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Comunicadores do sertão baiano reivindicam políticas locais de comunicação

Após a mobilização da sociedade civil para realizar a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009, comunicadores do interior da Bahia resolveram continuar mobilizados em torno da pauta nos anos posteriores à Confecom. Para isto, criaram o Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco, uma articulação de entidades da sociedade civil que conta hoje com representação em oito dos 10 municípios baianos localizados na região – entre elas ONGs, pastorais sociais, movimento estudantil, associações de moradores e rádios comunitárias.

Neste ano de 2012, para marcar a semana de luta pela democratização da comunicação na região, o Fórum realizou, em parceria com a Universidade Estadual da Bahia (Uneb) campus Juazeiro, o seminário “Comunicação pra quê? Por uma nova pauta no sertão”. No evento, que reuniu estudantes, educadores, profissionais da imprensa local e militantes de movimentos sociais para discutir o papel da comunicação para o desenvolvimento do Semiárido, o Fórum decidiu continuar atuando para a formação dos comunicadores locais e sensibilização da sociedade para o tema, mas também resolveu incidir com mais intensidade junto aos governos locais e ao governo federal, por meio do núcleo diretivo do território, na proposição e reivindicação de políticas públicas locais de comunicação.

De acordo com Érica Daiane, representante do Coletivo Intervozes no Fórum, no início de 2013, a articulação, que elegeu uma nova secretaria-executiva na reunião do último dia 19 de outubro, fará uma reunião de planejamento onde irá listar as prioridades de atuação neste novo ano. "Vamos listar as nossas prioridades, redefinir em que frentes atuaremos. Devemos manter o foco na formação de comunicadores populares, na sensibilização da sociedade, mas como é um ano em que entrarão novos mandatários nas prefeituras e nas câmaras de vereadores, devemos também atuar mais nesta linhas de propor políticas locais de comunicação", afirma Érica.

"Outra linha na qual devemos intervir é dentro da estrutura de governo da política de desenvolvimento territorial do governo federal. Não só assessoria de comunicação, mas também no que se refere à transparência e políticas de comunicação para o território", completa a representante do Intervozes, que acrescenta ainda que, graças à intervenção do Fórum, foi criada uma câmara temática de comunicação na estrutura de gestão do núcleo diretivo do território, mas que pouco avança por falta de prioridade e de recursos destinados à área. “Mas vamos continuar acompanhando porque muitos projetos de comunicação para região, principalmente para os municípios menores, vêm via território, como os infocentros e a telefonia rural”, complementa.

A estudante de jornalismo da Uneb e representante da Rádio Comunitária Curaçá FM no Fórum, Delaídes Rodrigues, afirma que o Fórum é um espaço relevante e de grande ajuda para as rádios comunitárias da região. "São espaços de discussão, de construção coletiva, e também de formação  para os radiocomunicadores. Essas experiências fazem com que a nossa rádio continue com um caráter comunitário e com que a gente acredite que podemos fazer uma outra comunicação, que é essa comunicação que a gente tanto deseja ver: democrática,  que chega a todos", comenta Rodrigues. A estudante também critica a pouca inserção da universidade na discussão acerca da democratização da comunicação. “Eu já venho de outra formação, das rádios comunitárias e de espaços como esse do Fórum, mas não vejo essa discussão sobre a democratização da comunicação na universidade”, conclui a comunicadora.

Comunicação pra quê? Por uma nova pauta no sertão

Desde que foi criado, há três anos, o Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco realiza atividades regionais para marcar o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação, 18 de outubro. Em 2010 foi realizado o Encontro Regional de Rádios Comunitárias; em 2011, o Fórum realizou atividades descentralizadas nos municípios, com a exibição de filmes e discussões em praça pública e nos bairros sobre o tema e, neste ano, o Fórum realizou o seminário “Comunicação pra quê? Por uma nova pauta no sertão”.

O seminário contou com a contribuição da pesquisadora Cicilia Peruzzo, referência nacional nos estudos sobre comunicação e transformação social, da integrante do Coletivo Intervozes Cecília Bizerra do comunicador popular Edisvânio Nascimento, que contribui com o processo de Comunicação para o Desenvolvimento na Região Sisaleira da Bahia, além de representante do Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco.

Para a professora do curso de Comunicação Social da Uneb Gislene Moreira, uma das responsáveis pela organização do evento, "discutir estes temas é uma necessidade, principalmente se estamos falando de sertão, um lugar onde as estruturas de poder ainda são muito centralizadas, controladas. E não estou falando só das estruturas locais, as estruturas nacionais são ainda mais pesadas. Quem nasce na zona rural não só não se vê, mas não se sente, não se percebe como sendo cidadão brasileiro e a mídia reforça isso", afirma Moreira.

Audiência pública e ato marcam o 18 de outubro em Brasília

Neste 18 de outubro, mais uma vez movimentos sociais, entidades de classe e outras organizações da sociedade civil promoveram atividades em defesa da democratização da comunicação. Realizadas um dia após o término da 68ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que ocorreu em São Paulo e propagou a visão do setor empresarial acerca das políticas públicas para o setor, as ações serviram para denunciar o real entrave à garantia da liberdade de expressão no Brasil: a concentração dos meios de comunicação.

 

Logo pela manhã, uma audiência pública promovida pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom) foi palco do lançamento da campanha “Para expressar a liberdade – uma nova lei para um novo tempo”, a qual alerta a sociedade para a necessidade de serem estabelecidos mecanismos legais que garantam a pluralidade e a diversidade do povo brasileiro na mídia. 

A coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, destacou que a quebra do monopólio dos meios é fundamental para a consolidação da democracia. Para isso, ela cobrou do governo federal, mais uma vez, que revise as leis que regem o setor. “Não dá mais para aceitar que, neste momento da nossa democracia, não seja colocada uma consulta pública e seja instalado um novo marco regulatório”, disse.

 

Opinião semelhante foi expressa pela deputada federal e coordenadora da Frentecom, Luiza Erundina (PSB-SP). Ao abrir os trabalhos da audiência, ela afirmou: “O Congresso tem que ser pressionado e sensibilizado para que assuma e encaminhe as questões do novo marco, que foi fruto da Confecom [Conferência Nacional de Comunicação]”. A deputada destacou, ainda, o fato do Código Brasileiro de Telecomunicação, de 1962, lei que ainda hoje rege o setor, estar obsoleto diante das mudanças políticas, sociais e tecnológicas, o que reforça a necessidade de uma nova legislação. Erundina lembrou os avanços nos marcos legais de países da América Latina, como Argentina e Equador, nos quais os governos “entenderam que é necessário garantir a liberdade de expressão para todos, pois sem isso os avanços não se consolidarão nem as suas democracias estarão consolidadas”.

 

O deputado Jean Willys (PSOL-RJ) afirmou que, de todas as reformas necessárias, a da comunicação é a mais importante, pois as pessoas se informam quase que exclusivamente por meio da televisão. Para ele, o conteúdo veiculado pela TV não tem servido para educar: “Estamos vendo a sublocação de espaços para fundamentalistas religiosos, que se utilizam deles para ofender a dignidade da população LGBT e do povo de santo”. Já o secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (MinC), Sérgio Mamberti, reivindicou o legado da conferência como norteador das políticas que devem ser promovidas, mas criticou o que chamou de “timidez” do Governo Federal na abordagem da comunicação.

 

A ausência de representantes do Ministério das Comunicações e da Secretaria-Geral da Presidência da República, que haviam sido convidados para a audiência, foi criticada pelos presentes. O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Jonas Valente, disse ser “inadmissível que o Governo Federal não esteja representado aqui, enquanto o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, foi chamado de 'homem do ano' pelo setor empresarial”. A coordenadora do Barão de Itararé, Renato Mielli, reforçou a cobrança ao afirmar que “nós precisamos fazer com que o governo perceba, de uma vez por todas, que é preciso abrir o debate sobre essa pauta na sociedade brasileira”.

 

Os setores que sofrem diretamente os impactos da exclusão das distintas vozes que compõem a sociedade, tais como mulheres, sem terra, jovens e negros, reclamaram da criminalização empreendida, dia a dia, pelos meios de comunicação hegemônicos. Integrante da Marcha das Mulheres Camponesas e da Via Campesina, Rosângela Provesan acredita que os grupos que controlam os meios de comunicação subsidiam ações de criminalização dos movimentos sociais.

 

Na audiência, também foram abordados outros temas. Os participantes defenderam o direito à banda larga; a democratização das verbas publicitárias governamentais que, hoje, servem para sustentar as tradicionais corporações midiáticas; a participação da sociedade nas definições das políticas públicas, em especial sobre o rádio digital, cujos modelos propostos e a metodologia de discussão deles não agradam às organizações da sociedade civil.

Após o evento no Congresso Nacional, os presentes dirigiram-se para a frente do Ministério das Comunicações. Lá fincaram placas denunciando a concentração dos meios e a falta de expressão da diversidade regional característica do Brasil, bem como defendendo o fortalecimento do sistema público de comunicação e o fim do monopólio dos meios. À noite, a luta foi comemorada com uma atividade cultural conduzida por Chico César.

 

Serviço:

Quer saber mais sobre a campanha “Para expressar a liberdade”? Acesse: paraexpressaraliberdade.org.br e conheça as propostas e as entidades que estão na luta por uma comunicação democrática.  

Mídia argentina tem até 7 de dezembro para se adequar à nova lei

A legislação que regula os serviços de comunicação audiovisual na Argentina, conhecida como “Ley de Medios”, foi elaborada pelo Poder Executivo e aprovada há três anos – em 10 de outubro de 2009 – com ampla maioria nas duas casas legislativas do país. Entre vários aspectos que a lei regula, como a reserva do espectro para organizações sem fins lucrativos, reserva de frequências para rádios municipais e universitárias e a exigência de veiculação de programação independente, está a limitação do número de concessões públicas de radiodifusão que cada grupo empresarial pode ter: 24 licenças de TV a cabo, 10 emissoras de rádio e uma de TV aberta. Segundo o governo argentino, a medida foi pensada para evitar o monopólio e concentração em um grupo empresarial, já que, apenas o grupo Clarín, detém mais de 240 concessões no sistema de cabo, nove rádios AM, uma FM e quatro canais na televisão aberta, o que, para o governo argentino, se configura numa verdadeira “cadeia nacional ilegal”.

 

Entretanto, o Clarín não se mostra nem um pouco disposto a acatar o que a lei determina no que se refere à limitação na propriedade dos meios de comunicação. O grupo, que só no sistema de cabo concentra a propriedade de 70% dos canais, entrou com uma medida cautelar contra o artigo 161 da Ley de Medios – o artigo que determina que as empresas que estiverem com número de concessões acima do estabelecido pela lei apresentem seus projetos de adequação – para que ele não entrasse em vigência, sob a alegação de que viola princípios constitucionais. Mas, em 22 de maio deste ano, a Suprema Corte argentina estabeleceu o dia 7 de dezembro como data limite para que o Clarín e outras empresas se adequem à nova legislação, o que o governo argentino chamou, em vídeo transmitido nos intervalos das partidas de futebol, que são transmitidas hoje pela TV pública argentina, de “7D”.

Em resposta ao vídeo produzido pelo governo argentino, o grupo Clarín respondeu com um outro vídeo, transmitido em suas emissoras, afirmando que no próximo 7 de dezembro não vai acontecer nada, pois o grupo Clarín impugnou judicialmente os artigos 45 e 161 da Ley de Medios por violarem vários trechos constitucionais. "A Justiça editou uma medida cautelar que foi ratificada pela Corte Suprema. Se em 7 de dezembro esse julgamento não estiver terminado, não acontece nada. Pode-se prolongar a medida cautelar, ou pode-se prorrogar por mais um ano julgamento", afirma a empresa.   

Desafios na implementação

“Não é porque se trata do grupo Clarín, mas porque se trata do grupo de comunicação mais poderoso da Argentina. Se o grupo mais poderoso não respeita a lei, é muito difícil estabelecer critérios de autoridade frente aos grupos menores, e nem é justo”, diz a pesquisadora e professora da Universidade de Buenos Aires, Mariana Moyano. Ela destaca que o grupo desrespeita outros aspectos da lei, não reconhece a Autoridade de Serviços de Comunicação Audiovisual Argentina (AFSCA), e questiona permanentemente em sua página a validade da lei o que, para ela, é uma postura antidemocrática. “O grupo tem todo o direito de dizer que não gosta da lei mas, o que não pode fazer, em uma democracia, é não respeitá-la. Porque foi uma lei votada com amplíssima maioria nas duas câmaras, dos deputados e senadores”, ressalta Mariana, que também é jornalista da TV pública da Argentina.

 

A pesquisadora enfatiza como positivo em todo este processo o amadurecimento que a sociedade alcançou na discussão do tema. “Eu me lembro que, quando estávamos discutindo a lei, eu dizia que o mais importante era o debate chegar à sociedade argentina. E isso se deu incrivelmente com muito amadurecimento republicano porque a argentina se deu conta de que os meios de comunicação são um poder enorme. Então, foi um grande triunfo esta lei”, afirma.

A lei, no entanto, tem aspectos que podem ser aperfeiçoados, segundo a professora Moyano. “É claro que é uma lei melhorável, tem muitas coisas para mudar. Mas eu creio que mais além, inclusive, da aplicação e dos artigos, parece que a sociedade argentina deu um grande salto a ponto de não mais dizer 'Isso que está na televisão é exatamente tal qual se passou', porque hoje já se sabe que por trás disso há interesses, há uma propriedade… Isso me parece que só fez acelerar o crescimento da lei e o celebro muitíssimo, por mais que se tenha que mudar algum artigo”, opina.

O pesquisador e professor da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de Quilmes, Martín Becerra, tem uma visão menos otimista da nova legislação. Ele acredita que o processo de implementação da Ley de Medios argentina avançou muito pouco, pois a disputa do governo com o Clarín estaria sobrepondo outros pontos da lei.

 

"O governo, pelo menos até agora, foi muito arbitrário na implementação da lei e não prestou atenção em aspectos centrais dela. Os veículos sem fins de lucro, por exemplo, que são os destinatários da lei, até agora, quase três anos depois, não receberam boas notícias. O sistema de meios que supostamente a lei quer democratizar até agora está mais concentrado do que antes da lei. Tudo isso porque o governo, como se enfrenta com Clarin, tolera a concentração de atores menores que este grupo, mas que são igualmente grandes empresários, para que eles tirem mercado do Clarin", critica Becerra.

 

O pesquisador afirma que, apesar do reconhecimento importante aos meios comunitários previsto no novo marco legal, eles têm tido dificuldade de ter acesso às licenças de funcionamento. “A questão do financiamento também é um dos problemas. A lei, sendo muito boa, em muitos aspectos, não colocou a forma de financiar os meios. Na Argentina ainda está pendente algum tipo de discussão política sobre como se financia os meios que vai ter em teoria, a incorporação de operadores sem fins de lucro", complementa.

Manifestantes questionam monopólio e pedem democracia na comunicação

[Título original: Manifestantes denunciam ações da SIP e exigem democratização da comunicação]

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a “honorável sociedade mafiosa” que congrega os donos dos grandes conglomerados de comunicação do continente, foi alvo nesta segunda-feira (15), em São Paulo, de críticas demolidoras e bem humoradas de militantes dos movimentos sociais e pela democratização da comunicação.

Em frente ao luxuoso hotel Renassaince, representantes da CUT, do MST, do Coletivo Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) levantaram cartazes denunciando alguns dos reiterados abusos praticados por emissoras de rádio e televisão, jornais e revistas que comportam-se como “indústria de intoxicação”, reproduzindo seus antivalores.

Erguendo a faixa “Monopólio da mídia sufoca liberdade de expressão”, os manifestantes apontaram como a mercantilização do jornalismo conduz a uma espiral de dupla manipulação: pelo poder econômico e pelo poder político, reverberando os interesses do sistema financeiro, das transnacionais e das grandes empresas, seus grandes anunciantes. “Quando os interesses econômicos e políticos coincidem, tanto mais visível será a manipulação”, já nos alertava o jornalista Rui Pereira.

A atualidade do questionamento é mais do que pertinente, como comprova o Sindicato dos Bancários de São Paulo, que teve a edição do seu jornal apreendida há pouco mais de duas semanas a pedido da coligação do candidato José Serra. A ordem de busca e apreensão da Folha Bancária, que incluía até mesmo o “arrombamento” da entidade, “se necessário”, foi solicitada pelo candidato tucano sob a alegação de que a “matéria denigre a imagem” de Serra.

A secretária geral do Sindicato, Raquel Kacelnikas lembrou que enquanto um órgão alternativo é silenciado, a população é bombardeada 24 horas por dia por uma mídia que desinforma, reproduzindo tão somente os interesses de uma pequena elite. “Graças aos investimentos dos movimentos em seus próprios meios e à internet temos hoje maior capacidade de comunicação, acabando com os estreitos limites impostos pela mídia privada, extrapolando fronteiras e fazendo a disputa”, declarou Raquel.

A secretária estadual de Comunicação da CUT-SP, Adriana Oliveira Magalhães, destacou que diante de tantos e tão reiterados abusos contra a liberdade de expressão, está na hora do governo federal submeter “a consulta popular os 20 pontos do Marco Regulatório da Comunicação”. Entre as prioridades, elencou Adrianinha, estão a regulamentação dos artigos da Constituição Federal, como o que proíbe a formação de monopólios e oligopólios, e o que garante o respeito à diversidade regional e à produção independente. Enquanto isso, disse, os grandes meios de comunicação “condenam os movimentos sociais, criminalizam o MST e as centrais sindicais e não dão sequer direito de resposta”.

Conforme a líder cutista, a recente cobertura das eleições da Venezuela é outra demonstração inequívoca de que “precisamos de outra comunicação, de outra mídia”. “A cobertura de canais como a Globonews foi totalmente discriminatória, uma propaganda da derrota de um governo democrático”, ressaltou.

A integrante da Rede ComunicaSul, que cobriu recentemente as eleições na Venezuela, Terezinha Vicente Ferreira destacou a violência da campanha desinformativa coordenada pelas agências internacionais, sob a batuta da SIP, como “aparelho de propaganda ideológica do capital em favor de uma colonização das mentes”. Ao contrário do que se diz na mídia privada, ressaltou, pudemos ver que não falta liberdade de expressão na Venezuela, “pois muitos jornais não só questionam o governo como ofendem diretamente o presidente a partir de uma visão patronal”. “Pude ver também na Venezuela o apoio governamental às televisões públicas e comunitárias, em contraposição ao pensamento único com que a mídia empresarial tenta nos envenenar”, acrescentou Terezinha.

Cachorros guardiães

O prólogo do livro “Os novos cachorros guardiães”, de Sergei Alimi, redator do Le Monde Diplomatique, é esclarecedor sobre o receituário da manipulação utilizado pelos “profissionais da mentira” a serviço do grande capital: “As manchetes que compõem, os qualificativos que empregam, as fotos que ampliam, os enfoques e colaborações que elegem, são bastante como para que a simples experiência empírica nos ensine sobre o veneno que bebemos”.

Em virtude desta manipulação, cada um dos 12 cartazes levantados pelos manifestantes – e posteriormente colados em frente ao hotel – expunha temas “invisibilizados” pela mídia “alienante e alienada”: “Anatel ignora que 92% das rádios comerciais de São Paulo opera com licença vencida e fecha 100% das comunitárias”; “André Caramante está exilado para se proteger das ameaças de morte que sofreu por matéria que denunciava a Rota e o coronel Telhada”, eleito o segundo vereador mais votado do PSDB na capital paulista. O governo do estado silencia sobre o caso”; “Quase 90% da programação de TV é produzida no eixo Rio-São Paulo, apenas 10,8% é dedicada à produção local”.

Liberdade de todos e todas

Membro da coordenação do FNDC e integrante do Coletivo Intervozes, João Brant, frisou que a “liberdade pela qual lutamos é de todos e todas, não a que fica confinada e aprisionada pelo monopólio da mídia”. Brant citou o exemplo da Lei de Meios da Argentina, que obrigará o grupo Clarín, no próximo 7 de dezembro, a devolver parte das suas licenças, ampliando o número de vozes.

O coordenador do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, Altamiro Borges, denunciou o “rabo preso” dos  “450 donos, executivos e jornalistas” reunidos no evento da SIP e os exortou a se pronunciarem sobre os abusos cometidos contra a liberdade de expressão, como a perseguição movida contra Julian Assange, fundador do Wikileaks, e a invasão do Sindicato dos Bancários de São Paulo para impedir a circulação do seu jornal.

Representando o MST – uma das entidades mais atingidas pela violência da onda midiática de desinformação e calúnia – o jornalista Igor Felipe defendeu “a desconcentração dos meios como essencial para abrir espaço a uma sociedade mais democrática”. “Queremos liberdade de expressão e liberdade de imprensa. Já as famílias reunidas no encontro da SIP querem a comunicação como forma de garantir lucros e dominação” .

Para o professor Edmilson Costa, que representou o Partido Comunista Brasileiro (PCB), “a SIP é a sociedade interamericana dos monopólios de comunicação, que manipulam em favor dos interesses mais atrasados da oligarquia, se convertendo na ponta de lança da discriminação”.

Mais do que um ataque à ditadura dos barões da mídia, os manifestantes agiram em legítima defesa da democratização da comunicação. E como enfoca Serge Alimi, “a este exercício elementar de autodefesa se chama lucidez”.

“Democratização da comunicação é eufemismo para censura”

Neste domingo (14), teve início na 68 Assembléia Geral da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) a apresentação dos relatórios por país da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da organização. O informe brasileiro foi apresentado pela superintendente da Folha da S.Paulo e ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais, Judith Brito. O relatório alertou para o aumento de assassinatos de jornalistas no exercício da profissão no país e destacou as ameaças sofridas pelo repórter da Folha André Caramante, perseguido pelo ex-comandante da ROTA e agora vereador eleito de São Paulo pelo PSDB, Coronel Telhada. No início do mês, Caramante deixou o país com a família por razões de segurança.

Ao término da apresentação, o presidente do Comitê Anfitrião da Assembléia da SIP, Julio César Mesquita, diretor de O Estado de S.Paulo, sugeriu um acréscimo ao informe:

“Acho que você deveria incluir no informe uma questão que aparece na entrevista que a Folha publicou com o irmão do Genoíno, falando em nome do PT, que, passadas as eleições, eles vão começar novamente com aquela ameaça sobre como tratar a legislação da imprensa. Na entrevista ele diz que o PT vai partir para o Congresso para estabelecer regras de funcionamento para a imprensa independente. Acho que isso não pode ficar de fora do informe brasileiro”, aconselhou Julio Mesquita.

Judith Brito concordou: “O país vive um momento histórico, com o julgamento pelo STF do caso do mensalão. É um divisor de águas no país, a sociedade brasileira está acompanhando atentamente este fato e a punição da corrupção por altas autoridades do partido que estava no governo é um fato extraordinário dentro do processo de democratização do país. As instituições estão se fortalecendo. Este episódio, do irmão do Genoíno, só mostra uma reação. E nossas associações devem ficar atentas. Vivemos uma tentativa recente de democratização da comunicação, que é sempre um eufemismo para censura. Mas temos sabido reagir à altura. Os organismos de imprensa, as entidades de defesa da democracia, o Judiciário tem se fortalecido. Mas temos que ficar atentos”.

“As declarações de todos eles culpam a pressão midiática. É o velho discurso. Eles não desistem e vão vir pra cima da gente. O objetivo deles é o que vimos na Argentina e que eles estão espalhando para o continente todo”, sentenciou Julio Mesquita.

Na avaliação do Grupo RBS, afiliado da Rede Globo na região Sul, a “ameaça de um novo marco regulatório sempre acontece, coincidentemente, após uma cobertura mais intensa da imprensa contra o governo”. Para Alexandre Jobim, da RBS, quando o governo é muito criticado em função de julgamentos de corrupção de seus quadros, “vem a desculpa de que há abuso nos meios de comunicação e vem a velada ameaça de retaliação”.

O diretor de conteúdo do grupo Estado e também do Comitê Editorial da ANJ, Ricardo Gandour acrescentou uma tarefa aos meios de comunicação neste cenário “perigoso”.

“Frequentemente a sociedade pode vir a ter a percepção equivocada de que se trata apenas de uma luta setorial da imprensa, enquanto o que está em jogo é o conceito de liberdade mais ampla. Junto com a liberdade de expressão está a liberdade de empreender, de se associar, de debater. Junto com um Estado investidor na informação estatal pode vir o Estado monopolizador de setores, investidor excessivo em alguns mercados, excessivamente presente na economia e na sociedade. Temos que mostrar para a sociedade que não se trata apenas de luta da imprensa, mas de um valor maior que é do interesse de todos”, afirmou.

“Postura ambígua”

Para o Diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais e professor da Universidade de Navarra, na Espanha, Carlos Alberto Di Franco, o governo Lula adotou e Dilma agora tem adotado uma postura ambígua em relação à liberdade de imprensa. Segundo o jornalista, conhecido por suas relações com a Opus Dei no país, apesar da Presidenta fazer um discurso de repeito à democracia, “ela não condena, em nenhum momento, invocando a autodeterminação dos povos, a ação de governos contrários à liberdade de expressão, como a Venezuela, a Argentina e o Equador. Mantem um silêncio absoluto”.

Para Di Franco, no plano interno, a ambiguidade também se manifesta. “Enquanto mantém um discurso positivo em defesa da liberdade de expressão, assistimos a tentativas preocupantes de limitação dessa liberdade”, afirmou.

O professor citou então o anteprojeto de lei, elaborado na primeira gestão do governo Lula, para criar a Agência Nacional de Audiovisual (Ancinav), que queria “controlar a produção cinematográfica”. Depois, a tentativa de criar o Conselho Federal de Jornalismo, para orientar e fiscalizar a atividade jornalística no país.

“E o terceiro, mais impressionante, foi o Plano Nacional de Direitos Humanos, o PNDH-3, que reduzia o papel do Congresso Nacional, desqualificava o Poder Judiciário, agredia a propriedade privada e sugeria o controle dos meios de comunicação”, relatou.

Na leitura do representante do jornal O Globo, Aluízio Maranhão, “há um projeto de controle da mídia motivado por governos bolivarianos que, no Brasil, passa por iniciativas como Conferências de Comunicação com sindicalistas e apresentação de projetos de lei para aprovar novas leis de meios”.

Para Di Franco, tudo isso não prosperou em razão “da solidez das instituições do país”, como o Legislativo, “que retrata o rosto da sociedade brasileira, tolerante e amante das liberdades individuais”, e o Judiciário, que está dando “um magnífico exemplo na firme atuação do STF”. E também em função do “grande prestígio social” da imprensa brasileira.

“O antídoto para as iniciativas autoritárias está no fortalecimento da imprensa. O poder está nos jornais. A formação da opinião pública, a agenda pública é pautada pelos jornais. E neste continente os jornais tem um poder imenso. A TV e as mídias sociais reverberam, mas o poder está nos jornais”, afirmou. “Quando um jornal é ameaçado, é uma ameaça para todos nós. E a melhor defesa dos direitos humanos passa por um jornalismo de alta qualidade técnica e ética, equilibrado, sem radicalismos, com poucos adjetivos e que aposta na contundência da matéria apurada e no vigor dos fatos apurados”, descreveu Di Franco. Para ele, este é o retrato do jornalismo brasileiro.

Confira a cobertura da Agência Carta Maior na Assembleia da SIP:

– SIP elege Argentina e Equador como alvos principais
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21076

– Regina Duarte pede liberdade de imprensa absoluta e Judith Brito exalta mídia no 'mensalão'
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21068