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Entidades do Ceará se contrapõem à transmissão de missas em TV legislativa

Após o anúncio feito pelo presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, vereador Walter Cavalcante (PMDB), no dia 1º de janeiro, de que teria como uma das prioridades do seu mandato a transmissão de missas e cultos nos canais legislativos – TV e Rádio Fortaleza – o debate sobre a laicidade do Estado, a programação e a gestão das emissoras públicas vem ganhando espaço na mídia, na Câmara e em grupos da sociedade civil. Na última segunda-feira (21), dia nacional de combate à intolerância religiosa, comunicadores populares, entidades da sociedade civil, movimentos sociais e parlamentares se reuniram com o objetivo de abrir um espaço de diálogo para contrapor a a proposta do presidente da Câmara.

Segundo Aby Rodrigues, do Instituto Negra do Ceará (Inegra), a proposta representa um movimento de avanço de práticas que fortalecem o machismo, o patriarcalismo e o racismo. “Lembramos que o mesmo vereador também é autor da proposta de inclusão da Marcha pela Vida Contra o Aborto no calendário oficial do município, um ataque direto à luta pela legalização e descriminalização, quando todas/os sabemos que são as mulheres negras pobres que mais abortam nesse país e consequentemente são as que mais morrem pela falta de assistência médica. Além disso, vale destacar que muitas de nós são praticantes das religiões de matriz africana, crença que já sofre bastante discriminação em uma sociedade majoritariamente cristã e racista”, afirma.

Laryssa Sampaio, estudante de Comunicação Social e militante da Marcha Mundial de Mulheres, reitera a preocupação com o avanço do conservadorismo e defende que a luta das mulheres “também passa pela luta por um outro modelo de comunicação”. Segundo a estudante, algumas propostas de ação foram discutidas na reunião realizada na última segunda-feira. “Conseguimos dar encaminhamentos que buscam o diálogo com a sociedade, que travam a luta política por um modelo de comunicação democrático, laico e popular e ainda a luta no âmbito judicial”, ressalta.

Constituição

O Artigo 19 da Constituição Federal Brasileira proíbe o Estado de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público". Em matéria publicada no jornal O Povo em 15 de janeiro deste ano, o vereador Elpídio Nogueira (PSB) – encarregado de levar adiante a proposta de transmissão das missas e cultos nos canais legislativos municipais – afirmou que o estado laico deve respeitar “as maiorias” e que não se trata de “colocar a religiosidade oficialmente, mas retratar o aspecto religioso da cidade”.

Em 2010, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) passou por discussão similar que resultou na determinação de seu Conselho Curador de retirar os programas religiosos veiculados pela TV Brasil e pelas rádios da empresa de suas grades de programação, a partir da avaliação que a emissora pública não poderia conceder espaços para o proselitismo de religiões particulares. Em 2012, o Conselho Curador determinou a criação de uma faixa de conteúdo religioso orientada por um conselho editorial específico.

Manifestação

As entidades e movimentos presentes na reunião lançaram hoje  uma nota oficial (leia abaixo) se contrapondo à medida dos parlamentares e anunciaram que irão recorrer ao Ministério Público questionando o respeito ao princípio da laicidade do estado. Segundo Raquel Dantas, integrante do Intervozes, o objetivo central do grupo é garantir uma discussão democrática e participativa sobre a programação dos canais legislativos. “O caso da veiculação de missas e cultos é um caso específico de conteúdo, mas a discussão sobre o que é veiculado deve ser geral e acessível a qualquer cidadão. Um Conselho com participação popular seria um caminho para essa abertura, como vemos nos avanços tomados pela EBC através do Conselho Curador num caso semelhante ao da TV Câmara”, defende.

A próxima reunião aberta do grupo acontecerá no Conselho Regional de Serviço Social – CRESS, no dia 30/01 às 18h. O CRESS está localizado na Rua Waldery Uchoa, 90, no bairro Benfica.

Confira a nota publicada pelas entidades:

TV e rádio Fortaleza: comunicação pública deve ser laica e democrática, com pluralidade e diversidade

Nós, comunicadores populares, movimentos sociais e religiosos abaixo-assinados, questionamos a transmissão de rituais religiosos na TV Fortaleza, proposta pelo presidente da Câmara Municipal, vereador Walter Cavalcante (PMDB), e assumida pelo vereador Elpídio Nogueira (PSB).

Defendemos a divulgação da fé ou de quaisquer crenças, que pode e deve ser realizada, sem qualquer discriminação, nos programas das emissoras legislativas. No entanto, somos contrários (as) ao uso de meios de comunicação públicos para fins de proselitismo religioso, o que em nada contribui para um ambiente de respeito à diversidade e à pluralidade de crenças religiosas, valores ético-morais e visões políticas que caracterizam a nossa sociedade. O privilégio concedido a segmentos, ao contrário, retira do Estado o seu caráter laico e fortalece uma cultura de intolerância.

Nosso argumento é para que se cumpra a Constituição Federal, mais precisamente explicitada no Artigo 19: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Acreditamos que a proposta, divulgada em matéria feita pelo jornal O Povo no dia 15 de janeiro deste ano (acessível em: http://migre./cVcoo), viola a Constituição, já que não se trata de uma corriqueira divulgação da diversidade religiosa e cultural de nossa cidade, mas de uma promoção seletiva de confissões cristãs que tende a contemplar apenas grupos restritos. Por isso, solicitamos a imediata anulação da medida pela Câmara Municipal de Fortaleza.

Requeremos, ainda, em cumprimentos dos pressupostos democráticos e republicanos que devem basilar a comunicação pública, que a Casa Legislativa abra espaço para discutir com a sociedade civil a programação da emissora pública legislativa à exemplo do que vem ocorrendo na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que agrega televisões, rádios e agências de notícias do Governo Federal. Em 2010, a EBC passou por um processo similar, cujos debates e consultas resultaram na determinação do Conselho Curador, com ampla participação da sociedade civil, de retirar os programas religiosos que compunham a programação da TV Brasil e das rádios da empresa.

A deliberação do conselho ratificou um parecer elaborado no mesmo ano pela Câmara de Educação, Cultura, Ciência e Meio Ambiente do órgão, que defendia ser “impróprio que os veículos públicos de difusão concedam espaços para o proselitismo de religiões particulares, como acontece atualmente com os programas que vão ao ar na TV Brasil aos sábados e domingos, dedicados à difusão de rituais ou de proselitismo que favorecem a religião católica e a segmentos de outras religiões cristãs”. Neste caso, os programas foram retirados do ar, e, em julho de 2012, a EBC criou a Faixa da Diversidade Religiosa, que vai criar um programa, com uma hora de duração e de cunho jornalístico, focado na reflexão sobre as diversas crenças e outro, com meia hora, diretamente voltado às mensagens dos distintos grupos e expressões religiosos.

Nesse sentido, ressaltamos a necessidade de que seja realizado um amplo debate que envolva o poder legislativo municipal e a sociedade civil organizada para construir uma proposta de programação para as emissoras públicas (TV e rádio Fortaleza). A nova grade deve contemplar a diversidade e a pluralidade de ideais e crenças e que cumpra, em última instância, o objetivo central de informar a sociedade sobre as ações da Câmara de Fortaleza.

Assinam esta nota:

Consulta Popular
Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
Fábrica de Imagens
Fórum Cearense de Mulheres
INEGRA
Intervozes
Juventude Negra Kalunga
Mandato Ecos da Cidade
Mandato Ronivaldo Maia
Marcha Mundial das Mulheres
Nigéria Comunicação e Audiovisual
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares/CE
Serviço de Assessoria Jurídica Universitária –SAJU
TERRAMAR

A história de luta pela regulamentação da TV a Cabo no Brasil

A luta pela regulamentação da TV a cabo no Brasil fundamentou-se na possibilidade de se oferecer à população brasileira uma alternativa à TV aberta, oligopolizada por um número reduzido de emissoras. O ápice desta batalha se deu no início da década de 90, quando foi apresentado um projeto de lei na Câmara dos Deputados que, depois de muita negociação, foi aprovado no final de 1994 e converteu-se na Lei nº 8.977/1995, sancionada em 6 de janeiro de 1995 (a Lei do Cabo). Com a lei, foi regulamentado o funcionamento de canais privados no sistema de televisão por assinatura brasileiro e também dos canais básicos de utilização gratuita (comunitários, legislativos, universitários e educativo-culturais).

De acordo com o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), Murilo César Ramos, que participou ativamente das negociações da Lei do Cabo como representante da Academia, ver a TV a Cabo como alternativa à TV aberta era um sonho, já que as próprias experiências de TV paga no mundo sempre mostraram que eram uma opção elitizada, por conta do acesso restritivo. Mas foi este sonho que motivou o início da luta pela regulamentação e o desenho dos primeiros esboços desse modelo de televisão no Brasil.

Segundo relata o professor Murilo, a luta pela regulamentação da televisão a cabo no Brasil começou ainda na década de 70, com a criação da Associação para a Promoção da Cultura (APC), em 1973, pelo ativista gaúcho Daniel Herz, que faleceu em 2006. “Graças a encontros entre Daniel Herz, representando a APC, e o professor Romero Simon, do departamento de Engenharia da Universidade do Rio Grande do Sul (URGS), em meados da década de 70, foi elaborado um projeto-piloto de TV a cabo para o Rio Grande do Sul e entre o fim dos anos 70 e início dos anos 80 o Ministério das Comunicações chegou a ser provocado para regulamentar a TV a cabo no Brasil”, relembra Murilo Ramos.

Se a pressão dos radiodifusores fez com que a discussão não prosperasse naquela época, no início da década de 90 a discussão volta com força total, e encontra uma sociedade mais organizada. Entre outros atores, existia na época o Movimento Nacional pela Democratização da Comunicação, que atuou durante a Assembleia Constituinte  pela inclusão dos artigos referentes à Comunicação Social na Constituição Federal e que agregava várias entidades do setor. Em 1992 o Movimento se transformou no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que assumiu o protagonismo desta luta. Além disso, Daniel Herz, fundador da APC e grande entusiasta da ideia, ocupava a presidência da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), uma das entidades fortes do FNDC.
 
Em 1991 foi realizada em Brasília uma audiência pública organizada pela Secretaria Nacional de Comunicação (SNC) – órgão equivalente ao Ministério das Comunicações no governo Collor – sobre a consulta pública da portaria que criava o serviço de TV a Cabo no Brasil. “Na véspera da consulta, realizamos uma grande plenária na UnB e estavam presentes organizações da sociedade civil envolvidas com o tema na época: Fenaj, Sindicato dos Jornalistas, Radialistas, o pessoal da própria Faculdade de Comunicação da UnB, entre outras, para decidir como iríamos participar dessa audiência, como seria a intervenção. No dia da audiência, o auditório ficou tomado pelas organizações, que também fizeram faixas, e isso até causou grande surpresa nos participantes da audiência”, conta o professor.
 
Nesse período, a reivindicação da sociedade civil era principalmente em relação ao instrumento jurídico quer seria utilizado para regulamentar TV a Cabo no Brasil. “Dizíamos que se tratava de assunto tão importante, que uma mera portaria não poderia regulamentar. Nós queríamos uma lei, aprovada no Congresso, para fortalecer a política e para que houvesse um debate amplo e democrático no Congresso. E também porque não queríamos correr o risco de ver as outorgas entregues para as mesmas emissoras que já monopolizavam a TV aberta”, conta Murilo Ramos.
 
“Nós decidimos fazer um projeto de lei para parar a portaria. Um dia, fizemos uma reunião com Carlos Eduardo Zanata, assessor técnico para a comunicação da bancada do PT na Câmara,  e elaboramos uma proposta. Chamamos o Tilden Santiago, deputado federal pelo PT de Minas, jornalista ligado às lutas históricas pela democratização da comunicação e ele assinou o projeto. Estava pautada no Congresso a regulamentação da TV a cabo. Com o projeto tramitando, o Executivo ficou de mãos atadas. Ele não iria ter coragem de soltar a portaria se tinha um projeto em tramitação sobre o mesmo assunto”, explica o professor, referindo-se ao Projeto de Lei nº 2.120, que dispunha sobre o Serviço de “Cabodifusão” no Brasil e foi apresentado na Câmara em novembro de 1991 pelo então deputado federal Tilden Santiago.
 
Um ano após o projeto de lei ter sido apresentado na Câmara, aconteceu um fato inédito e positivo para as entidades do movimento nacional pela democratização da comunicação: a deputada federal Irma Passoni (PT-SP) assumiu a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, o que o professor Murilo Ramos qualifica de “acidente legislativo positivo para o nosso campo”, já que normalmente a comissão ficava sob comando de setores mais conservadores da sociedade. “Ela designou como relator do Projeto de Lei o deputado Koiyu Iha (PSDB-SP), num lance de mestre, porque não tinha como brigar com o PFL sem uma aliança maior na Câmara. Nós ajudamos a montar uma pauta para a comissão, que fazia reuniões formais e informais, audiências. Ela passou a comandar dentro do Congresso a discussão, a partir da visão de que não era um problema do parlamento, mas de que a lei tinha que ser feita pela sociedade”, rememora o professor Murilo.
 
Para o radialista e diretor do Sindicato dos Radialistas do Distrito Federal (SINRAD-DF) Chico Pereira, que na época era diretor do SINRAD-DF e integrante do Movimento Nacional de Radialistas – que mais tarde se transformaria na Federação Interestadual dos Trabalhadores em Rádio e TV (Fitert) –, a aprovação da Lei do Cabo foi resultado de uma “boa aliança entre movimentos sociais e alguns parlamentares”, referindo-se ao espaço para o diálogo que se estabeleceu entre a sociedade e a CCTCI. “Sem dúvida, a aprovação desta lei esta foi uma conquista da sociedade civil organizada em parceria com legisladores sérios, atuando conjuntamente por dentro da Comissão”, relata o radialista. “Nossa grande busca era garantir na Lei do Cabo um espaço aberto e patrocinado para as TVs comunitárias, legislativas, universitárias. Foi alcançado não o quanto queríamos, mas foi alguma coisa. Um dos pontos importantes, a meu ver, foi garantir que a TVs comunitárias tivessem canais no cabo com o mínimo de gasto possível”, conta Chico Pereira, que também comemora a garantia do espaço para os canais legislativos no cabo.

Divergências na negociação
 
A CCTCI havia sinalizado que acataria as sugestões que viessem da sociedade para fechar o texto da lei, mas a própria sociedade estava com dificuldades de fechar um texto comum, devido à intervenção dos empresários nas negociações. “Ainda vigia o monopólio estatal das telecomunicações e a Telebrás – e representantes da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (Fittel), muitos deles trabalhadores da Telebrás – diziam que só ela poderia fazer e operar estas redes. Já as empresas privadas diziam que se tratava de um serviço privado e que não cabia o monopólio, destinado apenas para serviço público. E as forças hegemônicas do FNDC (representadas principalmente por Daniel Herz, presidente da Fenaj na época) defendiam que a rede podia ser privada, mas com estatuto público, inclusive eu também defendia essa posição”, relata o professor Murilo Ramos.
 
Ramos esclarece ainda que “aquela foi uma discussão presidida pela questão tecnológica e o grande impasse era o controle da rede. Sabia-se já naquela época que o futuro era a fibra ótica e a banda larga, as redes de alta velocidade e alta capacidade”, diz o professor. Ainda segundo ele, depois de intensas negociações, a proposta apresentada pelas hegemônicas do FNDC foi acolhida pelo relator do projeto. “A rede seria privada, mas o estatuto dela seria público, como são as redes das concessionárias hoje”, afirma o professor.
 
As últimas negociações entre a sociedade para deliberar sobre a Lei do Cabo ocorreram em uma plenária do FNDC que ocorreu em Salvador, no segundo semestre de 1994. “Era a plenária que fecharia o texto final da lei, claro, com as pré-condições postas”, conta o professor Murilo Ramos, que se lembra de outro ponto de discordância surgido na plenária: a questão da exclusividade na exploração do serviço. “Os empresários conseguiram aprovar que haveria exclusividade para exploração do serviço e houve forte reação contrária da sociedade em relação a este ponto. Fizemos um acordo para que houvesse competição e, finalmente, o deputado Koiyu Iha recebeu o texto que foi aprovado na nossa plenária da deputada Irma Passoni. Depois disso, foi feito um acordo de lideranças e o texto foi aprovado sem mudanças na Câmara e no Senado. Passou em outubro de 1994 no Congresso e foi a primeira lei sancionada pelo FHC, em janeiro de 1995”, finaliza o professor.
 
O jornalista, diretor da TV Comunitária de Brasília e vice-presidente da Fenaj na época das negociações da Lei do Cabo, Beto Almeida, afirma que foi contra alguns elementos do acordo feito entre a sociedade civil organizada, parlamentares e empresários para a aprovação da lei, mas foi voto vencido. “Nós gostaríamos de ver incluída a limitação à propriedade cruzada, para que não se reproduzisse no cabo o mesmo desequilíbrio do controle de espaços midiáticos por setores já poderosos no espaço aberto”, recorda Almeida.  “Outra questão que buscamos e fomos derrotados era a inclusão de uma forma de sustentabilidade às TVs comunitárias, porque os canais das instituições, como TV Senado, Câmara e TVs Assembleia têm sua forma de sustentabilidade, mas as TVs comunitárias não. Ademais, há uma proibição para que elas pratiquem a publicidade, então, como vai viver uma televisão comunitária? E tiveram outras propostas e projetos que tentamos incluir na negociação na época, mas que não fomos atendidos Nós queríamos que a Lei do Cabo tivesse um grau de democracia e pluralidade um pouco mais amplo. Houve a conquista possível”, relata.

Mobilização da sociedade: conquista alcançada e não continuidade
 
Para Murilo Ramos, esta foi, depois da Assembleia Nacional Constituinte, a mais importante mobilização que reuniu sociedade civil, empresas e Congresso, para discutir um tema de comunicação. “Depois da Constituinte foi a maior mobilização, fazendo-se uma ressalva apenas para a Confecom, que trouxe outros atores de fora do campo da comunicação para discutir o tema, e essa foi uma grande contribuição. As discussões da Constituinte e da Lei do Cabo ficaram no meio de especialistas”, argumenta o professor, que acredita ainda que as discussões e mobilizações em relação à Lei do Cabo fizeram com que a sociedade civil se organizasse melhor e acumulasse muito politicamente.
 
Entretanto, segundo o radialista Chico Pereira, a mobilização da sociedade, que neste caso da Lei do Cabo se deu de forma bastante ativa, esfriou. “A julgar pela mobilização e pela forma como as coisas vinham acontecendo, eu tinha a impressão de que outras coisas, como a regulamentação dos artigos da Constituição Federal relativos à comunicação, viriam com o mesmo grau de interesse e construção de consenso”, pontua. “Acredito que isto não se deu porque o perfil do Congresso Nacional piorou muito, na medida em que houve um derrame de concessões, inclusive de comunitárias, para os parlamentares. Isso passou a ser um dos grandes entraves para a regulamentação da comunicação no Brasil”, constata o radialista.
 
De qualquer forma, é consenso entre os representantes da sociedade civil que atuam no campo da comunicação que, embora o texto aprovado não tenha sido o ideal, a garantia dos canais básicos de utilização gratuita (comunitários, legislativos, universitários e educativo-culturais) no sistema de televisão a cabo brasileiro foi muito importante. “Marcou uma possibilidade, um potencial. E para mim, o grande legado são os canais legislativos, porque eles tinham recursos e conseguiram, progressivamente, montar seus canais no cabo, obter outorga e colocá-los no satélite. O acesso ainda é restrito, mas o sucesso desses canais é do ponto de vista de conteúdo, pelo fato de terem recursos e profissionais se dedicando a eles”, reflete o professor Murilo Ramos.

As rádios suspeitas de Renan

O filho do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o deputado federal Renan Filho (PMDB-AL), diz ser sócio de uma rádio que, oficialmente, nos registros do Ministério das Comunicações, nunca o teve como cotista e está em nome de um funcionário do gabinete de seu pai, Carlos Ricardo Nascimento Santa Ritta. Além disso, o parlamentar se apresenta como cotista da Rádio Correio de Alagoas. No entanto, essa emissora não existe no cadastro do ministério, que está atualizado até 14 de janeiro deste ano e cujo conteúdo foi confirmado pela assessoria da pasta. O deputado informou, por meio de sua assessoria, que todas suas emissoras estão registradas em seu Imposto de Renda.

Em 2007, no auge da crise no Senado, quando corria o risco de perder o mandato, o senador Renan Calheiros veio a público negar que utilizasse laranjas para esconder uma suposta sociedade em rádios em Alagoas. Porém, passados cinco anos, a situação continua a mesma: o Sistema Alagoano de Radiodifusão, que aparece na declaração de bens entregue por Renan Filho à Justiça Eleitoral em 2010, está registrado oficialmente em nome de Santa Ritta e de José Carlos Pacheco Paes.

Em 2008, quando concorreu à reeleição à prefeitura de Murici, o filho do senador informou que detinha apenas 40 mil cotas, no valor de R$ 40 mil, do Sistema Costa Dourada de Radiodifusão. Em dois anos, passou a ser sócio, juntamente com o primo do senador, Ildefonso Tito Uchoa, de mais duas rádios com retransmissoras em cidades do interior – além do Sistema Alagoano, no qual possui participação de R$ 25 mil, há também a Rádio Correio de Alagoas Ltda, com R$ 49.709.

Santa Ritta está no Senado desde 2008

O assistente técnico Carlos Ricardo Nascimento Santa Ritta está no Senado desde 22 de outubro de 2008. Santa Ritta, na verdade, voltou ao posto que já ocupava depois de ser derrotado para a prefeitura de Jequiá da Praia (AL). Embora ele apareça como sócio do Sistema Alagoano de Rádio, Santa Ritta não informou à Justiça Eleitoral esse vínculo.

O Sistema de Acompanhamento de Controle Societário informou que Renan Filho e Tito Uchoa são sócios na Costa Dourada nos municípios de Coqueiro Seco, Delmiro Gouveia e Matriz de Camaragibe. Outra retransmissora, em Maragogi, está em nome do ex-secretário de Educação de Maceió Nilton Tadeu Lira Neto (PSD) e de um funcionário da prefeitura de Ibateguara, Francisco Lopes Alves Pinto.

De acordo com o Ministério das Comunicações, Renan Filho e Tito Uchoa pagaram R$ 788.232 pelas concessões. Ainda falta uma parcela, de R$ 110.561, a ser paga em 16 de março deste ano. O ministério informou que não é possível saber o valor da comercialização depois que a concessão foi outorgada.

Em julho de 2011, um site de Maceió noticiou que passaria a transmitir com exclusividade toda a programação da Rádio Correio, de Renan Filho e Tito Uchoa, aquela que não consta nos registros do Ministério das Comunicações. O primo de Renan, classificado como diretor-geral da emissora, adiantava que a potência da rádio iria dobrar e que seria possível ouvi-la não apenas em Alagoas, mas em estados vizinhos. Para o Ministério das Comunicações, a única emissora do grupo que ainda não está no ar fica em Delmiro Gouveia.

Deputado: cotas são anteriores ao mandato

O deputado Renan Filho informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que todas as rádios dele estão declaradas no Imposto de Renda – não disse quais. De acordo com a assessoria, Renan Filho não é fundador das rádios, mas tornou-se sócio delas depois. Ele também não especificou quando. O parlamentar disse que já entrou com um processo no Ministério das Comunicações para regularizar a sociedade, mas o processo não andou. O deputado afirmou, ainda, que comprou as cotas das rádios "muito antes" de ser deputado.

O GLOBO procurou falar com o senador Renan Calheiros, mas sua assessoria disse que não fazia contato com ele havia alguns dias e sugeriu que o jornal tentasse contato por celular, o que não foi possível. Carlos Ricardo Nascimento Santa Ritta, funcionário de Renan que aparece como sócio do Sistema Alagoano, atendeu a um telefonema do GLOBO, mas, ao ser informado do que se tratava, a ligação caiu e não foi possível novo contato.

Quase metade das FMs de SP são suspeitas de irregularidades

O Ministério das Comunicações (MiniCom) informa que deve comunicar o resultado da fiscalização sobre irregularidades no funcionamento de emissoras de rádio no município de São Paulo assim que receber o parecer da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), previsto para meados de fevereiro. A declaração do Ministério foi entregue ao Ministério Público Federal de São Paulo que havia recomendado em 2012 a verificação das condições em que operavam rádios comerciais e educativas na capital do estado.

De acordo com a apuração feita pelo Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac), e encaminhada pelo MPF-SP ao MiniCom, de 39 emissoras FM com operação na cidade de São Paulo ao menos 16 têm licença de funcionamento apenas para outros municípios do estado. Conforme a investigação realizada, haveria também um caso de “duplicidade de outorga”, em que o Grupo CBS teria extrapolado o limite de concessões permitidas. O Findac, fórum que articula procuradores federais, entidades da sociedade civil e institutos de pesquisa, recebeu a resposta do Governo Federal por meio do MPF-SP em reunião realizada na última sexta (11/01).

O MiniCom informa que tomou alguns encaminhamentos junto à Anatel com o objetivo de “avaliar os aspectos de ordem técnica que motivaram as alterações nas instalações de estações retransmissoras em municípios diversos da outorga”. Declara também que sua consultoria jurídica está avaliando o caso do Grupo CBS, suspeito de ultrapassar o limite permitido de outorgas.

Conforme publicado em matéria anterior do Observatório do Direito à Comunicação , o MPF-SP recomendou que o MiniCom e a Anatel realizem em até 6 meses um Plano de Ação para verificar a situação das seguintes rádios: Sulamérica Trânsito, Vida FM, Sê tu uma benção, Scalla FM, Tupi FM, 89 FM, Bandeirantes, Nativa, Terra FM, Energia 97, Rede Aleluia de Rádio, Alpha 105 FM, 106 LOVE FM, Rádio Mix, Expressão FM e Tropical.

Seminário internacional discute relação da mídia com as crianças

Enquanto no Brasil uma criança passa, em média, cinco horas diárias em frente à televisão – geralmente desacompanhada –, no Reino Unido este tempo limita-se praticamente à metade. Este tipo de descompasso se manifesta também em outro aspecto: as pesquisas científicas, a participação da sociedade e as políticas públicas em relação à interface criança-mídia estão muito mais avançadas nos países europeus.

É neste cenário que a ANDI – Comunicação e Direitos realiza o Seminário Internacional Infância e Comunicação – Direitos, Democracia e Desenvolvimento, que reunirá em Brasília, nos dias 6, 7 e 8 de março de 2013, alguns dos maiores especialistas mundiais neste campo.

O evento, que acontece em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério da Justiça, quer estimular o debate público em torno do papel estratégico desempenhado pelas ferramentas de comunicação e informação nos processos de transformação social.

Para contribuir nesta discussão, o evento trará o aporte de experiências exitosas desenvolvidas por democracias consolidadas da Europa, da América do Norte e da Oceania, além de ações pioneiras da América Latina e da África.

Nos últimos anos, a ANDI vem produzindo análises e estudos comparativos sobre o assunto. De acordo com o mais recente diagnóstico, os países da América Latina carecem de meios técnicos e iniciativas políticas no que se refere à interface que vincula os direitos da infância ao direito à comunicação.

“Muitos desses Estados carecem, inclusive, dos adequados instrumentos legais para equacionar os conflitos de interesse que habitualmente tensionam as esferas da comunicação midiática e da liberdade de expressão”, salienta Veet Vivarta, secretário executivo da ANDI.

Programação

Tópicos como as práticas de responsabilidade social empresarial no campo da comunicação; a mensuração de impacto das iniciativas de mídia/comunicação para o desenvolvimento; e as políticas de inclusão digital integram a programação. Além disso, estarão em foco a educação para a mídia; a publicidade dirigida às crianças e aos adolescentes e os sistemas de classificação etária para audiovisuais.

Adicionalmente, a pauta do seminário reconhece que a crescente influência da mídia sobre as sociedades contemporâneas tem reflexos especialmente marcantes sobre as condições de socialização e formação de crianças e adolescentes – o que exige o contínuo aperfeiçoamento dos marcos legais referentes ao setor.