No dia 4 de março (segunda-feira), durante a reunião ordinária do Conselho de Comunicação Social (CCS), o seu presidente, Dom Orani Tempesta, informou aos demais conselheiros sobre sua condução à presidência do canal católico Rede Vida de Televisão. O arcebispo foi eleito no dia 18 de fevereiro para ocupar o lugar do fundador da emissora, Dom Antônio Mucciolo, falecido em setembro de 2012. “Consulto se essa eleição não torna diferente minha participação nesse conselho e, portanto, sem razão de continuar ocupando esse honroso cargo”, questionou em carta entregue ao CCS.
Para entender o questionamento: Dom Orani Tempesta é arcebispo do Rio de Janeiro e ocupa no CCS, além da presidência, uma das cinco vagas reservadas à sociedade civil. Além dessas, o órgão possui também cadeiras reservadas a três representantes das empresas do setor, quatro representantes de categorias profissionais e um engenheiro de notório conhecimento.
Com a condução do religioso à direção de uma empresa de radiodifusão, surge um impasse: “eleito para representar a sociedade, pressupõe-se que não tenha vínculo direto ou indireto com as empresas que são, inclusive, objeto de estudo e análise do conselho. Essa condução cria um conflito de interesses”, explica Murilo César Ramos, professor da Universidade de Brasília e coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCOM).
“Se ele é representante da empresa, acho complicado ele ser representante da sociedade e votar pela sociedade”, afirmou José Nascimento, ocupante da vaga dos profissionais radialistas no CCS. “Pode ter a postura ilibada, tenho muito respeito por ele, mas é complicado, pois, por melhor que a pessoa seja, ela está representando um canal de televisão”, completou.
Para o representante dos profissionais jornalistas no conselho, Celso Schröeder, mais do que constituir-se um “conflito de interesses” há na verdade um “impeditivo legal” na ocupação da presidência do CCS por Dom Orani, na medida em que já existe um espaço reservado para a “representação corporativa”. Entretanto, o presidente da Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ), diz acreditar que o problema pode ser resolvido “tranquilamente, sem a necessidade de intervenção”. Segundo ele, o mais importante é “garantir a diversidade e que a sociedade civil não seja tomada por um único pensamento”.
Segundo Paulo Victor, membro do Intervozes, organização da sociedade civil que não ocupa vaga no conselho e que luta pela efetivação do direito à comunicação, Dom Orani “além de representar um segmento privilegiado da sociedade dentro do conselho (a igreja católica), em que não há representação de outras manifestações religiosas, ele agora representa também o setor empresarial”.
Dom Orani foi procurado pelo Observatório do Direito à Comunicação, mas recusou-se a se pronunciar sobre o assunto.
Apoio antecipado
Os representantes das empresas de comunicação não demoraram à manifestar seu apoio à permanência do então religioso radiodifusor na vaga da sociedade civil. Embora o representante dos profissionais radialistas, José Nascimento, tenha manifestado o desejo de que o assunto fosse tema da próxima reunião ordinária, Alexandre Kruel Jobim, do grupo RBS e da Associação Nacional de Jornais (ANJ), já se antecipou, expressando apoio e defendendo não haver nenhum obstáculo regimental à ocupação do cargo por Dom Orani. Foi seguido por Walter Ceneviva, do grupo Bandeirantes e da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), e por Carlos Leifert, do Grupo Globo e representante dos radiodifusores no Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) desde 1990.
O apoio imediato, porém, não se restringiu aos empresários, sendo expresso também pelos outros ocupantes de vagas da sociedade civil. Miguel Ângelo Cançado, representante da Ordem dos Advogados do Brasil, dirigiu-se à Tempesta “lamentando que V. Exª não esteja ainda integrando o Conclave e por isso não deverá V. Revmª ser Papa”. De outro lado, a atual legitimidade e representatividade dos conselheiros que ocupam as vagas da sociedade civil no CCS para fazer valer os interesses dos diversos setores sociais interessados na temática já havia sido questionada em notas públicas redigidas pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (FRENTECOM) , em que se afirma que “nas indicações das cadeiras da sociedade civil foram privilegiados setores conservadores (inclusive empresários do setor) e ligados às igrejas, com claro favorecimento a cidadãos com relações pessoais com o presidente do Congresso Nacional”.
Interesses empresariais nas vagas reservadas à sociedade civil
O objeto da atual discussão do CCS não é exclusivo desse conselho. De tempos em tempos a sociedade civil expressa publicamente sua indignação com a mobilização do setor empresarial para atender seus interesses nos espaços que são reservados à representação de interesses não-comerciais.
O próprio CCS já teve em suas duas composições anteriores diversos empresários da comunicação e seus representantes nas vagas da sociedade civil. Já foi indicado o Jaime Sirotsky (Grupo RBS), Roberto Wagner Monteiro (Rede Record), Segisnando Ferreira Alencar (TV Rádio Clube de Teresina), Felipe Daou (Rede Amazônica de Rádio e TV), Flávio de Castro Martinez (Rede CNT) e Paulo Marinho (Jornal do Brasil). Atualmente, João Monteiro Filho (que também foi conselheiro entre 2004 e 2006) também ocupa uma vaga da sociedade civil e é vice-presidente da Rede Vida de Televisão, mesma emissora que agora é presidida por Dom Orani.
Outro caso que tem sido denunciado pela sociedade civil é o atual processo de indicação de representantes para o Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel). A vaga da sociedade civil neste conselhojá foi ocupada em 2002, pelo presidente da Telemar; em 2008, por um dirigente da Brasil Telecom; em 2010, pelo presidente da Rede TeleSul; e, atualmente, o Clube de Engenharia tem apontado a movimentação dos empresários provedores de internet para ocupar novamente a cadeira .