impediu acesso dos internautas a informações públicas. 'No YouTube não há só vídeos picantes', diz. Ele afirma que Cicarelli tem todo o direito de pedir que seu vídeo seja retirado do ar. 'Mas bloquear o site caracteriza arbitrariedade', atesta.