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Manifestantes questionam monopólio e pedem democracia na comunicação

[Título original: Manifestantes denunciam ações da SIP e exigem democratização da comunicação]

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a “honorável sociedade mafiosa” que congrega os donos dos grandes conglomerados de comunicação do continente, foi alvo nesta segunda-feira (15), em São Paulo, de críticas demolidoras e bem humoradas de militantes dos movimentos sociais e pela democratização da comunicação.

Em frente ao luxuoso hotel Renassaince, representantes da CUT, do MST, do Coletivo Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) levantaram cartazes denunciando alguns dos reiterados abusos praticados por emissoras de rádio e televisão, jornais e revistas que comportam-se como “indústria de intoxicação”, reproduzindo seus antivalores.

Erguendo a faixa “Monopólio da mídia sufoca liberdade de expressão”, os manifestantes apontaram como a mercantilização do jornalismo conduz a uma espiral de dupla manipulação: pelo poder econômico e pelo poder político, reverberando os interesses do sistema financeiro, das transnacionais e das grandes empresas, seus grandes anunciantes. “Quando os interesses econômicos e políticos coincidem, tanto mais visível será a manipulação”, já nos alertava o jornalista Rui Pereira.

A atualidade do questionamento é mais do que pertinente, como comprova o Sindicato dos Bancários de São Paulo, que teve a edição do seu jornal apreendida há pouco mais de duas semanas a pedido da coligação do candidato José Serra. A ordem de busca e apreensão da Folha Bancária, que incluía até mesmo o “arrombamento” da entidade, “se necessário”, foi solicitada pelo candidato tucano sob a alegação de que a “matéria denigre a imagem” de Serra.

A secretária geral do Sindicato, Raquel Kacelnikas lembrou que enquanto um órgão alternativo é silenciado, a população é bombardeada 24 horas por dia por uma mídia que desinforma, reproduzindo tão somente os interesses de uma pequena elite. “Graças aos investimentos dos movimentos em seus próprios meios e à internet temos hoje maior capacidade de comunicação, acabando com os estreitos limites impostos pela mídia privada, extrapolando fronteiras e fazendo a disputa”, declarou Raquel.

A secretária estadual de Comunicação da CUT-SP, Adriana Oliveira Magalhães, destacou que diante de tantos e tão reiterados abusos contra a liberdade de expressão, está na hora do governo federal submeter “a consulta popular os 20 pontos do Marco Regulatório da Comunicação”. Entre as prioridades, elencou Adrianinha, estão a regulamentação dos artigos da Constituição Federal, como o que proíbe a formação de monopólios e oligopólios, e o que garante o respeito à diversidade regional e à produção independente. Enquanto isso, disse, os grandes meios de comunicação “condenam os movimentos sociais, criminalizam o MST e as centrais sindicais e não dão sequer direito de resposta”.

Conforme a líder cutista, a recente cobertura das eleições da Venezuela é outra demonstração inequívoca de que “precisamos de outra comunicação, de outra mídia”. “A cobertura de canais como a Globonews foi totalmente discriminatória, uma propaganda da derrota de um governo democrático”, ressaltou.

A integrante da Rede ComunicaSul, que cobriu recentemente as eleições na Venezuela, Terezinha Vicente Ferreira destacou a violência da campanha desinformativa coordenada pelas agências internacionais, sob a batuta da SIP, como “aparelho de propaganda ideológica do capital em favor de uma colonização das mentes”. Ao contrário do que se diz na mídia privada, ressaltou, pudemos ver que não falta liberdade de expressão na Venezuela, “pois muitos jornais não só questionam o governo como ofendem diretamente o presidente a partir de uma visão patronal”. “Pude ver também na Venezuela o apoio governamental às televisões públicas e comunitárias, em contraposição ao pensamento único com que a mídia empresarial tenta nos envenenar”, acrescentou Terezinha.

Cachorros guardiães

O prólogo do livro “Os novos cachorros guardiães”, de Sergei Alimi, redator do Le Monde Diplomatique, é esclarecedor sobre o receituário da manipulação utilizado pelos “profissionais da mentira” a serviço do grande capital: “As manchetes que compõem, os qualificativos que empregam, as fotos que ampliam, os enfoques e colaborações que elegem, são bastante como para que a simples experiência empírica nos ensine sobre o veneno que bebemos”.

Em virtude desta manipulação, cada um dos 12 cartazes levantados pelos manifestantes – e posteriormente colados em frente ao hotel – expunha temas “invisibilizados” pela mídia “alienante e alienada”: “Anatel ignora que 92% das rádios comerciais de São Paulo opera com licença vencida e fecha 100% das comunitárias”; “André Caramante está exilado para se proteger das ameaças de morte que sofreu por matéria que denunciava a Rota e o coronel Telhada”, eleito o segundo vereador mais votado do PSDB na capital paulista. O governo do estado silencia sobre o caso”; “Quase 90% da programação de TV é produzida no eixo Rio-São Paulo, apenas 10,8% é dedicada à produção local”.

Liberdade de todos e todas

Membro da coordenação do FNDC e integrante do Coletivo Intervozes, João Brant, frisou que a “liberdade pela qual lutamos é de todos e todas, não a que fica confinada e aprisionada pelo monopólio da mídia”. Brant citou o exemplo da Lei de Meios da Argentina, que obrigará o grupo Clarín, no próximo 7 de dezembro, a devolver parte das suas licenças, ampliando o número de vozes.

O coordenador do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, Altamiro Borges, denunciou o “rabo preso” dos  “450 donos, executivos e jornalistas” reunidos no evento da SIP e os exortou a se pronunciarem sobre os abusos cometidos contra a liberdade de expressão, como a perseguição movida contra Julian Assange, fundador do Wikileaks, e a invasão do Sindicato dos Bancários de São Paulo para impedir a circulação do seu jornal.

Representando o MST – uma das entidades mais atingidas pela violência da onda midiática de desinformação e calúnia – o jornalista Igor Felipe defendeu “a desconcentração dos meios como essencial para abrir espaço a uma sociedade mais democrática”. “Queremos liberdade de expressão e liberdade de imprensa. Já as famílias reunidas no encontro da SIP querem a comunicação como forma de garantir lucros e dominação” .

Para o professor Edmilson Costa, que representou o Partido Comunista Brasileiro (PCB), “a SIP é a sociedade interamericana dos monopólios de comunicação, que manipulam em favor dos interesses mais atrasados da oligarquia, se convertendo na ponta de lança da discriminação”.

Mais do que um ataque à ditadura dos barões da mídia, os manifestantes agiram em legítima defesa da democratização da comunicação. E como enfoca Serge Alimi, “a este exercício elementar de autodefesa se chama lucidez”.

“Democratização da comunicação é eufemismo para censura”

Neste domingo (14), teve início na 68 Assembléia Geral da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) a apresentação dos relatórios por país da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da organização. O informe brasileiro foi apresentado pela superintendente da Folha da S.Paulo e ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais, Judith Brito. O relatório alertou para o aumento de assassinatos de jornalistas no exercício da profissão no país e destacou as ameaças sofridas pelo repórter da Folha André Caramante, perseguido pelo ex-comandante da ROTA e agora vereador eleito de São Paulo pelo PSDB, Coronel Telhada. No início do mês, Caramante deixou o país com a família por razões de segurança.

Ao término da apresentação, o presidente do Comitê Anfitrião da Assembléia da SIP, Julio César Mesquita, diretor de O Estado de S.Paulo, sugeriu um acréscimo ao informe:

“Acho que você deveria incluir no informe uma questão que aparece na entrevista que a Folha publicou com o irmão do Genoíno, falando em nome do PT, que, passadas as eleições, eles vão começar novamente com aquela ameaça sobre como tratar a legislação da imprensa. Na entrevista ele diz que o PT vai partir para o Congresso para estabelecer regras de funcionamento para a imprensa independente. Acho que isso não pode ficar de fora do informe brasileiro”, aconselhou Julio Mesquita.

Judith Brito concordou: “O país vive um momento histórico, com o julgamento pelo STF do caso do mensalão. É um divisor de águas no país, a sociedade brasileira está acompanhando atentamente este fato e a punição da corrupção por altas autoridades do partido que estava no governo é um fato extraordinário dentro do processo de democratização do país. As instituições estão se fortalecendo. Este episódio, do irmão do Genoíno, só mostra uma reação. E nossas associações devem ficar atentas. Vivemos uma tentativa recente de democratização da comunicação, que é sempre um eufemismo para censura. Mas temos sabido reagir à altura. Os organismos de imprensa, as entidades de defesa da democracia, o Judiciário tem se fortalecido. Mas temos que ficar atentos”.

“As declarações de todos eles culpam a pressão midiática. É o velho discurso. Eles não desistem e vão vir pra cima da gente. O objetivo deles é o que vimos na Argentina e que eles estão espalhando para o continente todo”, sentenciou Julio Mesquita.

Na avaliação do Grupo RBS, afiliado da Rede Globo na região Sul, a “ameaça de um novo marco regulatório sempre acontece, coincidentemente, após uma cobertura mais intensa da imprensa contra o governo”. Para Alexandre Jobim, da RBS, quando o governo é muito criticado em função de julgamentos de corrupção de seus quadros, “vem a desculpa de que há abuso nos meios de comunicação e vem a velada ameaça de retaliação”.

O diretor de conteúdo do grupo Estado e também do Comitê Editorial da ANJ, Ricardo Gandour acrescentou uma tarefa aos meios de comunicação neste cenário “perigoso”.

“Frequentemente a sociedade pode vir a ter a percepção equivocada de que se trata apenas de uma luta setorial da imprensa, enquanto o que está em jogo é o conceito de liberdade mais ampla. Junto com a liberdade de expressão está a liberdade de empreender, de se associar, de debater. Junto com um Estado investidor na informação estatal pode vir o Estado monopolizador de setores, investidor excessivo em alguns mercados, excessivamente presente na economia e na sociedade. Temos que mostrar para a sociedade que não se trata apenas de luta da imprensa, mas de um valor maior que é do interesse de todos”, afirmou.

“Postura ambígua”

Para o Diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais e professor da Universidade de Navarra, na Espanha, Carlos Alberto Di Franco, o governo Lula adotou e Dilma agora tem adotado uma postura ambígua em relação à liberdade de imprensa. Segundo o jornalista, conhecido por suas relações com a Opus Dei no país, apesar da Presidenta fazer um discurso de repeito à democracia, “ela não condena, em nenhum momento, invocando a autodeterminação dos povos, a ação de governos contrários à liberdade de expressão, como a Venezuela, a Argentina e o Equador. Mantem um silêncio absoluto”.

Para Di Franco, no plano interno, a ambiguidade também se manifesta. “Enquanto mantém um discurso positivo em defesa da liberdade de expressão, assistimos a tentativas preocupantes de limitação dessa liberdade”, afirmou.

O professor citou então o anteprojeto de lei, elaborado na primeira gestão do governo Lula, para criar a Agência Nacional de Audiovisual (Ancinav), que queria “controlar a produção cinematográfica”. Depois, a tentativa de criar o Conselho Federal de Jornalismo, para orientar e fiscalizar a atividade jornalística no país.

“E o terceiro, mais impressionante, foi o Plano Nacional de Direitos Humanos, o PNDH-3, que reduzia o papel do Congresso Nacional, desqualificava o Poder Judiciário, agredia a propriedade privada e sugeria o controle dos meios de comunicação”, relatou.

Na leitura do representante do jornal O Globo, Aluízio Maranhão, “há um projeto de controle da mídia motivado por governos bolivarianos que, no Brasil, passa por iniciativas como Conferências de Comunicação com sindicalistas e apresentação de projetos de lei para aprovar novas leis de meios”.

Para Di Franco, tudo isso não prosperou em razão “da solidez das instituições do país”, como o Legislativo, “que retrata o rosto da sociedade brasileira, tolerante e amante das liberdades individuais”, e o Judiciário, que está dando “um magnífico exemplo na firme atuação do STF”. E também em função do “grande prestígio social” da imprensa brasileira.

“O antídoto para as iniciativas autoritárias está no fortalecimento da imprensa. O poder está nos jornais. A formação da opinião pública, a agenda pública é pautada pelos jornais. E neste continente os jornais tem um poder imenso. A TV e as mídias sociais reverberam, mas o poder está nos jornais”, afirmou. “Quando um jornal é ameaçado, é uma ameaça para todos nós. E a melhor defesa dos direitos humanos passa por um jornalismo de alta qualidade técnica e ética, equilibrado, sem radicalismos, com poucos adjetivos e que aposta na contundência da matéria apurada e no vigor dos fatos apurados”, descreveu Di Franco. Para ele, este é o retrato do jornalismo brasileiro.

Confira a cobertura da Agência Carta Maior na Assembleia da SIP:

– SIP elege Argentina e Equador como alvos principais
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21076

– Regina Duarte pede liberdade de imprensa absoluta e Judith Brito exalta mídia no 'mensalão'
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21068