Arquivo da categoria: Notícias

Povo Guarani-kaiowá repudia reportagem da Veja

Lideranças da comunidade indígena Guarani-kaiowá emitiram, na segunda-feira (5), uma nota de repúdio à reportagem publicada na revista Veja sobre a situação dos indígenas no Mato Grosso do Sul. Para eles, a matéria assinada por Leonardo Coutinho é racista e discriminatória.

“Fica evidente que o jornalista Leonardo Coutinho não procura compreender e divulgar a realidade dos Guarani e Kaiowá, faltando com a verdade total consigo mesmo, ou melhor, se desrespeitando e mentindo para todos cidadãos do Brasil”, escreveram as lideranças.

A revista, publicada na sexta-feira (2), teria argumento que ONGs e antropólogos manipulam a luta dos indígenas pela retomada de suas terras. O texto exalta a produtividade do agronegócio no MS e diz, de forma irônica, que índios ameaçam tomar todo o território brasileiro.

“A revista Veja, como sempre, não perdeu a oportunidade de apresentar a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como se nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes, fomos considerados como selvagens e truculentos”, afirmam os indígenas em nota.

Os Guarani-kaiowá aproveitaram a carta para agradecer aos cidadãos brasileiros que demonstraram apoio a sua causa através das redes sociais.

Confira a carta na íntegra aqui:


Nota de repúdio da Aty Guasu frente à divulgação de Guarani e Kaiowá na revista

Esta nota das lideranças de Aty Guasu Guarani e Kaiowá visa destacar a importância das manifestações públicas conscientes de cidadão (ã) do Brasil em defesa da vida Guarani e Kaiowá.

Além disso, pretendemos repudiar reiteradamente a divulgação e posição racista e discriminante de jornalista Leonardo Coutinho da REVISTA VEJA.

Observamos que na última semana, a REVISTA VEJA divulgou os temas: “VISÃO MEDIEVAL DE ANTROPÓLOGOS DEIXA ÍNDIOS NA PENÚRIA” E “NAÇÃO” GUARANI. Autor-jornalista é o Leonardo Coutinho.

A princípio, nós lideranças Guarani e Kaiowá entendemos que os cidadãos (ãs) brasileiros (as) merecem respeito, em geral, esperam de um jornalismo democrático um resultado da investigação justa e séria dos fatos para divulgá-los com ética e responsabilidade, demonstrando fielmente versões das partes envolvidas de modo a que a opinião pública possa construir conhecimento isento a respeito do tema divulgado, não é o que se constata na REVISTA VEJA diante da situação do Guarani e Kaiowá em foco.

Em primeiro lugar, constatamos que na divulgação mencionada de REVISTA VEJA há manifestação de racismo, preconceito e discriminação. Assim, fica evidente que o jornalista Leonardo Coutinho é racista, ele não procura compreender e divulgar a realidade dos Guarani e Kaiowá, faltando com a verdade total consigo mesmo, ou melhor, se desrespeitando e mentindo para todos (as) cidadãos (ãs) do Brasil. Visto que esse jornalista racista da REVISTA VEJA nem se preocupa em fazer o trabalho de jornalista a partir de uma aproximação minimamente científica, mas ele fez e divulgou o tema Guarani e Kaiowá de modo distorcida a partir de corpus de informações sem fundamento, meramente embasado em senso comum e sem valores científicos.

No contexto atual, é importante se observar que diante da manifestação contínua dos cidadãos (ãs) do Brasil em favor da demarcação e devolução de territórios tradicionais aos Guarani e Kaiowá, a imprensa REVISTA VEJA, como sempre, não perdeu a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes, fomos considerados como selvagens e truculentos; assim, nesta manchete da REVISTA VEJA há, antes de tudo, incitação ao preconceito, a discriminação e ao ódio o que acaba por colocar em risco total toda a população Guarani e Kaiowá, alimentando violências, racismo, discriminação e estigmas sobre os Guarani e Kaiowá, por isso, nós lideranças da Aty Guasu pedimos as autoridades competentes para realizar uma investigação rigorosa e punição cabível ao autor, Leonardo Coutinho que foi responsável pela divulgação de imagem negativa Guarani e Kaiowá na REVISTA VEJA.

Diante dessa divulgação infundada da REVISTA VEJA a respeito de luta Guarani e Kaiowá, nós lideranças indígenas não acreditamos que a maioria dos cidadãos (ãs) do Mato Grosso do Sul e do Brasil tenha conhecimento sobre Guarani e Kaiowá somente a partir do senso comum a distância, porém compreendemos que todos (as) brasileiros (as) manifestantes são educados e adquirem os seus conhecimentos sobre a situação atual Guarani e Kaiowá a partir de observações diretas da realidade do grupo social que por isso têm fundamentos para refletir e se manifestar como cidadão (ã). De fato, é isso que está ocorrendo no último mês no Brasil, cidadãos (ãs) conscientes se manifestaram e ainda se manifestam, através das redes sociais e em espaços públicos, em favor da vida dos Guarani e Kaiowá, exigindo as efetivações de direitos humanos e indígenas. Porém, o jornalista Leonardo da REVISTA VEJA considera que esses cidadãos (ãs) manifestantes seriam ignorantes e não conheceriam as situações dos Guarani e Kaiowá, os tachando de ignorantes aos cidadãos (ãs) em manifestação. Em nosso entendimento, como indígenas Guarani e Kaiowá, consideramos sim que esses cidadãos (ãs) manifestantes de várias federações do Brasil conhecem muito bem a nossa história e nossa situação atual, por essa razão ampla se manifestam em favor de nossa vida para garantir a nossa sobrevivência. Enquanto o Leonardo Coutinho da REVISTA VEJA tenta colocar os Guarani e Kaiowá em risco total além de ignorar os conhecimentos dos cidadãos (ãs) manifestantes.

Queremos deixar evidentes que nós lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá de modo autônomos e conscientes vimos lutando pela recuperação de nossos territórios antigos, essa luta pelas terras tradicionais é exclusivamente nossa, nós somos protagonistas e autores da luta pelas terras indígenas, nós envolvemos os agentes dos órgãos do Estado Brasileiro, os agentes das ONGs e todos os cidadãos (ãs) do Brasil e de outros países do Mundo.

Finalizando, nós lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá de modo conscientes vamos lutar sem parar pela recuperação de nossas terras antigas, juntamente com cidadãos (ãs) manifestantes do Brasil em destaque, continuremos a lutar contra GENOCÍDIO Guarani e Kaiowá e iremos insistir na necessidade premente do Estado brasileiro se envolver profundamente com o nosso problema Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Sabemos que Governo do Brasil tem seu dever Constitucional assumir e decidir com firmeza e rigor uma dinâmica eficaz para fazer respeitar Direitos Humanos e Indígenas no Mato Grosso do Sul. Entendemos perfeitamente que é dever do Estado brasileiro viabilizar recursos financeiros e humanos, refletir e planejar estratégias que culminem em soluções efetivas aos problemas fundiários dos Guarani e Kaiowá aqui focada. Diferentemente da REVISTA VEJA, temos grande esperança e entendemos que os apoios de manifestantes dos cidadãos (ãs) do Brasil deverão contribuir, no tempo, para melhorar a qualidade de vida dessa grande parcela do nosso povo Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Por fim, prestamos o nosso imenso agradecimento a todos (as) cidadãos (ãs) manifestantes pela compreensão e atenção merecida. A nossa luta continua contra GENOCÍDIO.

Atenciosamente,

Tekoha Guasu Guarani e Kaiowá, 04 de novembro de 2012

Lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá-MS

Regras entram em vigor, mas medição das conexões segue capenga

Ao menos em tese, os brasileiros que acessam a Internet devem começar a perceber melhorias nas conexões. Entrou em vigor nesta quinta-feira, 01/11, o regulamento da Anatel que determina que a velocidade de acesso não pode ser inferior, em média, a 60% da que foi contratada.

Mas há problemas. No momento em que esse texto é escrito, no entanto, as operadoras não cumprem um dos princípios da regra – os percentuais valem tanto para as velocidades de download quanto upload. Testes com o programa escolhido como oficial (Speedtest) mostram que o upload continua na casa dos 10% do prometido.

Esse, no entanto, é apenas um dos problemas com o sistema de medição desenvolvido em conjunto pela Anatel e as operadoras. Ou melhor, com a “tropicalização” da metodologia desenvolvida pela empresa inglesa SamKnows, escolhida como braço técnico da chamada Entidade Aferidora da Qualidade (o braço executivo é da consultoria, também britânica, PwC).

A resolução 574 da agência, de 28/10/2011, prevê que os consumidores poderão medir por si mesmos as velocidades com base no software escolhido. Anatel, teles e EAQ preferiram utilizar um programa já existente, o americano Speedtest. Mas a medição oficial, ou seja, aquela que servirá como base de potenciais ações da agência, deve ser feita de forma remota.

É aí que entra a “tropicalização” do sistema. Contratada pelas teles, a SamKnows trouxe para o Brasil o modelo que adotou na Inglaterra e nos Estados Unidos. Nesses países, no entanto, não existe regulamento que trate de parâmetros mínimos de rede – as medições são meros balizadores para dar transparência às ofertas do mercado.

Assim como nos outros países onde foi adotada, esse sistema é feito com base em uma amostragem – foram 3 mil equipamentos na Inglaterra, 10 mil nos Estados Unidos. No caso brasileiro, optou-se por uma distribuição estatística de equipamentos de medição, como forma de representar fielmente o cenário das conexões brasileiras, por região, perfil de velocidades, etc.

Foi por isso, segundo explicaram Anatel e EAQ, que se chegou ao número de 12.091 equipamentos a serem instalados nas residências dos clientes. Esse número, no entanto, não vale mais. Como explicou o superintendente de Serviços Privados da agência, Bruno Ramos, para as medições das conexões móveis os equipamentos que vão verificar os acessos 3G foram descontados do total de fixos.

Nem a Anatel, nem a EAQ souberam dizer, nesta quinta-feira, 1o/11, quantos equipamentos de medição foram distribuídos aos voluntários que se inscreveram no programa de medição da qualidade. É certo, porém, que apesar do prazo ter vencido ontem, há voluntários que ainda não receberam as caixinhas, batizadas de “whitebox” pela SamKnows.

As pendências para medir as conexões fixas, no entanto, nem se comparam aos problemas da medição dos acessos móveis. Embora ambas devessem começar juntas, a Anatel reconhece que ainda está sendo desenvolvido um sistema para verificar as condições de acessos com mobilidade. Um modelo está sendo testado com 137 medidores no estado do Rio de Janeiro.

A ideia, segundo a agência, é espalhar 3,8 mil equipamentos até junho de 2013. Mas, ressalte-se, são equipamentos fixos que simulam o uso de conexões sem fio. A Anatel também promete que até o fim deste mês, os usuários de banda larga móvel poderão medir a qualidade do serviço em seus computadores ou smartphones a partir de um programa, similar ao Speedtest, a ser disponibilizado.

Um ano, portanto, não foi suficiente para que o sistema de medição da qualidade estivesse pronto. Curiosamente, o NIC.br – braço operacional do Comitê Gestor da Internet brasileira – que foi descartado pela Anatel e pelas teles como responsável pelas medições, tem programas de medições móveis prontos desde maio (para iOs) e julho (Android) deste ano.

O NIC.br, por sinal, contestou a escolha dos britânicos para serem os aferidores da qualidade. Mas apesar de ter apresentado um recurso à Anatel em abril, o tempo passou, o prazo da medição começou e até agora não existe uma posição formal do regulador sobre o processo.

Anatel se empenha na perseguição às rádios comunitárias

Basta uma rápida busca na internet sobre a relação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) com as rádios comunitárias para perceber o tamanho do problema. São recorrentes reclamações de que a agência tem “reprimido”, “atacado”, “multado” e “fechado” emissoras ao redor do país. O uso da força contra iniciativas de grupos que buscam um espaço no espectro eletrônico, que acreditam poder pôr em prática o seu direito de exercer a liberdade de expressão, mas que não se enquadram no sistema comercial das médias e grandes empresas de comunicação parece ser comum.

De acordo com Arthur William, representante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) no Brasil, “a Anatel incorporou a funcionalidade do antigo Dentel e absorveu, em certa medida, também sua mentalidade, agindo muitas vezes como capataz do Ministério das Comunicações, estando mais preocupado em fechar e perseguir as rádios comunitárias”.

Arthur ainda afirma que houve um processo de recrudescimento da repressão por parte da Anatel, com maior número de fechamentos durante o governo Lula do que na vigências dos governos de FHC.

Atualmente, a Amarc Brasil tem orientado que os radialistas comunitários comuniquem a defensoria pública para impedir que a Anatel leve ilegalmente equipamentos da emissora. Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1668) contra o artigo 19 da lei 9.472/97, questionando o direito da agência de realizar buscas de transmissores em rádios livre e comunitárias, o que confere à apreensão dos equipamentos também uma prática irregular.

Além disso, os comunicadores populares reclamam do fato de que a Anatel não têm se dedicado com o mesmo empenho à fiscalização das emissoras privadas e das operadoras de telecomunicações. A própria inexistência de uma legislação específica e atualizada, assim como de uma agência reguladora que dê conta da radiodifusão comercial expressa esse tipo de tratamento privilegiado.

"Existem outros temas mais urgentes para cuidar, como esses das telecomunicações, do que apreender rádio que presta serviço à comunidade. Espera-se que a Anatel atenda os anseios da sociedade por fiscalização dos serviços comerciais, como a telefonia e as emissoras privadas, e ajude no processo de legalização das rádios comunitárias, oferecendo formação, capacitação e parcerias, como previsto, em vez de implementar uma política proibitiva de perseguição”, afirma William.

Empresas interferem no funcionamento da Anatel

A definição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como autarquia lhe coloca em uma posição de relativa autonomia frente ao Poder Executivo. Se por um lado, efetivou-se um afastamento da dinâmica política interna e da influência permanente do Governo Federal, por outro, a agência tem sofrido pressão principalmente por parte de agentes privados do mercado, desde o momento da nomeação de conselheiros até em seu relacionamento com a sociedade.

Concebida para funcionar com independência administrativa e de financiamento, a Anatel possui um Conselho Diretor com mandato de cinco anos e composto por cinco membros que, embora nomeados pela Presidência da República e com aprovação do Senado, dirigem a agência sem estar subordinados a uma outra instância do Estado. Das formas de relacionamento entre este conselho e o setor privado, a mais evidente é a incorporação de ex-conselheiros aos cargos de chefia de grandes monopólios ou sua origem nessas empresas.

O atual presidente do Conselho Diretor, João Batista de Rezende, por exemplo, já ocupou o cargo de vice-presidente (2005-2006) da Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), o que comprova que pelo menos em algum momento já foi representante direto das empresas do setor. Segundo Flávia Lefèvre, advogada do PROTESTE (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), o caso específico da atual presidência da agência, entretanto, estaria mais vinculado às relações com o ministro das comunicações e a Casa Civil, embora confirme que o relacionamento da Anatel com o setor privado é bastante evidente e problemático.

Há muitos exemplos de ex-conselheiros que saíram direto da função para a chefia de empresas privadas. São bastante conhecidos os casos de Antônio Carlos Valente, que foi ser presidente do Grupo Telefônica (Vivo), e de Luiz Francisco Perrone, que passou a ocupar a direção da Brasil Telecom. “Ninguém nunca saiu da agência para trabalhar em um órgão de defesa do consumidor”, ironiza Lefévre.

O ex-presidente da Telebrás, um dos coordenadores de sua privatização, Fernando Xavier Ferreira, pode ser considerado um caso emblemático da forma como se dá a influência. Após a privatização da estatal tornou-se “no dia seguinte” presidente do Grupo Telefônica e “foi por muito tempo presença constante na Anatel registrada em documentos, como atas de reuniões de conselhos”, diz a advogada. “Esta relação da agência com os agentes privados, de certo modo promíscua, a gente sabe que interfere muito na forma que a Anatel regula ou deixa de regular”, completa.

Participação social

Por outro lado, o espaço com uma maior participação de representantes da sociedade civil no interior da agência, o Conselho Consultivo, composto por doze membros, não possui poderes efetivos, desempenhando um papel restrito de pressão política. São consideradas suas atribuições opinar sobre políticas de comunicação, apreciar os relatórios anuais do Conselho Diretor, aconselhar em temas relativos à prestação de serviço no regime público, requerer informações e propor ações. Ainda assim, metade dos seus membros são indicados pelos Poderes Executivo e Legislativo Federal, dois por associações das empresas de telecomunicações e outros quatro por entidades representativas dos “usuários” e da “sociedade”, sendo que esses últimos termos, pela imprecisão, dão margem para amplas interpretações.

Outras evidências da ampla influência do interesse privado sobre a atuação da agência surgem no que deveriam ser os demais mecanismos democráticos de participação. Embora tenham ocorrido 32 consultas públicas e 29 audiências no ano passado, aumento importante se considerarmos que estas últimas foram apenas 14 em 2010, ainda sim esses instrumentos têm se apresentado extremamente limitados para uma ampliação real da participação social.

Em primeiro lugar, há poucas informações para a população em geral que possibilite avaliações qualificadas dos cenários de inovação e regulação. Soma-se a isso que a utilização de linguagem técnica para tratar de discussões tecnológicas e econômicas não permitem uma rápida compreensão das questões em jogo por parte dos atores sociais.

Nesse quadro, quem não possui capital comparável ao das empresas que investem milhões em consultorias, análises e estudos, entra em uma disputa desleal. Em segundo lugar, a sociedade civil organizada não tem sido convidada para se informar antecipadamente sobre determinados temas e iniciativas, sendo pega muitas vezes de surpresa pelas breves “consultas” do poder público. “O bom andamento destes processos necessita de uma agenda regulatória, fruto de processo decisório amplo, que possa ser acompanhado de maneira simples, pública e em sistema com constante atualização”, afirma Veridiana Alimonti, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

Há, ainda, o problema da centralização das audiências públicas em Brasília, o que dificulta uma mobilização representativa de grupos sociais interessados em participar, enquanto o setor empresarial possui recursos suficiente para levar seus representantes e manter escritórios na capital federal. Conforme um dos membros do Conselho Consultivo, Marcelo Miranda, deveria haver “um número maior de audiências, como, por exemplo, uma edição por região do Brasil, em especial quando o tema for de alta relevância”

Podem ser apontados, porém, alguns avanços no sentido da efetivação de direitos na política da Anatel. De acordo com a advogada do Idec, há “medidas positivas recentes tomadas em direção à internalização da proteção do consumidor nas atividades da agência”, como o Plano de Ação Pró-Usuários, aprovado em 2010.  O representante do Instituto Telecom destaca, também, a decisão de se transmitir as reuniões do Conselho Diretor ao vivo pela internet como opção importante para a transparência do órgão. É possível acrescentar ainda a disponibilidade de acesso a dados efetuada no contexto da implementação da Lei de Acesso à Informação, que promove uma outra cultura de relação entre órgãos públicos e os cidadãos.

Sociedade questiona o papel da Anatel

O dia é especial. Uma entidade pública, símbolo da política dos anos 90 debuta. Os convidados se reuniram para a celebração às 16h, desta segunda, 5, no Espaço Cultural da Agência Nacional de Telecomunicações – a Anatel. A mensagem de seu presidente, João Rezende, afirma “ao longo de seus quinze anos de existência, a Anatel foi bem-sucedida na missão de estabelecer um arcabouço normativo sólido – com regras claras, resultantes de um processo decisório transparente -, condição necessária para o cumprimento das políticas públicas e para a atração de investimentos”. A sociedade questiona.

Há exatos quinze anos, o Governo Federal colocava em prática um novo modelo institucional de regulação de setores estratégicos do mercado brasileiro. A instalação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no dia 5 de novembro de 1998, primeira entre as agências reguladoras a funcionar, marcou um passo importante no avanço da política liberalizante implementada nos últimos  vinte anos. Com a criação dos novos órgãos, estavam dadas as condições para que o Estado entregasse empresas públicas à iniciativa privada, assumindo funções econômicas estritamente de regulação e fiscalização. Entretanto, o cumprimento do papel designado à agência tem se deparado com obstáculos na implementação deste modelo idealmente pensado nos princípios da competição e universalização.

Em busca de uma regulação que efetive direitos

A Anatel surge conjuntamente com a implementação de novas orientações políticas que “tiveram como principal fundamento a privatização do setor, deixando de lado políticas de compartilhamento, de desenvolvimento e de pesquisa”,  afirma Marcello Miranda, membro do centro de estudos Instituto Telecom e um dos representantes da sociedade civil no Conselho Consultivo da agência. Criada para viabilizar um novo quadro de telecomunicações no Brasil no contexto da quebra do monopólio estatal de exploração dos serviços de telecomunicação pela Emenda Constitucional n.8/95 e pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), ambas criadas durante o governo FHC, foi atribuída à agência o papel de outorgar, regulamentar e fiscalizar o setor.

As dificuldades anteriores do sistema de telecomunicações que fundamentaram o discurso a favor da venda das empresas estatais e da definição de um marco regulatório com ênfase liberal teria, de acordo com Miranda, sido fruto da ausência de investimentos por parte de sucessivos governos, o que repercutiu em ineficiência, encarecimento e obstáculo à expansão de serviços. A orientação política pautada pelo comprometimento com a prática de ajuste fiscal exigida por agentes do mercado financeiro teria estrangulado as possibilidades de um crescimento que inclui-se novos setores da população e que proporcionasse um funcionamento satisfatório. A Anatel teria sido, então, criada por ideólogos do neoliberalismo no Brasil como parte da reconfiguração do papel do Estado  em busca de uma solução para as deficiências das empresas estatais em um momento de crise do desenvolvimentismo e pressão do capital internacional.

Proposto como solução, o órgão não vem cumprindo de forma satisfatória o papel que lhe foi designado. A Anatel, concebida como autarquia, com autonomia financeira, não tem como fiscalizar de forma efetiva as empresas privadas de telefonia que ocuparam o espaço da antiga Telebrás. Embora o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) tenha arrecadado R$ 7,9 bilhões em 2011, a Lei Orçamentária Anual (LOA), destinou apenas R$ 467 milhões para as despesas da agência (em 2010, esse montante foi da ordem dos R$ 300 milhões).

Da mesma forma, com o mesmo objetivo de “fazer caixa” (basicamente cumprir metas fiscais determinadas por agentes financeiros), o Governo Federal tem retido, desde a sua criação em 2000, os recursos arrecadados pelo Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que tem por finalidade cobrir custos relativos ao cumprimento das obrigações de universalizar os serviços de telecomunicações. Já são cerca de R$ 12 bilhões utilizados como “contribuição para o superavit primário”.

Segundo Veridiana Alimonti, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a regulação no Brasil, concebida como meio de viabilização das privatizações, teve “seu aspecto de regulação econômica fortalecido em detrimento da regulação social”. Assim, o processo de criação de agências reguladoras levou à configuração de um sistema “sem uma efetiva perspectiva de defesa do consumidor entre suas prioridades e em contexto de total ausência de uma cultura reguladora no país”.

Distorções do sistema

Nota-se facilmente as consequências da adoção de um sistema regulador com essas características. Ocorreu de fato a expansão do serviço de telefonia no Brasil nos últimos quinze anos, por exemplo, devido, principalmente, à popularização da tecnologia de aparelhos móveis (fenômeno que pôde ser observado simultaneamente em quase todo o mundo). De 2010 para 2011 a quantidade desses dispositivos que permitem tráfego de dados passou de 20,6 milhões para 41,1 milhões.

Por outro lado, o país apresenta um quadro composto por tarifas mais altas de telefonia móvel para a população mais pobre, práticas ilegais no serviço oferecido e quedas frequentes nos sinais, o que tem levado a sociedade civil a pressionar o Congresso Nacional pela instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e cobrar da Anatel a proibição das operadoras comercializarem seus serviços. Os indicadores da agência para avaliação da qualidade da banda larga móvel, por exemplo, exige que somente em novembro de 2014 os usuários deverão contar com 80% de transmissão média contratada. Ou seja, as operadoras estão recebendo um prazo extenso para melhorarem o serviço que, ainda assim, ficará aquém do firmado no contrato com os clientes.

Alguns problemas são ainda mais explícitos, como evidencia o caso das multas constituídas. Se o montante acumulado em 2011 alcança a marca dos cerca de R$ 616 milhões devido pelas operadoras à Anatel, apenas R$ 76,3 milhões foram arrecadados. Como solução discute-se a possibilidade da substituição do pagamento das multas pelas empresas por investimentos em suas próprias redes, o que as faria se capitalizar com dinheiro público e se justificaria ideologicamente como política de investimento.

Foi dado, ainda, às próprias empresas que terão os seus serviços de comunicação multimídia e serviço móvel pessoal fiscalizados o direito de selecionar e contratar a entidade que faz a medição da qualidade. Isto quer dizer que a Anatel transfere para os agentes de mercado que deveriam ser monitorados a competência de definir e se relacionar com o instrumento de monitoramento, como um pastor que delegasse ao lobo a tarefa de tomar conta das ovelhas.